Avaliação da abertura bucal em pacientes submetidos à

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ARTIGO CIENTÍFICO
Avaliação da abertura bucal em pacientes
submetidos à radioterapia de cabeça e pescoço
Evaluation of mouth opening in patients undergoing head and neck radiotherapy
RESUMO Introdução: a radioterapia de cabeça e pescoço quando direcionada à articulação temporomandibular e músculos da mastigação, pode provocar sequelas como redução da amplitude de abertura bucal e trismo, que, muitas vezes, pode ser irreversível. Priscila Fernandes Ribas* Cynthia Savioli** Marcia André*** Reinaldo Brito e Dias**** Objetivo: comparar a amplitude de abertura bucal, antes e após a radioterapia da região de cabeça e pescoço. Metodologia: foram selecionados 30 pacientes com diagnóstico de tumores malignos de cabeça e pescoço para serem submetidos à mensuração da abertura bucal 30 dias antes da radioterapia, e 90 dias após. Também foram observadas as características gerais como tipo histológico do tumor e dose de radioterapia. ** CD, Assistente da divisão de Odontologia, Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina, USP, São Paulo, SP, Brasil. Resultados: a idade média da amostra foi de 58 anos, sendo que 80,76% eram do sexo masculino e 19,24% do feminino. Na primeira avaliação encontrou‐se limitação de abertura bucal (35,08±8,74), e 90 dias após a radioterapia houve aumento da limitação de abertura bucal (31,5±10,42), porém, sem mostrar significância estatística (p≤0,061). *** CD, Me, Dr, Professora, Departamento de Cirurgia, Prótese e Traumatologia Maxilo Faciais, Faculdade de Odontologia, USP, São Paulo, SP, Brasil. Conclusão: não houve agravamento da limitação de abertura bucal após três meses de radioterapia. Palavras‐chave: Transtornos da Articulação Temporomandibular; Odontologia; Radioterapia. ABSTRACT Introduction: when temporomandibular joint and muscles of mastication are in the field of radiation, trismus and restriction of mouth opening are common and often irreversible sequelae. Aim: compare mouth opening before and after head and neck radiotherapy. Methodology: thirty patients with head and neck malignant tumors were chosen to have their mouth opening measured 30 days before and 90 days after radiotherapy. General characteristics as histological type of the tumor and radiotherapy dose were also evaluated. Results: the mean age of the sample was 58 years, 21 subjects (80.76%) were male, and 5 (19.24%) were female. At the first evaluation, we found mouth opening restriction (35.08±8.74) and ninety days after radiotherapy the mouth opening increased (31.5±10.42), but without statistical significance (p≤0.061). Conclusion: the mouth opening did not worse after 3 months of radiotherapy. Keywords: Temporomandibular Joint Disorders; Dentistry; Radiotherapy. * CD, Me, Departamento de Cirurgia, Prótese e Traumatologia Maxilo Faciais, Faculdade de Odontologia, USP, São Paulo, SP, Brasil. **** CD, Me, Dr, Professor Titular, Departamento de Cirurgia, Prótese e Traumatologia Maxilo Faciais, Faculdade de Odontologia, USP, São Paulo, SP, Brasil. Endereço para correspondência: A/C Priscila Fernandes Ribas. Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo – Departamento de Cirurgia, Prótese e Traumatologia Maxilo Faciais. Av. Profo Lineu Prestes, no 2777. CEP: 05508‐900. Cidade Universitária – São Paulo, Brasil. E‐mail: [email protected] Enviado: 12/11/2010 Aceito: 03/02/2011
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INTRODUÇÃO No mundo todo, são diagnosticados aproximadamente 500.000 novos casos de câncer de cabeça e pescoço por ano1. A radioterapia, modalidade terapêutica utilizada no tratamento dessas neoplasias, tem o objetivo específico de proporcionar a dose de radiação correta para o controle tumoral, minimizando ao máximo os efeitos deletérios na região ao redor do tumor. Apesar dos avanços tecnológicos agregados a essa modalidade terapêutica, ainda são observados diversos efeitos colaterais2‐4. Quando os músculos da mastigação e/ou a articulação temporomandibular (ATM) estão no campo da radiação, pode haver formação de fibrose tecidual, espasmos musculares, trismo e limitação de abertura bucal5. O trismo ocorre com frequência e gravidade imprevisíveis. A perda de função ou diminuição de mobilidade mandibular parece estar relacionada à fibrose e danos causados aos músculos da mastigação4. Estudos demonstram