HABITAÇÃO EM CRISE NA GRÃ-BRETANHA, BRASIL E PORTUGAL Márcio Moraes Valença* Housing policy and crisis in Britain, Brazil and Portugal This paper an alys e s th e interaction between international anel natio nal as well as political and economic development anel its relation to housing policy anel markets in three different countries. The aim is 10 observe lhe e xt ent to which externai constraints impacted locally; in national Iiousin.g syst ems of production and finance. TIJat is, the aim is to evaluate lhe extent lo which, repouding to foreigh stimuli - especially in view of gtobalization - national systems of housing finance and production were adapted and, for this reason, were detaehed from their policy objective to face housing problems in lhe three - Britain; Brazil anel Portugal - countries analyzed. Introdução Este artigo tem por objetivo analisar a interação entre o desenvolvimento internacional e nacional, político e econômico, e a política e o mercado de habitação, em países que se inserem diferentemente no contexto internacional. O objetivo é observar como constrangimentos e estímulos externos tiveram impactos Jocais cujos resultados se fizeram sentir nos sistemas nacionais de produção e financiamento de habitações. Ou, ainda: verificar até que ponto, respondendo aos estímulos econômicos e políticos da globalízação, a política e o mercado de habitação foram se adaptando e se com isso distanciaram-se do objetivo maior de encontrar soluções para os graves, porém diferenciados, problemas habitacionais existentes nos contextos nacionais pesquisados. Os exemplos utilizados são os da Grã-Bretanha, Brasil e Portugal, revisados separadamente nesta ordem. A apresentação de cada caso é precedida por uma Professor da Unidade Interdisciplinar de Estudos sobre a Habitação e o Espaço Construído - Departamento de Geografia - da UFRN. 68 Revista Território, Rio de Janeiro, ano VI, n" 10, pp, 67-88, jan./jun., 2001 discussão sucinta das condições econômicas e políticas estruturadoras do mercado e condicionadoras das políticas habitacionais. Ao final, na nota de conclusão, a relação entre os três casos será enfatizada. Este artigo tem caráter mais informativo e não pretende ser exaustivo. Trata-se de uma apresentação preliminar dos três casos. O formato adotado é experimental - seções curtas e tópicas constituídas de parágrafos únicos precedidos por um título e tem por finalidade guiar o leitor rapidamente pelo conteúdo geral do artigo. o caso da Grã-Bretanha Imperialismo e desenvolvimento: Tendo dominado extensos mercados de suas colônias e áreas de influência, a Grã-Bretanha foi submetida a mudanças extraordinárias ao longo do século XX, resultado de duas guerras mundiais e vários conflitos regionais, da grande depressão da década de 1930, da ascensão dos EUA etc. Já que pôde contar ainda com vários de seus mercados "cativos" até pelo menos meados da década de 1950, a adaptação do modelo econômico britânico ao novo contexto internacional foi mais .lenta que a de seus competidores europeus e EUA, levando a economia britânica a atravessar várias fases de dificuldades no período posterior à Segunda Guerra. Tendo sido o berço do keynesianismo, a institucionalização e atuação do movimento dos trabalhadores na Grã-Bretanha precedeu ao de qualquer outro país no mundo desenvolvido. O movimento conseguiu com sucesso contribuir para assegurar direitos trabalhistas relevantes tanto no piso da fábrica quanto na implementação de políticas públicas voltadas ao atendimento dos trabalhadores. Crise do [ordismo e reestruturação economica: No período imediatamente após a Segunda Guerra, e por duas décadas, os países europeus passaram por rápido processo de recuperação e desenvolvimento, crescendo a ritmo acelerado, acima dos 5% ao ano. Embora mais lento que os demais principais países europeus, o desenvolvimento britânico do pós-guerra foi também acelerado, principalmente se comparado aos períodos anteriores. Após os anos "dourados" do pós-guerra, o regime de acumulação fordista entrou em crise a partir de meados da década de 1960, fazendo-se sentir mais fortemente no início da década de 1970. A economia americana, que tinha saído fortalecida da guerra e tomara-se dominante, sentia os primeiros sinais de fraqueza com a competição da indústria européia e japonesa, já plenamente reconstituída. Como a repercussão sobre o seu balanço de pagamentos foi negativa, o governo americano cancelou o padrão-dólar, estabelecido no acordo de Bretton Woods, em 1944, e desvalorizou o dólar em 1971. Habitação em Crise na Grã-Bretanha, Brasil e Portugal 69 Em 1972, a Grã-Bretanha introduziu o seu câmbio flutuante e logo depois os demais países participantes do Bretton Woods fizeram o mesmo. Mas essa foi apenas uma entre as várias faces da crise do fordismo. A sua face mais contundente foi a impossibilidade de obtenção de ganhos em produtividade sem a destruição de linhas de produção inteiras, cujas vidas úteis não tinham se esgotado. Isso engessava a produção de forma a impedi-la a adaptar-se às constantes oscilações do mercado. Ao mesmo tempo, as rígidas estruturas criadas pelo Estado keynesiano, que, entre outras, estabeleciam os dissídios coletivos e incorporações automática aos salários da inflação do período e acréscimos por produtividade, levaram à situação peculiar em que, mantido o paradigma tecnológico tipicamente fordista, a indústria não mais conseguia aumentos graduais de produtividade, mas tinha que incorporá-los aos salários. Nesse contexto, a solução mais rápida para fazer face a aumentos de custos de salários, oscilações cambiais e retificações necessárias nas linhas de produção já amadurecidas, foi a do aumento de preços, levando ao problema da alta inflacionária em meados da década de 1970. O resto da história é o círculo vicioso da "estagflação" em que os governos, para controlar os seus balanços de pagamentos e alta inflacionária, implementaram medidas restritivas de controle da demanda (Ver AGLIETIA, 1998; UPIETZ, 1987; SINGER, 1989; 1997; VALENÇA, 1996a; 1998; VROEY, 1984). o projeto neoliberal: Em meados da década de 1970, a situação da inflação com baixo crescimento e desemprego ou, em suma, o problema da "estagflação", como denominaram os regulacionistas franceses, agravava-se a olhos vistos, favorecendo a ascensão da primeira-ministra Margaret Thatcher em 1979. Thatcher operou reformas profundas na economia e Welfare State britânico, reestruturado no pós-guerra, quebrando com o princípio universalista que regia a atuação do Estado britânico até então e adotando com vigor o princípio de Estado mínimo, de beneficiamento da iniciativa privada, do desmonte do Welfare State, do fortalecimento do indivíduo "consumidor" em contrapartida à provisão coletivizada de bens ociais etc. Para tal, os sucessivos governos da primeiraministra (1979-91) tomaram drásticas medidas, procurando sanear as contas públicas e redirecionar investimentos vultosos operados pelo Estado. O princípio monetarista adotado, principalmente nos primeiros anos do governo, levou ao arrocho dos gastos públicos e imposição de