a teoria pós-moderna das relações internacionais: uma discussão

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A TEORIA PÓS-MODERNA DAS RELAÇÕES
INTERNACIONAIS: UMA DISCUSSÃO
Danillo Avellar Bragança1
RESUMO:
As Relações Internacionais, enquanto disciplina, passam por um processo de
afirmação, e ao mesmo tempo, sofre com a influência cada vez maior de outras
disciplinas e outras tradições teóricas. Estas interferências vão, lentamente, mudando
aspectos importantes, como o objeto de estudo, o método, entre outros.
A intenção deste texto é discutir, de forma objetiva, a influência dos principais autores
deste novo movimento dentro da Teoria de Relações Internacionais, entender de que
maneira a própria disciplina vem condensando estas novas intervenções dentro de
suas prerrogativas teóricas, além de compreender o estado atual das discussões que
cercam esta temática, suas críticas e seus sucessos.
PALAVRAS-CHAVE: Teoria de Relações Internacionais; Pós-Modernismo; Estado
1. INTRODUÇÃO
O objetivo principal deste presente artigo é apresentar a chamada Teoria PósModerna das Relações Internacionais, que se insere como forma alternativa de
explicação da realidade internacional a partir do fim da Guerra Fria. De forma geral, o
Pós-Modernismo tem como objetivo a desconstrução das teorias dominantes de
Relações Internacionais, especialmente as tradições realista, idealista e liberal de
análise científica, que são aquelas que consolidaram como as principais dentro desta
área de conhecimento.
O Pós-Modernismo enquanto teoria de Relações Internacionais tenta
demonstrar que as teorias dominantes criaram todo o seu edifício teórico sobre bases
arenosas. Quer dizer, a tríade racionalismo-cientificismo-positivismo, típica da
Modernidade inaugurada no Iluminismo, hoje encontra limites claros para sua
1
PPGRI/UERJ – [email protected] – Mestrando em Relações Internacionais
sustentação, e produziu, durante muito tempo, conclusões parciais sobre o
internacional. É preciso portanto, repensar estas bases, criar novas, admitindo
discursos alternativos em seu interior, e tirando as amarras que limitam a sua evolução
enquanto área de conhecimento.
Este texto se divide em seções, com objetivos claramente definidos. Na
primeira seção, o leitor encontrará a forma como esta tríade se formou, utilizando-se
do método positivista como filosofia científica dominante. Pensadores como August
Comte e David Hume serão resgatados para que se compreendam as bases do
pensamento científico majoritário dentro das teorias dominantes de Relações
Internacionais, e outros mais modernos, como Raymond Aron, para que se entendam
como as Relações Internacionais formaram-se como uma disciplina de conhecimento,
e como esta estruturação criou limites importantes para sua evolução.
Na segunda seção, o leitor encontrará uma breve contextualização e análise do
chamado debate racionalistas-reflexivistas dentro das Relações Internacionais,
paralelo ao fim da Guerra Fria. Este evento, não previsto pelas teorias dominantes,
colocou em evidência estes limites, e iniciou-se o processo de incorporação de novos
discursos à disciplina, que inclusive, como argumenta-se aqui, passou a deixar esta
configuração unidisciplinar para assumir uma condição polissêmica, alargando-se,
surgindo como área de conhecimento. Autores como Robert Keohane, proeminente
intelectual norte-americano, serão resgatados para ilustrar este momento, seja na
tentativa de ressignificar estas teorias dominantes, seja na intenção de desmerecer e
até invalidar estas teorias alternativas de Relações Internacionais.
Na terceira seção, o leitor encontrará a discussão estas teorias alternativas de
Relações Internacionais, com ênfase no Pós-Modernismo e em suas bases. O objetivo
principal desta seção é apresentar o Pós-Modernismo, reforçar seus métodos e criar
as bases epistemológicas e ontológicas para uma crítica mais contundente das teorias
dominantes. A produção de conhecimento a partir de vozes múltiplas, argumenta-se
aqui, é vantajoso às Relações Internacionais, e isto somente será possível a partir da
concretização deste alargamento, da transição daquilo que se construiu até a Guerra
Fria como disciplina, mas que hoje toma contornos de uma área do conhecimento.
Autores como Michel Foucault e Jacques Derrida são resgatados para servirem de
base para este pensamento, e outros como Richard Ashley e RBJ Walker, para
entender como este pensamento se incorporou às Relações Internacionais.
Por fim, este artigo conclui seu argumento defendendo que o alargamento do
escopo, dos métodos e dos princípios que regem a análise científica no campo de
Relações Internacionais é proveitosa para si mesma, e a desconsideração de um ou
outro discurso é prejudicial, porque limita a perspectiva e as possibilidades da
evolução. As rotulações, algo que os pós-modernistas entendem como negativo, não
servem para o progresso da ciência, mas para o seu retrocesso.
