as interpretações de Heráclito, o problema do devir e

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HEGEL E NIETZSCHE: AS INTERPRETAÇÕES DE HERÁCLITO, O
PROBLEMA DO DEVIR E A PECULIARIDADE DA DIALÉTICA
HEGELIANA
Lincoln Menezes de França1
RESUMO: Hegel considera na Ciência da Lógica o devir como a unidade do ser e do
nada. Heráclito, enquanto filósofo do devir, expressa nele esse momento lógico
fundamental para Hegel: uma unidade de opostos. A mais alta expressão da dialética
para Hegel, a dialética como princípio, nas palavras de Hegel: “o absoluto como
processo”. Nessa perspectiva, o pensamento de Heráclito está submetido aos
encadeamentos da lógica especulativa hegeliana. Assim, a oposição se expressa
placidamente na Lógica, que no encadeamento lógico do desdobramento do mesmo que
se tornou outro-de-si, na inquietude da oposição, exprime o “princípio da vida”, o
princípio da vida lógica, tão simplesmente, a essência enquanto mudança,
harmonicamente expresso na oposição. A harmonia racional se expressa, portanto, na
diferença, num devir da amizade. Ou seja, há movimento, há desdobramento,
transformação, mas não é uma oposição conflituosa, é uma oposição para o
reconhecimento do todo. Desse modo, a totalidade sempre vence, manifestando-se, no
entanto, pela luta, pois o todo é o combate e os combatentes, o permanente vencedor.
Sob a interpretação que Nietzsche faz de Heráclito, ao contrário, não pode haver
vencedor. Ora um, ora outro vence, a luta é eterna e cada qual é por si mesmo e não um
é o mesmo que o outro e necessitam diferenciar-se para se reconhecerem, não sendo,
assim, o mesmo na diversidade, como em Hegel. Sob a perspectiva de Nietzsche o real é
inconsistente. Essa sensação de inconsistência se torna entusiasmo quando Heráclito
observa a origem efetiva de todo o devir e de todo o perecer. Essa origem está numa
força que se desdobra em duas atividades polarizadas em opostos. O devir nasce desse
combate. Combate, aliás, que é expressão mais profunda da realidade grega. Nietzsche
elogia a luta como fundamento da efetividade como devir. Neste trabalho levantamos o
questionamento acerca da concepção hegeliana do devir em oposição à de Nietzsche no
sentido de averiguar a peculiaridade da dialética hegeliana.
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Doutorando em Filosofia pela UFSCar. E-mail: <[email protected]>.
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INTRODUÇÃO
Ninguém escreveu com mais claridade e maior luminosidade que ele [Heráclito].
[Nietzsche, 1967 (1873), #7, p. 213]
Não existe frase de Heráclito que eu não tenha integrado em minha Lógica. [Hegel,
Pré-socráticos (Preleções sobre a História da Filosofia),1999, p.102]
Immanuel Kant (1724-1808) com sua filosofia Crítica constituiu uma cisão entre
fenômeno e coisa-em-si ao determinar os limites do conhecimento. Ao realizar tal cisão,
abriu portas a um novo momento à história da filosofia no que tange ao debate acerca da
Metafísica. Dois expoentes da história da filosofia se colocaram diante dos problemas
suscitados pela cisão kantiana: G. W. F. Hegel (1770-1831) e F. Nietzsche (1844-1900).
Sob a perspectiva hegeliana, Kant ao impossibilitar o conhecimento da coisa-em-si
impôs limites inconcebíveis à razão na medida em que impediu o conhecimento da
verdade, já que, para Hegel, a verdade deve ser reconhecida racionalmente.
Numa perspectiva oposta a Hegel, F. Nietzsche afirma que Kant não tinha o
direito de afirmar a existência da coisa-em-si, porquanto esta expressa apenas um
engano constituído pela linguagem, que, por suas características, necessita de um
sujeito, de uma substância que permanece, o que no fundo é um artifício e não a
efetividade mesma. Esta, para Nietzsche, é devir que a linguagem não pode afirmar,
pois a linguagem cristaliza em abstrações o que é devir. Para Nietzsche, a história da
filosofia se desdobrou sobre tal engano desde Sócrates, fazendo com que se acreditasse
que o que foi criado abstratamente fosse concebido como a efetividade mesma, a partir
da dualidade ser-parecer.
