Estudo - Cepia

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Pesquisa latino-americana revela que, no Brasil, religião
dificulta acesso de mulheres a métodos contraceptivos
Estudo comparativo entre cinco países, aponta a influência de grupos religiosos e
conservadores no desenho e execução das políticas públicas de planejamento familiar
Rio de Janeiro – Pesquisa comparativa feita pela Federação Internacional de
Planejamento Familiar/Região do Hemisfério Ocidental (IPPF/RHO) em cinco países –
México, Colômbia, Argentina, Chile e Brasil – revela que, no Brasil, a influência de
correntes religiosas e de grupos conservadores, tanto no desenho das políticas
públicas quanto na sua execução, dificulta o acesso de mulheres a métodos
contraceptivos e o planejamento familiar.
Segundo o Barômetro latino-americano sobre o acesso das mulheres aos
contraceptivos modernos, que ouviu 20 especialistas de cada país, num total de 100, e
foi realizado no fim de 2015, o Brasil conta com uma das legislações “mais avançadas”
do continente no que se refere à planejamento familiar. E, embora fora das capitais o
acesso aos métodos contraceptivos seja mais difícil, o Sistema Único de Saúde os
distribui. Porém, não há, segundo a pesquisa, um acompanhamento para saber se os
métodos contraceptivos são os indicados para cada tipo de paciente.
Outro dado destacado na pesquisa é que não existem campanhas educativas
específicas sobre planejamento familiar e contracepção feminina no Brasil. O país
também ficou com pontuação baixa, em relação aos outros países pesquisados, no
quesito educação sexual nas escolas, que não é obrigatória no ensino brasileiro.
“O planejamento familiar permite que as mulheres decidam sobre a maternidade. Se
querem ou não ter filhos e em que momento da vida desejam ser mães”, afirma a
socióloga Jacqueline Pitanguy, da ONG Cepia, parceira local da pesquisa.
Pitanguy reforça que o acesso aos métodos contraceptivos permite às mulheres
melhorar seus níveis de educação. “Além dessas políticas reduzirem o índice de
gravidez na adolescência e os abortos clandestinos, as mulheres que conseguem
planejar a gravidez têm condições de desempenhar um papel mais ativo na sociedade
e dar aos seus filhos melhores condições de vida”, finaliza.
A América Latina e o Caribe experimentaram, entre 1990 e 2013, o maior crescimento
mundial em relação a participação das mulheres na força de trabalho, passando de
40% para 54,3%. Apesar disso, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), entre
2008 e 2014 o aumento do uso de anticoncepcionais na América Latina e no Caribe foi
mínimo – de 66,7% para 67%. Isso significa que 225 milhões de mulheres em idade
reprodutiva nessas regiões não fazem uso de métodos contraceptivos.
PLANEJAMENTO FAMILIAR E ZIKA VÍRUS
A Cepia alerta para a importância de reforçar as políticas de planejamento familiar no
contexto do zika vírus. O mosquito é mais frequente em locais sem saneamento
básico, atingindo mulheres de baixa renda. Não por caso, mais da metade das famílias
com bebês com suspeita de microcefalia em Pernambuco, um dos epicentros da crise,
são de baixa renda.
Levantamento feito, em fevereiro deste ano, pela Secretaria de Desenvolvimento
Social, Criança e Juventude de Pernambuco mostra que das 1.203 notificações de
suspeitas da síndrome, 636 envolviam mães inscritas no Cadastro Único para
Programas Sociais. Desse total, 77% são consideradas de extrema pobreza, ou seja,
fazem parte de famílias cuja renda per capita seja de até R$ 47.
A OMS (Organização Mundial de Saúde) já reconheceu que a transmissão do vírus da
zika se dá por meio de relações sexuais.
COMPARAÇÃO ENTRE PAÍSES
1 – Entre os países participantes da pesquisa, Chile e Brasil receberam pontuação baixa
no quesito educação sexual nas escolas – aqui esse tema não é obrigatório e naquele
país há política, mas é pouco implementada. Entretanto, o estudo reconhece que os
chilenos estão fazendo esforços para avançar neste tema. A Argentina obteve
pontuação elevada, pois tem programa completo de educação em sexual.
2 – Os cinco países tratam de maneira limitada os temas de direitos sexuais e
reprodutivos em campanhas de saúde. No Brasil e no Chile há campanhas relacionadas
à saúde sexual, mas com foco apenas na prevenção de HIV/Aids e no uso de
preservativos.
3 – Todos os países seguem protocolos específicos para a atuação dos profissionais na
atenção em saúde sexual. Argentina e Colômbia tiveram pontuação maior porque seus
protocolos contam com assessoria ou foram validados por diretrizes internacionais.
Nos cincos países há influência religiosa e cultural de profissionais de saúde, o que
limita o uso de protocolos e a participação desses profissionais em treinamentos.
4 – México e Chile contam com programas específicos para a atenção de grupos e
mulheres em situação de vulnerabilidade social, com informações sobre métodos
contraceptivos e planejamento familiar. Brasil, Argentina e Colômbia não contam com
programas de grande alcance nesta área.
5 – Os cinco países contam com um sistema de acesso gratuito a métodos
anticoncepcionais. No Brasil e na Argentina, a disponibilidade da gama completa de
anticoncepcionais está sujeita a governos locais, o que pode dificultar o acesso a
métodos específicos. Colômbia, Argentina e Chile têm sistemas que monitoram a
disponibilidade e avaliam as necessidades dos métodos contraceptivos.
SOBRE A PESQUISA
A pesquisa Barômetro latino-americano sobre o acesso das mulheres aos
contraceptivos modernos comparou a performance dos cinco países em relação a oito
indicadores: 1) Desenvolvimento de políticas e estratégias; 2) Sensibilização geral
sobre direitos reprodutivos, 3) Educação integral sobre saúde e direitos reprodutivos;
4) Educação e treinamento dos profissionais de serviços de saúde; 5) Atendimento
individual e qualidade dos serviços; 6) Reembolso; 7) Discriminação e 8)
Empoderamento de mulheres por meio de acesso a contraceptivos.
Os especialistas convidados para responder a pesquisa pertencem ou pertenceram, a
até no máximo um ano antes da realização da pesquisa, a governos, agências
relacionadas à saúde, associações de profissionais de saúde, academia, grupos ligados
ao direito reprodutivo e influenciadores – como jornalistas e ex-ministros, entre
outros.
Os especialistas selecionados responderam a um questionário online com perguntas
sobre temas variados, como a educação que recebem crianças e jovens dos países e os
sistemas de reembolso disponíveis para custear o método de planejamento familiar
escolhido por mulheres. O questionário utilizado nos cinco países foi o mesmo da
pesquisa realizada na Europa.
SAIBA MAIS
 A Federação Internacional de Planejamento Familiar/Região do Hemisfério
Ocidental (IPPF/RHO) tem como objetivo melhorar a qualidade de vida das
pessoas por meio da promoção à saúde e aos direitos sexuais reprodutivos.
Tem como foco as populações mais vulneráveis. A instituição trabalha com 50
organizações associadas, em 40 países da América Latina e Caribe. Em 2015, a
IPPF e seus associados prestaram mais de 31.5 milhões de serviços na América
Latina e Caribe, evitando mais de 2 milhões de gravidezes indesejadas. Essa
mesmo grupo influenciou 19 políticas públicas de planejamento familiar em
seus países.

A Cepia é uma ONG criada em 1990, que se dedica ao desenvolvimento de
projetos que promovem os direitos humanos e a cidadania de grupos
vulneráveis.
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