O ORADOR, O EMPRESÁRIO E O CAIPIRA: A PARTICIPAÇÃO DOS DEPUTADOS PAULISTAS NAS CORTES CONSTITUINTES DE LISBOA DE 1821-1822. Marlon Peterlini Ferreira Orientador: Dr. Luiz Geraldo Santos Silva Palavras-chave: Independência do Brasil – Constituição – Deputados de São Paulo. A Revolução do Porto e as Cortes Constituintes Desde o século XVI Portugal passou a alimentar o sonho de constituir um vasto e poderoso império, que se estenderia da América à Ásia, projeto este que ganhou força no fim do século XVIII, a partir das reformas do Marquês de Pombal e do ministério de D. Rodrigo de Sousa Coutinho. Entre as mudanças tidas como necessárias ao crescimento de Portugal, podemos destacar a reforma da Universidade de Coimbra e a criação da Academia Real de Ciências de Lisboa, impulsionando um reformismo ilustrado. D. Rodrigo prosseguiu o projeto “fomentando uma série de instituições de saber capazes de formar letrados e se valer do trabalho destes (...), essas instituições promoviam o progresso científico sem alterar a estrutura de poder e a ordem social”1. Nesse projeto, D. Rodrigo contou com a adesão da chamada “geração de 1790” da Universidade de Coimbra. “Essa geração de 1790 destacou-se no processo de autonomização do Brasil, ao defender o projeto do império luso-brasileiro. [...] Essa reestruturação política articulava-se com uma valorização do Brasil, considerado uma solução para as dificuldades econômicas lusas.”2 Portugal passou a sofrer a pressão do exército napoleônico a partir do início do século XIX. Por estes anos Napoleão Bonaparte decretara um bloqueio ao acesso dos navios ingleses aos portos da Europa. Portugal mantinha relações comerciais de reexportação de produtos vindos do Brasil para os portos de Londres, Hamburgo e Gênova, sendo sua balança comercial, na Europa, fortemente dependente do comércio com os negociantes desses portos, onde a Inglaterra era o principal parceiro, comprando não somente os artigos de reexportação de Lisboa, como o vinho do Porto3. Sob a pressão francesa, a qual Portugal se declarou neutro, inicialmente, preferiu o apoio da Inglaterra, tornando possível o projeto do vasto e poderoso império, baseado no Brasil, que possuía as condições ideais para tal4. Em Portugal, em virtude da crise iniciada com a transferência da corte para o Rio de Janeiro e dos tratados comerciais, os debates giravam em torno da decadência e da dependência em relação aos ingleses. A questão de dependência externa aparecia ligada à crítica do tratado de 1810, firmado entre Portugal e Inglaterra – que tinha como artigo mais importante a fixação da tarifa alfandegária de 15% para as mercadorias inglesas nos portos do Brasil e 24% para as portuguesas – e de suas conseqüências, como a prepotência da marinha britânica nas ações contra os navios acusados de tráfico de escravos em áreas proibidas e a sobretaxa dos produtos portugueses. A paz européia, firmada em 1814-1815, através do Congresso de Viena veio a diminuir ainda mais a importância política de Portugal no sistema internacional. 1 SOUZA, Iara Lis Carvalho. A independência do Brasil. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2000, p. 13. Ibidem, pp. 15-16. 3 Para maiores detalhes da balança comercial portuguesa, conferir ALEXANDRE, Valentim. Os sentidos do império. Questão colonial e questão nacional na crise do Antigo Regime português. Porto: Afrontamento, 1993, pp. 25-75. 4 Sobre o tema ver: LYRA, Maria de Lourdes Viana. A utopia do poderoso império. Portugal e Brasil: bastidores da política (1798-1822). Rio de Janeiro: Sette Letras, 1994. 