1.2 - O POSITIVISMO E SEUS POSTULADOS TEÓRICOS
Para dar início a esta discussão mais específica sobre a forma como o
Positivismo enquanto teoria epistemológica dominante vem sendo aplicada no campo
das Relações Internacionais, é preciso entender um pouco da origem desta forma de
pensamento científico, articulando esta visão dentro de um campo mais prático, da
pesquisa efetiva.
Inicialmente, o positivismo é fruto de uma necessidade. Quer dizer, havia-se a
necessidade, no contexto do Iluminismo, de dar à burguesia recém-chegada ao status
de classe dominante, uma justificação teórico-epistemológica do seu modo de pensar
o mundo. Esta forma de pensamento, baseada na certeza de que a ciência e seus
métodos seriam infalíveis, e que todo o conhecimento poderia ser codificado por este
sistema de pensamento.
Trata-se, portanto, de uma ruptura. A Filosofia, enquanto forma de explicação
do mundo, sempre manteve-se em um campo mais racional teórico, quer dizer, era a
base do conhecimento que estava sendo produzido, mas ela em si, não produzia
respostas definitivas a problemas práticos do mundo. A ciência surge como uma
evolução do pensamento filosófico, e isto fica claro neste momento da análise, mas
tentando dar a este novo viés de pensamento, uma aplicação mais clara e efetiva, que
depois terá fins como o progresso da humanidade, mas também o lucro e a
reprodução contínua desta acumulação de capital.
Desta forma, apoiado pela Burguesia, o positivismo foi a corrente de
pensamento dominante em boa parte da Europa durante o século XIX e metade do
século XX, espalhando de forma contundente em muitas áreas do conhecimento,
especificamente a ciência social. A influência de COMTE (1990) na formulação deste
tipo de epistemologia científica já é conhecida, mas o que é evidente e importante para
esta análise neste momento, é que aqui passa a ser prerrogativa básica para uma
forma de conhecimento ser considerada verdadeira o fato de ter sido demonstrada a
partir de um método científico. Esta forma de pensamento tinha como objetivo, e isto
se encaixa dentro da necessidade de “romper” com a Filosofia e com a Religião, foi
desconsiderar os problemas que ainda admitiam serem resolvidos por métodos nãocientíficos.
Assim, a partir do avanço das ciências sociais observado nos séculos XVI e
XVII, o método positivista ganha espaço, até porque era eficiente em solucionar certos
problemas da incipiente teoria social, abrindo margem para a cristalização de uma
nova cultura empiricista, com tendência crítica e a criação de verdades absolutas e
incontestáveis, axiomáticas. No caso da área de Relações Internacionais, por conta de
sua origem inegavelmente ligada às ciências sociais e política, este é um ponto crucial
para o surgimento de teorias que tinham como objetivo não entender mais somente a
sociedade em sua condição interna, mas a forma como os Estados se relacionavam
dentro de um sistema mínimo de interação, onde os eventos como a guerra e a paz
eram parte integrante deste sistema, e era imperativo, portanto, entender estas
questões.
As chamadas teorias tradicionais de Relações Internacionais, que por motivos
didáticos, vamos chamar aqui de “teorias modernas” 2 sobretudo a corrente Realista
das Relações Internacionais, que emerge vitoriosa do primeiro debate contra uma
teoria mais valorativa, o chamado Idealismo, tem em seu âmago esta forma de
pensamento científico. Não somente o positivismo em si, mas largamente o
positivismo, assim como também o racionalismo e o cientificismo. E são est as teorias
tradicionais que vão marcar o surgimento e amadurecimento da área de Relações
Internacionais, e, logo, a influência que possuem em todo o conhecimento produzido
nesta área é inegável.
A Teoria Realista das Relações Internacionais apresenta, em suma, como
principais postulados: a) consideração de que os Estados são os principais atores da
arena internacional; b) estes Estados estão preocupados com sua segurança; e c) a
disputa por poder neste cenário é constante, o que explica o fato de que, visto que não
há um poder superior, o cenário seja de anarquia. Sobre isto, diz ARON (1962):
2
Para ver mais claramente a divisão entre Modernidade e Pós-Modernidade de uma forma
mais cronológica, ver FOUCAULT (1970).