controles nunca antes vistos sobre a operação dos governos locais C'Councils"). A desregulação do mercado financeiro e da estrutura bancá.ria levou a maior concentração do capital financeiro. Em meados da década de 1980, a associação entre o governo Thatcher e o capital financeiro era evidente. O capital financeiro, que no início 70 Revista Território, Rio de Janeiro, ano VI, n'' 10, pp. 67-88, jan.ljun., 2001 da década de 1980, perdera fatia importante no mercado de crédito internacional com a crise da dívida externa, procurava expandir sua base de operação no mercado doméstico e preparava-se para o ambiente mais competitivo que eslava a se constituir com a maior aproximação entre os países da Comunidade Européia. Porém, longe de transformar o Estado britânico em Estado mínimo, Thatcher operou uma maior centralização de poder político e econômico, exercendo maior controle e retirando poderes dos "Councils", principalmente nas regiões controladas pelo Partido Trabalhista, que insistia em manter altos os gastos com o Weifare State operado pelos governos locais com repasses do governo central (ver CURWEN, 1990; ESSER e HIRSCH, 1989; LIPIETZ, 1987; ROBINSON, 1986). A Crú-Bretanha na União Européia: A adesão à Comunidade Européia em 1971 se deu no contexto da crise e redefinição dos espaços econômicos globais. Com a perda de sua hegemonia econômica, a Europa passou a se constituir em mercado relevante cujo acesso passaria a ser cada vez mais restrito a não-membros. No entanto, os conservadores britânicos sempre foram reticentes quanto ao crescimento das atribuições e conseqüente aumento de poderes da Comunidade Européia. Temiam pela criação de um Estado supranacional a la Federação, como os Estados Unidos, sobrepondo-se ao Estado britânico. Com o seu retorno em 1979, e sendo a Grã-Bretanha uma das três forças no coração da CEE, além da Alemanha e França, a Grã-Bretanha conservadora procurou retardar o avanço do "Estado europeu", ao mesmo tempo que se preparava - com a retirada de controles e diminuição dos impostos sobre as operações financeiras, reforma e desregulação do mercado de trabalho etc. - para o contexto mais competiti vo que viria se instalar, gradati vameute, no cenário europeu. O governo trabal hista de Tony Blair, empossado em 1997, após vitória eleitoral histórica, em seguida à desastrosa e tímida atuação do conservador J ohn Major ( 199 J -97), prometia reverter o papel da Grã-Bretanha na mesa de negociações da União Européia. Mas o projeto político e econômico da "Terceira Via" tem demonstrado ser bem mais conservador cio que anteriormente aventado, com O governo priorizando a promoção de um grande programa de parcerias entre o setor público e o privado. Habitação para todos: O sistema britânico de provisão de habitações, remontado no pós-guerra, foi um dos mais diversificados, justos e completos mundo, talvez só comparável ao sistema sueco. A Grã-Bretanha mes perdas durante a última grande guerra. Há estimativas de e fortalecido sistemas no sofreu enorque 20% do Habitação em Crise na Grã-Bretanha, estoque habitacional Brasil e Portugal foram destruídos. 71 Mas estas não refletem a maior destrui- ção em Londres, em cidades industriais importantes e em outras cidades estratégicas do ponto de vista militar. O esforço de reconstrução no pós-guerra envolveu várias etapas incluindo e a criação provisão termos a construção de bairros provisórios habitacional que permaneceu mais gerais, as seguintes novas Cnew towns") de cidades com casas móveis após as ações características. O sistema de moduladas. emergenciais (a) Um mercado tinha, em privado que com financiamento das "Building Societies" e com subsídios do sobre os juros pagos pelo comprador. (b) As "Building Societies" contava governo eram entidades financeiras sem fins lucrativos, que tinham exclusividade na operação das contas de poupanças ("retail savings") e do mercado de financiamento habitacional. (c) O governo central repassava para os governos locais ("Councils"), na forma de "grants" (fundo perdido recursos sociais para construção para aluguel de habitações também sociais contavam com recursos pelos "Councils". eram (são) administradas ou gastos para aluguel. orçamentários), (d) As habitações para sua manutenção (e) Os aluguéis e eram baixíssimos, com segurança nos contratos, seguro-desemprego, e outras garantias. (f) O governo também oferecia (oferece) subsídio para o locatário de "baixa renda" fazer face aos custos com aluguel tanto no setor público quanto privado. (g) oferecia subsídio para a compra da casa própria na forma de O governo isenção total ou parcial dos juros sobre o financiamento. (h) O governo ofe- recia outros subsídios para manutenção c reparos de habitações degradadas ou ele valor histórico-cultural. O misto de habitações no setor de "casa própria", locação privada mercado e locação por habitações, Complementarmente, garantia educação BALCHIN, 1996). pública procurava adequado atender à capacidade aos vários de pagamento além de habitação a baixos e saúde, salário-desemprego, para todos (com poder de compra): O governo Thatcher incluindo as seguintes. venda de unidades generosos diversas (que consideravam públicas os aluguéis do morador. reformas no setor do "Right-to-Buy", (a) A implementação habitacionais para seus locatários, já pagos), do custos, o Welfare britânico aposentadoria etc. (Ver Habitação operou requisitos habitacional, programa de com descontos perseguindo uma política de "casa própria" extrema. Na década de 1980, aproximadamente 2 milhões de habitações foram transferidas cios "Councils' para mãos privadas por meio desse esquema. permanecendo das. Ao mesmo os valores Em geral, a melhor parte com os "Councils" aquelas tempo, o governo central dos aluguéis e reduziu a quase do estoque unidades obrigou público foi vendida, mais antigas e degrada- os "Councils" a elevarem zero os "grants" (dotações) para Revista Território, 72 construção de novas Rio de Janeiro, ano VI, n" 10, pp, 67-88, jan./jun., unidades habitacionais no setor público. 