2 A economia portuguesa estava arrasada pelas guerras durante a ocupação francesa. A população diminuiu, a produção agrícola estava desorganizada e o comércio exterior afetado pela abertura dos portos no Brasil. A situação econômica se apresentava caótica. As rendas alfandegárias dos portos de Lisboa e do Porto caíram e os salários dos funcionários públicos e os soldos dos militares estavam atrasados5. Valentim Alexandre resumiu as principais tendências da situação política de Portugal, a partir de 1808: “crise da hegemonia das classes dominantes sobre as camadas populares urbanas e rurais; maior permeabilidade às influências do exterior; desagregação do bloco social de apoio do Estado absolutista; e difusão de uma ideologia nacionalista de pendor liberal”6. Assim, em agosto de 1820 um grupo liderado pelo desembargador Manuel Fernandes Thomaz iniciou uma revolta na cidade do Porto. Os membros dessa revolta chamavam a atenção para o “abandono político, a má situação econômica de Portugal e a interferência inglesa nos assuntos internos, clamavam por uma solução pacífica e propunham a criação de um ‘órgão da nação’, as Cortes, para redigir uma Constituição” 7. A pesquisa Busquei tratar, nessa pesquisa, da atuação dos deputados Antônio Carlos de Andrada Machado e Silva, Nicolau Pereira de Campos Vergueiro e Diogo Antônio Feijó, representantes da província de São Paulo nas Cortes Constituintes de Lisboa. A província de São Paulo enviou seis deputados a Portugal, todavia utilizei-me destes por representarem princípios e pensamentos particulares em relação ao restante da bancada de 46 deputados do Brasil presentes em Lisboa. Portanto, constituem-se como objetivos principais desta pesquisa investigar e mapear de que maneira as propostas desses deputados paulistas, orientados por José Bonifácio, receberam apoio de outros representantes brasileiros, principalmente baianos e pernambucanos, em sua participação nas Cortes Gerais, Extraordinárias e Constituintes da Nação Portuguesa. Compreender o desenvolvimento de diferentes linhas de pensamento entre os constituintes, principalmente entre os brasileiros, com destaque ao federalismo, e verificar como a “questão brasileira” foi defendida pelos três deputados paulistas. Por fim, avaliar a contradição: por um lado os deputados de São Paulo chegaram com uma carta de instruções que defendia já em seu primeiro artigo a integridade e indivisibilidade do Reino Unido e, por outro lado, logo foram tratados como independentistas e chegaram a ser condenados como traidores das Cortes pelos deputados portugueses. Na historiografia à qual recorri, constatei o tema das Cortes Constituintes dentro de temas maiores, como a independência do Brasil, e quando se tratava especificamente das Cortes, não houve um enfoque específico ao caso dos deputados de São Paulo, tratando-se a representação brasileira de forma geral. Considero uma análise mais detida acerca dos discursos dos deputados paulistas fundamental para compreender tal problemática, algo que até o momento não foi realizado pela historiografia8. 5 Leitura do deputado Fernandes Thomaz do relatório acerca do Estado Público de Portugal, na sessão de 05/02/1821 das Cortes Gerais, Extraordinárias e Constituintes da Nação Portuguesa, extraído do sítio http://debates.parlamento.pt, último acesso em 22/11/2007. 6 ALEXANDRE, Valentim. Op. cit., p. 440. 7 BERBEL, Márcia Regina. A nação como artefato. Deputados do Brasil nas cortes portuguesas (1821-1822). São Paulo: Fapesp/Hucitec, 1999, pp. 43-44. 8 Cf. os trabalhos de BERBEL, Márcia Regina. Op. cit.; CARVALHO, M. E. Gomes de. Os deputados brasileiros nas Cortes de Lisboa. Brasília: Senado Federal, 1978; e TOMAZ, Fernando. Brasileiros nas Cortes Constituintes de 1821-1822. In: MOTA, Carlos Guilherme (Org.). 1822: Dimensões. 