Anais do V Congresso da ANPTECRE “Religião, Direitos Humanos e Laicidade” ISSN:2175-9685 Licenciado sob uma Licença Creative Commons JESUS DE NAZARÉ E O REINO DE DEUS, UMA ABORDAGEM A PARTIR DO PENSAMENTO DE JON SOBRINO Tiago Geyrdenn de Oliveira Gomes Bacharel em Teologia Pontifícia Universidade Católica de São Paulo [email protected] ST 19 – TEOLOGIA(S) DA LIBERTAÇÃO -TDL Resumo: O presente artigo aborda o tema que é substancial na cristologia da libertação, o Reino do Deus. Analisa-se o conteúdo que se constitui como fundamental para o pensamento teológico latino-americano. Realiza-se isto abordando a relação entre Jesus e o Reino, a partir da reflexão teológica elaborada na América Latina, mais especificamente na obra do teólogo Jon Sobrino. Na reflexão deste teólogo encontra-se o tema do Reino como centralidade da vida de Jesus. O objetivo é compreender a pessoa de Jesus Cristo a partir de seu anúncio do Reino de Deus. A metodologia será de ordem bibliográfica, a partir de revisão de literatura. O Reino está no centro da missão e pregação de Jesus, pois assim deduzimos dos Evangelhos, a realidade última só pode ser este mesmo Reino. O teólogo Jon Sobrino apresenta alguns aspectos que mostram esta centralidade, que serão abordados neste artigo. Jesus prega o Reino de tal forma que este aparece como a realidade última a ser buscada, ou como realidade última da divindade manifestada à humanidade. Como conclusão a cristologia pensada a partir da América Latina não poderia deixar de analisar e refletir o contexto histórico e atual. Por isso convida à ação, realiza um chamamento a um modo de vida diferente. Pensar uma cristologia libertadora é realizar uma reflexão sobre o Cristo tendo em conta o sofrimento de milhões que estão na miséria, imersos numa realidade de pecado pessoal, estrutural e social. A possibilidade de uma vida diferente, a possibilidade da construção de novas estruturas pode ser apresentada também pelo teólogo. Palavras-chave: Cristologia, América Latina, Teologia da libertação, Reino de Deus. Anais do Congresso ANPTECRE, v. 05, 2015, p. ST1907 Introdução Encontrar na pessoa de Jesus Cristo parâmetros para a práxis cristã atual é o pressuposto da reflexão teológica gestada a partir da América Latina. A teologia latinoamericana parte da necessidade de uma ortopráxis para a vida cristã atual a partir da reflexão cristológica. A prática de Jesus é o parâmetro para a atuação cristã hodierna e norma para a teologia. Com isso faz um retorno à pessoa de Jesus, modelo de homem perfeito, paradigma de fidelidade e serviço para todo o gênero humano, exemplo perfeito de confiança em Deus e entrega ao projeto do Pai e, partindo dele, motivar uma nova atitude cristã diante da realidade. Este artigo aborda o tema que recebe predileção na cristologia da libertação que é o Reino do Deus. Analisa-se o tema do Reino, cuja centralidade é evidente no pensamento teológico latino-americano. Sobre a temática do Reino Antônio Manzatto afirma que ele é o símbolo pelo qual Jesus quis exprimir o seu projeto. Sua vida inteira se compreende a partir dessa noção, sua figura histórica só tem sentido a partir dessa realidade do Reino de Deus. Ele ocupa lugar central na vida de Jesus e, por conseguinte, na teologia que quer compreendê-lo. (MANZATTO, 2007, p. 40) Tal temática adquire centralidade não só na vida de Jesus, mas também numa reflexão cristológica latino-americana. O artigo disserta sobre a relação entre Jesus e o Reino de Deus, com o intuito de compreender Jesus a partir do Reino. Para isto será tomado o pensamento do teólogo Jon Sobrino, devido a gama de obras que abordam a temática aqui trabalhada. Sobre a reflexão teológica de Jon Sobrino assim se refere Manuel Hurtado: para Sobrino, Jesus Cristo é o Mediador do Reino de Deus, um Reino marcado pela exigência de justiça e libertação. A reflexão cristológica de Sobrino pode ser caracterizada como uma cristologia prática, ou