jesus de nazaré e o reino de deus, uma abordagem a

Propaganda
Anais do V Congresso da ANPTECRE
“Religião, Direitos Humanos e Laicidade”
ISSN:2175-9685
Licenciado sob uma Licença
Creative Commons
JESUS DE NAZARÉ E O REINO DE DEUS, UMA ABORDAGEM A
PARTIR DO PENSAMENTO DE JON SOBRINO
Tiago Geyrdenn de Oliveira Gomes
Bacharel em Teologia
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
[email protected]
ST 19 – TEOLOGIA(S) DA LIBERTAÇÃO -TDL
Resumo: O presente artigo aborda o tema que é substancial na cristologia da
libertação, o Reino do Deus. Analisa-se o conteúdo que se constitui como fundamental
para o pensamento teológico latino-americano. Realiza-se isto abordando a relação
entre Jesus e o Reino, a partir da reflexão teológica elaborada na América Latina, mais
especificamente na obra do teólogo Jon Sobrino. Na reflexão deste teólogo encontra-se
o tema do Reino como centralidade da vida de Jesus. O objetivo é compreender a
pessoa de Jesus Cristo a partir de seu anúncio do Reino de Deus. A metodologia será
de ordem bibliográfica, a partir de revisão de literatura. O Reino está no centro da
missão e pregação de Jesus, pois assim deduzimos dos Evangelhos, a realidade última
só pode ser este mesmo Reino. O teólogo Jon Sobrino apresenta alguns aspectos que
mostram esta centralidade, que serão abordados neste artigo. Jesus prega o Reino de
tal forma que este aparece como a realidade última a ser buscada, ou como realidade
última da divindade manifestada à humanidade. Como conclusão a cristologia pensada
a partir da América Latina não poderia deixar de analisar e refletir o contexto histórico e
atual. Por isso convida à ação, realiza um chamamento a um modo de vida diferente.
Pensar uma cristologia libertadora é realizar uma reflexão sobre o Cristo tendo em
conta o sofrimento de milhões que estão na miséria, imersos numa realidade de pecado
pessoal, estrutural e social. A possibilidade de uma vida diferente, a possibilidade da
construção de novas estruturas pode ser apresentada também pelo teólogo.
Palavras-chave: Cristologia, América Latina, Teologia da libertação, Reino de Deus.
Anais do Congresso ANPTECRE, v. 05, 2015, p. ST1907
Introdução
Encontrar na pessoa de Jesus Cristo parâmetros para a práxis cristã atual é o
pressuposto da reflexão teológica gestada a partir da América Latina. A teologia latinoamericana parte da necessidade de uma ortopráxis para a vida cristã atual a partir da
reflexão cristológica. A prática de Jesus é o parâmetro para a atuação cristã hodierna e
norma para a teologia. Com isso faz um retorno à pessoa de Jesus, modelo de homem
perfeito, paradigma de fidelidade e serviço para todo o gênero humano, exemplo
perfeito de confiança em Deus e entrega ao projeto do Pai e, partindo dele, motivar uma
nova atitude cristã diante da realidade.
Este artigo aborda o tema que recebe predileção na cristologia da libertação que
é o Reino do Deus. Analisa-se o tema do Reino, cuja centralidade é evidente no
pensamento teológico latino-americano. Sobre a temática do Reino Antônio Manzatto
afirma que
ele é o símbolo pelo qual Jesus quis exprimir o seu projeto. Sua vida
inteira se compreende a partir dessa noção, sua figura histórica só tem
sentido a partir dessa realidade do Reino de Deus. Ele ocupa lugar
central na vida de Jesus e, por conseguinte, na teologia que quer
compreendê-lo. (MANZATTO, 2007, p. 40)
Tal temática adquire centralidade não só na vida de Jesus, mas também numa reflexão
cristológica latino-americana. O artigo disserta sobre a relação entre Jesus e o Reino de
Deus, com o intuito de compreender Jesus a partir do Reino.
Para isto será tomado o pensamento do teólogo Jon Sobrino, devido a gama de
obras que abordam a temática aqui trabalhada. Sobre a reflexão teológica de Jon
Sobrino assim se refere Manuel Hurtado:
para Sobrino, Jesus Cristo é o Mediador do Reino de Deus, um Reino marcado
pela exigência de justiça e libertação. A reflexão cristológica de Sobrino pode
ser caracterizada como uma cristologia prática, ou uma cristo-práxis, que se
verifica menos na ortodoxia da confissão de Cristo e mais no seguimento, ou
seja, na cristo-práxis de Jesus confessado como Cristo. (HURTADO, 2008, p.
