Metástases hepáticas de câncer colorretal – uma

Propaganda
colorretal
Metástases hepáticas de câncer
colorretal – uma nova visão terapêutica
A
VANÇOS SIGNIFICATIVOS NO CAMPO DA CANCE-
Roberto Martins/divulgação
ROLOGIA DO APARELHO DIGESTIVO FORAM AL-
Paulo Herman
*Diretor do Serviço de Cirurgia
do Fígado do Hospital das Clínicas
da Faculdade de Medicina da
Universidade de São Paulo e
professor do departamento de
Gastroenterologia da Faculdade
de Medicina da USP
Contato:
[email protected]
36
CANÇADOS NA ÚLTIMA DÉCADA, EM ESPECIAL
nos casos de metástases hepáticas de câncer colorretal. Antes fatal, o prognóstico da doença agora é
bom e o paciente se torna portador de uma doença
crônica. No passado, esses pacientes tinham a perspectiva de meses, até um ano de vida, sendo que
atualmente passam a ter sobrevida estimada de
cinco a dez anos.
Esse novo panorama está ligado a aspectos multifatoriais, que incluem a melhora dos exames préoperatórios de radiologia, responsáveis por avaliar a
extensão da doença, ao aperfeiçoamento das técnicas
cirúrgicas e às novas drogas para quimioterapia.
Terceiro nas estatísticas mundiais de incidência de doenças malignas, com aproximadamente
1.200.000 casos por ano, o câncer colorretal (CCR)
está atrás apenas do câncer de pulmão e de mama.
Nos países desenvolvidos, já ocupa o primeiro lugar
entre as causas de neoplasia, quando analisados
ambos os sexos. Nos Estados Unidos, em 2010
foram observados mais de 142 mil casos e mais de
51 mil óbitos relacionados à doença.
No mesmo ano, no Brasil, o registro é de aproximadamente 28 mil casos, sendo o quarto câncer
mais frequente nos homens e o terceiro nas mulheres, conforme último levantamento publicado pelo
Instituto Nacional de Câncer (Inca).
Terapêuticas – passado & presente
No passado, a cirurgia hepática era de grande
porte, com grande risco de complicações e de mortalidade. Assim, os pacientes candidatos a operar
novembro/dezembro 2013 Onco&
eram apenas aqueles com poucos nódulos, com
possibilidade de ressecção. Com a abordagem multidisciplinar que se emprega hoje, a sobrevida pósprocedimento passou de 30% para mais de 50%
nos últimos dez anos.
Poder ressecar o fígado representa um grande
avanço, visto que metástases de órgãos como pâncreas ou estômago são consideradas inoperáveis, pois
a chance de sobrevida é zero. A metástase hepática
do câncer colorretal é a única com indicação de ressecção entre os carcinomas do aparelho digestivo.
O tratamento multimodal e a utilização da experiência de diversas especialidades médicas permitiram que o tratamento das metástases hepáticas
de câncer colorretal (MHCCR) se aproximasse cada
vez mais do tratamento ideal, ou seja, individualizado. Essa tem sido a prática de instituições como
o Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina
da Universidade de São Paulo (FMUSP) e do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (Icesp),
onde o tratamento ao paciente é feito com a participação de equipes multiprofissionais.
Geralmente, mais da metade dos pacientes portadores de tumor de cólon e reto evolui com doença
metastática. Agora, com as modernas terapêuticas,
podemos dar a eles uma nova perspectiva de vida.
Hoje, por meio de novos adventos terapêuticos,
como o uso de quimioterapia baseada em drogas
como oxaliplatina e irinotecano, associada ou não
a anticorpos monoclonais, uma média de 70% dos
pacientes têm resposta significativa. O que chama
a atenção nesse processo é a terapia de conversão –
pacientes com tumores inicialmente considerados
“irressecáveis” têm diminuição do tumor com o uso
da quimioterapia, tornando-se aptos à cirurgia de
ressecção. Essa mudança de resposta tem sido observada entre 10% e 15% dos pacientes, o que representa um grande avanço da quimioterapia.