uma cristo-práxis, que se verifica menos na ortodoxia da confissão de Cristo e mais no seguimento, ou seja, na cristo-práxis de Jesus confessado como Cristo. (HURTADO, 2008, p. 321) Encontra-se na reflexão de Jon Sobrino esta centralidade que será trabalhada neste artigo. De início argumentando sobre como o Reino aparece na atuação histórica de Anais do Congresso ANPTECRE, v. 05, 2015, p. ST1907 Jesus enquanto realidade última, isto é, enquanto verdade fundamental com conteúdo também existencial. Passa-se em seguida para uma análise de alguns aspectos que, na definição de Jon Sobrino, apresentam e delineiam melhor esta realidade ultima e relação entre Jesus e o Reino. 1. O liame entre Jesus e o Reino de Deus A análise desta relação é bastante pertinente, pois trata de duas realidades indissociáveis, Jesus Cristo e o Reino de Deus. Tal análise intenta mostrar que o especificamente histórico de Jesus em sua pregação foi o Reino de Deus. Uma vez que o que está no centro da atividade de Jesus não é ele mesmo, mas o Reino de Deus, convém mostrar em que sentido se relaciona este Reino com Jesus, ou de que forma estão vinculados. Existe, já no início dos Evangelhos, algo na vida de Jesus que não é ele mesmo, algo pelo qual ele dedicou seu tempo, seus esforços e sua vida. Algo que, utilizando uma expressão existencial, deu sentido a sua vida humana. Este algo que está no centro da mensagem e da atividade de Jesus é o Reino de Deus. Antônio Manzatto afirma que “essa mesma centralidade o Reino de Deus vai ocupar na elaboração da teologia latino-americana” (MANZATTO , 2007, p. 40). Para apresentar e fundamentar esta centralidade a cristologia da libertação vai partir da fonte bíblica. A relação entre Jesus e o Reino aparece logo no início dos Evangelhos, quando do início de sua pregação Jesus proclama: “cumpriu-se o tempo e o reino de Deus está próximo” (Mt 4, 17; Mc 1, 15; Lc 4, 43; 10, 9-11). Para Jon Sobrino esta centralidade da vida de Jesus é expressa por duas formas, “Reino de Deus” e “Pai”. Sobre os dois termos, afirma: Das duas expressões é preciso dizer, em primeiro lugar, que são palavras autênticas de Jesus. Em segundo lugar, que expressam realidades totalizantes, pois com “reino de Deus” Jesus expressa a totalidade da realidade e aquilo que é preciso fazer, e com “Pai” Jesus expressa a realidade pessoal que dá sentido último a sua vida, aquilo em que Jesus descansa e que, por sua vez, não o deixa descansar. Finalmente, “reino de Deus” e “Pai” são realidades sistematicamente importantes para a teologia porque a partir delas pode organizar e hierarquizar melhor as múltiplas atividades externas de Jesus, pode conjecturar o que foi Jesus em sua interioridade e, certamente, pode dar a razão de seu destino histórico de cruz.(SOBRINO, 1994, p. 105) Anais do Congresso ANPTECRE, v. 05, 2015, p. ST1907 Os dois conceitos se complementam. Contudo, para o objetivo deste trabalho, será abordado o conceito de “Reino de Deus”, mostrando sua relação com a prática de Jesus, de modo que estão intimamente relacionados. O conceito de Reino aponta para uma percepção de Jesus sobre o que é a realidade última. 2. A realidade última para Jesus é o Reino de Deus Nos Evangelhos, especificamente os sinóticos, vê-se que o início da pregação de Jesus foi assim: “depois que João foi preso, veio Jesus para a Galiléia proclamando o Evangelho de Deus: ‘cumpriu-se o tempo e o Reino de Deus está próximo. Arrependei-vos e crede no Evangelho’” (Mc 1, 14-15). Aparece com destaque nos Evangelhos a região da Galileia. A origem do ministério de Jesus não é o centro, mas a periferia. É para esta que se dirige inicial e preferencialmente. Em sua “aproximação histórica” José A. Pagola mostra isto: “Jesus deixa o deserto, cruza o Jordão e entra novamente na terra que Deus havia presenteado o seu povo. Estamos por volta do ano 28 e Jesus está com 32 anos aproximadamente. Ele não se dirige a Jerusalém nem