321)
Encontra-se na reflexão de Jon Sobrino esta centralidade que será trabalhada neste
artigo. De início argumentando sobre como o Reino aparece na atuação histórica de
Anais do Congresso ANPTECRE, v. 05, 2015, p. ST1907
Jesus enquanto realidade última, isto é, enquanto verdade fundamental com conteúdo
também existencial. Passa-se em seguida para uma análise de alguns aspectos que,
na definição de Jon Sobrino, apresentam e delineiam melhor esta realidade ultima e
relação entre Jesus e o Reino.
1. O liame entre Jesus e o Reino de Deus
A análise desta relação é bastante pertinente, pois trata de duas realidades
indissociáveis, Jesus Cristo e o Reino de Deus. Tal análise intenta mostrar que o
especificamente histórico de Jesus em sua pregação foi o Reino de Deus. Uma vez que
o que está no centro da atividade de Jesus não é ele mesmo, mas o Reino de Deus,
convém mostrar em que sentido se relaciona este Reino com Jesus, ou de que forma
estão vinculados.
Existe, já no início dos Evangelhos, algo na vida de Jesus que não é ele mesmo,
algo pelo qual ele dedicou seu tempo, seus esforços e sua vida. Algo que, utilizando
uma expressão existencial, deu sentido a sua vida humana. Este algo que está no
centro da mensagem e da atividade de Jesus é o Reino de Deus. Antônio Manzatto
afirma que “essa mesma centralidade o Reino de Deus vai ocupar na elaboração da
teologia latino-americana” (MANZATTO , 2007, p. 40). Para apresentar e fundamentar
esta centralidade a cristologia da libertação vai partir da fonte bíblica.
A relação entre Jesus e o Reino aparece logo no início dos Evangelhos, quando
do início de sua pregação Jesus proclama: “cumpriu-se o tempo e o reino de Deus está
próximo” (Mt 4, 17; Mc 1, 15; Lc 4, 43; 10, 9-11). Para Jon Sobrino esta centralidade da
vida de Jesus é expressa por duas formas, “Reino de Deus” e “Pai”. Sobre os dois
termos, afirma:
Das duas expressões é preciso dizer, em primeiro lugar, que são palavras
autênticas de Jesus. Em segundo lugar, que expressam realidades totalizantes,
pois com “reino de Deus” Jesus expressa a totalidade da realidade e aquilo que
é preciso fazer, e com “Pai” Jesus expressa a realidade pessoal que dá sentido
último a sua vida, aquilo em que Jesus descansa e que, por sua vez, não o
deixa descansar. Finalmente, “reino de Deus” e “Pai” são realidades
sistematicamente importantes para a teologia porque a partir delas pode
organizar e hierarquizar melhor as múltiplas atividades externas de Jesus, pode
conjecturar o que foi Jesus em sua interioridade e, certamente, pode dar a
razão de seu destino histórico de cruz.(SOBRINO, 1994, p. 105)
Anais do Congresso ANPTECRE, v. 05, 2015, p. ST1907
Os dois conceitos se complementam. Contudo, para o objetivo deste trabalho, será
abordado o conceito de “Reino de Deus”, mostrando sua relação com a prática de
Jesus, de modo que estão intimamente relacionados. O conceito de Reino aponta para
uma percepção de Jesus sobre o que é a realidade última.
2. A realidade última para Jesus é o Reino de Deus
Nos Evangelhos, especificamente os sinóticos, vê-se que o início da pregação
de Jesus foi assim: “depois que João foi preso, veio Jesus para a Galiléia proclamando
o Evangelho de Deus: ‘cumpriu-se o tempo e o Reino de Deus está próximo.
Arrependei-vos e crede no Evangelho’” (Mc 1, 14-15). Aparece com destaque nos
Evangelhos a região da Galileia. A origem do ministério de Jesus não é o centro, mas a
periferia. É para esta que se dirige inicial e preferencialmente. Em sua “aproximação
histórica” José A. Pagola mostra isto: “Jesus deixa o deserto, cruza o Jordão e entra
novamente na terra que Deus havia presenteado o seu povo. Estamos por volta do ano
28 e Jesus está com 32 anos aproximadamente. Ele não se dirige a Jerusalém nem
permanece na Judeia. Vai diretamente para a Galileia” (PAGOLA, 2010, p. 109). As
atitudes, os gestos e as palavras que marcam o início da pregação e vida pública de
Jesus se dão na Galileia, lá o Reino de Deus começa a ser anunciado. Para Jon
Sobrino “esta apresentação inaugural de Jesus a partir do reino de Deus aparece nos
sinóticos com a clara intenção de oferecer um sumário programático de sua missão. [...]