2001 (b) A reforma financeira permitiu que os bancos comerciais operassem no mercado habitacional e de contas de poupança, retirou os controles sobre o volume de empréstimos permitidos, expandiu os subsídios para a compra da "casa própria", simplificou os procedimentos 100% do imóvel. soluções e permitiu, inclusive, (c) O governo operou de mercado nas operações intrumentos de captação habitação para aluguel. em certos casos, o financiamento de outras reformas procurando favorecer habitacionais, criando, por exemplo, financeira para investimentos no mercado privado de (d) O govemo criou a "Housing Corporation" para financiar, em parte, por meio de repasses a fundo perdido, as operações das Associações Habitacionais C'Housing Associations"), entidades "sem fins lucrativos", que operam no mercado "social" de habitação para aluguel, com um misto de capitais públicos e privados. O sistema de provisão habitacional britânico fortalecido no pós-guerra no setor de habitações, Grã-Bretanha guardam no contexto e as reformas operadas na década de 1980, nítida relação com o papel desempenhado da globalização, com movimentos pela ora para dentro, ora para fora, criando novas oportunidades para indústrias e capitais nacionais nos setores de construção e financeiro e servindo de suporte ideológico, ora para o consenso trabalhista do pós-guerra, ora para o consenso da economia de mercado pós-Thatcher (Ver AMBROSE, 1994; BALL, 1994; VALENÇA, 1996b). Habitação não é para todos: A "Terceira Via" de Tony Blair não trouxe propostas setor habitacional. outras soluções em sucessivos notório. O avanço do movimento de mercado continua. orçamentos, dos subsídios A "Terceira inovadoras das Associações A diminuição para Via" de B lair manteve Habitacionais gradativa, a habitação e até aprofundou para o e ano após ano, é também fato essa tendência, tendo desativado o subsídio concedido aos proprietários de imóveis que cobria parte dos juros de suas hipotecas, que havia sido introduzido como medida de incentivo para a aquisição da casa própria. A "Housing Corporation", que já chegou a financiar Associações subsídios como a fundo Habitacionais, e cortes educação extraordinárias. nos gastos e saúde, Estas emergenciais perdido até 70% da produção hoje financia públicos, menos com habitação são "compensados" se constituem, do que a solução habitacional das de 40% dos seus custos. e outras por paliativos na prática, mais Os áreas sociais como como dotações medidas para o longo prazo já que são concedidas em dose única. Na era Blair, como Thatcher, O indivíduo continua sendo o foco da atenção do Estado enquanto as políticas sociais universais são gradativamente desativadas. O envelhecimento qual constituído no pós-guerra do estoque habitacional e entre-guerras, continua, britânico, boa parte do principalmente daque- Habitação em Crise na Grã-Bretanha, Brasil e Portugal 73 las unidades que visam a contemplar a população de renda mais baixa. O movimento da casa própria - que foi acompanhado por aumento expressivo de débitos imobiliários - já viveu sua primeira grande crise. No período 1988-92, em torno de dois milhões de mutuários se tornaram inadimplentes e os preços dos imóveis caíram vertiginosamente em linha com a desaceleração das atividades no mercado habitacional, levando, em número expressivo de casos, à situação peculiar em que os saldos devedores se tornaram maiores que o valor dos imóveis. Nesta situação, muitos perderam seus imóveis. A Grã-Bretanha enfrenta ainda grave problema de encontrar sítios disponíveis para a construção de novos imóveis. A legislação dos "Green Belts" - que protege áreas rurais próximas às maiores conurbações - limita o acesso à terra. As políticas perseguidas desde os governos Thatcher levaram ao agravamento das condições habitacionais britânicas. Muitos conjuntos em Glasgow, Manchester, Liverpool, Birrningham, Londres, e outras grandes cidades, encontram-se em estado de degradação adiantado ao mesmo tempo em que cresce o número de indivíduos vivendo na "rua" ou em acomodação provisória (Ver FORREST e MURlE, 1994; OXLEY, 1999; VALENÇA, 1996b; WHITEHEAD, (999). o caso do Brasil Crise do fordismo e desenvolvimentismo: A crise do fordismo nos países desenvolvidos, que vinha se fazendo sentir desde o final da década de 1960 e com maior visibil idade após o fim do padrão dólar e com os choques do preço do petróleo operados pela OPEP, teve efeitos diversi ficados sobre a economia brasileira. Não obstante a perda de mercados externos importantes, ou o efeito sobre as exportações, o Brasil se beneficiou do crédito abundante oferecido por bancos privados americanos e europeus. A década de 1970 marcou um período de austeridade econômica para os países europeus e para os Estados Unidos. Enquanto reestruturavam suas economias, impondo restrições ao crédito, gastos públicos e consumo, os governos desses países estimularam suas empresas a buscar realizar lucros no exterior, invertendo a ênfase no mercado doméstico do período de ouro do fordismo. Eurodólares e petrodólares foram disponibilizados para o mercado de crédito internacional. Empresas e governo brasileiros foram os maiores "beneficiários" deste mercado, atraindo volume considerável de empréstimos. É bom lembrar que nesse período o país experimentava uma fase de enorme crescimento econômico - o "milagre brasileiro" - e dava continuidade ao projeto desenvolvimentista por meio dos investimentos programados no âmbito do II PND. Afora o fato de investimentos vultosos terem tido resultados duvidosos tanto do ponto de vista econômico quanto social, os investimentos 74 Revista Território, Rio de Janeiro, ano VI, n" 10, pp, 67-88, jan.ljun., oporrunizados do país junto pelo crédito internacional à comunidade financeira 2001 levou ao desproporcional endividamento internacional. Com a alta inflacionária generalizada no início da década dc 1980, principalmente 110S EUA, que determinou alta sem precedentes nos juros aplicados no mercado financeiro internacional, a capacidade dos países endividados em honrar o serviço de suas dívidas foi comprometida ao que os credores internacionais responderam prontamente com a paralisação (CANO, dos empréstimos 1993; FERNANDES, Falência do Estado, endividamento A década de 1980 ficou conhecida "década perdida". A entrada mediadores na questão econômicos incompatíveis suas necessidades e a entrada 1993; VALENÇA, e crise social: - não apenas no Brasil em cena do FMI, Banco da dívida externa, levou com sua capacidade de gastos e investimentos em cena do FMI 1998). Mundial - como a e BlO, como o país a constrangimentos de poupança sociais. interna A política e com de "ajustes" condicionada a novos empréstimos no âmbito da renegociação e conseqüente reescalonarnento das dívidas impôs ao país li m modelo de desen vol vi rnento dissociado de suas características próprias. A resposta de sucessivos governos brasileiros não tem sido adequada, levando ao aprofundamento da crise. A insistência 110 projeto descnvolvirnentista concentrador de renda, em que se espera o "bolo" crescer para "no futuro" ser repartido, não é condizente com a estrutura populacional, externa-dívida econômica interna-serviço e social do país. A delicada da dívida externa-financiamento na-inflação levou os governos a ações inflação, controle salarial (as "cascatas" heterodoxas c/o governo relação dívida da dívida inter- como a pré-fixação da Figueiredo) e os conge- lamentos de preços, salários e rendas nos planos Cruzado, Verão etc. Após abrupta intervenção na rotina econômica, Cruzado lI, B resser, com ênfase especial sobre as rendas pessoais, o problema da inflação mostrou que não poderia ser resolvido com decretos e sem a resolução dos problemas estruturais da economia brasileira. A década de 1980 terminou com uma corrida hiperinflacionária, arrefecida Plano pelo drástico 1990; VALENÇA, o projeto e inconseqüente Collor (Ver LAMOUNLER, 1998). neoliberal: Não é inteiramente correto atribuir ao governo Collor a iniciativa de ter iniciado 110 B rasi I a desregu lamentação do Estado (ou o desmonte dos aparatos do Estado) e a indução da reestruturação produtiva junto à iniciativa