2. ed. São Paulo: Perspectiva, 1986, pp. 74-101. As fontes utilizadas foram serão os Diários das Cortes Gerais, Extraordinárias e Constituintes da Nação Portuguesa, disponíveis no sítio http://debates.parlamento.pt. Também serviu como fonte para esta monografia o texto de José Bonifácio de Andrada e Silva: “Lembranças e apontamentos do Governo Provisório da Província de São Paulo para os seus deputados”9, uma carta de instruções aos representantes da Província de São Paulo, personagens centrais aqui. Este um texto pequeno, escrito a partir de apontamentos que foram solicitados às vilas da província, aos quais os integrantes da bancada paulista em Lisboa deveriam tentar expor e votar os itens constantes nas instruções, como maneira de poder “concorrer para a felicidade geral e particular da nação”; foram levadas às Cortes sob aprovação do príncipe-regente D. Pedro, porém sequer chegaram a ser lidas completamente no plenário, dada a oposição da maioria dos deputados, que eram portugueses. Também foram utilizadas como fontes as cartas da junta governativa da província de São Paulo, disponíveis numa coleção do Arquivo Nacional10. Esta Junta da província de São Paulo afirmava manter-se fiel ao príncipe-regente, D. Pedro, e rogava que este permanecesse no Brasil, temendo os efeitos que seu regresso pudesse causar ao Brasil e, principalmente, a São Paulo. O orador, o empresário e o caipira Antônio Carlos de Andrada Machado e Silva era irmão de José Bonifácio e Martim Francisco de Andrada, nascido em Santos em 1º de novembro de 177311. Formou-se em Filosofia e Direito na Universidade de Coimbra, elogiado pela inteligência, memória, imaginação e cultura. Foi juiz-de-fora em Santos e ouvidor e corregedor em Olinda, onde foi preso, acusado de participação na Revolução de 1817, passando quatro anos na prisão. Nicolau Pereira de Campos Vergueiro nasceu na província de Trás-os-Montes, em Portugal, em 20 de dezembro de 177812. Formou-se em Direito pela Universidade de Coimbra e veio ao Brasil para exercer a profissão de advogado. Aliou o casamento com uma mulher de família rica e o respeito e iniciou a carreira política em 1806, ocupando os mais diversos cargos. Iniciou as atividades agropecuárias em 1807, com muito sucesso, substituindo o açúcar e a pecuária pelo café. Integrou-se ao grupo intelectual de Itu, próspera vila do interior de São Paulo. Diogo Antônio Feijó foi exposto na casa de um padre, em São Paulo, em agosto de 13 1784 . Viveu como agregado do padre João Gonçalves Lima e o acompanhou pelas vilas de Guaratinguetá e Parnaíba. Foi educado para ser padre e diplomou-se sacerdote, sendo também professor de Latim e Filosofia em São Carlos. Quando se mudou para Itu também se integrou aos grupos de debates sobre as novidades políticas. Porém mal escondia as maneiras e o tom dos naturais de sua província, naquele caipirismo que lhes era peculiar. Homem criado na roça. A ida às Cortes Constituintes foi a primeira vez que saíra da província de São Paulo. 9 O documento aqui analisado foi retirado de BONAVIDES, Paulo & AMARAL, Roberto (Org.) Textos políticos da História do Brasil. 3. ed. Brasília: Senado Federal, Conselho Editorial, 2002, pp. 503-510. 10 ARQUIVO NACIONAL. As juntas governativas e a independência. Rio de Janeiro: Conselho Federal de Cultura, 1973. 11 As informações sobre a biografia de Antônio Carlos foram baseadas na obra de SOUSA, Alberto. Os Andradas. São Paulo: Typographia Piratininga, 1922, pp. 437-517. 12 As informações aqui prestadas foram baseadas no sítio do Senado Federal, disponíveis em http://www.senado.gov.br/sf/senadores/senadores_biografia.asp?codparl=2146&li=1&lcab=1826-1829&lf=1 último acesso em 27/11/2007. 