ACTA EST FABULA Dramaturgia de Bento Verissimo (Categoria: Esquete – duração aproximada de 15 minutos) STORY LINE: Um palhaço acorda depois do espetáculo sem saber mais como se ri; Louco de amor por uma bailarina, o palhaço resolve sair da fantasia pra ganhar o coração da moça, em vez de recuperar o riso; Desiludido pelo amor, o palhaço retorna da realidade e descobre que ser triste é parte de um todo a que pertence seu mundo. PERSONAGENS: 1. Palhaço do Drama, o palhaço de desaprendeu a rir; 2. Palhaço da Comédia, a parte restante do Palhaço do Drama; 3. Bailarina, uma figura egoísta e prepotente; 4. Fantoche, o ego do Palhaço do Drama; 5. Trovador, o poeta que versa no prólogo e no final cantando em alguns momentos do espetáculo. SINOPSE: Após o termino de uma apresentação de um espetáculo, dois palhaços (aqui representando o drama e a comédia) acordam de dentro de um baú, onde um deles se descobre muito amargurado por não saber rir (o drama). Na busca pelo riso, o Palhaço do Drama se vê encurralado por um amor platônico que germina em seu coração pela Bailarina do espetáculo, cuja figura arrogante, egoísta e mesquinha, demonstra não gostar de palhaços e sim, de homem de verdade. Visto que eles habitam um mundo paralelo (a fantasia), para concretizar esse amor, o Palhaço do Drama se encontra com seu ego (representado por um Fantoche) que o instiga mergulhar na realidade, deixando de ser palhaço para tornar-se homem de verdade a fim de alcançar o amor da Bailarina. Sua atitude provoca um caos nesse mundo paralelo, fazendo com que ele se sofra uma grande desilusão a respeito desse amor platônico e volte para se reintegrar como parte do todo (o drama e a comédia). Ao se reconstituir, descobre que seu mundo é a fantasia e que ser triste é parte do riso. Um drama circense inspirado na figura do Clown Teatral. ATO ÚNICO (CENÁRIO: UM BAÚ CONTENDO ALGUMAS ROUPAS VELHAS, UM PANO VERMELHO E MAQUIAGEM E UM FANTOCHE; DOIS BANQUINHOS) CORTINAS FECHADAS; TROVADOR VINDO DO MEIO DO PÚBLICO, EM TOM DE ANUNCIAÇÃO: TROVADOR: Abram as cortinas Pra passar a bailarina; Abram as cortinas Para entrar o palhaço; Abram as cortinas Que o show aqui termina; Abram as cortinas, Está tudo acabado. CORRE AO PALCO, ENQUANTO AS CORTINAS SE ABREM; EM DIREÇÃO AO BAÚ: TROVADOR: Este conto principia Quando se fecham as cortinas E o assombro anuncia O calar das retinas. Onde o novo retorna ao velho, Onde o branco torna-se negro; Cor-de-musgo e escaravelho Em forma de pelego. Um palhaço arredio, Arteiro e bom vivã Perde a meada do fio Ao despontar da manhã. (Música instrumental) TROVADOR VAI ATÉ O BAÚ; OS PALHAÇOS DO DRAMA E DA COMÉDIA SURGEM ATRÁS DE UM PANO VERMELHO ERGUIDO PELO TROVADOR, DEPOIS, É SEGURADO PELOS PALHAÇOS; TROVADOR POSICIONA-SE COMO SE FOSSE EXPECTADOR DOS PALHAÇOS, ENQUANTO ELES ACORDAM DE DENTRO DO BAÚ: COMÉDIA: Pelo dia que veio! (disposto, espreguiçando-se) DRAMA: Pela noite que vai! (sonolento, espreguiçando-se) COMÉDIA: Vamos tentar de novo! DRAMA: Quero meu pão com ovo! COMÉDIA: Deixe de preguiça, isso não se faz! DRAMA: Deixe-me dormir, passa já pra trás! COMÉDIA: Mas o que há contigo? DRAMA: Estou tão triste, meu amigo! COMÉDIA: Eu sei qual o motivo! DRAMA: Se souberes, eu duvido! COMÉDIA: O chato da arquibancada? DRAMA: A resposta está errada! COMÉDIA: O barão não lhe deu agrado? DRAMA: Continua tudo errado! COMÉDIA: O amor da bailarina??? DRAMA: Quem te disse a minha sina??? COMÉDIA: Ela não é pro seu bico... DRAMA: Invejoso, nem te ligo... COMÉDIA: Tão formosa e tão bela... DRAMA: Pula como uma gazela... COMÉDIA: Ela é linda de doer... DRAMA: E o coração bate a sofrer... COMÉDIA: Ora essa, onde já se viu?! DRAMA: Por causa dela, meu riso sumiu... COMÉDIA: Como pode um palhaço sem riso?! DRAMA: Acredite, eu lhe digo... COMÉDIA: Logo, logo, o