privada, já que medidas nessa direção, minação anteriores, meio que relutantemente, seja por pressão de contingências do FMI e interesses locais. Mas é correto já apontavam externos, atribuir lentamente seja por deter- ao governo Collor a Habitação em Crise na Grã-Bretanha, iniciativa de ter acelerado 75 Brasil e Portugal destemida e desmedidamente esse processo de indução. A redução do número de ministérios, o fechamento de inúmeras agências públicas, a demissão em massa de funcionários públicos, a venda das unidades habitacionais funcionais em Brasília, a abertura comercial, o projeto de privatizações sem precedentes, essas e outras medidas, marcaram os curtos dois anos e meio do governo Collor. A tentativa da inflação com um ippon nas poupanças sofrimento a parcela resultados pretendidos. de atacar o problema crônico não apenas causou enorme pessoais da população considerável Após poucas do país como não obteve semanas, a inflação voltava os a reinar so- lene nas prateleiras e vitrines. No campo político, o governo Collor optou por desafiar Congresso, Judiciário e críticos em geral com ataques ferrenhos e atitudes austeras. O insucesso no lado econômico e político custou ao presidente os altos índices nas pesquisas ele opinião que conseguira manter, por quase dois anos, com parafernália e manipulação da mídia nacional. A história que se sucede e do impeachment - dos escândalos governo Itamar entra em cena com promessas cífica para o próximo governo e restabelecimento e outros setores da sociedade organizada. - é por demais sabida. O de moralização, transição pada relação com o Congresso Essas promessas se materializaram por intermédio do lançamento do Plano Real, pelo então ministro Fernando Henrique Cardoso, o que favoreceu a sua campanha para a presidência (Ver BELLUZZO e BATISTA JR., 1992; VALENÇA, 1998). A reestruturação O governo tindo o sistema volvidas produtiva FHC cuidou bancário. até o momento, a extensão saúde, habitação, e o impacto não apenas prioritária de juros públicas do governo. altos, e assis- sido desen- estas não tiveram, a política de atração mais dependente comercial, ele capitais à implantação financeiros, salarial elos continuam na o sistema cambial, a do capital que funcionaram muito mais sensível externo. de novo sistema o arrocho ao investimento brasileira econômico o programa as privutizações, constitucional de incentivos em fins de 1998 levou, em janeiro -r-, aprofundou para de reforma A abertura a economia - ao contexto como para fazer A abertura comercial, - com destaque a política do Real", tornaram presidenciais e outras, necessários deu continuidade precedentes. públ icos - e as propostas política ele capitais tenham é de agenda externo, fortalecendo as das contas funcionários Real, retroagir iniciado durante os governos o controle o Plano ações inovadoras existentes no país nessas áreas. Quanto ao projeto neoliberal, dizer que o governo FHC, após as retificações necessárias procedimentos, "âncora de manter Muito embora nas áreas de educação, carências necessário e o Plano Real: como - se não Daí que a crise com a fuga de 1999 - logo após as eleições cambial e aprofundamento da Revista Território, 76 Rio de ,Janeiro, ano VI, n" 10, pp. 67-88, jan.ljun., crise, com a perda relativa de confiança dos investidores no Plano Real. O problema da dívida externa/interna e da opinião continua 2001 pública condicionando a política econômica. A manutenção das taxas de juros em patamares muito altos não só oportuniza o lucro fácil para o capital financeiro em geral como, domesticamente, mantém aprisionados capitais que poderiam estar sendo utilizados mais produtivamente, sem contar que os juros altos impedem ou limitam a expansão do consumo da dívida pública o governo e do mercado interna. Collor cuidou interno e agravam à reestruturação Quanto de destruir a já precária produtiva, as estruturas situação é justo industriais dizer que e de serviços menos produtivas - dado que implantou uma drástica política de abertura comercial - e que o governo FHC cuidou de estimular investimentos em setores da indústria de maior produtividade, com a atração de investimentos externos, principalmente no setor automobilístico. Ambas as ações redundaram no grave e perene problema do desemprego no país sem que nenhum dos governos cuidasse de apresentar uma alternativa para compensar os efeitos sociais da reestruturação produtiva. O país não tem procurado encontrar o balanço entre as medidas didos, para manter desenvolvimento renda de favorecimento o necessário "autônomo" (Ver FONSECA, no campo e na cidade, Habitação, estava perseguido sucedido política seria próprias" posta tempo, a ideologia trabalhadora. pria" no âmbito impulsionaria trução, financeiro, distensão política eleições iniciado nas regiões financeiro e militares de poupança média e da da "casa o déficit ainda esperavam disputaria Geisel. seriam pró- e do FGTS, civil, de materiais ainda a combater a partir do governo de "casas e, ao mesmo da classe da caderneta onde esses efeitos de uso exclusivo habitacional e compra que seu partido mentista da representação econômico entre setores de construção do da que em vista de bem da construção básica no país. Os militares nas sucessivas desenvolvi a questão O programa privada afins, ajudando políticos O circuito plano. do SFH, com recursos os setores apostavam econômico O financiamento e de infra-estrutura emprego pelos governos do projeto a idéia de crescimento da propriedade e profissionais investimentos Os militares em segundo para reforçar classe implementada em linha com o propósito de desenvolvimento serviria para manter do metade da década de 1960, com o estabelecimento da Habitação e por intermédio do Banco Nacional por esses governos. projeto bem suce- e o favorecimento e habitação: O modelo da política habitacional da segunda Financeiro econômicos de pagamentos, 1998). Desenvolvimentismo a partir Sistema a setores balanço de cons- habitacional obter ganhos no cronograma de Para isso, concentraram mais fortemente para o setor habitacional, sentidos. introduzido no Habitação âmbito em Crise na Grã-Bretanha, do SFH, refletia cipalmente nos EUA, do FMI e seu braço governo se livraria os modelos e seguiam bancário, financeiros ministrativos. ores, seria reajustado 77 nos países desenvolvidos, as recomendações gastos contidas Mundial. públicos (prestações com habitação. de tempos (poupança em tempos sistema, e FGTS) diferente o Toda operação ou seja, deveria do BNH), prin- em documentos Por meio desse o autofinanciamento, dos seus passivos O retomo a incidência ARRETCHE, existentes o Banco de realizar no SFH tinha por princípio custos Brasil e Portugal e outros cobrir custos dos sistemas (no início, anualmente) os ad- anteri- refletindo sobre o saldo devedor de correção monetária e juros (Ver 1990; ANDRADE e AZEVEDO, 1982; AZEVEDO, 1988; MARTCATO, 1987; 1996; MELO, 1987; 1992; VALENÇA, 2001; VALLADARES e COELHO, 1995). 