FLG 0355 – Climatologia II Disciplina Ministrada pelo Prof. Dr. Ricardo – Circulações Secundárias – 1 – Introdução Neste resumo, apresentam-se as circulações de escalas menores, descritas no sentido espacial, quanto temporal. Estas circulações demonstram a atuação dos ventos, bem como a Física dos fenômenos e sua importância na visão geográfica. Desta maneira, não se pode esquecer que para gerar estas circulações, uma das forças primordiais de todos os ventos estará presente: a força do gradiente de pressão. 2 – Circulações Secundárias São circulações locais ou de menor amplitude causadas por perturbações na circulação principal. São elas: brisa marítima-terrestre, brisa vale-montanha, ventos de serras anabático e catabático e as monções. Além destes, temos um dos efeitos atmosféricos que se caracterizam muito com a Geografia por se tratar de uma interação termodinâmica importante entre o relevo, representado pela orografia, e a circulação do ar: o efeito Fönh. Além da menor amplitude, as circulações secundárias apresentam-se com propriedades universais (aplicam-se em diversas áreas do planeta). Estas circulações têm estreita ligação com a circulação principal (sinóptica ou a meso escala alfa) através de perturbações (ou ligações ondulatórias). 3 – Brisas Marítima e Terrestre Circulação local produzida nas regiões litorâneas pela diferença de aquecimento entre a água e o continente devido ao retardo térmico neste aquecimento/resfriamento. A água e constituintes da cobertura terrestre possuem calores específicos distintos. Devido ao aquecimento diferencial, geram-se áreas com diferentes pressões atmosféricas em superfície. As diferentes pressões implicam em diferentes densidades (haverá uma necessidade de nova estabilidade). Brisa Marítima: No sentido do mar para a terra, ela ocorre devido ao aquecimento facilitado da terra durante o dia do que a superfície líquida do mar. Com isto, o ar sobre o continente fica menos denso e com menor pressão. Em contrapartida, o ar 1 sobre o líquido está mais frio, portanto mais denso e com maior pressão. Isto gera uma compensação que cria um fluxo do mar para a terra. A penetração da brisa marítima chega normalmente de 20 a 30km, com 10 nós (~18km/h) sendo mais intensa nas tardes de verão. Pode atingir marcas destacadas de até 100km (Fig.1); Fig.1: Isotermas (em preto) e isóbaras (em vermelho). O gradiente vertical de pressão aponta de cima para baixo naturalmente, contudo, as variações de temperatura do ar da superfície são diferentes sobre o mar (mais frio) e sobre a terra (mais quente). Os centros báricos locais são gerados pela diferença de densidade. Tal condição fomenta as circulações compensatórias. Durante o dia, o vento soprará do mar para o continente (fonte: FELICIO, 2004). Brisa Terrestre: No sentido do terra para o mar, ela ocorre devido ao resfriamento rápido da terra durante a noite enquanto que a superfície líquida do mar acumulou o calor durante todo o dia e tem maior inércia nesta perda noturna. Com isto, o ar sobre o continente fica mais frio, denso e com maior pressão. Em contrapartida, o ar sobre o líquido está mais aquecido, portanto menos denso e com menor pressão. Isto gera uma compensação que cria um fluxo da terra para o mar. A penetração da brisa terrestre é menor, chegando a 20 ou 25km, com velocidades baixas, sendo mais intensa nas madrugadas do inverno (Fig.2). 2 Fig.2: Isotermas (em preto) e isóbaras (em vermelho). O gradiente vertical de pressão aponta de cima para baixo naturalmente. As variações de temperatura do ar da superfície são diferentes sobre o mar (mais quente) e sobre a terra (mais fria). Os centros báricos locais são gerados pela diferença de densidade. Neste caso, a condição fomenta as circulações compensatórias noturnas invertidas. Durante a noite, o vento soprará do continente para o mar (fonte: FELICIO, 2004). 