show começa! DRAMA: Isso não mais me interessa... COMÉDIA: Animo, rapaz! DRAMA: Já falei, não quero mais... COMÉDIA: O espetáculo não pode parar! DRAMA: Não entro sem vê-la dançar! COMÉDIA: Isto não é argumento! DRAMA: Vai trabalhar com o jumento... COMÉDIA: Com o jumento, eu já trabalho... DRAMA: Ora, vá pra casa do... (placa de censurado) COMÉDIA: O problema é mesmo sério! DRAMA: Será que tem remédio... COMÉDIA: Cantando, seu mal espanta! DRAMA: Não sei se isso adianta... COMÉDIA: Faça o que digo, não discuta! DRAMA: Meu ouvido está sujo e não te escuta... O PALHAÇO DA COMÉDIA PUXA O PALHAÇO DO DRAMA PELA ROUPA PARA PRÓXIMOS DO BAÚ DE ONDE COMEÇAM AS TROCAS DE ROUPA PARA O SHOW; MÚSICA RITMADA PARA ESSE MOMENTO; DURANTE A MÚSICA, ENTRA A BAILARINA QUE ENSAIA SEUS PASSOS PARA O SHOW; OS PALHAÇOS PARAM EM UM DETERMINADO MOMENTO E FICAM ADIMIRARANDO A BAILARINA; O TROVADOR TERMINA A CANÇÃO E VOLTA PARA ONDE ESTAVA COMO ESPECTADOR, ENQUANTO A BAILARINA APROXIMA-SE DOS PALHAÇOS: COMÉDIA: Boa noite, Bailarina! DRAMA: Boa noite, tão linda! BAILARINA: É cedo ainda! COMÉDIA: O show logo começa! DRAMA: O show não me interessa... BAILARINA: Por isso tanta pressa? COMÉDIA: É pra esquentar o frio... DRAMA: És mais bela que o assobio... BAILARINA: Não basta um elogio! COMÉDIA: Pare de babar! DRAMA: Quero no teu coração entrar... BAILARINA: Se tentar, não vai passar... COMÉDIA: Ele está bobo desde ontem! DRAMA: Os teus passos me consomem... BAILARINA: És palhaço, não homem! COMÉDIA: Se tivesses me ouvido... DRAMA: Não retiro o que eu digo! BAILARINA: És palhaço, eu repito! COMÉDIA: Ela não quer um palhaço! DRAMA: E agora, o que faço? BAILARINA: Faça o que digo, não faça o que faço! (saindo de cena) COMÉDIA: Está vendo o que te disse?! DRAMA: Pois agora estou mais triste... COMÉDIA: Só um homem a terá... DRAMA: E de mim o que será? COMÉDIA: Ouço o barão, vamos logo! DRAMA: Vou ao banheiro, não me demoro... O PALHAÇO DA COMÉDIA SE VAI E O PALHAÇO DO DRAMA POSICIONASE NA FRENTE DO BANHEIRO; SENTA-SE SOBRE O PENICO, ENQUANTO PENSA COM SEU FANTOCHE: DRAMA: Meu Deus, o que será de mim? FANTOCHE: Um burro comendo capim...! DRAMA: Agora eu a perdi a Bailarina... FANTOCHE: O que disse mesmo a tal menina? DRAMA: Palhaço não é seu agrado... FANTOCHE: Ela quer um homem de bom trato? DRAMA: Se, ao menos, um homem eu fosse... FANTOCHE: Se, ao menos, um palhaço não fosse... DRAMA: É verdade!! FANTOCHE: Vá para a realidade!! DRAMA: Já tomei tal decisão! FANTOCHE: Seja um homem, então!!! O PALHAÇO DO DRAMA VAI ATÉ O BAÚ PARA SE DESFAZER E TORNARSE UM HOMEM, ENQUANTO O TROVADOR CANTA SORRI (SMILE); A BAILARINA REAPARECE ESTÁTICA, QUASE IMÓVEL; O PALHAÇO DO DRAMA ESTÁ CONFIGURADO EM HOMEM COM UMA APARÊNCIA SEMELHANTE A CHARLES CHAPLIN SEGURANDO VERMELHA DE CAULE LONGO (Música instrumental): UMA ROSA DRAMA: Sou homem de fato... FANTOCHE: Tudo constatado! DRAMA: Por que ainda estou triste? FANTOCHE: Mas isso não persiste... DRAMA: Uma coisa de cada vez?? FANTOCHE: Você fez o que fez! DRAMA: Pra o amor, não vejo a hora! FANTOCHE: Vamos logo! Vamos embora... DRAMA: E deixar tudo pra trás?? FANTOCHE: Assim é que se faz!! DRAMA: Ficará impressionada? FANTOCHE: Ou será que vai achar graça? DRAMA: Ou não achará graça alguma? FANTOCHE: Em resumo ou em suma? DRAMA: De escolhas é feita a vida... FANTOCHE: Disso não se duvida... DRAMA (visualizando a Bailarina): Lá está ela! FANTOCHE: Vá sem pressa! DRAMA: Vou agora mesmo... FANTOCHE: Conquistar não há segredo... DRAMA: Minha linda bailarina... FANTOCHE: Coisa tão linda... DRAMA: Não vês, por ti, minha façanha?? FANTOCHE: Ora, ela me parece estranha...! DRAMA: Cá estou, de coração... FANTOCHE: Ai, Meu Deus, que emoção... DRAMA: Para ti, rosa mais bela!! FANTOCHE (enquanto o Palhaço do Drama estica a flor até a Bailarina): Vamos