1992; 1997; 1999; A questão do juro sobre o crédito habitacional: Diante do modelo empresarial do SFH, e diante da inexistência de subsídios voltados para a produção e/ou compra da habitação, o juro incidente sobre o financiamento habitacional tornou-se deveras incompatível com a operação do sistema. A percepção deste problema em particular foi dificultada por dois fatores importantes: a cultura inflacionária no país e a determinação política do reajustamento com contratos salariais, das prestações. Os mutuários até 1986, se "beneficiaram" mesmo tária e reajustes que perdendo salariais. Esses mais antigos de reajustes da inflação, reajustes em linha com reajustes e/ou inferiores abaixo do sistema, à correção do estipulado mone- nos contratos (mas baseados na cláusula de equivalência salarial) levaram o sistema à sua virtual falência, com acumulação de dívida bilionária junto ao FCVS. Nos países de economia avançada, o financiamento habitacional, nem mesmo nos dias de hoje, sofre incidência real de 10-12% de juros, como nos contratos do SFH (e com garantia do FCVS). O poder de compra dos salários, mesmo elevados, não poderia suportar tais custos. geral, além de manter o nível dos juros já é bastante para os operadores, a indústria sistema. lucrativo da construção Na Inglaterra, Os governos oferece e para o mutuário por toda a década destes países, em reais em torno de 3-4% ao ano, o que um misto de subsídios para garantir a realização de 1960 e 1970, os juros para do nos finan- ciamentos habitacionais oferecidos pelas "Building Societies" ti classe média foram próxi mos a zero, senão negativos. No Brasil, os juros sobre financiamentos habitacionais 1999; 2001). são altíssimos e os salários baixos (ver VALENÇA, 1992; Dívida pública, crise do SFH e fim do BNH: A crise da dívida externa teve repercussões profundas sobre a economia 78 Revista Território, Rio de Janeiro, ano VI, n" 10, pp. 67-88, jan./jun., 2001 brasileira, em especial sobre o emprego e a renda, e sobre o SFH. A crise da dívida e a conseqüente alta dos juros criou uma "ciranda financeira" em detrimento do investimento produtivo. Utilizando-se de inúmeros artifícios contábeis e jurídicos, bancos, sociedades de crédito imobiliário e associações de poupança e empréstimo transferiram parte de suas operações no mercado habitacional para a "ciranda" e para operações a juros livres no mercado, inclusive operações de crédito ao consumidor. Os efeitos da crise sobre os salários, com a incorporação apenas parcial da inflação, gerou uma defasagem entre o poder de compra dos salários e o reajuste das prestações da casa própria. Isso levou ao forte movimento dos mutuários em meados da década de 1980, redundando em várias medidas paliativas, como O Bônus do BNH e os reajustes abaixo da inflação. O saldo devedor, no entanto, continuou a crescer com correção monetária e juros, levando à acumulação de débitos junto ao FCVS de responsabilidade do Tesouro Nacional. Os banqueiros saíram fortalecidos, inclusive com a montagem elos "bancos múltiplos" em 1988. Como era necessário encontrar um bode expiatório para a crise no SFH, em 1986, o governo Sarney decidiu fechar o BNH em meio ao Plano Cruzado lI. O SFH, cujas atividades desde 1982 já se encontravam bem abaixo da sua média histórica, passou a ter desempenho errático a depender das oportunidades no mercado financeiro e constrangimentos causados pelos diversos planos econômicos a partir do período Sarney (Ver ARRETCHE, 1996; MARICATO, 1996; VALENÇA, 1992; 1997; 1999; 2001). Indução institucional e programa habitacional - A década de j 990: De Collor a FI-lC, a política de habitação tem girado em torno de como viabilizar os investimentos em habitação determinados na legislação relativa ao FGTS e operações com cadernetas de poupança, compatibilizando-os com outras legislações intervenientes como a que reza sobre o reescalonamcnto das dívidas dos estados e municípios. Assim, o programa habitacional do governo Collor, desenvolvido no âmbito do Ministério da Ação Social, favoreceu a participação da iniciativa privada como promotor dos programas, contornando o problema do endividamento dos estados e municípios que os impedia ele contrai r novos créditos junto ao governo federal ou participar dos programas interrnediados por este. Ninguém há de se surpreender diante do fato de que o estado de São Paulo e a maioria dos seus municípios detinham a maior parte da dívida pública contraída junto ao governo federal e os principais interlocutores elo Ministério, os secretários ela Habitação e do Saneamento, eram ambos originários daquele estado. Com a manipulação dos projetos habitacionais para fins clientelistas, e diante da rápida deterioração pol ítica do governo Collor, o programa habitacional a cargo do MAS-CEF não custou a desabar. As severas Habitação em Crise na Grã-Bretanha, medidas recessivas impostas Brasil e Portugal 79 à economia pelo governo deixaram os cofres do FGTS, Iinunciador do programa, sem o aporte de recursos necessários. Em 1992, novos projetos de construção de habi tações, saneamento e desen vo Iv imente urbano já não foram mais aprovados. O govemo FHC não propôs soluções de porte para resolver o grave problema do déficit habitacional brasileiro. Montou FGTS programas e cadernetas novas moradias, com programas o primeiro Urbana governo (SEPURB) junto CEF - não contribuiu recendo para as operações (pela CEF), Ao desvi ncular a ap] icação ex istente. mão", direcionados de poupanças dos recursos de financiamento a troca em vez da produção do SFH da construção do estoque de Política e Orçamento habitacional de novas unidades de "de segunda da Secretaria do Planejamento para a renovação do à legislação de habitações FHC - por intermédio ao Ministério com recursos em atendimento e da no país, favo- habitacionais. A grave crise econômica, a situação de renda e emprego (capacidade de pagamento cios mutuários e potenciais compradores), a questão da poupança interna e do crédito (o (inanciarnento da habitação), o ajuste das contas públicas (o aporte de recursos públicos orçamentários para o setor de habitação), a não determinação política para incluir a provisão de habitação no planejamento do orçamente da União, todas eSS<lScondições afetam negativamente o pleno desenvolvimento de uma política de habitação adequada, com o objetivo simples e único de resolver população os problemas brasileira o o movimento de habitação (Ver VALENÇA, das parcelas 1997: mais necessitadas da 1999; 2001). caso de Portugal de abertura para () capit al estrangeiro: Ainda durante o Estado autoritário-corporativo de Sal azar, Portugal buscou na abertura para o capital externo a fonte de financiamento cio seu desenvolvimento contas c, diferente públicas da maioria excessivamente dos demais equilibradas. países europeus, Na década foi em direção à Europa. As trocas comerciais cresceram investi menta de capitais europeus na i ndústria em Portugal. oferecer, pri nci palmente, dado o tamanho um grande mão-ele-obra reduzido número de portugueses busca de melhores condições giram à Alemanha, França só em Paris; vis-à-vis o grande se dirigiu para diversos ele trabalho c Luxemburgo. e em Luxemburgo lação total (Ver GASPAR barata e prox imidade. da sua