permanece na Judeia. Vai diretamente para a Galileia” (PAGOLA, 2010, p. 109). As atitudes, os gestos e as palavras que marcam o início da pregação e vida pública de Jesus se dão na Galileia, lá o Reino de Deus começa a ser anunciado. Para Jon Sobrino “esta apresentação inaugural de Jesus a partir do reino de Deus aparece nos sinóticos com a clara intenção de oferecer um sumário programático de sua missão. [...] Não se pode duvidar da centralidade histórica e teológica do reino de Deus para Jesus” (SOBRINO, 1994, p. 106). Como o Reino está no centro da missão e pregação de Jesus e isto pode ser deduzido dos Evangelhos, a realidade última para Jesus só pode ser este mesmo Reino. Leonardo Boff afirma que “o Jesus histórico não se pregou sistematicamente a si mesmo, nem a Igreja, nem a Deus, mas o Reino de Deus” (BOFF, 1986, p. 26). Também corrobora esta opinião Pedro Hilgert quando diz que “há praticamente uma unanimidade na afirmação de que Jesus não se pregou a si mesmo, não anunciou a sua pessoa, não era porta-voz de sua própria causa. Para muitos, a preocupação maior de Jesus também não era anunciar a Deus, mas o Reino de Deus” (HILGERT, 1987, p. 140). Sobre esta questão fala Rinaldo Fabris: Anais do Congresso ANPTECRE, v. 05, 2015, p. ST1907 Fato admitido mesmo por quem defende a impossibilidade de reconstruir o anúncio original de Jesus a partir dos evangelhos atuais é este: o núcleo em volta do qual gravitam o ensinamento e a atividade histórica de Jesus consiste no reino de Deus. A conclusão se impõe pela impressionante freqüência da fórmula “reino de Deus” ou “reino dos céus” nas palavras e ensinamentos de Jesus referidos pelos três evangelhos sinóticos. (FABRIS, 1988, p. 104) Está claro que o centro da pregação de Jesus não foi ele mesmo. Partindo de sua experiência única com o Pai, experimentando uma nova forma de sentir, perceber e conceber Deus, Jesus se dedica a realizar uma única atividade, o anúncio do Reino, fundamento da sua existência. Jesus prega o Reino de tal forma que este aparece, em sua pregação, como a realidade última a ser buscada, ou como realidade última da divindade manifestada à humanidade. Alguns aspectos mostram como Jesus se posicionava diante desta realidade e a seriedade com que se dedicava a dar mostras do que era fundamental. Sobrino apresenta tais aspectos: a pregação do Reino enquanto proximidade, a tomada de uma decisão ante sua pregação e por último a exigência do seguimento radical 1 (cf. SOBRINO, 1999, p. 152-153). O primeiro aspecto indica como Jesus delimita o Reino. Este não é uma realidade apenas futura ou uma expectativa utópica, o que poderia fazer alguns supor que se tratava de uma fantasia de Jesus. Contudo, ele está se realizando, está próximo, não física nem geograficamente, mas em seus gestos e palavras. Afirma Sobrino que Jesus tem a audácia de pregar não somente a vinda do reino, como também a proximidade e a certeza dessa vinda – ainda que em princípio o reino pareça tão pequeno como um grão de mostarda (cf. Mc 4, 30ss) –. Diferentemente dos apocalípticos, pois Jesus não anuncia a salvação somente para o futuro, mas afirma que já está chegando (cf. Mc 1,15), se bem que no final mudara ou 2 incrementara sua visão com o discurso apocalíptico (cf. Mc 13) (SOBRINO, 199, p. 152) 1 Jon Sobrino Apresenta nesta obra cinco aspectos que mostram a centralidade do Reino na vida de Jesus. Contudo, tomaremos apenas três destes aspectos para fundamentar este artigo. 2 “Jesús tiene la audacia de predicar no sólo la venida del reino, sino la cercanía e la certeza de esa venida – aunque al principio el reino parezca tan pequeño como um grano de mostaza (cf. Mc 4, 30ss) -. A diferencia de los apocalípticos, pues, Jesús no anuncia la salvación sólo para el futuro, sino que afirma que ya está llegando (cf. Mc 1, 15), aunque al final cambiara o matizara su visión en el discurso apocalíptico (cf. Mc 13 par.)”