Em carta enviada a Washington Governo presta contas ao FMI Por Francisco Carmona Apesar dos persistentes riscos referentes às catástrofes naturais, acrescido do aumento dos preços do petróleo e dos cereais no mercado internacional e as pressões sobre os gastos por ocasião das eleições (autárquicas, provinciais e gerais), o Governo garante ao Fundo Monetário Internacional (FMI) que as perspectivas económicas para 2008 e a médio prazo continuam favoráveis, ou seja, o crescimento económico continuará robusto e a inflação permanecerá na casa de um dígito. Esta garantia foi dada ao FMI através dum documento com o título “Carta de Intenções, Memorando de Política Económica e Financeira e Memorando Técnico de Entendimento” enviada a Dominique Strauss-Kahn, director-geral daquela instituição de Bretton Woods. Dados oficiais indicam que, até Setembro de 2007, o desempenho económico mantinha-se vigoroso, apesar dos choques exógenos. Este resultado alcançado nos primeiros nove meses de 2007 foi atingido, segundo o Governo, graças àquilo que apelida de “políticas orçamentais e monetárias prudentes”. Políticas cruciais Na carta assinada pelo ministro das Finanças, Manuel Chang, e pelo governador do Banco de Moçambique, Ernesto Gouveia Gove, o Governo afirma que a manutenção da prudência na condução das políticas orçamentais e monetárias no contexto do regime cambial flexível serão cruciais para a consecução dos objectivos acima descritos. Segundo o Governo, o saldo das transacções correntes com o exterior deverá subir com a elevação da ajuda financeira, ao passo que as reservas internacionais continuarão em níveis confortáveis. Até Junho de 2007, as reservas internacionais líquidas (RIL) superavam o valor mínimo em USD 69 milhões, valor que se encontra dentro do Critério de Avaliação acordado com o FMI. Segunda vaga de reformas O Governo compromete-se igualmente a implementar atempadamente a segunda vaga das reformas. Recorde-se que o Conselho de Administração do FMI concluiu, a 18 de Junho de 2007, a primeira avaliação do desempenho económico de Moçambique no âmbito do acordo trienal do Instrumento de Apoio à Política Económica (PSI). O PSI foi aprovado com a intenção de apoiar a reforma económica do país. O mesmo visava consolidar a estabilidade macroeconómica face ao alargamento da assistência externa, promover reformas estruturais e implementar a ampla agenda de políticas previstas pelo Governo moçambicano no Plano de Acção para a Redução da Pobreza (PARPA II). Em carta enviada ao FMI em Novembro passado, mas apenas divulgada esta semana, o Governo afirma que, na segunda vaga de reformas, atenção especial será dedicada à implementação da segunda fase do programa de reforma do sector público (2006–11). Este programa compreende quatro pilares: i) a melhoria da prestação de serviços aos cidadãos e ao sector privado; ii) o fortalecimento da capacidade dos governos locais, com especial ênfase nos distritos (passando pela estratégia de descentralização); iii) a profissionalização do sector público (inclusivamente no tocante aos sistemas de folha de pagamentos, avaliação de desempenho e política salarial); iv) o reforço dos sistemas de boa-governação e o combate à corrupção. Ambiente de negócios O Governo moçambicano compromete-se ainda a transformar o país num dos mais competitivos ambientes para a realização de negócios em África, a fim de beneficiar do investimento directo estrangeiro (IDE) e da transferência de tecnologias. Recorde-se que Moçambique ganhou seis posições (para 134º, entre 178 países avaliados), no ranking Doing Business 2008, merecendo palavras de incentivo do Banco Mundial (apesar das críticas à legislação laboral). Juntamente com Madagáscar e Ilhas Maurícias, Moçambique “tomou a liderança” nas reformas do enquadramento legislativo e regulatório que influi no ambiente de negócios, afirma o Banco Mundial. O estudo avaliou como particularmente positivas as reformas empreendidas no último ano nos domínios de abertura de negócios, protecção de investidores e obrigações contratuais, três das dez que pesam na avaliação final atribuída. Moçambique, diz o estudo, “introduziu um novo código comercial, que veio substituir legislação datada de 1888, implementando regras modernas de governação empresarial e fortalecendo os direitos e deveres de accionistas minoritários, bem como identificando melhor as responsabilidades dos administradores”. “Este novo código comercial também modernizou o processo de registo de negócios, eliminando registos provisórios e tornando opcional o recurso a notários” e introduzindo o formato electrónico, o que permitiu reduzir para três meses o tempo necessário à criação de um negócio. “Contudo”, salientam os autores do estudo, “nem todas as mudanças foram positivas: o capital mínimo requerido (para abertura de negócio em Moçambique) foi aumentado em dez vezes”. Entre os diversos aspectos considerados, o melhor em Moçambique, para o Banco Mundial, continua a ser o pagamento de impostos (33º lugar) e o comércio trans-fronteiriço (72º); o pior é o sistema laboral (162º). Dívida interna Afirma que o orçamento de 2008 contempla a elevação da ajuda financeira em cerca de 1 porcento do PIB, graças, principalmente, à valorização do euro e ao aumento