13 As informações sobre a biografia de Diogo Feijó foram baseadas nas obras de SOUZA, Octávio Tarquínio de. Diogo Antônio Feijó. Rio de Janeiro: José Olympio, 1972 (Coleção História dos Fundadores do Império); e CALDEIRA, Jorge. Diogo Antônio Feijó. São Paulo: 34, 2002 (Coleção Formadores do Brasil). Os deputados de Portugal e do Brasil Valentim Alexandre, em sua análise sobre as Cortes Constituintes, dividiu os liberais portugueses em dois grupos, que nomeou de moderados e de integracionistas. Os moderados tinham uma “posição conciliadora” com a “questão brasileira”, cedendo no “que não comprometesse a unidade fundamental do Estado”14, com destaque para Manoel Borges Carneiro, da Estremadura; Luiz Antonio Rebello da Silva, da Estremadura, Francisco Manoel Trigoso de Aragão Morato, da Beira; José Antônio Guerreiro, do Minho; Joaquim Annes de Carvalho, do Além-Tejo e Bento Pereira do Carmo, também da Estremadura. Os integracionistas representavam a linha “mais inflexível”, para estes a Constituição a ser elaborada deveria ser admitida integralmente no Brasil e nas várias partes do império português, contanto, por exemplo, como os deputados Manuel Fernandes Thomaz, da Beira; Francisco Xavier Monteiro, da Estremadura; Manoel Gonçalves de Miranda, de Trás-os-Montes; Francisco Soares Franco, da Estremadura; Antônio Lobo de Barbosa Teixeira Ferreira Girão, de Trás-os-Montes; Francisco Simões Margiochi, da Estremadura e Agostinho José Freire, também da Estremadura. No Brasil as novidades da Revolução do Porto, a instauração das juntas provisórias de governo nas províncias e a eleição de deputados às Cortes foram recebidas e aplicadas de modo diverso em cada província, tendo também cada província uma motivação diferente para enviar seus representantes, atuando, assim, os deputados brasileiros em Lisboa de forma não uniforme, cada qual na defesa dos interesses que mais lhe aprazia. A província do Pará foi a primeira a aderir ao movimento constitucionalista, em janeiro de 1821, seguido por Bahia, Pernambuco, Maranhão, Rio de Janeiro, São Paulo, Espírito Santo, Santa Catarina, Alagoas, Paraíba, Goiás, Piauí, Ceará e São José do Rio Negro (atual Amazonas), que elegeu seus deputados apenas em janeiro de 1822. Os deputados eleitos por Minas Gerais, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul e Cisplatina preferiram não ir a Lisboa. A representação brasileira contava com nomes como José Cipriano Barata de Almeida, José Lino Coutinho, Francisco Muniz Tavares, Pedro de Araújo Lima, Luis Nicolau Fagundes Varela, Francisco Villela Barbosa e José Martiniano de Alencar. A proporção foi de 100 deputados portugueses para 46 brasileiros15. Ação dos deputados paulistas Para confirmar seu programa político e guiar seus deputados nas Cortes, a Junta de governo solicitou às câmaras municipais apontamentos para serem levados a Lisboa. O resultado de tal foram as Lembranças e Apontamentos do governo provisório da província de São Paulo para os seus deputados. O programa é dividido em três partes: negócios da união, negócios do Reino do Brasil e negócios da província de São Paulo. O objetivo, segundo o documento, é ajudar a manter indissolúveis os laços eternos que prendem “as diferentes partes da monarquia em ambos os hemisférios”. A autoria do documento é atribuída a José Bonifácio. Pregava a “integridade e indivisibilidade do Reino Unido” e a “igualdade de direitos políticos e dos civis”, e quanto ao Brasil defendia o estabelecimento de “um governo-geral executivo”, que quando a sede da monarquia não estivesse no Brasil deveria ser exercido pelo príncipe hereditário da Coroa. De posse de tal programa que os 14 Valentim Alexandre define a “questão brasileira” como a necessidade de definir acerca das medidas a promulgar para o Brasil, das relações a estabelecer com as autoridades existentes no Brasil e da evolução política das províncias. Cf. ALEXANDRE, Valentim. Op. cit., p. 609. 