ATRESIA ANAL E FÍSTULA RETOVAGINAL EM CÃO – RELATO DE CASO ATRESIA ANI AND RECTOVAGINAL FISTULA IN DOG – CASE REPORT Filipe Curti1; Gabriela Rodrigues Sampaio2; Luciane dos Reis Mesquita3; Rafael Manzini Dreibi4; Luís Guilherme de Faria1; Fernando Yoiti Kitamura Kawamoto1; Rodrigo Barros1 Resumo: O presente trabalho teve como objetivo descrever o caso de um cão com atresia anal e formação de fístula retovaginal. A atresia anal é uma afecção pouco comum e de prognóstico desfavorável. O paciente foi submetido à cirurgia corretiva; porém, veio a óbito por complicações pós-operatórias. Palavras-chave: Defeitos anorretais; atresia anal; fístula retovaginal. Summary: This paper has the objective to report a case of a dog with atresia ani and rectovaginal fistula development. Atresia ani is a disease uncommon and it has been a bad prognosis. The patient underwent corrective surgery, but it died by postoperative complications. Key words: Anorectal defects; atresia ani; rectovaginal fistula. A atresia anal é uma anomalia de caráter congênito e de rara incidência em cães e gatos. Os proprietários de filhotes com anomalias anorretais congênitas, geralmente procuram ajuda profissional com duas a seis semanas, em média, de idade do seu animal, pois observam ausência de defecação pela anomalia das estruturas perianais ou pela expulsão destas fezes por orifícios impróprios. A atresia anal consiste em uma deformidade da abertura anal e reto terminal, resultando na oclusão da saída anal. Esta anomalia é classificada em quatro tipos (ARONSON, 2003). O tipo I (ânus imperfurado) ocorre quando há persistência de uma membrana sobre a abertura anal. No tipo II, o ânus está fechado como no tipo I, resultante da persistência da membrana anal, mas o reto termina em um local imediatamente cranial ao ânus imperfurado, como uma bolsa cega. No tipo III, o reto termina como uma bolsa cega mais cranialmente dentro do canal pélvico, e o ânus também está fechado (ARONSON, 2003; SILVA et al., 2008). No tipo IV, o reto cranial termina como bolsa cega no interior do canal pélvico e há uma comunicação persistente entre o reto e a vagina (fístula retovaginal) no caso de fêmeas, ou entre o reto e a uretra (fístula retouretral) no caso de machos (ARONSON, 2003; HEDLUND, 2005; VIANNA; TOBIAS, 2005). Os sinais clínicos são decorrentes do tipo de atresia que o animal apresenta; porém, geralmente estão associados ao tenesmo, intumescimento do períneo, ausência de fezes, distensão abdominal, passagem de fezes aquosas pela vagina ou pela uretra, e eritema perivulvar. Estes sinais são visíveis nos primeiros dias de vida do paciente, pois a distensão e o desconforto abdominal são de ocorrência rápida nestes casos. Este quadro leva à perda da vitalidade e, por muitas vezes, o animal começa a apresentar anorexia. O diagnóstico torna-se totalmente clínico pela visualização da afecção, e com a imagem radiográfica abdominal é possível diagnosticar o tipo de atresia que está acometendo o paciente (PRASSINOS et al., 2003; HEDLUND, 2005). O tratamento é a intervenção cirúrgica, sendo que cada tipo de atresia anal irá levar a um tipo de procedimento. Lesões do tipo IV requerem fechamento dos defeitos retais, vaginais e uretrais; porém; é necessária a abordagem abdominal para mobilizar o cólon distal e o reto. Já o tipo I, há pouco mais que o tecido cutâneo e subcutâneo permanecendo imperfurado, sendo possível uma reconstrução cirúrgica satisfatória desde que o esfíncter muscular e o reto sejam adequadamente preservados. Nos casos em que há tipos II e III, além da membrana imperfurada, há necessidade de divulsão da região anal para tração do reto e abertura do mesmo (ARONSON, 2003). O prognóstico é desfavorável e a mortalidade cirúrgica é elevada, pois estes pacientes são jovens e apresentam más condições físicas, o que aumenta os riscos anestésicos e cirúrgicos (ARONSON, 2003; SILVA et al., 2008). O objetivo do presente trabalho é relatar um caso de atresia anal do tipo IV, descrevendo a sintomatologia e o tratamento cirúrgico. Foi atendida no Hospital Veterinário uma cadela, sem padrão racial definido e com três semanas de idade, em que o proprietário relatava distensão abdominal, saída de fezes pela vulva e ausência de abertura anal. Ao exame físico, pôde-se notar normalidade dos parâmetros vitais. Entretanto, a paciente apresentava dor à palpação abdominal, crepitação gasosa e aumento de volume da região. À inspeção da região anal percebeu-se que o ânus estava imperfurado. O exame radiográfico demonstrou presença de bolha de gás cranial ao ânus em três centímetros. Optou-se pela cirurgia para promover a abertura anal e verificar se o reto era uma estrutura em fundo