“O „Estado territorial‟, característico do período clássico na
Europa (entre o fim das guerras religiosas e a Segunda Grande
Guerra), é definido antes de tudo pelo comportamento unitário
de uma unidade política, cuja soberania se estende sobre o
território com limites precisos, que podem ser traçados no
mapa. O soberano (...) pode impor sua vontade sobre todo o
território do Estado. Em outras palavras, tem o monopólio da
força militar dentro desse território” (ARON, 1962, p. 383)
Ou seja, outros atores não-estatais, segundo o Realismo, até existem no
cenário internacional, mas suas ações são sempre atreladas a ações dos Estados,
que são os agentes prevalentes. Existe aqui uma clara rejeição à consideração de
supostas normas éticas e legais entre estes Estados, visto que a ênfase é toda
colocada no interesse próprio e de aumento de poder, onde a justiça existe somente
no campo doméstico, e no externo, prevalece a condição de ausência de um poder
que organize centralmente estas relações.
As bases destas três postulações está no pensamento positivista. O fato de
serem postulações já representa a pretensão positivista de se fazer a análise do objeto
do conhecimento, no caso aqui as relações entre os vários Estados que compõem o
cenário, dentro de axiomas básicos, capazes de indicar o mínimo de compreensão.
Estas explicações, que fazem parte das aspirações das chamadas teorias modernistas
de Relações Internacionais definem uma forma de explicação mono-causal dos
fenômenos apercebidos no campo do conhecimento.
Isto é, segundo KURKI (2006), indicativo da importância de David Hume no
pensamento teórico das Relações Internacionais. Ela diz, em seu texto de 2006 3, que
a base principal da epistemologia dominante nas Relações Internacionais está na
estrutura de causalidade determinada por Hume4, em seu Ensaio para o Entendimento
Humano, onde ficam estabelecidos os parâmetros pelos quais estes axiomas devem
ser compreendidos dentro de uma análise científica, transposta analogamente à
análise social.
A relação aqui, e isto é largamente utilizado pelas teorias modernistas de
Relações Internacionais, é a seguinte: para algo ocorrer, é preciso que uma ação
3
4
Ver referência bibliográfica: KURKI (2006).
Ver referência bibliográfica: HUME (2004)
produza esta ocorrência. Quer dizer, para toda causa, existe um efeito, correlato e
inextrincavelmente. Em um exemplo clássico trabalhado nas Relações Internacionais,
pense em bolas de bilhar em uma mesa. Para que a bola A venha a se mover de uma
determinada forma, é preciso que uma bola B venha a agir sobre ela de uma forma
correta sobre ela. Caso isto não ocorra, não há ação possível.
Agora pense no sistema internacional. Os únicos atores capazes de moveremse uns aos outros são os próprios Estados, visto que os outros atores não podem se
mover sozinhos. Estes Estados agem somente em favor de interesse e busca por
poder, e as trajetórias dos vários Estados que fazem parte da arena internacional
podem se chocar, o que explica o conflito.
Há, nisso tudo, uma série de consequências para a análise social que devem
ser ressaltadas como parte fundamental do pensamento positivista e da forma como
isto é articulado dentro das teorias modernistas de Relações Internacionais. De forma
geral, HUME () as apresenta como a) as “regularidades”, quer dizer, quando uma ação
é observada, é possível afirmar que regularmente esta ação acontecerá da mesma
forma, com a mesma intensidade, sempre na mesma direção; b) os “padrões
observáveis”, isto é, a partir da leitura destas regularidades, o analista pode determinar
com clareza padrões de comportamento das forças que compõem a análise,
afirmando com ampla certeza como estas forças vão agir e por que motivos; c) as
“regularidades determinísticas”, que é o fato de que a previsibilidade das ações passa
a ser algo de fundamental importância para a compreensão do fenômeno; e por último,
d) as chamadas “moving causes”, quer dizer, as causas moventes, ou como HUME ( )
apresentava, causas eficientes, que demonstram a relação monocausal entre causa e
efeito.
Isto deu às teorias modernistas de Relações Internacionais a base de que
precisavam para se afirmarem como teorias tradicionais. Primeiro porque a relação
entre teoria e prática, dentro de um campo proeminentemente anglo-saxão, era muito
forte. Quer dizer, a produção de conhecimento só é válida se este conhecimento puder
ser aplicado no campo da prática, for eficiente e tiver utilidade, caso contrário, ele é
desconsiderado. E segundo porque, durante o período da Guerra Fria, que é o período
em que estas teorias modernistas de Relações Internacionais se afirmaram, era o
período em que estes postulados ficavam mais claros, e o Realismo acabava criando
as respostas mais adequadas ao trato com as questões do momento, como a divisão
do planeta em blocos de poder, entre outros.