Não se pode duvidar da centralidade histórica e teológica do reino de Deus para Jesus”
(SOBRINO, 1994, p. 106).
Como o Reino está no centro da missão e pregação de Jesus e isto pode ser
deduzido dos Evangelhos, a realidade última para Jesus só pode ser este mesmo
Reino. Leonardo Boff afirma que “o Jesus histórico não se pregou sistematicamente a si
mesmo, nem a Igreja, nem a Deus, mas o Reino de Deus” (BOFF, 1986, p. 26).
Também corrobora esta opinião Pedro Hilgert quando diz que “há praticamente uma
unanimidade na afirmação de que Jesus não se pregou a si mesmo, não anunciou a
sua pessoa, não era porta-voz de sua própria causa. Para muitos, a preocupação maior
de Jesus também não era anunciar a Deus, mas o Reino de Deus” (HILGERT, 1987, p.
140). Sobre esta questão fala Rinaldo Fabris:
Anais do Congresso ANPTECRE, v. 05, 2015, p. ST1907
Fato admitido mesmo por quem defende a impossibilidade de reconstruir o
anúncio original de Jesus a partir dos evangelhos atuais é este: o núcleo em
volta do qual gravitam o ensinamento e a atividade histórica de Jesus consiste
no reino de Deus. A conclusão se impõe pela impressionante freqüência da
fórmula “reino de Deus” ou “reino dos céus” nas palavras e ensinamentos de
Jesus referidos pelos três evangelhos sinóticos. (FABRIS, 1988, p. 104)
Está claro que o centro da pregação de Jesus não foi ele mesmo. Partindo de sua
experiência única com o Pai, experimentando uma nova forma de sentir, perceber e
conceber Deus, Jesus se dedica a realizar uma única atividade, o anúncio do Reino,
fundamento da sua existência.
Jesus prega o Reino de tal forma que este aparece, em sua pregação, como a
realidade última a ser buscada, ou como realidade última da divindade manifestada à
humanidade. Alguns aspectos mostram como Jesus se posicionava diante desta
realidade e a seriedade com que se dedicava a dar mostras do que era fundamental.
Sobrino apresenta tais aspectos: a pregação do Reino enquanto proximidade, a tomada
de uma decisão ante sua pregação e por último a exigência do seguimento radical 1 (cf.
SOBRINO, 1999, p. 152-153).
O primeiro aspecto indica como Jesus delimita o Reino. Este não é uma
realidade apenas futura ou uma expectativa utópica, o que poderia fazer alguns supor
que se tratava de uma fantasia de Jesus. Contudo, ele está se realizando, está
próximo, não física nem geograficamente, mas em seus gestos e palavras. Afirma
Sobrino que
Jesus tem a audácia de pregar não somente a vinda do reino, como também a
proximidade e a certeza dessa vinda – ainda que em princípio o reino pareça
tão pequeno como um grão de mostarda (cf. Mc 4, 30ss) –. Diferentemente dos
apocalípticos, pois Jesus não anuncia a salvação somente para o futuro, mas
afirma que já está chegando (cf. Mc 1,15), se bem que no final mudara ou
2
incrementara sua visão com o discurso apocalíptico (cf. Mc 13) (SOBRINO,
199, p. 152)
1
Jon Sobrino Apresenta nesta obra cinco aspectos que mostram a centralidade do Reino na vida de Jesus. Contudo,
tomaremos apenas três destes aspectos para fundamentar este artigo.
2
“Jesús tiene la audacia de predicar no sólo la venida del reino, sino la cercanía e la certeza de esa venida – aunque
al principio el reino parezca tan pequeño como um grano de mostaza (cf. Mc 4, 30ss) -. A diferencia de los
apocalípticos, pues, Jesús no anuncia la salvación sólo para el futuro, sino que afirma que ya está llegando (cf. Mc 1,
15), aunque al final cambiara o matizara su visión en el discurso apocalíptico (cf. Mc 13 par.)”.