15 Neste trabalho identificarei os representantes do Reino de Portugal e Algarves, parte européia, como portugueses e os representantes do Brasil como brasileiros. deputados paulistas ingressaram nas Cortes em 11 de fevereiro de 182216, quando a maior parte dos projetos relativos ao Brasil já estava decidida. Diogo Feijó apenas veio discursar no final de abril, porém propôs: “Nós ainda não somos Deputados da Nação, a qual cessou de existir desde o momento que rompeu o antigo pacto social. Não somos Deputados do Brasil, de quem em outro tempo fazíamos uma parte imediata; porque cada província se governa hoje independente. Cada um é somente deputado da província que o elegeu, e que o enviou: é, portanto, necessário a pluralidade dos votos, não coletivamente de todos os deputados, mas dos de cada província, pela qual lhe possa obrigar o que por eles for sancionado. Se concordarmos, se a Constituição se nos tornar comuns, desde esse dia somos um só Estado, uma só Nação”17. Propunha que os artigos referentes ao Brasil deveriam ser aprovados também por deputados brasileiros que eram interessados na questão. Foi o único discurso de Feijó e foi transferido para segunda leitura, a qual nunca aconteceu. Nicolau Vergueiro, ao contrário de Feijó, discursou desde os primeiros momentos e fez parte da Comissão dos Negócios Políticos do Brasil. Discursou sempre se mostrando favorável à integração do Reino Unido, contrário a qualquer tentativa de recolonização. Em sua fala sobre a necessidade de os deputados brasileiros participarem da aprovação dos artigos referentes ao Brasil afirmou: “Eu não devo supor agora que os ilustres representantes desprezem tanto a vontade geral dos povos do Brasil, que se aproveitem de argumentos para subjugá-lo; mas se deve atender-se a vontade geral do Brasil, é necessário que concorram os seus representantes, porque sem isto como se há de conhecer a vontade geral? O Brasil não se sujeita com argumentos; há de sujeitar-se por uma vontade espontânea, fundada sobre o interesse recíproco dos dois Reinos. Uma vez que não se entenda assim, seguramente deve obrar a força da desunião, estabelecida pela natureza: para a vencer são necessários vínculos muito fortes; estes vínculos são o interesse recíproco. O Brasil quer a união, e desde o principio a proclamou; e até por não excitar desconfiança, deixou de exigir cautelas, e prestou todos os atos de adesão à causa comum, entendendo que os ilustres representantes de Portugal não abusariam desta confiança, para lhe impor um jugo pesado”18. Antônio Carlos discursou desde o princípio no interesse de defender o programa proposto pelas “Lembranças e Apontamentos”, redigidos por José Bonifácio. Desde o primeiro dia nas Cortes, discursou deixando claro que “A respeito de dizer-se, que os povos apesar de gozarem os mesmos direitos não hão de ter todos as mesmas comodidades, digo, que se isto assim for, a nossa união não durará um mês; os povos do Brasil são tão portugueses, como os povos de Portugal, e por isso hão de ter iguais direitos. Enquanto a força dura, dura a obrigarão de obedecer. A força de Portugal há de durar muito pouco e cada dia há da ser menor, uma vez que se não adotem medidas profícuas e os brasileiros tenham iguais comodidades”19. Pelo fato de ter estado preso juntamente com os revolucionários do nordeste brasileiro, de 1817, Antônio Carlos foi o responsável por tentar agregar os deputados brasileiros em apoio à proposta paulista, de permanência do príncipe regente no Brasil, direitos políticos e econômicos iguais, órgãos judiciários e governativos também existentes no Brasil e leis de reforma agrária, educação e proteção indígena. Os deputados baianos, liderados por Cipriano Barata apresentaram uma proposta federativa ao Reino Unido; os 16 Diário das Cortes Constituintes, Extraordinárias e Constituintes da Nação Portuguesa, sessão de 11/02/1822. 