economia e renda. Ao mesmo mercado e JENSEN-BUTLER, 1992). tempo, europeu, países europeus Há, até hoje, 500.000 perfazem as como também o Portugal ti n ha a Os maiores os portugueses manteve de 1960, a abertura fluxos em se diri- portugueses um terço da popu- Revista Território, 80 A crise do fordismo, Na década fordismo), de empregos as fontes de destino na Europa diante da crise e do desemprego, retorno para Portugal. pagamentos português internacional (a crise acentuou-se do econômica foi bastante para os emigrantes 2001 autoritário: e com a reestruturação em particular, a oferta também tempo, do Estado de 1970, com a crise econômica centrais, reduzindo-se e o fim descolonização a crise do petróleo nos países mesmo Rio de Janeiro, ano VI, n" ] 0, pp. 67-88, jan./jun., reduzida, portugueses. Ao o movimento de Este movimento teve repercussão sobre o balanço de com a redução das remessas de dinheiro dos portugue- ses emigrados para suas famílias. Diante da crise econômica, Portugal tomouse ainda mais dependente de investimentos do capital estrangeiro, principalmente na indústria de governos na África posição e infra-estrutura europeus turística, e da CEE. Aliem-se para ressaltar de soluções de empréstimos à crise, a fragilidade financeira para os graves problemas do FMI, e ajuda os gastos do Estado sociais com as guerras português na pro- - o de habitação em particular - que se agravavam no país. Adicione-se o fato de que entre 197576, com a independência das colônias, ao longo de apenas 18 meses aproximadamente 600.000 portugueses retornaram instalaram em Lisboa. Em suma, na década da África - metade dos quais se de 1960, Portugal perdeu aproxi- madamente um milhão de pessoas e ganhou um milhão de pessoas na década seguinte, movimento de cerca de 10% de sua população total (Ver GASPAR L992). e JENSEN-BUTLER, A integração européia: Com a integração à CEE em relações com a União Européia 1986, e diante nos últimos anos, o quadro nomia portuguesa tem mudado satisfatoriamente, Porém, o estreitamento dos laços com a Europa dência controle desde à União Européia em relação nível das taxas de juros do Estado português 1999, com a adesão relativamente baixa principalmente cipal beneficiário guesa Migração dos Fundos no seu interior. ao Sistema Monetário Embora nas instituições vultosos Regional, da União dos Fundos dinâmico fora do Europeu Portugal e, tenha Européia, Estruturais Social e de Agricultura. atual centro e JENSEN-BUTLER, Inflação, já estão da economia o eu- O prinportu- 1992). e urbanização: O crescimento ção, principalmente política de crise da eco- cambial única - o euro. de investimentos tem sido Lisboa, (Ver GASPAR e nas relações com a adesão das embora que vagarosamente. tem significado maior depen- do mecanismo à moeda influência país tem se beneficiado ropeus, e controle do aprofundamento da indústria de Lisboa em Portugal e Porto. foi acompanhado Com isso, a maior da urbaniza- concentração eco- Habitação em Crise na Grã-Bretanha, 81 Brasil e Portugal nômica nos distritos do litoral (há 18 distritos em Portugal) levou a maior concentração populacional também nesses distritos, com a migração de contingente populacional expressivo dos distritos do interior para os distritos do litoral e em direção à Europa, como já assinalado acima. Na década de 1960, todos os distritos ção. fronteiriços com a Espanha Esse movimento esses distritos 65% se encontravam Coimbra, continuou, na década Leiria, embora em apenas e Setúbal), populacional habitacional populacional procura A produção e problema em quase todos de portugueses, Porto, Aveiro, 21 % do ter- é claro, impacto signifi- e JENSEN-BUTLER, habitacional: reflete em grande parte o movimento principalmente também litorânea da popula- a apenas tiveram, (Ver GASPAR português habitacional pela área de destino lentamente, que correspondem que tem se verificado econômica. parcelas do litoral (Braga, migratórios cativo sobre a situação habitacional 1992; LEWIS e WILLIAMS, 1984). O problema mais sete distritos Os movimentos Dinâmica grandes Em 1991, dos dez milhões seguinte. Lisboa ritório português. perderam em função da dinâmica reflete esse movimento se deu em função já que a de sua maior dinâmica econômica. Assim, muito embora o déficit habitacional português se concentre mais no litoral, em particular Lisboa e Porto, o estoque de habitações permanentes nessa área é mais recente, de melhor qualidade e melhor servido de infra-estrutura. No interior, a demanda é menor, o estoque é mais antigo e a infra-estrutura é reduzida, principalmente no Alentejo volvimento embora, As explicações aqui analisá-Ias demográfico estruturou à sua distribuição uma população como habitações de habitações tivas de déficit habitacional essas estimativas des habitacionais. habitacional, no território português. tendem permanentes. seguem a oscilar Estranhamente, de pessoas, de habitações, permanentes. político a demanda em torno dos dez milhões com pouco mais de quatro milhões o número anos, com o desen- portuguesa são variadas e não no entanto, destacar o fator que, aliado ou a reboque do desenvolvimento no que concerne classificadas nos últimos habitacional: para a crise habitacional em detalhe. É preciso, do país nas últimas décadas, abrigar melhoras Évora) e no Algarve turístico. A medida do problema cabe tenha havido (em particular, e econômico principalmente Em Portugal contava sendo que três milhões Havia 100.000 famílias Como no Brasil, em Portugal metodologias 1991, para variadas. Diferente eram a mais que as estimado Brasil, em torno de uma só figura: 500.000 essa figura não tem variado nem mesmo longo do tempo. O déficit habitacional português atinge principalmente unidaao as áreas Revista Tcrrltório, 82 metropolitanas Câmaras de Lisboa Municipais, e Porto (32%). tropolitanas. e Porto. 42.000 HLl mais 240.000 importantes, em Magalhães ano VI, n" 10, pp. 67-88, jan.ljun., Há, segundo habitações Essas habitações, tros históricos estimativa Rio de .laneíro, habitações muitas estimativas do tipo "barracos" verdadeiros cartões (apud OXLEY das respectivas em Lisboa degradadas vezes, formam (68%) nas duas áreas parte expressiva postais. e SMlTH, 2001 Por exemplo, me- de censegundo 1996), 40% da população do Porto residem em unidades habitacionais com sérios problemas de conservação. Os "pátios" em Lisboa (tipo de cortiço com as pequenas unidades habitacionais (correr dispostas ao redor de um pátio de casas em fundo de quintal de lata", encontrados centrai), no Porto as "ilhas" com acesso pela rua de trás), os "bairros principalmente em Lisboa (semelhante às favelas leiras), e os "bairros clandestinos", que têm se proliferado décadas, são as formas mais comuns de habitação-problema brasi- nas três últimas em Portugal. Embora as estatísticas não sejam confiáveis, a área metropolitana de Lisboa abriga metade das habitações clandestinas de Portugal. É necessário esclarecer que os bairros clandestinos nem sempre abrigam lima população carente. Originários muitas de práticas vezes, infra-estrutura bairros especulativas de classe dos proprietários