Cardiologia 1 Semiologia - GESEP Insuficiência Cardíaca Dr. Carlos Cardoso Objetivos 1. Conhecer a fisiopatologia da insuficiência cardíaca e sua correlação com os sinais e sintomas; 2. Aprender a solicitar, conforme o raciocínio clínico, os exames complementares pertinentes; 3. Conhecer as causas e saber identificar, quando for o caso, fatores ou doenças que levam à descompensação da ICC. 1. Qual a importância deste tema para o médico generalista? Em todo o mundo, encontramos vários levantamentos estatísticos mostrando a alta prevalência de doenças cardiovasculares, com repercussão significativa na morbidade e mortalidade da população. Por esta razão, doenças como a insuficiência cardíaca, hipertensão arterial sistêmica, coronariopatia crônica e dislipidemia, devem ser bem conhecidas do médico em sua formação geral. 2. Como entender, fisiopatologicamente, os sinais e sintomas mais comuns? A insuficiência cardíaca pode ser dividida em esquerda e direita. Quando se trata de insuficiência cardíaca esquerda (ICE), há falência das câmaras esquerdas com consequente congestionamento de sangue na circulação pulmonar. Esta condição instalada leva ao sintoma dispnéia. A dispnéia, quando devido à insuficiência cardíaca, geralmente apresenta uma evolução de progressão de sua intensidade com os esforços, conforme a enfermidade se torna mais grave (dispnéia progressiva aos esforços). Juntamente com este sintoma, são frequentes o sinal de taquicardia (mecanismo de compensação da falência do órgão) e a presença de terceira bulha (B3). Fig 1. Sinais e sintomas de insuficiência cardíaca. A insuficiência cardíaca direita (ICD) pode surgir como consequência da congestão pulmonar, decorrente do comprometimento inicial das câmaras esquerdas (quadro conhecido pela sigla ICC – insuficiência cardíaca congestiva). Outra possibilidade fisiopatológica é a de que a ICD ocorra devido à doença pulmonar previamente instalada (Cor Pulmonale). Os achados clínicos, na ICD, ocorrem devido à falência das câmaras direitas, o que provoca congestão sanguínea ao nível da veia cava superior e inferior, podendo levar a: ingurgitamento jugular, hepatomegalia, ascite, edema de membros inferiores com cacifo. Pode ocorrer também edema generalizado. 3. Quais os principais conceitos e classificações referentes ao tema? Como vimos anteriormente, o paciente pode apresentar ICE isoladamente, com dispnéia progressiva aos esforços. Sinais e sintomas que também costumam ser encontrados: ortopnéia, dispnéia paroxística noturna, ictus cordis aumentado e desviado para baixo e para a esquerda, taquicardia, B3. Pode apresentar ICD isoladamente, caracterizado frequentemente como Cor Pulmonale, cujos Cardiologia principais achados clínicos já foram citados. Enfim, pode apresentar ICC (ICE + ICD: com somatória dos sinais e sintomas correspondentes). Outra conceituação importante é a diferenciação entre insuficiência cardíaca sistólica e diastólica. Na insuficiência cardíaca sistólica, o quadro clínico ocorre por diminuição da fração de ejeção e contratilidade miocárdica do ventrículo esquerdo (VE). Na insuficiência cardíaca diastólica, com quadro clínico semelhante, este ocorre por relaxamento diminuído da parede ventricular esquerda com fração de ejeção preservada, fato mais comum em indivíduos idosos. A classificação funcional da NYHA (New York Heart Association) mostra-se bastante útil para caracterização da severidade dos sintomas e acompanhamento de resposta ao tratamento. A seguir, uma descrição resumida: Classe I: não há sintomas ou limitações para atividades comuns, rotineiras. Classe II: pouca limitação de atividade; o paciente sente-se confortável ao repouso ou com exercício leve. Classe III: limitação significativa em todas as atividades; o paciente sente-se confortável somente ao repouso. Classe IV: qualquer atividade física produz desconforto; sintomas ocorrem com o paciente em repouso. Para encerrar este tópico, vale à pena diferenciar