logo, dê a ela!! BAILARINA: És um tolo!! Um completo tolo!! Não percebe o acabaste de fazer?? Tudo foi desmanchado, assim como sua maquiagem que te revelava um palhaço... Ao te tornares homem, deixaste a realidade destruir a fantasia e de, nada mais restou além de mim, que estou presa numa caixinha de música para continuar funcionando e um velho baú abandonado lá fora no meio desse grande vazio... Até a rima e a poesia desapareceram... E mesmo sendo homem, continua triste, sem riso... Mas não é por mim... É porque sois parte de um todo na fantasia do espetáculo: sóis o Drama, parte da Comédia e era ao lado desta tua prima-irmã que deverias estar e não ao meu lado... (a caixinha de música começa a tocar, fazendo a Bailarina funcionar) Agora, que estou dentro da realidade, me submeto apenas ao toque desta caixinha de música... Você não pertence à realidade... Você pertence à fantasia... E me amar como você me amou, pôs tudo a perder... Tudo a perder... Tudo... Tudo... (rodopiando até desaparecer) O PALHAÇO DO DRAMA CAMINHA CABISBAIXO ATÉ ONDE ESTÁ O BAÚ; TIRA DE DENTRO DELE A MÁSCARA DA COMÉDIA: DRAMA: Eu sou parte de um todo... Eu não pertenço à realidade... Ser triste é parte do riso... TROVADOR: Acta Est Fabula!! O TROVADOR CANTA ANTÔNIO SILÊNCIO, ENQUANTO O PALHAÇO DO DRAMA SE MAQUIA PARA VOLTAR À FANTASIA; A BAILARINA RETORNA COMO SINAL DE QUE AS COISAS ESTÃO VOLTANDO AO NORMAL; O PALHAÇO DO DRAMA RETORNA PARA DENTRO DO BAÚ; OS DOIS PALHAÇOS REAPARECEM SOMENTE COM OS ROSTOS MAQUIADOS NO MOMENTO EM QUE AS CORTINAS ESTÃO PARA SE FECHAR; FIM DA MÚSICA: TROVADOR (detrás da cortina, no palco, em off): Abram as cortinas Pra passar a bailarina; Abram as cortinas Para entrar o palhaço; Abram as cortinas Que o show aqui começa; Abram as cortinas, Aplaudam sem meça! MÚSICAS DE ACTA EST FABULA: SORRI (SMILE) Compositor: Charles Chaplin. Sorri, Quando a dor te torturar E a saudade atormentar Os teus dias tristonhos, vazios Sorri, Quanto tudo terminar Quando nada mais restar Do teu sonho encantador, sorri Quando o sol perder a luz E sentires uma cruz Nos teus ombros cansados, doridos Sorri, Vai mentindo a tua dor E ao notar que tu sorris Todo mundo irá supor Que és feliz ANTÔNIO SILÊNCIO Compositor: Bento Verissimo. Foi no coração desse moço Que toda prosa ressurgiu; Um alvoroço O coração invadiu. E por mais, Muito mais, Que o silêncio defina a razão No coração Desse menino. E por mais, Muito mais, Que esse Antônio seja Sebastião No coração Desse menino. Ele é um manso de flor Que combinava trovas e versos Pra o seu amor De traços reversos. E por mais, Muito mais, Que o silêncio defina a razão No coração Desse menino. E por mais, Muito mais, Que esse Antônio seja Sebastião No coração Desse menino. Prova de tortura, Rede é manha. Sexo e loucura, O canto ganha. Subsidiado pela usura, Colhendo tudo o que planta. E por mais, Muito mais, Que o silêncio defina a razão No coração Desse menino. E por mais, Muito mais, Que esse Antônio seja Sebastião No coração Desse menino. Na fronte do mês de março, Em toda a orgia dos clamores Vem castigado De penitências e amores. E por mais, Muito mais, Que o silêncio defina a razão No coração Desse menino. E por mais, Muito mais, Que esse Antônio seja Sebastião No coração Desse menino. Homem de tal firmamento Talhava o céu de seus desejos E o escurecimento Faz ele ganhar manejos. E por mais, Muito mais, Que o silêncio defina a razão No coração Desse menino. E por mais, Muito mais, Que esse Antônio seja Sebastião No coração Desse menino. Prova de tortura, Rede é manha. Sexo e loucura, O canto ganha. Subsidiado pela usura, Colhendo tudo o que planta. E por mais, Muito mais, Que o silêncio defina a razão No coração Desse menino. E por mais, Muito mais, Que esse Antônio seja Sebastião No coração Desse menino.