média, urbana. O problema de terra, esses são, é o acesso à principal dos bairros clandestinos a outro problema crítico: a estrutura próxima às áreas ele maior demanda ços, a solução cujo problema também se relaciona fundiária. Como não há terra disponível habitacional, ou há, mas a elevados pre- tem sido os loteamentos clandestinos na periferia das duas áreas metropolitanas - Porto e Lisboa. Destaca-se, também, o estado em que se encontra O estoque de habitações no interior do país - que é, via de regra, mais antigo - e a escassez de serviços urbanos. Em 20% das casas não há um ou mais dos seguintes elementos: água encanada, sanitário e/ou cozinha. se encontravam motivo, É relevante "vagas" em 1991. Vale também 44.2% do estoque no período também habitacional as habitações em 1991 tinham demolição, que, tomando tinham reforma Isso indica que o estoque JENSEN-BUTLER, Problema No período pequenos foi relativamente 1992; LEWIS habitacional Salazar, e WILLIAMS, e resposta a produção problemas aqui incluído habitacional por- portuguesas que no período (Ver GASPAR 1984; NEVES, 1997). do Estado: pública específicos, baixa 197 I, desde do setor de casa própria, novo. Por outro lado, 38.8% das habitações habitacional ou outro por base o ano de 1991, sido construídas mais de 50 anos de idade. Esses dados indicam a produção resolver ressaltar "informais". que 10.6% do total de habitações aluguel, português de maior desenvolvimento tuguês 6 relativamente Salazar assinalar para venda, portuguesas, eletricidade, de habitação dar programas tinha por objetivo como "Casas e Habitação em Crise na Grã-Bretanha, Desmontáveis", "Casas Brasil e Portugal dos Pescadores", tada e visava ao controle social. 83 entre outros. Lisboa Essa produção e Porto destacam-se foi limi- como principais beneficiários no contexto da produção pública do período. Com o clima de "redernocratização" do período 1974-76, com a debacle dos mais de 40 anos do Estado autoritário-corporativo, a melhoria das condições ciações de inquilinos, apenas em Lisboa, movimentos habitacionais, moradores sociais emergiram urbanos, de áreas degradadas 5.000 casas desocupadas cujo vetor era com vigor. Inúmeras foram etc., foram invadidas. asso- criadas Mesmo e, diante de tal pressão, a resposta do Estado português foi tímida. A instabilidade política do Estado português 110 período pós-colonial junto com outros constrangimentos do setor econômicos internos e externos explicam, em parte, a frágil atuação público no setor habitacional. Nos dez anos a partir de 1974, 14 governos se sucederam política vivido em Portugal, o que mostra pelo país. Sem conseguir eleger o clima de instabilidade uma bancada majoritária, a coalisão governista oscilou entre a esquerda, tendo o Partido Socialista como base, e a centro-direita, por meio da Aliança Democrática. Enfim, fora pequenos programas no centro aluguéis, de recuperação histórico e tentativas clandestinos, e remoção do Porto, sem sucesso a política de áreas degradadas, imposição habitacional de regular, (O subsídio lação regionais portuguesa. à compra posteriormente, e Porto cio poder sozinhas atraem Esse subsídio, de compra 80% desde da habitação tem tido uma distribuição e sociais já que depende Lisboa de os bairros em Portugal, cobre até 20% do custo do financiamento.) criado em 1976 e alterado em termos o mercado e legalizar governos subsidiado principalmente sobre melhorar de sucessivos 1976 até hoje, tem sido uma só: o crédito própria. de controles desse desigual da popu- subsídio. A solução do problema habitacional, por parte da família portuguesa, só tem duas vias: o mercado ou a informalidade. Ou seja, a política habitacional dá ênfase ao problema do financiamento da habitação, que depende ele vários fatores econômicos como emprego e renda, inflação, juros etc. Com tal política de beneficiamento do financiamento subsid iado da habitação própria, o setor cresceu de 57%, em 1981, para 65%, em 1991. No contexto europeu, apenas na Itália o crescimento relativo do selo r de casas próprias foi maior que em Portugal no mesmo período. O endividamento habitacional. ou o número de mutuários, embora baixo em relação aos demais países europeus, tem crescido drasticamente 22 % dos proprietários perseguida pelo governo, tomar-se proprietária da sociedade reeditando não resta outra opção para a família portuguesa no setor formal ou i nformal. organizada, 1993, o governo atingindo em 1991. Dada a falta de opções para aluguel e a política português - medidas como publicações lançou para realocar, o Plano senão Em segu ida a várias iniciati vas e organização de encontros, da Habitação, anunciando com a construção de novas em - ou unidades, a 84 Revista Território, população de residentes habitações degradadas, dos loteamentos para a produção Rio de Janeiro, ano VI, n° 10, pp. 67-88, jan./jun., em "bairros de lata", principalmente casos, a situação anteriores (Ver LEWIS e WILLIAMS, 1997; OXLEY e SMITH, 1996). A produção de habitações: A construção de novas habitações deveria, as necessidades dos diversos como o sistema de provisão habitacional privada, muito embora mão da iniciativa (com menos tende a se verificar segundo Vitor Neves, estralos de renda da população se encontra portuguesa. de dez empregados), a produção que possibilitem dade. Não é de se estranhar que na década de 1970, tenha adequada habitacional 1993, 45.4% das 63.199 por particulares. própria habitações habitações maior rentabili- se verificado Portugal uma das mais baixas taxas de construção habitacional que esta se dá a reboque da demanda efetiva (poder de compra) de uma política construídas O setor de cooperativas em da Europa já por habitação. para o setor, a participação ou para aluguel na por pequenas de novas áreas e padrão duos na produção suprir Porém, quase que totalmente o setor seja dominado naquelas Na ausência reabilitar legalizar clandestinos, como também disponibilizar terrenos públicos de habitações pela iniciativa privada. Tais medidas, no seu conjunto, são a reedição de medidas 1984; MINISTÉRIO ... , s.d.; NEVES, empresas e, em certos no Porto e Lisboa, 2001 de indiví- é ainda muito alta. Em em Portugal tem crescido foram produzidas consideravelmente nos últimos 20 anos mas ainda é pouco significativo. Em 1993, ano de pico, o setor de cooperativas produziu 6.8% do total de habitações construídas. O setor detém apenas tem oscilado: em 0.2% do estoque produziu 1984; e apenas 17.6% das 41.250 2.5% em 1993; em produção do setor privado alterado significativamente, lando em torno dos habitacional. habitações para se destinavam Outro o mercado tinham desde a "Revolução desestimulou habitações para aluguel mais degradado Portugal Européia, 3.3% em Portugal do estoque. relevante Em é a baixa 1970, de aluguéis; 40.8% produção A de 1974" e mesmo os investimentos não só é hoje o mais antigo, (Ver NEVES, de das habitações em 1993, apenas esse desti n o. As sucess ivas intervenções em estado Habitação construídas 1991, possuía de aluguéis. total produzido e na Grã-Bretanha, fator ao mercado nesse mercado, habitações do setor público como