. Anais do Congresso ANPTECRE, v. 05, 2015, p. ST1907 Assim aparece como novidade na pregação de Jesus a característica de iminência acerca do Reino. Para Sobrino (cf. SOBRINO, 1999, p. 152) esta é uma audácia de Jesus, relacionar o Reino com sua iminência. Embora esta iminência não anule de modo algum o caráter escatológico do Reino, nas palavras de Jesus este Reino aparece enquanto proximidade, mas também fica aberta a perspectiva futura, a perspectiva da universalidade totalizante. Estabelece-se uma tensão, que segundo Leonardo Boff é uma tensão dialética, há a dimensão da realização e mediação histórica e ao mesmo tempo há a dimensão da esperança escatológica (cf. BOFF, 1986, p. 27). O segundo aspecto aponta para uma tomada de posição ante a pessoa de Jesus. Como o Reino de Deus está próximo e se realizando a autoridade de Jesus e de suas palavras são reconhecidas por todos. Assim Jesus de Nazaré espera que seus interlocutores se decidam perante o que ele mostra e perante o que ele faz. Sobrino diz que isto mostra mais uma audácia de Jesus. Na verdade mostra a pretensão de que a salvação escatológica depende da tomada de decisão a partir dele e de seu anúncio do Reino. Afirma Sobrino que Jesus tem também a pretensão de que a salvação escatológica se determina com a tomada de decisão ante ele. Em Mc 8,38, a tradição mais antiga, Jesus afirma que “quem se envergonha de mim e de minhas palavras nesta geração adúltera e pecadora, também o Filho do homem se envergonhará dele quando vier na glória de seu Pai com os anjos”. Nesta passagem Jesus [...] tem a ousadia de fazer depender a salvação de como se reage perante ele 3 (SOBRINO, 1999, p. 153). Jesus é bem claro quando exige uma resposta. Tal resposta é decisiva para a salvação, pois a mesma passa evidentemente pela experiência com ele. Ainda que seja explícito o caráter escatológico do Reino, é interessante a necessidade da resposta de seus interlocutores. Deve haver uma contrapartida da parte daqueles que ouvem Jesus. O terceiro aspecto aparece mais como consequência da resposta, isto é, da tomada de decisão surge o seguimento. Aparece aqui a exigência do seguimento 3 “Jesús tiene tambiém la pretensión de que la salvación escatológica se decide con la toma de postura ante él. En Mc 8, 38, la tradición más antígua, Jesús afirma que ‘quién se avergüence de mí y de mis palabras en esta generación adúltera y pecadora, también el Hijo del hombre se avergonzará de él cuando venga en la gloria de su Padre com los ángeles’. En este pasaje Jesús [...] tiene la osadía de hacer depender la salvación de cómo se reaccione ante él”. Anais do Congresso ANPTECRE, v. 05, 2015, p. ST1907 daqueles que acolheram as palavras do Mestre. Contudo este não é um seguimento qualquer, mas um seguimento radical (cf. Mt 8, 18-22), que tem como condição um abandono total à providência divina (cf. Mt 6, 31-43). Configurando-se como seguimento radical, Jesus não apresenta maiores justificativas para o mesmo além de suas obras, de suas atitudes e do seu comportamento. Fica claro para seus interlocutores que o seguimento a sua pessoa não deve ser feito com base na espera de recompensas. Sobre isto Jon Sobrino diz que O fenômeno do seguimento não era novidade no tempo de Jesus, pois os rabinos tinham discípulos e enviados [...]. A novidade é que Jesus exige o seguimento com grande radicalidade, pois é preciso deixar tudo incondicionalmente (cf. Lc 9, 57-62), e é preciso fazê-lo pelo simples fato de ser chamado por Jesus e para estar unido a pessoa de Jesus, não só a sua causa, como aparece nos inícios de sua missão [...]