Anais do Congresso ANPTECRE, v. 05, 2015, p. ST1907
Assim aparece como novidade na pregação de Jesus a característica de iminência
acerca do Reino. Para Sobrino (cf. SOBRINO, 1999, p. 152) esta é uma audácia de
Jesus, relacionar o Reino com sua iminência. Embora esta iminência não anule de
modo algum o caráter escatológico do Reino, nas palavras de Jesus este Reino
aparece enquanto proximidade, mas também fica aberta a perspectiva futura, a
perspectiva da universalidade totalizante. Estabelece-se uma tensão, que segundo
Leonardo Boff é uma tensão dialética, há a dimensão da realização e mediação
histórica e ao mesmo tempo há a dimensão da esperança escatológica (cf. BOFF,
1986, p. 27).
O segundo aspecto aponta para uma tomada de posição ante a pessoa de
Jesus. Como o Reino de Deus está próximo e se realizando a autoridade de Jesus e de
suas palavras são reconhecidas por todos. Assim Jesus de Nazaré espera que seus
interlocutores se decidam perante o que ele mostra e perante o que ele faz. Sobrino diz
que isto mostra mais uma audácia de Jesus. Na verdade mostra a pretensão de que a
salvação escatológica depende da tomada de decisão a partir dele e de seu anúncio do
Reino. Afirma Sobrino que
Jesus tem também a pretensão de que a salvação escatológica se determina
com a tomada de decisão ante ele. Em Mc 8,38, a tradição mais antiga, Jesus
afirma que “quem se envergonha de mim e de minhas palavras nesta geração
adúltera e pecadora, também o Filho do homem se envergonhará dele quando
vier na glória de seu Pai com os anjos”. Nesta passagem Jesus [...] tem a
ousadia de fazer depender a salvação de como se reage perante ele 3
(SOBRINO, 1999, p. 153).
Jesus é bem claro quando exige uma resposta. Tal resposta é decisiva para a salvação,
pois a mesma passa evidentemente pela experiência com ele. Ainda que seja explícito
o caráter escatológico do Reino, é interessante a necessidade da resposta de seus
interlocutores. Deve haver uma contrapartida da parte daqueles que ouvem Jesus.
O terceiro aspecto aparece mais como consequência da resposta, isto é, da
tomada de decisão surge o seguimento. Aparece aqui a exigência do seguimento
3
“Jesús tiene tambiém la pretensión de que la salvación escatológica se decide con la toma de postura ante él. En
Mc 8, 38, la tradición más antígua, Jesús afirma que ‘quién se avergüence de mí y de mis palabras en esta generación
adúltera y pecadora, también el Hijo del hombre se avergonzará de él cuando venga en la gloria de su Padre com los
ángeles’. En este pasaje Jesús [...] tiene la osadía de hacer depender la salvación de cómo se reaccione ante él”.
Anais do Congresso ANPTECRE, v. 05, 2015, p. ST1907
daqueles que acolheram as palavras do Mestre. Contudo este não é um seguimento
qualquer, mas um seguimento radical (cf. Mt 8, 18-22), que tem como condição um
abandono total à providência divina (cf. Mt 6, 31-43). Configurando-se como
seguimento radical, Jesus não apresenta maiores justificativas para o mesmo além de
suas obras, de suas atitudes e do seu comportamento. Fica claro para seus
interlocutores que o seguimento a sua pessoa não deve ser feito com base na espera
de recompensas. Sobre isto Jon Sobrino diz que
O fenômeno do seguimento não era novidade no tempo de Jesus, pois os
rabinos tinham discípulos e enviados [...]. A novidade é que Jesus exige o
seguimento com grande radicalidade, pois é preciso deixar tudo
incondicionalmente (cf. Lc 9, 57-62), e é preciso fazê-lo pelo simples fato de ser
chamado por Jesus e para estar unido a pessoa de Jesus, não só a sua causa,
como aparece nos inícios de sua missão [...]. Como se sabe, diferentemente
dos rabinos Jesus não delineia o seguimento em torno da lei, mas sim em torno
do Reino e de sua pessoa. Por isso ele que “chama” os discípulos, e não são
estes os que o elegem – o que implica uma relação que expressa algum tipo de
fé –4. (SOBRINO, 1999, p. 153)
Pode-se afirmar que nesta exigência do seguimento a Jesus aparece de forma
indubitável a centralidade do Reino em sua vida.