No passado, o olhar era para a quantidade e a
localização dos nódulos. Hoje, importa que todos
os nódulos possam ser ressecáveis com margens livres e que haja volume de fígado adequado (cerca
de 25% a 30%) com uma boa perfusão e uma
boa drenagem.
Nos anos 80/90 se ressecavam apenas duas ou
três metástases de câncer colorretal. Nos casos em
que havia número maior de metástases, o paciente
era visto como de pior prognóstico. Além disso, naquela época a hepatectomia era uma cirurgia de alta
morbimortalidade. Atualmente, não há limites para
número ou localização, contanto que todos os nódulos possam ser ressecados.
No estudo pré-operatório é extremamente importante estabelecer estratégias para que todos os
nódulos possam ser ressecados e conhecer o volume do remanescente hepático. Em relação à seleção de pacientes, há alguns desafios para definir
quem poderá se beneficiar com a ressecção. Os pacientes com múltiplos nódulos e indicação de ressecção são submetidos a um estadiamento rigoroso,
por meio de tomografia de tórax e PET-SCAN.
Sabe-se que pacientes com fígado normal podem
ser submetidos à ressecção de até 80% do parênquima hepático. No Brasil, vive-se uma epidemia de
obesidade e doenças metabólicas, e a esteatose e a
esteato-hepatite são extremamente prevalentes nesse
grupo de doentes, que não têm uma regeneração hepática adequada. Além disso, pacientes com múltiplas metástases são submetidos a longos períodos de
quimioterapia, que é tóxica ao parênquima hepático.
Existe uma esteato-hepatite associada à quimioterapia, em inglês denominada “CASH”, e esses pacientes devem ser considerados como hepatopatas. Por
isso, o ideal é preservar cerca de 30% a 40% de remanescente hepático para evitar insuficiência hepática no pós-operatório.
Para que seja possível aumentar o remanescente
hepático e atingir o volume percentual remanescente desejado, deve-se medir o volume e empregar
um artifício no pré-operatório, que é a embolização
portal seletiva. Esse procedimento consiste em utilizar radiologia intervencionista para ocluir o ramo
direito e/ou esquerdo da veia porta, local em que
será feita a ressecção, para que o fluxo hepático portal seja direcionado para o lado oposto ao vaso
ocluído. Isso causa uma hipertrofia compensatória
do fígado com seu hiperfluxo portal e, em quatro
semanas, a expectativa é de um aumento significativo do volume residual hepático, reduzindo o risco
de insuficiência hepática pós-operatória.
Um critério de seleção para os pacientes é a resposta à quimioterapia, mostrando que seus tumores têm bom comportamento biológico. Grupo do
MD Anderson Cancer Center demonstrou que
melhor resposta à quimioterapia indica melhor
prognóstico após a receccção. A resposta à quimioterapia atua como preditor do comportamento biológico do tumor.
Esses fatores prognósticos são utilizados como
forma de prever o risco de recidiva. Mesmo após a
ressecção, os pacientes recebem quimioterapia, justamente para tratar eventual doença microscópica,
diminuindo o risco de recidiva. A perspectiva para
o futuro é utilizar diferentes tipos de quimioterapia
para cada tipo de tumor.
Prognóstico “padrão ouro”
Foi publicado em 7 de outubro, no American
Journal of Surgery (Am J Sur), o artigo “Tumor
growth pattern as predictor of colorectal liver metastasis recurrence”, do Departamento de Gastroenterologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de
Medicina da Universidade de São Paulo (HCFMUSP). O estudo teve por objetivo investigar o
impacto dos padrões de crescimento do tumor na
recorrência da doença.
Partindo do pressuposto de que o tumor é uma
esfera, quando ele cresce empurrando o fígado o
prognóstico é melhor do que aquele que se desenvolve irregularmente, infiltrando no fígado. E é esse
tipo de crescimento da metástase o responsável por
indicar a agressividade tumoral. Pacientes com metástases que comprimem apresentaram índices de
sobrevida livre de doença superiores em comparação com pacientes com margens infiltrativas.
Assim, a adoção do padrão de margem pode repre-
“Pacientes que
teriam no máximo 20
meses de sobrevida
no passado hoje
podem viver cinco
anos com a doença.