que a proliferação anormal de fibroblastos é um importante fator desencadeante dessa reação, porém, o mecanismo molecular ainda não é totalmente esclarecido4. A limitação de movimentos mandibulares pode interferir na higiene oral, fala, nutrição, inspeção orofaringeana e no tratamento dental, afetando a qualidade de vida do paciente4,6. Por esta razão, o objetivo desse trabalho foi realizar um estudo comparativo da abertura bucal de pacientes com neoplasias malignas da região de cabeça e pescoço antes e após três meses do tratamento radioterápico. MATERIAL E MÉTODOS Foram selecionados 30 pacientes adultos, independente de raça e sexo, da Divisão de Radioterapia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HCFMUSP), com neoplasias malignas de cabeça e pescoço, exclusivamente das regiões da nasofaringe, cavidade oral, laringe e faringe. Todos os indivíduos tinham indicação de radioterapia como tratamento, em associação ou não à quimioterapia e/ou à cirurgia. Foram excluídos pacientes que apresentavam recidiva tumoral, tratamento anterior de distinto tumor de cabeça e pescoço, alterações cognitivas, gestantes, discrasias sanguíneas, desdentados totais e outras morbidades graves. Os pacientes foram avaliados em dois momentos por um único pesquisador: 30 dias antes de receberem a radioterapia, e 90 dias após o término da terapia de radiação. A abertura bucal, caracterizada pela distância entre as bordas incisais dos incisivos maxilares e mandibulares, foi obtida com o paciente sentado em posição ereta, por meio de uma régua milimetrada. Na ausência dos dentes anteriores, a abertura bucal foi mensurada tomando‐se como base o rebordo alveolar. Durante a primeira avaliação foram tomados os dados gerais dos pacientes como sexo e idade, e as manifestações clínicas da doença como o tipo e local do tumor. Além disso, foi realizada a mensuração da abertura bucal conforme descrito 100
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anteriormente. Na segunda avaliação, realizada 90 dias após a radioterapia, foi medido novamente à distância inter‐incisal de todos os pacientes. Foi aplicado o Teste de Friedman com o intuito de verificarmos possíveis diferenças entre os dois momentos de observação, quando comparados entre si. RESULTADOS Embora a pesquisa tenha sido iniciada com 30 indivíduos, os resultados apresentados a seguir correspondem a 26, pois 2 tiveram recidiva tumoral e 2 foram ao óbito. Por esta razão, a amostra final foi composta por 21 indivíduos do sexo masculino e 5 do sexo feminino, com idade média de 58±11,91 anos. Todos os pacientes foram submetidos à quimioterapia, sendo que 10 (38,46%) realizaram cirurgia para remoção do tumor com esvaziamento cervical previamente à primeira avaliação. Indiscriminadamente, a dose total de radiação recebida foi de 70 Gy. Os dados referentes aos tipos de tumor e locais de acometimento estão listados na tabela 1. Tabela 1. Distribuição da amostra segundo o tipo de tumor e local de acometimento. Tipo de tumor Local Total Orofaringe Carcinoma espino celular 8 (30,77) Carcinoma epidermóide indiferenciado 0 8 (30,77) Laringe 7 (26,92) 2 (7,69) 9 (34,61) Nasofaringe 3 (11,54) 0 3 (11,54) Hipofaringe 6 (23,08) 0 6 (23,08) Total 24 (92,31) 2 (7,69) 26 (100) A abertura bucal quando comparada nos dois momentos de avaliação pelo Teste de Friedman, não demonstrou diferença estatisticamente significante (p≤0,061), o que pode ser visto na tabela 2. Tabela 2. Comparação entre as duas avaliações em relação à abertura bucal. Bloco de variáveis 1a avaliação 2a avaliação média±dp Abertura bucal med (mín‐máx) 35,08±8,74 35 (17‐52) média±dp 31,5±10,42 med (mín‐máx) 36 (10‐46) Valor da variável (p) p≤0,061 Odonto 2011; 19 (38): 99-104
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DISCUSSÃO A literatura revela que aproximadamente 90% dos pacientes com câncer de cabeça e pescoço têm diagnóstico de carcinoma espinocelular, e sua idade média de acometimento é 60 anos7‐11, sendo estes dados muito semelhantes aos encontrados na nossa amostra (Tab. 1). Esta pesquisa teve como objetivo estudar a função mandibular quanto à presença de limitação da abertura bucal, devido à significativa interferência desta na qualidade de vida do paciente. Embora existam divergências quanto ao valor de referência para o diagnóstico de limitação da abertura bucal, nosso trabalho estabeleceu que abertura menor que 40 milímetros