4 – Brisas Vale-Montanha Circulação local produzida nas regiões de vales cercados por montanhas, gerada pela diferença de aquecimento/resfriamento entre o fundo do vale e as cristas das montanhas no passar do dia/noite. Há diversos fatores que podem ser levados em conta neste caso. Como a observação muda de escala, aparecem outros parâmetros que devem ser contabilizados, tarefa nada trivial (vegetação, hidrografia, tipo de cobertura etc.). Para fins didáticos, assumiremos que a diferença ou defasagem do número de horas de incidência de energia seja o fator determinante, principalmente em relação às cristas, que fomentam toda a circulação com maior intensidade. De Vale: Durante o dia, as cristas das montanhas começam a se aquecer logo ao nascer-do-Sol, com incidência máxima. O tipo de superfície das cristas armazena rápido o calor e aquece o ar ao seu redor. O vale, por ser profundo, recebe energia mais tardiamente, com incidência máxima ~12h local. Além disto, o vale absorve devagar e pouca energia aquece o ar. No caso das cristas, o aquecimento gera 3 pequenos centros de baixa pressão, abaixa a densidade e inicia um processo convectivo por elevação. Para compensar, o ar do vale sopra para as cristas. Contudo, poderemos ter duas situações de vales: os abertos e os fechados. Se o vale for aberto, o ar que supre o circuito vem das redondezas ou das planícies de cotas mais baixas (Fig.3A). No caso contrário, se o vale for fechado, gera-se um pequeno centro de alta pressão em seu interior, provido de ar mais frio de altitude (Fig.3B). Fig.3A: Durante o dia, na situação de vale aberto, as cristas esquentam o ar ao seu redor rapidamente. Formam-se pequenos centros de baixa pressão, já que a densidade do ar diminuiu. Os processos convectivos sobre as cristas são acentuados e necessitam ser compensados. Desta maneira, o ar do vale ascende as encostas e ravinamentos. Como o vale é aberto, o ar que supre o circuito provém das planícies (fonte: FELICIO, 2004). De Montanha: Durante a noite, as cristas das montanhas começam a se esfriar logo ao pôr-do-Sol. O tipo de superfície constituinte das cristas normalmente perde rápido o calor, esfriando o ar ao seu redor. Uma vez que o ar esfriou, sua densidade é maior e por efeito gravitacional, tende a escoar pelas vertentes em sentido ao fundo do vale. A partir deste ponto, podem surgir as situações apresentadas anteriormente: de vale aberto e vale fechado. Se o vale for aberto, o escoamento frio vindo das cristas, “inunda” o vale com uma corrente fria de ar que se concentra nas ravinas. Esta circulação pode gerar rajadas intensas nos afunilamentos. A situação só se ameniza no contato com as planícies ou onde for possível ocorrer divergência, em áreas mais abertas (Fig.4A). 4 Fig.3B: Durante o dia, na situação de vale fechado, as cristas esquentam o ar ao seu redor rapidamente. Formam-se pequenos centros de baixa pressão, já que a densidade do ar diminuiu. Os processos convectivos sobre as cristas são acentuadas e necessitam ser compensados. Desta maneira, o ar do vale também ascenderá as encostas e ravinamentos. Contudo, o vale é fechado e necessita ser suprido por ar de altitude para que o circuito se complete. Esta subsidência gera um pequeno centro de alta pressão, em superfície (fonte: FELICIO, 2004). Fig.4A: Durante a noite, na situação de vale aberto, as cristas esfriam o ar ao seu redor rapidamente. O ar frio e denso necessita descer para se estabilizar e é auxiliado pelos efeitos gravitacionais. Neste caso, o ar frio escoa pelos ravinamentos com intensidades consideráveis. Como o vale é aberto, o ar frio espalha-se pelas planícies, onde a divergência diminui as velocidades (fonte: FELICIO, 2004). 5 Se o vale for fechado e com uma dimensão espacial razoável, pode-se formar uma circulação considerável com os níveis mais altos. Aliado ao escoamento frio vindo das cristas, o vale pode receber um pouco de energia, com perda lenta que ao passar das horas, será emitido em forma de onda longa. Esta energia aquece a atmosfera do vale, gerando pequena baixa pressão. O processo de aquecer reduz a densidade e inicia uma suave atividade convectiva por elevação. Ao mesmo tempo, o ar frio que escoa para o interior do vale, concentra-se no seu interior e é comprimido adiabaticamente. Esta convergência de massa pode aumentar a convecção (Fig.4B). Contudo, se o vale for pequeno, o exemplo acima talvez não seja o mais adequado e a situação apenas apresentará um fluxo ascendente fraco, no interior do vale e a formação de uma “piscina” de ar frio em seu interior, em cotas mais baixas. Fig.4B: Durante a noite, na situação de vale fechado, as cristas esfriam o ar ao seu redor rapidamente por perda radiativa de onda longa (setas vermelhas). O ar frio e denso necessita descer para se estabilizar e é auxiliado pelos efeitos gravitacionais. O ar frio escoa pelos ravinamentos. Como o vale é fechado e possui uma amplitude espacial maior, é possível que surja um pequeno centro de baixa pressão, em superfície, que provoque uma convecção forçada, eliminando o ar mais aquecido do fundo do vale para que o ar frio das vertentes tome o seu lugar (fonte: FELICIO, 2004). 