um todo, embora sua composição tenha se tem se mantido constante ao longo dos anos, osci- 90%. construídas A participação 1.4% do do Estado antes, como no Brasil no setor. O estoque de mas o que se encontra 1997). em crise: se destaca um dos mais do cenário europeu pobres. Isso por ser, entre os países da União se reflete também nas condições Habitação em Crise na Grã-Bretanha, Brasil e Portugal 85 habitacionais do país. Não atendidas pelo Estado, parcela relevante da população encontra nas favelas, ou "bairros de lata", a solução de seus problemas de habitação. Com o estreitamento das relações com a União Européia, desde a integração à CEE em 1986, esse quadro tem mudado, embora que vagarosamente. Em linha com o que acontece com a maioria dos países no mundo hoje, pobres e ricos, o sistema de provisão de habitação em Portugal tem se dado via o mercado, beneficiando menos os que têm mais necessidade e menos condições de, sozinhos, resolver seus problemas habitacionais. A situação habitacional de Portugal é precária. Como no Brasil e Grã-Bretanha há, antes de tudo, um desequilíbrio no mercado entre oferta e poder de compra do usuário. E há poucas (ou insuficientes) intervenções do Estado no sentido de corrigir o problema. O quadro se agrava dada a necessidade de Portugal atingir as metas estabelecidas no âmbito da União Européia. Conclusão A conexão entre os três casos analisados não é explícita quando estes são vistos isoladamente e comparados um a um. São três contextos políticos, econômicos e sociais e três formatos de mercado e política habitacionais distintos. Ao submeter os três casos à análise da economia política internacional pode-se verificar quais processos supranacionais mais gerais foram condicionantes do desenvolvimento nacional e quais políticas habitacionais foram desenvolvidas neste contexto. Por meio deste procedimento, é então possível perceber as conexões entre os três casos. Na análise acima verificamos que no imediato pós-guerra, sob a tutela dos EUA, os países europeus, engajados na reconstrução da in íra-estrutura e reestruturação econômica, entraram em fase de acelerado desenvolvimento sob o regime de acumulação fordista. Para Portugal, que teria ainda que conviver com o regime salazarista até a revolução de 2S de abril de 1974, o fordismo traria oportunidades de trabalho para os milhares de portugueses emigrados. Neste período, a Grã-Bretanha implementou um grande programa de construção públ ica de habitação para aluguel, em resposta à destruição do parque habitacional durante a guerra. O sistema de provisão habitacional britânico só viria a sofrer modificações substanciais com a ascensão de Margaret Thatcher em 1979 e em resposta à crise do forelismo. A crise de "estagnação" liberou créditos anteriormente não disponíveis - em particular eurodólares e petrodólares - para o sistema financeiro internacional, operado, em larga escala, por bancos privados. Na década de 1970, sob o regime militar, o Brasil foi um dos principais beneficiários deste sistema. Por intermédio dos investimentos previstos no âmbito elo II PNO, a economia brasileira, que vivia os últimos anos do "milagre", pôde adiar por mais alguns Revista Território, 86 ano VI, nU 10, pp. 67.8R, jan./jun., Rio de Janeiro, 2001 anos o desencadearnenro da crise. A esta altura, o Sistema Financeiro da Habitação já operava plenamente, utilizando os recursos das Cadernetas de Poupança e FGTS. Em Portugal, a crise do fordismo significou o movimento parcial de retorno de trabalhadores e a redução das "remessas", pagamentos. À crise do fordismo emigrados residentes com conseqüência somou-se nos países negativa sobre a crise política europeus o balanço de com a débacle da ditadura c guerras coloniais. Portugal, gue historicamente havia sido exportador de mão-de-obra, receberia mais de meio milhão de retornados das suas excolônias a partir de 1976, contingente este que procurou se instalar junto ao litoral, região de maior dinamismo econômico, principalmente nas regiões metropolitanas de Lisboa e Porto. Com a crise da dívida externa, em 1982, os bancos privados voltaram-se britânicos que operavam para o seu mercado ções ao crédito, de controle interno. implementadas da demanda, no sistema internacional Conseguiram em meados quebrar da década de crédito com as restri- de 1970 como medida com o cartel das "B uilding Societies" e quebrar que tinham exclusividade sobre as operações de crédito imobiliário e contas de poupança. No Brasil, a crise do endividamento levou a efeito contrário. O SFH, desenhado fontes para operar numa de financiamento financiamentos concedidos larial operado economia - FGTS, - sofrerem a partir do governo paralisação do sistema. conseguiria formar governos em crescimento, Cadernetas com o desemprego da década estáveis 1986, passando a beneficiar-se partir da década de 1990, o governo dos e achatamento sa- de 1980, Portugal e integrar-se dos investimentos consistente no setor habitacional, Com a reprivatização dos bancos as suas e retorno A crise do SFH levou à virtual Figueiredo. Em meados viu todas de Poupança português finalmente à comunidade européia em dos Fundos Estruturais. A passou a atuar de forma mais lançando, em 1993, o Plano de Habitação. portugueses na segunda metade da década de 1980, as operações de crédito imobiliário foram aos poucos se expandindo, mas só na década de 1990, no contexto de baixa inflação e expansão do crédito bonificado assistiu (subsídio), ao avanço o setor passou a ter alguma expressão. da global ização de formato dos três países à busca de soluções neoliberal, de mercado, A década de levando ou parcerias resolver pobres. e riquezas, as soluções de mercado o problema habitacional do número Os vários intermédio apenas do "mercado", para agravar países, em particular de habitação mecanismos tende de captação que privilegiam a problemática de recursos as classes situação como instrumento para de desempregados e financiamento mais abastadas, de distribuição no Brasil. Ou seja, nos três exemplos a funcionar disparidade não têm sido adequadas crescente 990 com a iniciativa pri vada, em quase todas as áreas de sua atuação. Diante da crescente de renda J os governos e por servirão de renda nesses analisados, de concentração a política de renda. Habitação em Crise na Grã-Bretanha, Brasil e Portugal 87 Bibliografia A GLIETTA, Michel. (1988): Capitalism at lhe turn ol' lhe century: Regulation thcory and lhe challenge of social changc. New Left Review, n. 232, pro 41-90. AMBROSE, Pcter, (1994): Urban process aliei powe r. Londres: Rouilcdgc. ANDRADE, Lu ís Aurel iano G. de e AZEVEDO. Sérgio de. (1982): Habitação e poder - Da Fundação da Casa Popular (10 Banco Nacio1101 da Habitação. Rio de Janeiro: Zahar, ARRETCHE, Marta. (1990): Intervenção do Estado e setor privado: O modelo brasileiro de política habitacional. Espaço e Debates, n. 31, f1f1. 21-36. -------. (1996): A dcsccntral izução como condição de governabil idade: Solução ou miragem? Espaço & Debutes, n. 39. Ano XVI. pp. 75-86. AZEVEDO. Sérgio de. 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