17 Ibidem, sessão de 25/04/1822. 18 Ibidem, sessão de 27/06/1822. 19 Ibidem, sessão de 11/02/1822. pernambucanos estiveram interessados em derrubar o antigo capitão-general Luís do Rego Barreto e apoiaram os paulistas em alguns pontos específicos, abstendo-se de questões “nacionais”. Os demais representantes brasileiros, sem um programa de ação definido, votavam e discursavam de acordo com a opinião própria, na maioria das vezes seguindo os deputados portugueses. A notícia do “Fico” de D. Pedro – contrária à ordem das Cortes –, associada às Lembranças e Apontamentos e aos discursos dos membros da bancada paulista serviram de motivo para inquérito contra os deputados de São Paulo, acusados de traidores da nação e defensores da independência do Brasil e acabaram incentivando a população portuguesa nesta direção, como relatou Feijó: “Não é só nas galerias, que temos sido insultados com epítetos vergonhosos, como sabem todos os que ali tem estado, pelas ruas, pelas praças, são os deputados do Brasil, e com especialidade os da minha província, tratados como bem se sabe. Todos os dias os periódicos estão aparecendo recheados de injúrias ao Brasil”20. Os deputados paulistas foram acusados de desobediência às Cortes, incentivar D. Pedro também a desobedecer-lhas e de fomentar calúnia, injúria e insolência. Foram também acusados de objetivar “um fim oculto”21. Pelo ambiente hostil, Antônio Carlos, Vergueiro e Feijó não compareceram mais às Cortes a partir de agosto de 1822, não participando, portanto, da assinatura da Constituição da Nação Portuguesa, em setembro de 1822. Fugiram para a Inglaterra, deixando os passaportes em poder das Cortes Constituintes. Os deputados de São Paulo foram os únicos, entre todos, brasileiros e portugueses, a chegarem às Cortes com instruções sobre como agir. Por tal postura foram entendidos pelos deputados portugueses, integracionistas sobretudo, como defensores da independência do Brasil, o que não se justificava, conforme análise dos discursos e dos documentos, uma vez que todas as províncias brasileiras estavam interessadas na autonomia provincial, que era negada pelos deputados portugueses. A província de São Paulo tinha como características, até meados do século XVIII, a economia de subsistência e de policultura, pequenas propriedades e o bandeirantismo, como forma de amealhar escravos indígenas. Somente a partir do século XVIII, a produção de cana-de-açúcar, em grandes propriedades oriundas de posses possibilitou o crescimento econômico da província, que começava a se consolidar nas primeiras décadas do século XIX, com a produção de café. Portanto, era interessante a São Paulo a união com Portugal com direitos iguais, sendo desnecessária qualquer condição de submissão seja econômica, seja política. Boa parte das províncias do Brasil possuía alguma proposta para a nação, como é o caso exemplar do nordeste, na Revolução de 1817; porém São Paulo conseguiu a força necessária para alavancar seu projeto – de autonomia provincial –, aliando-se a Minas Gerais e grupos do Rio de Janeiro ligados a D. Pedro e obtendo o apoio do próprio príncipe, e tal foi percebido pelos deputados lusos, que tentavam a todo custo impedir um processo de maior autonomia ao Brasil. A independência não era preferível, tanto que foi negada constantemente pelos deputados, porém pude constatar que o processo de independência deu-se associado à participação brasileira nas Cortes Constituintes de Lisboa, visível nos discursos de deputados paulistas, baianos e pernambucanos, principalmente. 20 21 Ibidem, sessão de 25/04/1822. Ibidem, sessão de 10/06/1822.