Em WIGHT (2006), isto fica ainda mais claro. O Positivismo, segundo ele,
provê às Relações Internacionais quatro aspectos principais. O primeiro, que ele
chama de fenomenalismo, indica que o que é buscado na análise internacional não é o
conhecimento em si, ou a sua essência, mas as aparências, as representações destes
conhecimentos no cenário internacional. Isto indica, portanto, que o conhecimento
pode ser, e este é o segundo aspecto, o nominalismo, enquadrado em categorias
analíticas, quer dizer, pode ser atribuído um nome a ele, e este nome servir como
conceito básico para qualquer análise subsequente. O terceiro aspecto é o
cognitivismo, que indica que, portanto, se são categorias axiomáticas de análise, não
existe juízo de valor nestas análises, sendo puramente científicas e isentas de
interesses políticos ou éticos. E, por último, o naturalismo, que indica que o sistema
internacional é formado por leis naturais e estas leis naturais podem ser compiladas e
compreendidas, transformando-se em instrumentos para a compreensão do fenômeno
científico.
1.3 O DEBATE RACIONALISTAS X REFLEXIVISTAS
Todos estes fatores descritos acima fazem parte da mesma tradição realista
das Relações Internacionais, que chamamos aqui de teorias modernistas. Este é o
momento do fim da Guerra Fria, que não foi previsto por estas teorias. É o momento
também da chamada “guinada construtivista”, com a publicação de “World of our
making: rules and rule in social theory and International Relations”, de Nicholas Onuf,
mais especificamente, em 1989.
Começam a ficar claros, neste momento, os limites do chamado realismo. As
teorias modernistas estão em contestação, e seus pressupostos passam a ser
questionados, indicando que talvez a produção de conhecimento originária desta
tradição, tratava, na verdade, de uma produção de conhecimento motivada por
interesses particulares, dentro de uma perspectiva diferente da proposta por esta
mesma teoria. O principal objetivo do construtivismo, que vai aparecer com outros
nomes ao longo do tempo, é oferecer um contraponto ao racionalismo realista,
ressaltando que tanto estruturas normativas quanto materiais são fundamentais na
formatação das identidades de atores internacionais, e que a relação agente (ator) e
estrutura (sistema) é moldada diretamente pelas interações destas estruturas.
Em 1992, isto fica ainda mais evidente. Alexander Wendt lança seu texto
clássico, “Anarchy is what states make of it: the social construction of power politics”
em que se questiona frontalmente dois dos principais pressupostos das teorias
modernistas de Relações Internacionais. A primeira, em WENDT (1992), é que o
sistema internacional não é formado inteiramente de regras naturais, quer dizer, parte
dele é construído, ao sabor do interesse dos Estados dominantes. A seguinte é
complementar, e indica que o próprio conceito de anarquia, que era considerado algo
fechado, dado, inicial dentro das relações entre os Estados, na verdade, é parte desta
construção interessada de mundo.
Isto já havia ficado claro em uma outra ocasião, mas com WENDT (1992), isto
se cristaliza. O próprio WENDT (1992) em si não progride muito na crítica ao
Realismo, sendo considerado um moderado. Algo mais crítico e radical surge dos
estudos de nomes como John Gerard Ruggie, Robert Cox, o próprio Nicholas Onuf e
Friedrich Kratochwil. É preciso ressaltar, no entanto, que a chamada Teoria PósModerna das Relações Internacionais é um subgrupo que vai emergir dentro desta
divisão dentro dos construtivistas, ou reflexivistas, como indica KEOHANE (1988).
Quer dizer, dentro da árvore genealógica dos teóricos de Relações
Internacionais, quer dizer que todo pós-modernista é um construtivista, mas nem todo
construtivista é um pós-modernista, como se acusa ao próprio WENDT (1992). Ou
seja, os pressupostos positivistas são colocados em questionamento pelo autor, mas
não são ultrapassados por ele, alguns são mantidos até.
O que prega o pós-modernismo, em muitos aspectos, é a obsolescência geral
do modernismo, quer dizer, a forma positivsta de se fazer ciência das relações entre
os Estados. WENDT (1992) não faz isso contundentemente. O chamado póspositivismo, onde estão Ruggie e Cox, por exemplo, é de fato mais próximo do pósmodernismo, mas com algumas diferenças importantes, que serão reforçadas mais a
frente.
Assim, Robert Keohane, em seu clássico discurso feito na International Studies
Association, e depois em seu artigo International Institutions: Two Approaches, de
1988, coloca esta tradição positivista, e os autores que a seguem, como parte do
grupo dos racionalistas. Este grupo é formado pelas análises tradicionais das
Relações Internacionais, incluindo-se aí o neorrealismo e o neoliberalismo, para quem
a racionalidade é a capacidade de julgamento e de adaptação a cada situação
específica.
