Estudo molecular sobre a aplicabilidade terapêutica de microRNAs regulatórios da expressão gênica em processos patológicos da glândula tireóide Maíra Sabadin Batista1,, Newton Valério Verbisck1,2 1 2 Universidade Federal do ABC, Santo André, SP, Brasil Centro de Ciências Naturais e Humanas da Universidade Federal do ABC, Santo André, SP, Brasil O objetivo deste trabalho é apresentar os microRNAs regulatórios da expressão gênica, sua correlação com o câncer, as possíveis aplicabilidades terapêuticas no tratamento de câncer com oligonucleotídeos antisenso anti-microRNAs e ressaltar a importância da glândula tireóide para o organismo. Palavras-chave— MicroRNAs, regulação gênica, câncer, oligonucleotídeos antisenso e tireóide. elegans e atualmente já existem mais de 706 genes de I. M INTRODUÇÃO microRNAs diferentes descritos no genoma humano [1]. Os genes de microRNAs são transcritos pela RNA icroRNAs (miRNAs ou miRs) representam uma nova classe de RNAs endógenos pequenos que polimerase II, produzindo moléculas chamadas de atuam como silenciadores pós-transcricionais. Até o microRNAs primários (pri-microRNA). No núcleo, o momento, já foram descritos 706 genes de microRNAs complexo protéico-enzimático Drosha/DGCR8 processa os diferentes no genoma humano mas estima-se que esse pri-microRNAs em estruturas de aproximadamente 70 número supere 1000 microRNAs distintos. Análises de nucleotídeos conhecidas como microRNAs precursores bioinformática indicam que um único microRNA atue em (pre-microRNAs). diversos RNAs mensageiros, influenciando múltiplas vias estruturas de dupla fita com forma de grampos (hairpin) de sinalização e, portanto assumindo um enorme potencial com alta energia livre [3] e são transportados para o regulatório. Na última década, grupos se dedicaram a citoplasma pela proteína Exportina-5. Então, os microRNAs estudar estes novos reguladores gênicos e descobriram que são as alterações na expressão gênica dos microRNAs estão finalmente os microRNAs maduros. Os microRNAs relacionadas com o surgimento e progressão tumorais. maduros são, portanto, moléculas de RNA dupla fita, processados Esses pela pre-microRNAs enzima Dicer, apresentam produzindo-se possuindo de 21 a 25 nucleotídeos, sendo responsáveis pela II. BIOGÊNESE DO MICRORNA regulação gênica através de mecanismos de silenciamento pós-transcricional. Os microRNAs (miRNAs ou miRs) são RNAs não Acredita-se que uma das fitas do microRNA é codificadores pequenos, de 21 a 25 nucleotídeos, que degradada regulam a expressão gênica de modo específico em função microRNA*, lê-se microRNA estrela), enquanto a outra da sua sequência de bases [1]. Essa classe de moléculas (microRNA maduro) é processada por um complexo pequenas de RNA é expressa a partir do genoma através de protéico-enzimático denominado RISC (da sigla em inglês RNA polimerase II, e os microRNAs se assemelham aos para RNA Induced Silencing Complex), responsável pelo RNA mensageiros por sofrerem "splicing" e poliadenilação, silenciamento induzido por RNA [1]. porém em geral não possuem uma fase aberta de leitura [2]. Originalmente foram descritos no organismo nematóide C. (fita complementar conhecida como OLIGONUCLEOTÍDEOS ANTISENSO IV. Gene de miRNA Gene de miRNA Gene de miRNA RNA Pol II Os oligonucleotídeos anti-microRNAs consistem de pequenas moléculas, do tamanho dos microRNAs, que são modificadas quimicamente para obter uma maior Pri-miRNA estabilidade e serem introduzidas no corpo humano na Núcleo Drosha/DGCR 8 Pre-miRNA tentativa de inibir a ação de um microRNA específico [7]. Nos últimos anos têm sido implementadas diferentes metodologias baseadas em ácidos nucléicos Exportina-5 Citoplasma Pre-miRNA Dicer MiRNA dupla-fita MiRNA maduro