Tanto para Nietzsche quanto para Hegel a história da filosofia tem papel
fundamental às suas respectivas concepções, sendo que Nietzsche a compreenderá como
o desenvolvimento sucessivo de um engano, enquanto Hegel a compreenderá enquanto
expressão do absoluto se desdobrando como um mesmo e único pensar que se
reconhece no outro-de-si de suas determinações na exterioridade histórica.
Nesse sentido, é importante salientar que tanto para Hegel quanto para Nietzsche
os pensadores gregos tiveram um papel fundamental nos desdobramentos da História da
filosofia. Os dois pensadores modernos se dedicaram profundamente aos estudos dos
pensadores gregos da antiguidade e renderam tributo de alguma maneira ao mundo
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grego; cada qual, evidentemente, à sua maneira, tendo em vista suas opostas
perspectivas filosóficas.
Nietzsche não aceitou qualquer possibilidade de aceitação da existência da coisa
em-si; e em proposições aforismáticas evidenciou os enganos da verdade metafísica
expressa pela filosofia em sua História, a partir do reconhecimento da impossibilidade
do conhecimento a partir da linguagem. Para Nietzsche, a efetividade não tem condições
de ser conhecida, já que a efetividade é em devir e não pode ser captada pela linguagem.
Nesse sentido, a figura de Heráclito, o filósofo do devir, é reconhecida por Nietzsche
como tendo papel singular na história da filosofia.
Já a concepção hegeliana de História da Filosofia está fundamentalmente
vinculada ao que Hegel concebe como desdobramentos dialético-especulativos de Si do
Espírito, o que faz Hegel recepcionar o legado filosófico de forma peculiar. Assim, os
conceitos filosóficos sob o sistema hegeliano são transformados e ganham novo sentido,
ao mesmo tempo em que são preservados.
[...] A sua vida [a vida do Espírito] é ação. A ação tem como
pressuposto um material prévio, a que se dirige e que ela não aumenta
simplesmente, ou amplia mediante a adição de material, mas
essencialmente refunde e transforma. Uma tal herança é ao mesmo
tempo recepção e tomada de posse e legado; e simultaneamente reduzse a material, que é metamorfoseado pelo espírito. O que se recebeu
foi deste modo modificado e enriquecido e, ao mesmo tempo,
preservado. [HEGEL, 2006 (1816), p. 18, grifos do autor]
É sob esse prisma que Hegel interpretará o pensamento de Heráclito. Sob a
perspectiva hegeliana, Heráclito é a maior expressão da consciência até então na
História da Filosofia, o ser se expressando nele [“a plenitude da consciência até ele –
uma consumação, o infinito, aquilo que é” (1999, p. 102)], a primeira expressão
filosófica especulativa, na medida em que concebeu o absoluto dialeticamente enquanto
processo, na unidade dos opostos.
Neste trabalho levantamos o questionamento acerca da interpretação hegeliana
de Heráclito em sua concepção de devir em oposição à de Nietzsche no sentido de
averiguar a peculiaridade da dialética hegeliana.
1. A INTERPRETAÇÃO HEGELIANA DE HERÁCLITO E O DEVIR DA
AMIZADE
Hegel considera na Ciência da Lógica o devir enquanto a unidade do ser e do
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nada. Heráclito, enquanto filósofo do devir, expressa nele esse momento lógico
fundamental para Hegel; uma unidade de opostos. A mais alta expressão da dialética
para Hegel, a dialética como princípio, nas palavras de Hegel: “o absoluto como
processo”. Nessa perspectiva, o pensamento de Heráclito está submetido aos
encadeamentos da lógica especulativa hegeliana, sendo identificado enquanto
especulativo, o que significa que não se atém ao imediato, ao sensível, como quer
Nietzsche. Nas palavras de Hegel: “Decorre imediatamente de seu princípio, de que
tudo o que é ao mesmo tempo não é, o fato de ele esclarecer que a certeza sensível não
possui verdade alguma. [HEGEL, 1999, p. 112-113]”.
