VI Seminário de Pós-Graduação em Filosofia da UFSCar 20 a 24 de setembro de 2010 A Esfera da Familia no Sistema Hegeliano OLIVEIRA, Claudeni Rodrigues Mestrado/Filosofia/UNESP Resumo No sistema hegeliano, a família, ocupa um lugar fundamental; é o espaço das primeiras experiências da vida ética, portanto, de grande importância para a própria vida do Estado. Nesse sentido, o artigo pretende expor os modos de vida que ocorrem no seio da família, destacando, sobretudo a simbologia da saída e do retorno do individuo do lar, ou seja, o momento de ida para a comunidade e o momento de retorno. Dessa forma, pretendemos destacar a importância dos ritos e costumes que se desenvolvem na família no processo de formação do indivíduo. Palavras-chave: Família, eticidade, reconhecimento, Estado. INTRODUÇÃO A modernidade é marcada pela cisão entre o singular e o universal. O individual não se reconhecendo no coletivo, e este indiferente às individualidades. Tal cisão, segundo Hegel (1770-1831) já pode ser percebida no pensamento grego. Nesse sentido, a tragédia, Antígona, de Sófocles, é retomada na Fenomenologia do Espírito (1807) para apresentar essa cisão no seio da familiar da ética natural. Na Antígona, os personagens, Antígona e Creonte representam respectivamente, a lei divina (a família) e a lei humana (o Estado). Ela demonstra o conflito entre uma consciência que sai de si, da sua singularidade, para se encontrar mediante as leis da pólis. Mas, não são momentos tranqüilos, ao contrário, são caminhos difíceis , caracterizados por diversos embates que, no entanto, são fundamentais para o próprio crescimento do indivíduo. A família se concretiza, primeiramente, mediante o casamento entre o homem e a mulher, entretanto, cabe ressaltar que o casamento não é um contrato, não é uma relação de posse, pelo contrário, de acordo com Hegel (1997, 156), a família se constitui mediante o amor entre o homem e a mulher. O casamento é o encontro entre duas É um caminho de amadurecimento. Esse caminhar, portanto, não significa um deixar para trás no sentido de abandonar o momento anterior, ao contrário, a nova experiência se completa porque há nela o momento anterior. Nesse sentido, a experiência no seio familiar ao ser elevada ao nível do Estado não é uma perda, mais um ganho, é um sair da singularidade para a universalidade. ISSN 2177-0417 - 392 - PPG-Fil - UFSCar VI Seminário de Pós-Graduação em Filosofia da UFSCar 20 a 24 de setembro de 2010 consciências, é o encontro do mundo do homem e do mundo da mulher, que embora diferentes, pelo casamento se unificam. O matrimônio, longe de restringir a liberdade, nele as consciências são ampliadas . É o momento da unidade, as duas consciências abrem mão, perdem os seus interesses particulares, para ganhar a riqueza do encontro na pluralidade. Dessa forma, o casamento não pode ser entendido como perda, ao contrário, precisa ser compreendido dentro do espírito da partilha entre as consciências. Ao contrário da relação contratual, o casamento, se baseia na vontade consciente livre e não na coação. Ele é entrega de um no outro, por isso expressão do todo. O casamento é o momento da suprassunção, uma consciência que se vê no e através do outro, dessa forma a liberdade é expandida. Nesse sentido, diz HONNETH (2007, p. 42), A família é descrita como forma de orientação primária da eticidade em que as carências humanas naturais são satisfeitas: seja a satisfação intersubjetiva de impulsos sociais ou os sentimentos de cuidado e amor recíproco que já se configura na relação entre mãe e filho. Na sociedade civil esses laços intersubjetivos da família são regidos por razão dos efeitos próprios do âmbito do mercado capitalista. A sociedade civil é caracterizada como “um sistema de carências” cuja satisfação “o adulto não pode mais esperar alcançar a partir do circulo da família”, ou seja, permite uma multiplicidade de interesses egocêntricos que se diferenciam das carências intersubjetivas satisfeitas no espaço de comunicação da família. Já, no âmbito do “Estado” as condições a serem satisfeitas nãos são aquelas das transações do mercado de trabalho e de circulação capitalistas, mas implicam possibilitar que o individuo forme racionalmente seus talentos e habilidades para que possa viver publicamente como um cidadão. A família tem na figura do homem , o responsável pelos bens da casa, enquanto a mulher cuida dos costumes da família. No entanto, dentro dessa unidade, pai e mãe, a vinda do filho, o terceiro, representa o resultado e o fim da unidade familiar. Na família tem-se, de acordo com Rosenfield (2005, p. 26), a eticidade em sua forma natural e imediata, na qual a unidade mantém os seus membros coesos. Para Hegel (1997,72) a relação contratual se baseia na indiferença