correspondente nos gastos prioritários visando a consecução das metas do PARPA II e dos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio (ODMs). Isso, acrescenta, inclui verbas de contrapartida suficientes para garantir a execução tranquila dos projectos financiados por doadores. Afirma o Governo que não haverá recurso a financiamento pelos bancos internos. Lembre-se que, no passado, o Governo endividou-se internamente em grande escala para sanear o então Banco Comercial de Moçambique (BCM) e ex-Banco Austral, após terem sido saqueados por figuras ligadas à nomenklatura. Os endividamentos internos foram igualmente o antídoto para tampar buracos financeiros no Orçamento do Estado provocado pela libertação a conta-gotas dos fundos prometidos pelos doadores externos. É que depois de se comprometerem em financiar o OE, os doadores levavam demasiado tempo para libertar fundos, fazendo com que o Estado recorresse à dívida interna para não comprometer projectos, aumentando, deste modo, o fardo da dívida interna. Receitas Segundo o Governo, as perdas de receita decorrentes da liberalização do comércio (0,4 porcento do PIB) serão compensadas pela inclusão de diversas rubricas extra-orçamentais no orçamento”, sublinha. Acrescenta que o aumento da arrecadação interna em 0,5 porcento do PIB deve ter como fonte as melhorias na administração da receita e as medidas do lado da política tributária, que abrangem as revisões dos códigos do imposto sobre os rendimentos das pessoas singulares e colectivas encaminhadas à Assembleia (0,2 porcento do PIB), a redução das isenções do IVA (0,1 porcento do PIB), a cobrança de impostos atrasados (0,1 porcento do PIB), a continuação do ajustamento dos impostos sobre os combustíveis e a revisão dos impostos sobre consumos específicos relativos a bebidas alcoólicas, cervejas e tabacos (0,1 porcento do PIB). Sectores prioritários Salienta que a proporção dos gastos nos sectores prioritários (acima de 65 porcento), sobretudo em saúde, educação e infra-estruturas, será monitorizada “cuidadosamente”. Diz que a massa salarial deverá alcançar 7,7 porcento do PIB, principalmente devido à contratação de 12 mil professores e cinco mil profissionais de saúde e ao fortalecimento das forças de segurança (aumentou o OE para o sector). O orçamento de 2008 também prevê gastos prioritários eventuais correspondentes a 0,5 porcento do PIB. Mas alerta que este gasto só pode vir a ser executado se o desempenho das receitas ou da ajuda programática superar as expectativas. No domínio da política monetária, afirma que o Banco de Moçambique continuará a definir metas para a base monetária, no intuito de atingir a sua meta de inflação de 5 – 6 porcento ao fim de 2008. A expansão da base monetária será limitada a 14,5 porcento — ou será superior ao crescimento do PIB nominal — de modo a levar em consideração o actual aprofundamento financeiro. Leilões substituídos Segundo o Governo, as operações de política monetária do Banco Central continuarão a ser aperfeiçoadas através de operações de recompra de títulos. Os leilões de depósitos serão substituídos por operações de revenda no início de 2008. Para além disso, o BM assumirá uma postura cada vez mais preventiva no mercado, valendo-se de operações de recompra e revenda. Garante que, até Junho de 2008, o Meticalnet será adaptado para permitir a realização de operações directas no mercado secundário (indicador de referência estrutural para Junho de 2008). “O BM tenciona recorrer cada vez mais à venda de divisas para esterilizar a liquidez e, assim, evitar uma forte acumulação de dívida interna e a exclusão do sector privado. O Governo tem grande interesse em acelerar as reformas para baixar os custos comerciais e, até 2015, transformar Moçambique no mais competitivo ambiente para a realização de negócios na SADC”, afirma. Para fazer face a esse desafio e melhorar sensivelmente o clima de investimentos no país, o Governo afirma que o Ministério da Indústria e Comércio coordenou o desenvolvimento de um plano de acção estratégico para criar um ambiente mais favorável aos negócios por intermédio de um comité interministerial. O Banco Mundial fará comentários sobre a estratégia e fornecerá assistência técnica em combinação com outros doadores, a fim de dar seguimento à agenda de reformas. Inspecções e multas O Governo diz ainda que vai reduzir o custo das inspecções e multas em simultâneo à melhoria do nível de cumprimento. Para tanto, o decreto sobre as inspecções unificadas das actividades empresariais será adoptado pelo Conselho de Ministros até Março de 2008. Para acelerar o processo de licenciamento, no primeiro trimestre de 2008, o Ministério da Indústria e Comércio transferirá a autoridade para emitir licenças para “Balcões Únicos” a nível provincial. Vai igualmente simplificar os procedimentos para fechar empresas. Através da nova lei de insolvência no sector empresarial, a ser encaminhada ao Conselho de Ministros até ao fim de Março de 2008, o Governo pretende simplificar o processo de encerramento de empresas e aumentar a taxa de recuperação, no intuito de ajudar empresas viáveis a superar crises de fluxo de caixa de curto prazo e tornar mais célere a liquidação de empresas insolventes. SAVANA – 18.01.2008