A cristologia da libertação retoma o seguimento como categoria cristológica, “a
cristologia atual resgata a densidade e a força cristológica do seguimento de Jesus,
recoloconado-o no centro da reflexão cristológica e da existência cristã e refutando toda
concepção redutiva, fragmentária, ascética e repetitiva” (BOMBONATTO, 2002, p.79).
Com isso se privilegia o discipulado e a ideia de “caminho” da comunidade primitiva (cf.
MANZATTO, 2007, p. 56-57). Diante do seguimento a Jesus de Nazaré como categoria
que apresenta a centralidade do Reino pode-se afirmar que “a conclusão é que Jesus é
apresentado de tal maneira que pôde aparecer realmente como alguém ‘muito especial’
em relação ao que para ele e seus ouvintes era o último: o Reino de Deus. Desta
4
“El fenômeno del seguimiento no era cosa novedosa em tiempo de Jesús, pues los rabinos tenían discípulos y
enviados [...]. Lo novedoso es que Jesús exige el seguimiento, con gran radicalidad, pues hay que dejarlo todo y sin
condiciones (cf. Lc 9, 57-62), y hay que hacerlo por el mero hecho de ser llamado por Jesús y para estar unido a la
persona de Jesús, no sólo a su causa, como aparece em los inícios de su misión [...]. Como es sabido, a diferencia de
los rabinos Jesús no plantea el seguimiento en torno a la ley, sino en torno al reino y a su persona. Por éso él es que
“llama” a los discípulos, y no son éstos los que Le eligen – lo cual implica uma relación que expresa algún tipo de fe
– ”.
Anais do Congresso ANPTECRE, v. 05, 2015, p. ST1907
forma, o último aparece relacionado intimamente com ele”5 (SOBRINO, 1999, P. 153). A
seriedade com que o nazareno convida seus ouvintes a viver de uma forma radical
revela a compreensão do que o Reino é o último e fundamental para Jesus.
A partir da afirmação da centralidade do Reino de Deus na vida de Jesus surge
um problema prático, ele não definiu o que era este Reino e não o conceituou (cf.
SOBRINO, 1999). Mesmo quando falava em parábolas parecia ter o cuidado de abstrair
ou minimizar a conceituação, apelando para comparações como um grão de mostarda
(cf. Mt 13, 31-32), o fermento (cf. Mt 13,33), o tesouro escondido (cf. Mt 13,44), a pérola
(cf. Mt 13, 45-46) ou a rede de pesca (cf. Mt 13, 47-48). Tais parábolas evidentemente
não o definem. Parecem estar muito mais relacionadas com a dinâmica do Reino do
que com a definição exata deste.
É certo que a noção de Reino não é novidade da pregação de Jesus. Ele
assume este conceito, mas como novidade centra sua existência e seu ministério nele.
Diferentemente dos profetas, escribas e rabis de sua época, que centravam suas
pregações, estudos e ensinamentos na vinda do Messias, Jesus toma a expressão
Reino de Deus, da tradição israelítica, para definir sua atuação. Sobre isto afirma
Sobrino:
A expressão “reino de Deus” (malkuta Jahweh, basileia tou theou) é uma
formulação apocalíptica tardia, mas a relação de Javé com a realeza aparece
com freqüência no AT, sobretudo nos salmos e na liturgia. Esta terminologia
não é original nem específica de Israel, mas existia em todo o Antigo Oriente. O
que Israel fez – como com outras realidades das religiões circundantes – foi
historizar a noção de Deus-rei segundo sua fé fundamental de que Javé
intervém na história. (SOBRINO, 1994, p. 110)
Jesus se insere na perspectiva de continuidade da história da salvação, retoma tudo
aquilo que é tradição da fé de Israel, e assume em sua própria vida o conceito de Reino
de Deus, já presente no Antigo Testamento.
Nesta relação entre Jesus e a expressão Reino de Deus pode-se compreender
uma perspectiva de continuidade em relação ao seu contexto, mas também de
inovação. Antônio Manzatto afirma que “efetivamente, a ideia de Reino de Deus tem
5
“la conclusión és que Jesús es presentado de tal manera que pudo aparecer realmente como alguien ‘muy especial’
en relación a lo que para él y sus oyentes era lo último: el reino de Dios. De esta forma, lo último aparece
relacionado intimamente con él”.