Para Hegel, Heráclito, por ser especulativo, sobrepuja a imediaticidade sensível,
que é estanque, e não nega o ser, pois é no devir que o ser se manifesta dialéticoespeculativamente, racionalmente. Assim, o devir de Heráclito seria para Hegel uma
expressão da razão mesma.
É uma grande convicção que se adquiriu, quando se reconheceu que o
ser e o nada são abstrações sem verdade, que o primeiro elemento
verdadeiro é o devir. O entendimento separa a ambos como
verdadeiros e de valor; a razão pelo contrário, reconhece um no outro,
que num está contido seu outro –e assim, o todo, o absoluto deve ser
determinado como devir. [HEGEL, 1999, p. 103]
É importante destacar o enfoque hegeliano à totalidade expressa na oposição do
devir. Hegel interpreta Heráclito, buscando revelá-lo como o filósofo especulativo que
expressou a verdade do ser na identidade de ser e não ser. Essa identidade exprime o
uno como totalidade que se expressa no devir: Deus torna-se outro de si, no Filho,
reconciliando-se consigo mesmo no Espírito. É o um que é o outro, mas na verdade é o
mesmo, manifestando-se na diferença. “[...] O fato de Deus ter criado o mundo, ter-se
dividido a si mesmo, gerado o seu Filho etc. – todos estes elementos estão contidos
nesta determinação [...]“ [HEGEL, 1999, p. 103]. A unidade de opostos que Hegel
interpreta em Heráclito, torna-se assim, a unidade redentora do Espírito em sua
diferenciação-reconciliação consigo mesmo que se tornou efetivo na diferença, o que é
distinto da interpretação nietzscheana da luta, como veremos a seguir.
Em Hegel, a oposição se expressa placidamente na Lógica, que no
encadeamento lógico do desdobramento do mesmo que se tornou outro-de-si, na
inquietude da oposição, exprime o “princípio da vida”, o princípio da vida lógica, tão
simplesmente, a essência enquanto mudança, harmonicamente expresso na oposição. O
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Logos, aí se faz. A harmonia se expressa na diferença. Nas palavras de G. Lebrun:
Hegel não diz, é claro, que o acordo dos opostos é o fim de seu
combate – e nesse sentido, literalmente, pode reclamar-se do espírito
dos fragmentos. Pode proclamar-se herdeiro de Heráclito. Mas, de um
Heráclito previamente corrigido pelo pitagorismo – para quem a
discórdia não houvesse sido mais que a exposição, a mise-em-scène de
uma harmonia-pacificação mais profunda e menos precária que toda
dosagem do Entendimento. Esse heraclitismo não é o pensamento da
Discórdia, mas a indicação de que a Discórdia é apenas a “isonomia
das potências”, quando levada ao limite e compreendida em toda sua
envergadura. Esse heraclitismo não proclama que a Guerra é a lei do
mundo, mas que o Logos só se cumpre sob a forma da guerra. Hegel
nos sugere, portanto, que Heráclito já havia dito adeus a um Absoluto
que se mantém à parte da cisão, ao “jogo do Amor consigo mesmo”...
(Lebrun, 2006, p 119)
A interpretação hegeliana acerca do tempo em Heráclito evidencia que Heráclito
não se restringe a uma apreensão lógica do devir, mas também se detém sobre a
intuição, e Hegel considera que o tempo heraclitiano, que é intuído, é concebido
enquanto “puro transformar-se”, e exatamente por isso é harmônico, o “puro conceito”.
Isto é, embora seja uma primeira expressão do ente, e, por isso, vinculado à intuição,
sua expressão no “é” presente no sobrepujar do ser/não-ser, pois o agora é, é expressão
do conceito, no transformar-se harmonioso, que compreende a natureza como processo.