caracterizavam a limitação, de acordo com o que é sugerido por Nguyen12, em 1988. Nossos resultados demonstraram que não houve diminuição estatisticamente significante de abertura bucal na segunda avaliação, ou seja, após 3 meses de tratamento radioterápico (Tab. 2). Convém salientar que havia presença de limitação de abertura bucal em 73,07% dos pacientes (AB 40 mm) pré‐radioterapia, isto porque, muitos tumores estavam em estágio avançado, apresentando um tamanho relativamente grande, com compressão dos tecidos e nervos da região. A sintomatologia dolorosa, a localização do tumor e o grande volume da massa tumoral são fatores responsáveis pela restrição de abertura de boca antes do tratamento radioterápico13. A presença de trismo após o tratamento oncológico de cabeça e pescoço, em particular a radioterapia, tem sido relatada com frequência. Alguns autores5,14‐15 registram que, de 6 meses a 4 anos após o paciente ter sido submetido à radioterapia, ocorre redução de abertura bucal, sendo que Dijkstra et al.16 relataram que 5% a 38% dos pacientes vão desenvolver trismo. Ishimura & Tanaka17 estudaram 212 pacientes com câncer de cabeça e pescoço que foram submetidos à radioterapia. Vinte e um apresentaram trismo, sendo que cinco deles só revelaram após a radioterapia. Todos os tumores tiveram doses totais de radiação excedendo 70 Gy, e o aparecimento de trismo ocorreu após 4 meses do término do tratamento radioterápico. Nossa última avaliação foi realizada apenas três meses após o inicio da radioterapia, e possivelmente a formação de fibrose muscular não foi suficiente para o agravamento dessa situação em dados estatísticos, além disso, nossa amostra não recebeu dose de radiação superior a 70 Gy. Há divergências em relação à proporcionalidade da associação da dose de radiação com a limitação da abertura bucal, porém, existe um consenso de que a irradiação do músculo pterigoideo medial é relevante na restrição da função mandibular. Isto se deve ao fato de que é difícil excluir o músculo pterigoideo medial do campo da radioterapia, além dele exercer um papel fundamental na mobilidade mandibular5. Embora 57,69% dos pacientes apresentaram um agravamento na redução da amplitude de abertura bucal entre a primeira e a segunda avaliação, não foi observada 102
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significância estatística. Este dado pode ser justificado devido à nossa avaliação ter sido realizada após três meses, considerada de curto prazo. Existe a tendência de ocorrer um maior comprometimento da amplitude de abertura bucal com o passar dos meses, o que implica na necessidade de exercícios fisioterápicos auxiliados por diversos dispositivos. Entre eles, destaca‐se o Therabite®, que é um aparelho que possui duas placas que se inserem entre os dentes maxilares e mandibulares, com alças externas. Estas alças quando ativadas distanciam as placas, promovendo um aumento da abertura bucal rápido e eficiente, quando comparado a outros recursos18. Porém, a eficácia dos resultados depende da adesão do paciente ao tratamento, sendo que a dor e a ansiedade, assim como o comprometimento do profissional responsável podem influenciar de forma positiva ou negativa19. Sabendo‐se que a limitação da abertura bucal é significativa antes da radioterapia e tende ao agravamento, é imprescindível que a equipe multidisciplinar envolvida no tratamento oncológico se preocupe em evitar o trismo, ou no mínimo, manter a abertura existente, com o intuito de oferecer uma melhor qualidade de vida ao paciente. CONCLUSÃO • A limitação de abertura bucal existente previamente à radioterapia não foi agravada após três meses do término do tratamento radioterápico. REFERÊNCIAS 1. Shibuya K, Mathers CD, Boschi‐Pinto C, Lopez AD, Murray CJ. Global and regional estimates of cancer mortality and incidence by site: II. Results for the global burden of disease 2000. BMC Cancer 2002; 26(2): 37. 2. Jham BC, Reis PM, Miranda EL, Lopes RC, Carvalho AL, Scheper MA, et al. Oral health status of 207 head and neck cancer patients before, during and after radiotherapy. Clin Oral Investig 2008; 12(1): 19‐24. 3. Koga DH, Salvajoli JV, Alves FA. Dental extractions and radiotherapy in head and neck oncology: review of the literature. Oral Dis 2008; 14(1): 40‐4. 4. Louise Kent M, Brennan MT, Noll JL, Fox PC, Burri SH, Hunter JC, et al. Radiation‐
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