adequadamente os termos ortopnéia e dispnéia paroxística noturna. Ambos ocorrem devido ao aumento do retorno venoso quando o indivíduo se encontra em decúbito dorsal. A ortopnéia consiste na incapacidade do paciente permanecer em decúbito dorsal, necessitando usar vários travesseiros quando deitado para elevar a cabeça. A dispnéia paroxística noturna consiste no fato do paciente acordar subitamente com dispnéia após já estar adormecido em decúbito dorsal. Muitas vezes o paciente acorda dispnéico e rapidamente busca a janela sentindo-se aliviado por respirar “ar puro”. Na verdade, tanto em um caso como no outro, a questão é aliviar a dispnéia por diminuição do retorno venoso que sobrecarrega as câmaras cardíacas insuficientes, produzindo aumento da congestão pulmonar e consequente dispnéia. 4. Como utilizar racionalmente os exames complementares? Semiologia - GESEP A investigação do paciente com insuficiência cardíaca através dos exames complementares inicia-se com a Radiografia de Tórax em PA e perfil, e pelo Eletrocardiograma (ECG) em repouso. Ao exame de RX poderemos encontrar cardiomegalia, sinais de congestão pulmonar (acentuação da circulação pulmonar bilateralmente, com aumento nos ápices) e, em casos mais graves, derrame pleural. Ao ECG, é frequente serem detectados sinais de sobrecarga ventricular esquerda e taquicardia. Fig. 2. Radiografia mostrando cardiomegalia e congestão pulmonar. O Ecocardiograma possibilita avaliação mais detalhada do miocárdio (hipertrofia, dilatação, relaxamento diminuído), da fração de ejeção, da contratilidade do VE, além de possibilitar uma estimativa da pressão da artéria pulmonar. São também avaliadas as válvulas. Fig. 3. Ecocardiograma mostrando as 4 câmaras cardíacas. Cardiologia Em algumas ocasiões em que o paciente apresenta dispnéia, é difícil fazer o diagnóstico diferencial clínico entre uma causa cardíaca ou pulmonar para a queixa respiratória, fato que dificulta a tomada de decisão terapêutica. Neste caso, há a possibilidade de solicitação do BNP plasmático; se o valor sérico estiver elevado, a causa da dispnéia mais provável é cardíaca; se o valor sérico estiver baixo, devese pensar em uma causa pulmonar predominante para a dispnéia do paciente. 5. Pensando nas causas e consequências da insuficiência cardíaca, que pontos relevantes devem ser ressaltados na obtenção da história clínica e abordagem médica destes pacientes? Quanto às causas de ICC, têm destaque a hipertensão arterial sistêmica, a miocardiopatia isquêmica (devido à obstrução das artérias coronárias pela ateromatose) e as valvulopatias. No Brasil, a principal causa de valvulopatia reside na ocorrência de moléstia reumática prévia. Também em nosso país, ainda é relevante a miocardiopatia chagásica. A injúria do miocárdio pelo álcool deve também ser lembrada. Quando o indivíduo apresenta ICC descompensada, deve-se sempre pensar em qual fator teria levado o paciente a esta descompensação clínica. Tratar exclusivamente a insuficiência cardíaca poderá não ser suficiente! ! Semiologia - GESEP Entre fatores comuns de descompensação, encontram-se a pneumonia, o infarto agudo do miocárdio (IAM), o uso irregular da medicação e a própria evolução da doença. Exames laboratoriais como o hemograma (na suspeita de pneumonia) e os marcadores de necrose miocárdica, como a CK-MB, CK-MB massa e a troponina (na suspeita de IAM), podem ser muito úteis se o raciocínio clínico sugerir estas possibilidades. A radiografia de tórax e o eletrocardiograma podem auxiliar, quando apresentarem achados específicos, o que nem sempre ocorrerá no atendimento inicial de urgência. Fig 4. ECG: observe a maior amplitude do complexo QRS nas derivações precordiais V1 a V6, caracterizando sobrecarga ventricular. Bibliografia: TOY, E. C., PATLAN, J. T. Casos Clínicos em Medicina Interna, 3ª ed. Artmed e McGraw Hill, 2011. 2. PORTO, C.C. Semiologia Médica, 6ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara, 2009.