. Como se sabe, diferentemente dos rabinos Jesus não delineia o seguimento em torno da lei, mas sim em torno do Reino e de sua pessoa. Por isso ele que “chama” os discípulos, e não são estes os que o elegem – o que implica uma relação que expressa algum tipo de fé –4. (SOBRINO, 1999, p. 153) Pode-se afirmar que nesta exigência do seguimento a Jesus aparece de forma indubitável a centralidade do Reino em sua vida. A cristologia da libertação retoma o seguimento como categoria cristológica, “a cristologia atual resgata a densidade e a força cristológica do seguimento de Jesus, recoloconado-o no centro da reflexão cristológica e da existência cristã e refutando toda concepção redutiva, fragmentária, ascética e repetitiva” (BOMBONATTO, 2002, p.79). Com isso se privilegia o discipulado e a ideia de “caminho” da comunidade primitiva (cf. MANZATTO, 2007, p. 56-57). Diante do seguimento a Jesus de Nazaré como categoria que apresenta a centralidade do Reino pode-se afirmar que “a conclusão é que Jesus é apresentado de tal maneira que pôde aparecer realmente como alguém ‘muito especial’ em relação ao que para ele e seus ouvintes era o último: o Reino de Deus. Desta 4 “El fenômeno del seguimiento no era cosa novedosa em tiempo de Jesús, pues los rabinos tenían discípulos y enviados [...]. Lo novedoso es que Jesús exige el seguimiento, con gran radicalidad, pues hay que dejarlo todo y sin condiciones (cf. Lc 9, 57-62), y hay que hacerlo por el mero hecho de ser llamado por Jesús y para estar unido a la persona de Jesús, no sólo a su causa, como aparece em los inícios de su misión [...]. Como es sabido, a diferencia de los rabinos Jesús no plantea el seguimiento en torno a la ley, sino en torno al reino y a su persona. Por éso él es que “llama” a los discípulos, y no son éstos los que Le eligen – lo cual implica uma relación que expresa algún tipo de fe – ”. Anais do Congresso ANPTECRE, v. 05, 2015, p. ST1907 forma, o último aparece relacionado intimamente com ele”5 (SOBRINO, 1999, P. 153). A seriedade com que o nazareno convida seus ouvintes a viver de uma forma radical revela a compreensão do que o Reino é o último e fundamental para Jesus. A partir da afirmação da centralidade do Reino de Deus na vida de Jesus surge um problema prático, ele não definiu o que era este Reino e não o conceituou (cf. SOBRINO, 1999). Mesmo quando falava em parábolas parecia ter o cuidado de abstrair ou minimizar a conceituação, apelando para comparações como um grão de mostarda (cf. Mt 13, 31-32), o fermento (cf. Mt 13,33), o tesouro escondido (cf. Mt 13,44), a pérola (cf. Mt 13, 45-46) ou a rede de pesca (cf. Mt 13, 47-48). Tais parábolas evidentemente não o definem. Parecem estar muito mais relacionadas com a dinâmica do Reino do que com a definição exata deste. É certo que a noção de Reino não é novidade da pregação de Jesus. Ele assume este conceito, mas como novidade centra sua existência e seu ministério nele. Diferentemente dos profetas, escribas e rabis de sua época, que centravam suas pregações, estudos e ensinamentos na vinda do Messias, Jesus toma a expressão Reino de Deus, da tradição israelítica, para definir sua atuação. Sobre isto afirma Sobrino: A expressão “reino de Deus” (malkuta Jahweh, basileia tou theou) é uma formulação apocalíptica tardia, mas a relação de Javé com a realeza aparece com freqüência no AT, sobretudo nos salmos e na liturgia. Esta terminologia não é original nem específica de Israel, mas existia em todo o Antigo Oriente. O que Israel fez – como com outras realidades das religiões circundantes – foi historizar a noção de Deus-rei segundo sua fé fundamental de que Javé intervém na história. (SOBRINO, 1994, p. 110) Jesus se insere na perspectiva de continuidade da história da salvação, retoma tudo aquilo que é tradição da fé de Israel, e assume em sua própria vida o conceito de Reino de Deus, já presente no Antigo Testamento. Nesta relação entre Jesus e a expressão Reino de Deus pode-se compreender uma perspectiva de continuidade em relação ao seu contexto, mas também de inovação. Antônio Manzatto afirma que “efetivamente, a ideia de Reino de Deus tem 5 “la conclusión és que Jesús es presentado de tal manera que pudo aparecer realmente como alguien ‘muy especial’ en relación a lo que para él y sus oyentes era lo último: el