Nas palavras de DER DERIAN (1990), um importante nome desta nova
subárea dentro das Relações Internacionais, em resposta a KEOHANE (1988):
“Vê se nas críticas de Keohane, uma insinuação implícita: se
alguém quiser encontrar um „programa de pesquisa genuíno‟ é
melhor seguir a rota iluminada da reflexão racionalista do que a
floresta incivilizada da reflexão pos-estruturalista (Keohane,
1988). Vê-se, além disso, o poder metafórico das escolhas dos
termos feitas por Keohane, que insinuam um tipo de
passividade genérica no campo reflexivista. Diria-se que o
pensador reflexivista, por definição, prefere ou tem poucas
escolhas à não ser refletir sobre os trabalhos e ações dos
outros no lugar de engajar-se no trabalho mais produtivo da
verificação empírica de hipóteses”. (DER DERIAN, 1990,
p.295)
Assim, para KEOHANE (1988), existe um outro grupo de teóricos, frontalmente
atacados por ele, como se vê na citação acima, e que supostamente colocariam a
análise internacional em outros termos. Estes autores emergem em um momento onde
todo o campo das Relações Internacionais está sendo revisto, a partir de críticas feitas
ao projeto metodológico do positivismo. Neste contexto, objeções importantes foram
feitas ao pensamento positivista: a) Qual o limite da experiência? É possível
determinar todas as variáveis que compõem o sistema internacional a partir da
observação pura e simples do fenômenos que a constituem; b) Qual a função do
analista internacional? Será mesmo possível criar uma interpretação sobre os
fenômenos do sistema internacional integralmente isenta de parcialidades, predileções
ou preconceitos?; e c) Se assim for, será que certas análises internacionais não estão
sendo priorizadas em detrimento de outras, que possuem a mesma validade, mas não
o mesmo nível de legitimação? Quais interesses são servidos por uma Teoria de
Relações Internacionais que se projeta como dominante em relação à outras?
Nesse sentido, o surgimento de todos estes questionamentos, e vários outros,
foi diagnosticado por Keohane no mesmo discurso como a formação de uma corrente
reflexivista de análise das Relações Internacionais. Esta não é uma tradição de
analistas internacionais, mas um fenômeno ligado à movimentos conhecidos como
pós-positivismo, que define exatamente a supressão dos ideais positivistas criados no
século XIX, baseado na evolução constante da história e na produção do
conhecimento através unicamente da empiria; ou, por exemplo, os pós-estruturalistas,
que criticam a projeção de haver uma teoria dominante de Relações Internacionais,
estando mais preocupados em observar, de maneira geral, todas as contribuições
relevantes para o tema.
O termo pós indica o surgimento deste grupo de teóricos, que KEOHANE
(1988) coloca todos como reflexivistas - causando alguma indignação – mas marca
uma profunda mudança no campo das Relações Internacionais, que afeta inclusive as
teorias modernistas de Relações Internacionais. É o momento do chamado
neorrealismo, de autores como Kenneth Waltz, Francis Fukuyama, entre outros, que
ainda por conta da proeminência política que possuíam dentro do campo,
notadamente norte-americano, prático e político, aproveitam-se para promover uma
mudança – tímida, mas importante – dentro destas teorias dominantes.
1.4 O PÓS-MODERNISMO E SUA PROPOSTA
De forma geral, para efeito de introdução, o pós-modernismo pode ser
entendido como o momento em que se percebeu que o projeto da Modernidade criado a partir de uma determinada visão de mundo bastante centrada nos axiomas do
Racionalismo, do Cientificismo e do Positivismo – era limitado, e suas falhas
conduziram a Humanidade a uma condição pouco confortável. Em seu lugar, grosso
modo, estaria a formação de uma visão de mundo mais fluida, sustentada agora pelo
Reflexivismo, pelo relativismo e pelo pós-modernismo, o que forneceria à mesma
Humanidade uma noção diferente de Verdade, entendida agora como conceito
múltiplo.
O primeiro contexto em que termo “pós-modernismo” aparece é na publicação
A Condição Pós-Moderna, de 1979, de Jean-François Lyotard. A intenção principal
aqui era tentar compreender o papel do conhecimento dentro da sociedade em seu
estágio avançado de industrialização e mercantilização, mas a partir deste primeiro
esforço, criou-se todo um campo teórico, que inclusive transbordou os limites das
disciplinas em si e influencia outras áreas, como as Relações Internacionais. A pósmodernidade, então, passou a ser vista dentro de uma categoria diferente, encarada
como um tipo de comportamento ou de pensamento, que pode ser encontrado em
autores anteriores a Lyotard, e que indicam estas mesmas limitações em outros
campos. Assim, se buscar-se em Nietzsche, em Kant, em Freud, em Kafka, e em
outros, poderá se observar com facilidade a destreza com que identificaram os
problemas da Modernidade, e a partir daí passaram a desconstruir estas verdades,
colocando-as em condição de contestação.