Anais do Congresso ANPTECRE, v. 05, 2015, p. ST1907
significado na época de Jesus, ou seja, ao aludir a ela Jesus toca em um significante
que tem um sentido para seus ouvintes, ainda que a isso vá acrescentar sua própria
maneira de compreendê-lo” (MANZATTO, 2007, p. 41). Dentro deste horizonte pode-se
perceber a relação entre a atuação de Jesus, a prática jesuanica e a ideia de Reino. A
imbricação entre Jesus e o Reino adquire importância fundamental no pensamento
cristológico latino-americano. Isto como chave para compreensão de sua ação histórica.
Considerações finais
Diante da realidade a teologia parece ter-se ocupado demais com a ontologia e
esquecido o homem concreto. A possibilidade de uma reflexão diferente é apresentada
pela teologia latino-americana como teologia da libertação. Diante das vicissitudes do
ser humano o pensamento teológico latino-americano volta-se para o homem concreto,
por isso a cristologia da libertação resgata o Jesus histórico. O enfoque desta
cristologia é a prática de Jesus, proveniente da Galileia, nazareno. Este Jesus
apresenta um modo de viver a fé, uma mentalidade nova de se relacionar com Deus, e
traz em sua pregação a realidade nova da iminência e concretização do Reino de Deus.
Jesus ousa sentir e pensar Deus de uma forma diferente, ele faz experiência de
Deus como Abbá. De forma que tal experiência o leva à prática do anúncio do Reino.
Com este anúncio Jesus deixa transparecer uma realidade não apenas escatológica,
mas atual. Diante do modelo de homem perfeito os cristãos têm diante de si o grande
desafio de construir novas práticas de vida, a grande tarefa de dinamizar sua vivência
cristã e eclesial e modificar a estrutura social. A tarefa da teologia, para a reflexão
teológica elaborada na América Latina, não é apenas atualização do dogma e
especulação teológica, mas também um chamamento a um modo de vida diferente, ela
contém em si um convite à ação. É sobretudo um convite ao seguimento.
Seguir o Cristo é trabalhar incessantemente para que irrompa o Reino de Deus
proclamado por Jesus de Nazaré. Empenhar-se na realização do Reino é considerar o
sofrimento experimentado por Jesus. Sofrimento que é igual ao de tantos homens e
mulheres que ao longo da história sofreram a repressão das estruturas de poder. É
sofrimento de milhões que vivem em nossa América Latina, na África ou na Ásia
padecendo fome e miséria, suportando a ignomínia da exclusão social. Seguimento
Anais do Congresso ANPTECRE, v. 05, 2015, p. ST1907
incorpora em si a noção de compromisso. Por isso a tarefa de fazer teologia na América
Latina é compromisso com o Reino de Deus presente no mundo. Assim, a cristologia
latino-americana deve ser sempre tarefa inacabada, aberta e comprometida com as
realidades históricas.
Referenciais
BOFF, Leonardo. Jesus Cristo libertador: ensaio de cristologia crítica para o nosso
tempo. Petrópolis: Vozes, 1986.
BOMBONATTO, Vera Ivanise. Seguimento de Jesus: categoria cristológica. In
Horizonte Teológico, Belo Horizonte, v. 1, nº 2, p. 79-89, jul./dez. 2002.
FABRIS, Rinaldo. Jesus de Nazaré: História e interpretação. São Paulo: Loyola, 1988.
HILGERT, Pedro Ramão. Jesus histórico: ponto de partida da cristologia latinoamericana. Petrópolis: Vozes, 1987.
HURTADO, Manuel. Novas Cristologias: ontem e hoje, algumas tarefas da cristologia
contemporânea. In Perspectiva Teológica, Belo Horizonte, v. 40, nº 112, p. 315-341,
set./dez. 2008.
MANZATTO, Antonio. Cristologia latino-americana. In SOUZA, Ney de (org). Temas de
teologia latino-americana. São Paulo: Paulinas, 2007.
PAGOLA, José Antonio. Jesus, Aproximação histórica. Petrópolis: Vozes, 2010.
SOBRINO, Jon. Jesus, o libertador I: A história de Jesus de Nazaré. São Paulo: Vozes,
1994.
_____. La fe en Jesucristo: ensayo desde las víctimas. Madrid: Trotta, 1999.
Anais do Congresso ANPTECRE, v. 05, 2015, p. ST1907
Download