reino de Dios. De esta forma, lo último aparece relacionado intimamente con él”. Anais do Congresso ANPTECRE, v. 05, 2015, p. ST1907 significado na época de Jesus, ou seja, ao aludir a ela Jesus toca em um significante que tem um sentido para seus ouvintes, ainda que a isso vá acrescentar sua própria maneira de compreendê-lo” (MANZATTO, 2007, p. 41). Dentro deste horizonte pode-se perceber a relação entre a atuação de Jesus, a prática jesuanica e a ideia de Reino. A imbricação entre Jesus e o Reino adquire importância fundamental no pensamento cristológico latino-americano. Isto como chave para compreensão de sua ação histórica. Considerações finais Diante da realidade a teologia parece ter-se ocupado demais com a ontologia e esquecido o homem concreto. A possibilidade de uma reflexão diferente é apresentada pela teologia latino-americana como teologia da libertação. Diante das vicissitudes do ser humano o pensamento teológico latino-americano volta-se para o homem concreto, por isso a cristologia da libertação resgata o Jesus histórico. O enfoque desta cristologia é a prática de Jesus, proveniente da Galileia, nazareno. Este Jesus apresenta um modo de viver a fé, uma mentalidade nova de se relacionar com Deus, e traz em sua pregação a realidade nova da iminência e concretização do Reino de Deus. Jesus ousa sentir e pensar Deus de uma forma diferente, ele faz experiência de Deus como Abbá. De forma que tal experiência o leva à prática do anúncio do Reino. Com este anúncio Jesus deixa transparecer uma realidade não apenas escatológica, mas atual. Diante do modelo de homem perfeito os cristãos têm diante de si o grande desafio de construir novas práticas de vida, a grande tarefa de dinamizar sua vivência cristã e eclesial e modificar a estrutura social. A tarefa da teologia, para a reflexão teológica elaborada na América Latina, não é apenas atualização do dogma e especulação teológica, mas também um chamamento a um modo de vida diferente, ela contém em si um convite à ação. É sobretudo um convite ao seguimento. Seguir o Cristo é trabalhar incessantemente para que irrompa o Reino de Deus proclamado por Jesus de Nazaré. Empenhar-se na realização do Reino é considerar o sofrimento experimentado por Jesus. Sofrimento que é igual ao de tantos homens e mulheres que ao longo da história sofreram a repressão das estruturas de poder. É sofrimento de milhões que vivem em nossa América Latina, na África ou na Ásia padecendo fome e miséria, suportando a ignomínia da exclusão social. Seguimento Anais do Congresso ANPTECRE, v. 05, 2015, p. ST1907 incorpora em si a noção de compromisso. Por isso a tarefa de fazer teologia na América Latina é compromisso com o Reino de Deus presente no mundo. Assim, a cristologia latino-americana deve ser sempre tarefa inacabada, aberta e comprometida com as realidades históricas. Referenciais BOFF, Leonardo. Jesus Cristo libertador: ensaio de cristologia crítica para o nosso tempo. Petrópolis: Vozes, 1986. BOMBONATTO, Vera Ivanise. Seguimento de Jesus: categoria cristológica. In Horizonte Teológico, Belo Horizonte, v. 1, nº 2, p. 79-89, jul./dez. 2002. FABRIS, Rinaldo. Jesus de Nazaré: História e interpretação. São Paulo: Loyola, 1988. HILGERT, Pedro Ramão. Jesus histórico: ponto de partida da cristologia latinoamericana. Petrópolis: Vozes, 1987. HURTADO, Manuel. Novas Cristologias: ontem e hoje, algumas tarefas da cristologia contemporânea. In Perspectiva Teológica, Belo Horizonte, v. 40, nº 112, p. 315-341, set./dez. 2008. MANZATTO, Antonio. Cristologia latino-americana. In SOUZA, Ney de (org). Temas de teologia latino-americana. São Paulo: Paulinas, 2007. PAGOLA, José Antonio. Jesus, Aproximação histórica. Petrópolis: Vozes, 2010. SOBRINO, Jon. Jesus, o libertador I: A história de Jesus de Nazaré. São Paulo: Vozes, 1994. _____. La fe en Jesucristo: ensayo desde las víctimas. Madrid: Trotta, 1999. Anais do Congresso ANPTECRE, v. 05, 2015, p. ST1907