Desta forma, a crise da Modernidade pode ser encarada então como um longo
processo de crise, com um viés profundamente filosófico, mas que encontra
ressonância em grande parte das ciências humanas e sociais, afetando a forma como
percebem, a partir de suas próprias perspectivas, a realidade que as cercam. Esta
crise também afeta as Relações Internacionais, e promove um debate importante, que
vem ganhando vulto, sobretudo a partir do fim – não-previsto – da Guerra Fria.
Isto deve ser visto de várias formas dentro do campo de Relações
Internacionais. O primeiro é a origem deste debate, e isto é atribuído a pensadores
como Michel Foucault e Jacques Derrida. O que está implícito na contribuição dos
dois, principalmente, é a crítica ao racionalismo da Modernidade, originário no
Iluminismo, e que vem fundamentando o trabalho e as conclusões de analistas
tributários das teorias realista, idealista e liberal das Relações Internacionais.
O objetivo, portanto, é desfazer estas narrativas, trazer à superfície os objetivos
complementares destes discursos, que variam do interesse político à criação de uma
verdade que acaba por fundamentar a análise social em valores comprometidos,
parciais. É recorrente a utilização do termo metanarrativas, para indicar a
desconstrução de um discurso de verdade, consolidado e admitido há longo tempo em
Relações Internacionais, e a apresentação de outro, também como um objetivo
específico, mas que tem como principal objetivo complementar a produção de
conhecimento.
Em Foucault, por exemplo, o exercício é definir em que condições históricas
dado conhecimento foi produzido, e entender que este contexto e este texto tem uma
relação muito próxima. A pergunta que é feita, como esta é pergunta é respondida,
tudo isto, segundo FOUCAULT (1970), seria imposto pelo discurso vigente. Um dos
objetivos deste discurso vigente é manter as coisas do jeito que elas estão, isto é,
manter a ordem de poder que sustenta este pensamento, o que é paradoxal, e
indicaria também uma parcialidade à construção de verdade que inviabiliza uma
análise mais adequada das relações entre os vários atores internacionais. A própria
determinação daquilo que é racional é parte desta estrutura de poder, diz FOUCAULT
(1979). Admitir algo como verdade é reforçar, portanto, esta estrutura, que se
configura como um instrumento de poder.
Assim, o objetivo epistemológico principal em FOUCAULT (1979), é
compreender a origem destes discursos dominantes, e isto ocorre através do método
genealógico, que acaba por compreender a dialética poder-saber, que é um dos
principais escopos da filosofia foucaultiana. O resultado deste método é a
historicização do pensamento, quer dizer, a fundamentação do conhecimento a partir
desta dicotomia, e o resgate de visões excluídas pela teoria dominante, dando às
Relações Internacionais uma multiplicidade produtiva de discursos diferentes,
conflitantes.
Sobre isto, diz FOUCAULT (1979):
“A verdade não existe fora do poder ou sem poder. A verdade é
deste mundo; ela é produzida nele graças a múltiplas coerções
e nele produz efeitos regulamentados pelo poder. Cada
sociedade tem seu regime de verdade, sua ”política geral” de
verdade: isto é, os tipos de discurso que ela acolhe e faz
funcionar como verdadeiros; os mecanismos e instâncias que
permitem distinguir os enunciados verdadeiros dos falsos, a
maneira como se sanciona uns e outros; as técnicas e
procedimentos que são valorizados para a obtenção da
verdade; o estatuto daqueles que têm o encargo de dizer o que
funciona como verdadeiro.” (FOUCAULT, 1979: 12)
A remissão a Hegel aqui é muito clara. Dentro do conceito de História e de
Dialética, pode-se perceber que pensar em discursos conflitantes é inevitável, mas isto
não representa, necessariamente, um atraso. Quando é apresentado à tese
dominante, uma anti-tese capaz de lhe oferecer questões novas, cria-se uma relação
de conflito que vai produzir uma síntese, quer dizer, um híbrido destas duas teses
anteriores, que contém algo das duas. É assim, diz HEGEL (1986) que o
conhecimento irá evoluir e a análise científica criará, de fato, conclusões mais
adequadas.
Portanto, quando se utiliza o método genealógico nas Relações Internacionais,
se pretende resgatar discursos alternativos e que indicariam como os discursos
dominantes eram atrelados às estruturas de poder, mas também reforçariam o seu
campo de conhecimento, a partir da construção de verdades alternativas. Não existe
verdade em si, mas verdades, e as suas interpretações, múltiplas, criam a realidade.
Em Derrida, o que se tira de mais relevante é a ideia da desconstrução. Para
DERRIDA (1976), a metafísica ocidental criou uma epistemologia dominante que
precisa ser desconstruida, com o escopo de entender as crenças que permeariam
uma supostas visão da realidade construída dentro de padrões objetivas.