Surge um novo
conceito, em que
é possível obter
sobrevida tardia em
20% a 30% dos
casos. A leitura atual
é a transformação
de pacientes multinodulares em
pacientes crônicos”
Onco& novembro/dezembro 2013
37
sentar uma ferramenta adicional para melhorar a seleção de pacientes
para o tratamento adjuvante.
Outro recente estudo apontou mais um fator para entender o prognóstico do paciente, sugerindo mais um importante avanço a partir da
compreensão do comportamento biológico do tumor. Por meio das
orientações contidas nesses guidelines, é possível fazer uma abordagem
agressiva de ressecção, quando necessário, e atingir uma sobrevida tardia de cinco anos em um terço dos pacientes. Esses resultados estão
disponíveis em e-pub ahead.
Foram incluídos 91 pacientes submetidos à ressecção. A recidiva
do tumor foi observada em 65 pacientes (71,4%). Pacientes com margens infiltrativas tinham uma taxa de sobrevida livre de doença em
cinco anos significativamente inferior aos pacientes com margens
comprimindo outros orgãos adjacentes (20,2% vs 40,5%). Dessa
forma, o comportamento do crescimento do tumor no fígado também
pode ser usado como um critério do comportamento biológico
da doença.
Os pesquisadores chamam a atenção para o papel da ressecção cirúrgica, que é a terapia padrão ouro para o tratamento de metástases
hepáticas colorretais.
Referências bibliográficas:
1. Pinheiro RS, Herman P, Lupinacci RM, Lai Q, Mello ES, Coelho FF, Perini
MV, Pugliese V, Andraus W, Cecconello I, D'Albuquerque LC.Tumor growth
pattern as predictor of colorectal liver metastasis recurrence.Am J Surg. 2013
Oct 7. [Epub ahead of print]
2. LUPINACCI, RM et al.Manejo atual das metástases hepáticas de câncer colorretal: recomendações do Clube do Fígado de São Paulo. Rev. Col. Bras.
Cir.[online]. 2013, vol.40, n.3 [cited 2013-10-23], pp. 251-260. Available
from: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0100-69912
013000300016&lng=en&nrm=iso
38
novembro/dezembro 2013 Onco&
Conclusões
Pacientes com múltiplos nódulos hepáticos ressecados têm alcançado margens de sobrevida em mais de 30% dos casos. No entanto,
deve-se notar que, quando se avalia a sobrevida livre de doença, esse
número cai para 20%, isto é, o paciente apresenta sobrevida tardia,
porém com doença metastática.
A leitura atual é a transformação de pacientes multinodulares em
pacientes crônicos. Assim, pacientes que teriam no máximo 20 meses
de sobrevida no passado hoje podem viver cinco anos com a doença.
Surge um novo conceito, em que, apesar de a sobrevida livre de doença
ser baixa, é possível obter sobrevida tardia em 20% a 30% dos casos.
Essas estratégias apresentadas possibilitam transformar os pacientes
em portadores de doença crônica. Não há dúvida de que se trata de
um grande avanço.
Os resultados mostram que os limites devem ser ampliados, pois
os resultados têm sido cada vez melhores. Todas essas estratégias complexas permitem a possibilidade de ressecar pacientes antes considerados intratáveis ou irressecáveis. Pacientes com doença avançada têm
possibilidade de sobrevida tardia e até mesmo de cura, desde que
sejam tratados por uma equipe multidisciplinar especializada.
3. Shindoh J, Tzeng CW, Aloia TA, Curley SA, Zimmitti G, Wei SH, Huang
SY, Mahvash A, Gupta S, Wallace MJ, Vauthey JN.Optimal future liver remnant
in patients treated with extensive preoperative chemotherapy for colorectal
liver metastases.Ann SurgOncol. 2013 Aug;20(8):2493-500.
4.Tzeng CW, Aloia TA. ColorectallivermetastasesJan;17(1):195-201; quiz
p.201-2. Epub 2012 Oct 3.. J Gastrointest Surg. 2013Available from:http://
www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/23054896
Download