no complexo RISC antisenso para inibir ou modular a função alterada dos microRNAs, abrindo novas possibilidades terapêuticas de grande potencial para doenças como câncer e diabetes mellitus [8]. Até o momento os oligonucleotídeos antisenso têm se mostrado bem tolerados e eficientes. Figura 1: Esquema da biogênese do microRNA. III. MICRORNAS E O CÂNCER Os microRNAs estão se mostrando promissores como biomarcadores para o diagnóstico, prognóstico, progressão e resposta ao tratamento de câncer [4]. O papel do microRNA no câncer é sustentado também pelo fato de que mais de 50% dos genes de microRNAs dos humanos estão localizados em regiões genômicas associadas com o câncer ou em sitios frágeis [5]. Trabalhos confirmam que os microRNAs controlam múltiplos processos biológicos incluindo desenvolvimento, divisão de células sistêmicas, Figura 2: Moléculas de RNA e seus congêneres de oligonucleotídeos com modificação 2’-O-metil (2’-OMe), 2’-O-metoxietil (2’-O-MOE) e do tipo ácido nucléico fechado (LNA). apoptose, evolução de patologias e câncer. Com técnicas moleculares, tais como análise por V. GLÂNDULA TIREÓIDE Northern-blot, RT-PCR, microarranjos de microRNA, foi possível a detecção de altos e baixos níveis de expressão de microRNAs específicos. Estas técnicas são utilizadas pelas equipes que vêm estudando os microRNAs e permitem concluir que os microRNAs estão envolvidos no câncer humano [6]. Os microRNAs podem funcionar tanto como supressores de tumor quanto como oncogenes. Os microRNAs muito expressos são considerados oncogenes e os pouco expressos, como os da família do let-7, são considerados genes supressores de tumor. Figura 3: Representação esquemática da glândula tireóide e sua localização no organismo. A glândula da tireóide se encontra no pescoço e seu tamanho é pequeno se comparado à sua importância outro e qual o tipo de mecanismo que controla esses microRNAs para ter como alvo um mesmo gene. para o bom funcionamento do organismo. Sua principal A expressão aberrante de microRNAs específicos função é produzir, armazenar e liberar os hormônios em um tipo específico de câncer sugere que esses tireoidianos hormônios microRNAs podem servir como novos alvos para o tireoidianos são chamados de triiodotironina (T3) e tratamento de câncer e podem, possivelmente, proporcionar tetraiodotironina (T4), e são responsáveis pelo controle do novas pesquisas voltadas para a terapia gênica. na corrente sanguínea. Os Existem já suficientes evidências de que os metabolismo do organismo. Os hormônios T3 e T4 agem em todas as células oligonucleotídeos antisenso podem se tornar uma do corpo e ajudam a controlar as suas funções. Se estes ferramenta poderosa para inibir a atividade de microRNAs hormônios são liberados ou produzidos em uma quantidade específicos e, assim, se tornam estratégicos para o menor tratamento de doenças como o câncer. do que a necessária temos o chamado Podemos perceber também que a glândula tireóide hipotireoidismo, um estado em que o metabolismo está mais devagar e, portanto, o nosso corpo funciona mais é fundamental para o bom funcionamento do organismo. lentamente. Se o oposto acontece, ou seja, se o hormônio é VII. liberado no organismo mais do que o necessário, temos o REFERÊNCIAS chamado hipertireoidismo, e então o metabolismo fica mais [1] He L, Hannon GJ. MicroRNAs: small RNAs with a big acelerado [9]. role in gene regulation. Nature Reviews Genetics. 2004 5:522-531. [2] Kim VN. MicroRNA biogenesis: coordinated cropping and dicing. 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No entanto, ainda não se em: descobriu como estes microRNAs se relacionam um com o Acesso em: 14 set. 2009. <http://www.thyroid.org/patients/brochures.html>.