entre os contratantes, sempre sujeito a dominação de um sobre o outro. Ao contrário, tanto no casamento, quanto no Estado, o que existe é uma relação de reconhecimento mútuo, em que o particular se reconhece no universal e o universal se reconhecendo no particular.. De acordo com Hegel (2007, 183) esse suprassumir de sentido duplo do seu ser-outro é também um retorno de duplo sentido a si mesma; portanto, em primeiro lugar a consciência retorna a si mesma mediante esse suprassumir, pois se torna de novo igual a si mesma; segundo, restitui também a ela mesma a outra consciência-de-si, já que era para si no outro. Portanto, suprassume esse seu ser no outro, e permite que o outro continue livre. Segundo Hegel (1997, p. 158), o homem é o representante da família. Cabe a ele o ganho e a administração da fortuna da família, apesar de todos os bens serem de uso coletivo. ISSN 2177-0417 - 393 - PPG-Fil - UFSCar VI Seminário de Pós-Graduação em Filosofia da UFSCar 20 a 24 de setembro de 2010 Ao educar o filho, os pais estão, de acordo com Hegel (1969, p. 122), concretizando a própria dissolução da família. A educação em Hegel é entendida enquanto processo de libertação. É a negação do natural, como movimento para o próprio desenvolvimento da consciência. Entretanto, embora seja atribuição dos pais a educação dos filhos, também não é um relação de propriedade. Com efeito, diz Hegel (1993, p. 160), a moralidade objetiva é introduzida neles com a forma de impressão imediata e sem oposição, a alma vive, a primeira parte da sua vida neste sentimento, no amor, na confiança e na obediência como fundamento da vida moral; tem a sua educação depois, um sentido negativo, do mesmo ponto de vista – o de conduziras crianças desde a natureza imediata em que primitivamente se encontram para a independência e a personalidade livre e, por conseguinte, para a capacidade de saírem da unidade natural da família. O ato de educar os filhos é sinônimo de libertação. Pela educação o filho vai ampliando a consciência de si mesmo e do outro, nesse sentido, de acordo com Hegel (1997, p. 164), a educação é fundamental para a vida do indivíduo enquanto cidadão. A educação é, dessa forma, o caminho da imaturidade à maturidade, à personalidade livre. Ao adquirir maturidade, o individuo também pode constituir outras relações, inclusive outra família, dissolvendo, portanto, o seu laço natural, mas mantendo e elevando suas primeiras experiências, portanto, ampliando sua liberdade. Mas, como assinala Hegel (1969, p. 131), é no Estado que a família tem seus costumes ampliados, na medida em que o Estado é a totalidade que, conserva e eleva as particularidades. CONCLUSÃO A esfera familiar é em Hegel o momento inicial de descoberta do mundo. Apesar de ser uma esfera que, no primeiro momento está voltada para si mesma, é fundamental para a vida ética. É o medo em perder os costumes, que leva a família ao fechamento diante do desconhecido. No entanto, é pelo enfrentamento do desconhecido que ela consegue vê a si mesma. Ao sair de si, a família encontra consigo mesma mediante as leis do Estado. No entanto, o primeiro contato é de confronto, como observa Hegel ao citar a obra Antígona de Sófocles. É um estranhamento típico de uma consciência que ainda vê o outro, o de fora, com desprezo e indiferença. Mas, é mediante a educação do filho, o terceiro na relação mãe e pai, que a própria família amadurece. A educação, dessa O Estado é, de acordo com Hegel, (1969, p. 131), a substância ética autoconsciente. É a unificação do princípio da família e da sociedade civil. ISSN 2177-0417 - 394 - PPG-Fil - UFSCar VI Seminário de Pós-Graduação em Filosofia da UFSCar 20 a 24 de setembro de 2010 forma, tem um duplo sentido; o filho amadurece, toma consciência – de – si, ao mesmo tempo em que, os pais se vêem no e através dos filhos, tomando também consciênciade-si. Nesse sentido, há um encontro entre o princípio e o fim, o resultado. Dessa forma, todas as experiências desenvolvidas dentro da família são fundamentais no processo de formação do indivíduo. REFERÊNCIAS HEGEL Georg Wilhelm Friedrich. Fenomenologia do Espírito. Tradução de Paulo de Menezes. 4ºed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2007. ______________________________Enciclopédia das Ciências Filosóficas em epítome. Tradução de Arthur Mourão. Edições 70, Lisboa, Portugal. 1969. Volume 3. ______________________________Princípios da Filosofia do Direito. Tradução Orlando Vitorino. São Paulo. Martins Fontes, 1997. HONNETH, Axel. Sofrimento e indeterminação: uma reatualização da Filosofia do direito de Hegel. São Paulo: Editora Singular, Esfera Pública, 2007. ROSENFIELD, D. Hegel. Rio de Janeiro. Jorge Zahar, 2ª edição, 2005. ISSN 2177-0417 - 395 - PPG-Fil - UFSCar