Sobre Jacques Derrida, a influência sobre o Pós-Modernismo e às Relações
Internacionais, diz SARFATLI (2006):
“Por meio da desconstrução desses discursos, Derrida nota
que toda análise supostamente científica é produto de leituras
carregadas de visões muito próprias sobre o mundo. Ao
desconstruir discursos, observa-se que não existe uma ciência
empiricista e racional alheia aos valores que a construíram e,
portanto, não há realidade objetiva e muito menos qualquer
teoria que possa se colocar como objetiva. As teorias e
realidades são produtos de discursos e, portanto, não existem
fora da construção deles.” (SARFATLI, 2006, p. 240)
Ou seja, visto que não há realidade, já que isto é a construção de uma visão de
mundo que é limitada e não universal, não faz sentido falar em análise da realidade
como uma maneira de compreendê-la como algo fechado e indivisível. Isto fica claro
quando se observam as chamadas categorias objetivas de análise, que para
DERRIDA (1976), não existem de fato, visto que esta realidade, as próprias categorias
e o mundo em si é algo múltiplo.
Os autores de Relações Internacionais incorporaram isto de várias formas. Em
Richard Ashley e RBJ Walker estão as contribuições mais relevantes para a chamada
teoria Pós-Modernista de Relações Internacionais. E o método é a desconstrução,
apresentando que os conceitos utilizados pelas teorias tradicionais de Relações
Internacionais constroem a realidade em termos que não se sustentam mais quando
se observam o contexto histórico em que foram construídos. Assim, estes autores
procuram os discursos que foram varridos para que se legitimasse uma forma de
pensamento em detrimento da outra.
Logo, conceitos como Estado, Soberania, Fronteira, Anarquia do Sistema
Internacional, e outros, carregados destas criações de verdade são frontalmente
atacados, criando uma firme objeção às teorias dominantes. Importante ressaltar que,
no caso do por exemplo do conceito de Estado, a maior parte, senão todas, das
teorias dominantes de Relações Internacionais tem o Estado como o único ator
autônomo, independente de si, autossuficiente, o que é rejeitado pelos pósmodernistas.
A
aceitação
desta
premissa,
diz
ASHLEY
(1988),
já
indica
um
comprometimento científico considerável. Quer dizer, o Estado é incontestável, e este
axioma obstaculariza a visão dos chamados neorrealistas em observar a cooperação,
os regimes internacionais, e como de alguma maneira se constrói um coletivo
internacional que conta não somente como Estados, estes ainda como atores com
certo privilégio, mas também com outros agentes, como grupos transnacionais,
organismos multilaterais, entre outros.
O Estado não é natural, e também não é natural que seja usado como
categoria de análise sem contestação, como inclusive algo deslocado por completo da
própria realidade histórica que se apresenta hoje. O Estado foi instituído em um
contexto, imposto como construção da natureza, da realidade, mas é preciso entender
que limites devem ser impostos, desta vez pela própria realidade, profundamente
modificada desde que o Estado foi construído como unidade política e os dias de hoje.
As relações de poder, diz ASHLEY (1988), marcaram a construção de um
sistema internacional de Estados, onde a luta entre eles ocasionou a manutenção
deste privilégio do Estado. Atributos como soberania e fronteira foram construídos e
concedidos a ele como forma de justificação destas relações de poder, por aqueles
que no poder estavam, designando inclusive a anarquia como padrão internacional de
comportamento ainda para atender estes interesses.
Em ASHLEY (1988), não há Estado na natureza, ele é construído, para atender
os intereses das classes dominantes, dentro de uma construção também de
identidade, que reforça conceitos como nacionalidade, dentro e fora, outro, além de
preocupações como segurança, defesa e guerra. Sobre isto, diz REZENDE (2010)
“A rejeição de tal abordagem tradicional se torna mais clara a
partir da crítica que fazem a um conceito-chave para a área de
RI: o de “interesse nacional”. Presas a uma noção prédeterminada, fixa, estável e monolítica do que seria “interesse
nacional”, as análises tradicionais de política externa não
conseguem conceber os processos sociais de construção do
Estado, dos interesses, do sistema internacional e da própria
realidade. Por tais razões, elas reproduzem, em sua essência,
o legado de Hans Morgenthau, que definia interesse nacional
em termos de poder.” (REZENDE, 2010,p. 51)
Quer dizer, afirmar que o Estado em si hoje comporta a unidade que comportou
no momento de sua fundação, é desconsiderar a multiplicidade de fluxos que se
aproveitam desta auto-imagem que o Estado cria de si mesmo, para existir. Quando
se trata do fluxo de capitais, bens, serviços e pessoas, provavelmente a lógica
territorialista unitária do Estado não prevalece mais, dando espaço a várias novas
configurações, onde ainda precisa se considerar também os atores não-nacionais.