5 – Ventos Anabático e Catabático Também conhecidos como ventos de serras, são fenômenos de ciclo diário, muito parecidos com a brisa Vale/Montanha, contudo aplicam-se às áreas de serras alongadas e cordilheiras de montanhas. São causados pelo aquecimento ou resfriamento destas encostas durante o passar do dia/noite. Há casos especiais pelo mundo. 6 Anabático: Durante o dia, as cristas das montanhas aquecem-se mais rapidamente. Este aquecimento sobre as cristas gera baixa pressão, abaixa a densidade e inicia um processo convectivo por elevação. Para compensar, o ar das cotas mais baixas sopra para os pontos elevados. Esta virada normalmente ocorre entre 10 e 11h local (Fig.5). Fig.5: Durante o dia, as cristas esquentam o ar ao seu redor. Formam-se pequenos centros de baixa pressão, já que a densidade do ar diminuiu. Os processos convectivos sobre as cristas são acentuados e necessitam ser compensados. Desta maneira, o ar das cotas mais baixas ascende as encostas e ravinamentos formando os ventos anabáticos (fonte: FELICIO, 2004). *OBS.: a pressão QFF utilizada em Fig.5 e 6 representa a pressão atmosférica reduzida ao Nível Médio do Mar – NMM, utilizando a atmosfera real como parâmetro, ou seja, compensa os valores de temperatura em efeito de altitude-densidade. Catabático: Durante a noite, as cristas das montanhas resfriam-se rapidamente logo após o pôr-do-Sol. O resfriamento sobre as cristas esfria o ar ao seu redor que por sua vez, fica mais denso. Uma vez mais denso, para estabilizar, o ar das cristas escoa (literalmente desaba) para cotas mais baixas, tanto por efeito de densidade, quanto pela ação da gravidade. Esta inversão normalmente ocorre entre 22 e 23h local. Note que os ventos catabáticos serão mais intensos que os anabáticos (Fig.6). 7 Fig.6: Durante a noite, as cristas esfriam o ar ao seu redor rapidamente. O ar frio e denso necessita descer para se estabilizar e é auxiliado pelos efeitos gravitacionais. O ar frio escoa pelos ravinamentos em direção às cotas mais baixas, formando os ventos catabáticos (fonte: FELICIO, 2004). 6 – Efeito de Monções Nome Monção significa sazonal, aplicado em especial à estação chuvosa da Índia (extrapolado à universalidade). O fenômeno apresenta-se em ciclo sazonal, com escalas temporal e espacial maiores. Ocorre em certas áreas particulares do planeta e é causado pela diferença do aquecimento ou resfriamento de extensas áreas continentais em relação às oceânicas adjacentes. Durante o verão (julho, no hemisfério Norte) a diferença dos calores específicos da água e dos constituintes da superfície terrestre farão com que o continente absorva rapidamente a energia e a transferira para a atmosfera, aquecendo-a (calor sensível, mas não latente); Em contrapartida, o oceano vai absorvendo a energia lentamente, evaporando grande quantidade de água e pouco aquece a atmosfera ao seu redor (transfere calor latente, mas não sensível). Desta maneira, uma situação se apresentará com a formação de áreas de baixa pressão atmosférica sobre o continente. Esta 8 configuração forçará o escoamento do ar, proveniente do oceano, a tomar o sentido terrestre (Fig.7). Os efeitos, no caso indiano, são sentidos no campo e nas cidades (Fig.8 e 9). Fig.7: Esquema pictórico dos efeitos de monção, durante o verão. Neste caso, relata-se a estação chuvosa. O esquema apresenta os efeitos em cascata, utilizando a idéia de Geossistemas. Note a interação com o Homem, no final do processo (fonte: FELICIO, 2008). Fig.8 e 9: Efeitos das monções indianas, na fase chuvosa, no campo (esq.) e nas cidades (dir.). 9 Durante o inverno (janeiro, no hemisfério Norte) novamente pela diferença dos calores específicos da água e dos constituintes da superfície terrestre, o continente perde rapidamente a energia e resfria a atmosfera (perde calor sensível). Ao inverso, o oceano atuou como um reservatório de calor. Ainda evapora grande quantidade de água e também aquece a atmosfera ao seu redor por emissão de onda longa (transfere calor latente e sensível). Neste caso, a situação se apresentará com a formação de áreas de baixa pressão atmosférica sobre o oceano, já que o mesmo se apresenta muito aquecido. Esta configuração forçará o escoamento do ar, proveniente do continente, a tomar o sentido para o mar (Fig.10). Fig.10: Esquema pictórico dos efeitos de monção, durante o inverno. No caso, relata-se a estação seca. O esquema também apresenta os efeitos em cascata, utilizando a idéia de Geossistemas. A interação com o Homem aparece no final do processo (fonte: FELICIO, 2008). 