cego. Os exames hematológicos encontravam-se dentro da faixa de normalidade para a espécie (Hemácias: 6,6x106/ml, Hemoglobina: 16g/dl, Hematócrito: 40%, Leucócitos totais: 14x103/ml e Plaquetas: 200000/ml). O perfil hepático (Alaminotransferase: 75UI/l e Aspartatotransferase: 68UI/l) e o renal (ureia: 20mg/dl e creatinina: 1,2mg/dl) também encontravam-se normais. Realizou-se medicação pré-anestésica com cloridrato de petidina (2mg/kg) associado na mesma seringa com midazolam (0,3mg/kg), ambos por via intramuscular. Após venóclise da veia cefálica e infusão com solução de ringer com lactato (10ml/kg/h), induziu-se a anestesia com propofol (5mg/kg) por via intravenosa. A anestesia foi mantida por meio de inalação espontânea de isoflurano/oxigênio em circuito semi-aberto. Após tricotomia da região perineal e adequada antissepsia e preparo do campo cirúrgico, foi realizada na membrana anal persistente uma incisão em formato de cruz. Suturou-se a borda anal incisada à junção mucocutânea anal com fio de ácido poliglicólico 40, em padrão simples separado. Após a abertura anal, não se observou saída de fezes. Com auxílio de uma tesoura romba, a região anal foi divulsionada até a localização do reto em fundo cego. Essa estrutura foi tracionada para a região anal e ancorou-se o órgão à pele adjacente com fio de ácido poliglicólico 4-0. Incisou-se o fundo cego do reto em formato de cruz e terminou-se a sutura de aposição à junção mucocutânea com o mesmo fio, em padrão simples separado. Ao incisar o reto, as fezes começaram a sair pelo orifício criado cirurgicamente. A fístula retovaginal foi ligada com o mesmo fio, após sua localização por meio de divulsão da musculatura perineal. No pós-operatório, prescreveu-se cefalexina (30mg/kg) e meloxicam (0,1mg/kg), durante sete e três dias respectivamente, ambos por via oral. A limpeza da ferida cirúrgica foi realizada com solução de cloreto de sódio 0,9%. Durante o período pós-operatório, o animal começou a parar de se alimentar e foi enfraquecendo, até vir a óbito em sete dias. _______________________ 1 Médico Veterinário Residente em Clínica Cirúrgica de Pequenos Animais – Universidade Federal de Lavras UFLA, Lavras (MG); 2 MV, MSc, DSc - Professora Adjunta – Departamento de Medicina Veterinária – Universidade Federal de Lavras - UFLA, Lavras (MG); 3 MV, Mestranda em Ciências Veterinárias – Universidade Federal de Lavras - UFLA, Lavras (MG); 4 Discente em Medicina Veterinária – Universidade Federal de Lavras - UFLA, Lavras (MG). Rafael Manzini Dreibi¹ - Rua Jorge Duarte, 347 – Nova Lavras, Lavras (MG) – CEP: 37200-000 / [email protected] 2 O caso aqui relatado é pouco comum, conforme citado por Aronson (2003). Neste caso, observou-se ânus e reto imperfurados associados à fístula retovaginal, sendo uma atresia anal do tipo IV, segundo a classificação de Hedlund (2005); Vianna e Tobias (2005). A técnica cirúrgica foi realizada conforme o descrito por Aronson (2003) e Hedlund (2005); porém, o óbito ocorreu pelo fato do animal ser muito jovem e já estar debilitado no momento da cirurgia, não respondendo ao tratamento pós-operatório de forma adequada, conforme já observado por Aronson (2003) e Silva et al. (2008). Entretanto, Vianna e Tobias (2005) citam a estenose anal pós-operatória como complicação comum após este tipo de cirurgia, e causa de mortalidade por obstrução. Neste caso não foi observado este tipo de complicação. Diante do caso descrito e com o que a literatura relata sobre atresia anal, observa-se que o procedimento cirúrgico de correção é relativamente simples; porém, as complicações e os riscos relacionados à idade do paciente são grandes. Nos casos de atresia anal com fístula retovaginal, o fechamento desta é indicado concomitantemente à abertura do esfíncter anal, para evitar que fezes saiam pela fístula e o ânus termine por obstruir. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ARONSON, L. Rectum and anus. In: SLATTER, D. Textbook of small animal surgery. 3. ed. Philadelphia: Saunders Elsevier, 2003, cap. 43, p. 682-707. HEDLUND, C. S. Cirurgia do sistema digestório. In: FOSSUM, T. W. Cirurgia de pequenos animais. 2. ed. São Paulo: Roca, 2005, cap. 21, p. 277-450. PRASSINOS, N. N.; GALATOS, A. D.; GOULETSOU, P. et al. Congenital anorectal abnormalities in six dogs. The Veterinary Record, v. 153, p. 81-85, 2003. SILVA, C. M.; SAKAMOTO, S. S.; FERREIRA, G. T. N. M. et al. Estudo retrospectivo dos casos de atresia anal em cães atendidos no hospital veterinário de Araçatuba no período de 2001-2008. Veterinária e Zootecnia¸ v. 15, p. 38, 2008. VIANNA, M. L.; TOBIAS, K. M. Atresia ani. Journal of the American Animal Hospital Association, v. 41, p. 317-322, 2005. 3