Em WALKER (1990), isto fica ainda mais claro. Diz RESENDE (2010), que “a
separação entre o de “dentro” e o de “fora” – o nacional e o internacional – leva-nos a
pensar que a ética somente pode ocorrer dentro do Estado, enquanto o internacional
seria o lugar da amoralidade, já que é anárquico.” (RESENDE,2010, p. 58). Ou seja, a
separação entre o que está dentro e o que está fora é pejortiva, sendo que o primeiro
é relacionado com a ordem e o segundo com a anarquia, o caos. Dentro desta
configuração, a aceitação de parâmetros éticos aceitos internacionalmente e
respeitados pelos atores é rechaçada, e a lei da força sempre evidencia o
comportamento a seguir.
1.5 - CONCLUSÃO
Falar de Relações Internacionais como uma disciplina prescreve a análise de
algumas questões importantes. Não há uma delimitação clara de qual é o campo de
competências e conhecimentos que as Relações Internacionais possua. Em qualquer
outra área do conhecimento, a presença daquilo que é internacional é cada vez maior,
visto que o internacional possui certas características de ser um sistema, onde a
relação entre os vários atores existe e há somente uma relação de interdependência
entre eles que, ainda que forte, não demanda mais do que isso, e também possui
características de uma sociedade internacional, que indica a existência de certos
parâmetros de valor e de moral nestas relações entre os vários atores.
Quer dizer, se pensar em campos completamente distintos de Relações
Internacionais, como a astronomia, a engenharia, a música, ou qualquer outro, vai se
observar que existem resoluções entre os países que facilitam a cooperação, no
campo da construção de satélites em aliança internacional, ou de pontes que
atravessam dois países ou de programas internacionais para estudantes bolsistas de
música. Isto sugere que o internacional pode ser achado em tudo, e dificilmente se
pensar-se as Relações Internacionais enquanto disciplina, fechada em si, pode, de
fato, ter o alcance que poderia ter, que é o de teorizar sobre a maneira pelas quais os
vários atores agem dentro do sistema, e de como a guerra pode ser afastada dando
lugar a paz.
Dito isto, afirmar portanto que Relações Internacionais é uma área, é em suma,
limitar seu desenvolvimento. Pode-se dizer, melhor inclusive, que Relações
Internacionais é uma área do conhecimento, que desde sua origem, teve a
contribuição da Ciência Política, mas também hoje conta com apoio da Filosofia, da
Economia, do Direito, das Ciências Sociais, Psicologia, Antropologia, e várias outras
fontes de conhecimento que dão à nossa área do conhecimento uma possibilidade
muito maior de evolução.
No entanto, no que se refere ao Pós-Modernismo como teoria de Relações
Internacionais, o que observamos, é que mais os teóricos pretendem fazer disto uma
disciplina e não uma área, ou um campo de conhecimento. Pretende-se fechar as
Relações Internacionais dentro de si própria, utilizando-se de um método cientificista,
racionalista e positivista, que provavelmente funcionou em algum momento, mas que
hoje cria uma análise míope da realidade internacional. Por vezes, até forja uma
realidade que somente existe para se manterem certas estruturas de poder e que na
verdade, não produzem conhecimento no sentido mais puro que isto poderia ser, mas
um conhecimento enviesado, a-histórico e comprometido.
Debates que em outras áreas do conhecimento, como as citadas acima, já
estão há muito consolidadas, são respeitadas e aplicadas na prática como
comportamento de investigação, são ainda pensadas como atraso nas Relações
Internacionais, como uma desvirtuação de seu papel. Esta área do conhecimento é, de
fato, relativamente nova, e ainda carece de uma maturidade que só a história e o
tempo conseguirão lhe prover. Mas é possível pensar, a partir das contribuições e dos
debates que vem de suas áreas formadas, que a influenciaram, em uma
complexificação da análise, que vai dar às Relações Internacionais um fundamento
muito maior, um respeito muito maior e uma eficácia também muito maior.
Para isto ocorrer, é preciso admitir que, a determinação de discursos
dominantes, quer dizer, um discurso sobre o outro, justificando o primeiro e
eliminando, desconsiderando o outro, somente gera um atraso epistemológico e
metodológico às Relações Internacionais, algo que a impede de crescer. Desmerecer
as teorias alternativas de Relações Internacionais, que não se fundam mais nesta
tríade racionalismo-cientificismo-positivismo, é limitar a evolução das Relações
Internacionais.
Uma ciência que, portanto, em suma, se consolidar, entender-se como uma
entre as outras, precisa conhecer bem a si mesmo, não somente aquilo que emerge
como pensamento dominante, mas aquilo que surge como possibilidade, como
horizonte, que é algo que é muito prezado dentro das chamadas teorias póspositivistas, como é o caso do próprio Pós-Modernismo.
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