10 7 – Efeito Föhn Talvez um dos fenômenos que mais se caracterize como aspecto geográfico na interação com a atmosfera da Terra. Demonstra o efeito conectivo do relevo em contato com a atmosfera. Este relevo se caracteriza como uma elevação considerável, distinta dos arredores e que força o fluido atmosférico a sofrer processos termodinâmicos especiais durante o seu escoamento. Em resumo, são ventos que sopram perpendicularmente a uma cadeia montanhosa e são forçados a subir a encosta (barlavento). Nesta subida, parte da umidade condensa e é perdida em forma de chuva. Ao transpor o obstáculo, o vento desce a encosta oposta (sotavento) mas por ter perdido umidade, o ar torna-se mais aquecido na mesma altura anterior, além de ser seco. Fase Ascensional: O ar úmido sobe as escarpas das elevações à barlavento (montanhas, montes, serras e cordilheiras). Esta ascensão é forçada em processo adiabático (o escoamento é rápido e isto garante o fato de ser adiabático). Conforme as parcelas de ar sobem, expandem-se e começam a resfriar. Ao se resfriarem, a temperatura interna da parcela (T) se iguala a temperatura do ponto de orvalho (To). Quando T = To, a umidade presente em forma de vapor, no interior da parcela começa a condensar. Desta maneira, surgem as gotas. Será notado um nevoeiro na crista da orografia e se houver muita umidade e/ou o processo ascensional for intenso, surgem nuvens que causam precipitação (categorias: fraca, moderada ou forte). Fase Descendente: Após perder sua umidade pela precipitação pela escarpa da serra, o ar está desprovido de sua umidade original. Tornou-se seco! Prosseguindo o escoamento natural, ele desce as escarpas das elevações do lado oposto, à sotavento. Ao descer, a subsidência é forçada em processo adiabático (novamente, um escoamento rápido). As parcelas de ar descem, comprimem-se e começam a esquentar. Contudo, não há água líquida para evaporar (ela precipitou na vertente durante a ascensão). O ar desce, mais aquecido e seco que o seu correspondente na mesma altitude do lado ascensional. Gera-se um vento muito desagradável que favorece o surgimento de áreas secas, semidesérticas e desérticas. Em cada fase do processo, observa-se que há taxas de resfriamento diferenciados. Durante a mudança seca, o ar resfria ou se aquece por uma certa taxa. Esta, por sua vez, não é a mesma quando a parcela está a perder sua umidade interna. Este fato ocorre porque ao se condensar (sair de vapor, nível de maior energia, para a forma líquida, nível de menor energia) a água libera calor interno à parcela, fornecendo um input de energia que estava acumulado. Isto retarda o resfriamento, em um exemplo ascensional (Fig.11). 11 Fig.11: Quando a parcela se expande ou comprime sem envolver processos de troca de fase da água, a taxa utilizada é a adiabática seca (neste exemplo, 1,0ºC/100m). Se os processos de troca de fase estão presentes, como condensação, a taxa utilizada é a adiabática úmida (neste exemplo, 0,5ºC/100m). A precipitação acumula-se no setor ascensional (fonte: adaptado por FELICIO, 2004). 8 – Considerações Finais Em linhas gerais, a circulação secundária possui as seguintes propriedades geográficas: • Modifica os padrões dos fluxos de vento de grande escala pelas características específicas de cada área; • A Física por trás destas características são universais (aplicam-se a diversos locais do planeta); Apresentam-se mais próximas dos objetos que pertencem a rugosidade do estrato geográfico, sofrendo ou influenciando este e seus constituintes; Estas associações com outros aspectos as tornarão características regionais do clima. Deve-se ressaltar que, como características universais, os processos secundários dividem-se didaticamente pelo modo que atuam: • Ciclo diário: Brisas Marítima e Terrestre; Brisas Vale e Montanha; Ventos Anabáticos e Catabáticos (este último, possui singularidades); • Ciclo Sazonal: Efeito Monção; • Ciclo por Fluxos: Efeito Föhn. Ricardo Augusto Felicio Prof. Dr. Climatologia – Depto. Geografia – USP 12