Abstração do tempo se expressa concretamente no fogo, “tempo físico”, que é processo;
processo que se desdobra em momentos, tal qual o movimento “1) o puro momento
negativo, 2) os momentos da oposição subsistente, a água e o ar, e 3) a totalidade em
repouso, a terra.” É interessante notar como Hegel procura harmonizar, unificar,
expressar uma totalidade que culmina desse devir. Hegel discorda veementemente
(1999, p. 109), de uma interpretação do fogo heraclitiano como sendo o destruidor do
mundo, o fim do mundo em incêndio. Nisso Nietzsche também concorda. No entanto,
para Nietzsche a “luta dura eternamente” [1967 (1873), p. 209]. Enquanto Hegel
observa em Heráclito um “devir da amizade”:
Nós, porém, vemos imediatamente, com base em passagens bem
definidas, que Heráclito não se refere a este incêndio do mundo, mas
sim a esta constante combustão, devir da amizade – a vida universal, o
processo universal do universo. [HEGEL, p. 109, grifos nossos]
Ou seja, há movimento, há desdobramento, transformação, mas não é uma
oposição conflituosa, é uma oposição para o reconhecimento do todo; não há o caráter
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central destacado por Nietzsche da luta homérica. Em Hegel, a totalidade sempre vence,
manifestando-se, no entanto, pela luta, pois o todo é o combate e os combatentes; e é
neles que o todo se exprime, e é mais que vencedor, é a vitória mesma, permanente, o
todo como vencedor. Sob a concepção de Nietzsche, não pode haver vencedor. Ora um,
ora outro vence, a luta é eterna e cada qual é por si mesmo e não um é o mesmo que o
outro e necessitam diferenciar-se para se reconhecerem, não sendo, assim, o mesmo na
diversidade, como em Hegel. Nas palavras de G. Lebrun:
Quando Nietzsche escreve que, no combate das qualidades opostas,
“as coisas não têm existência própria”, isso não mais quer dizer,
portanto, que a luta seria somente a aparência que assume a passagem
de cada um a seu outro, que ela expõe “a indiferença dos dois termos
em sua diversidade”; isso não quer mais dizer que a luta só tem
sentido através do “ser vinculado” dos elementos em conflito, mas
cada elemento só é pensável através da luta. Não há mais, portanto,
nenhum pacto tácito para organizar a luta; não há nada além da
dominação efêmera de um elemento sobre o outro. “Da guerra dos
opostos nasce todo o vir-a-ser: as qualidades determinadas, que nos
aparecem como duradouras, exprimem apenas a preponderância
(Übergewicht) momentânea de um dos combatentes, mas com isso a
guerra não chegou ao fim, a contenda perdura pela eternidade”
(LEBRUN, 2006, p. 120)
Diferentemente de Nietzsche, Hegel vê em Heráclito a ideia permanente, a
mesma de Platão e Aristóteles. Hegel afirma que é com Heráclito que podemos datar o
início da filosofia, pois foi com Heráclito que se expressou “[...]a natureza do infinito e
que compreendeu a natureza como sendo em si infinita, isto é, sua essência como
processo” [HEGEL, p. 111]. No caso da interpretação hegeliana de Heráclito, o
processo expressa a permanência da substância. Sob a perspectiva hegeliana, ao
compreender o devir, Heráclito expressa um entendimento universal, vinculando-se à
totalidade.
2. A INTERPRETAÇÃO DE NIETZSCHE ACERCA DE HERÁCLITO E O
DEVIR DO COMBATE
De acordo com Nietzsche [1967(1873), #5, p. 208], ao contrário de Hegel,
Heráclito tinha a intuição como base à sua concepção de realidade (efetividade), sendo
alheio a qualquer traço lógico e conceitual das representações. Sob a intuição, para
Nietzsche, Heráclito expressa uma compreensão do mundo presente como movediço e
multiforme a partir da experiência; experiência essa que só se faz possível pelas
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condições suscitadas pelo tempo e pelo espaço. De acordo com Nietzsche, Heráclito, ao
conceber o tempo independentemente de toda a experiência, evidencia a importância da
representação intuitiva e a relatividade de um ser na medida em que a intuição é
condicionada pela ação, assim como no espaço e no tempo. Assim, a essência material
do ser está na mudança regular em que uma parte da matéria está em relação a outra.
De acordo com Nietzsche [1967(1873), p. 209], conceber a realidade como
Heráclito no eterno e incessante devir é como a sensação de um homem num tremor de
terra, em que se desconfia da firmeza do solo. Sob tal perspectiva o real é inconsistente.
Essa sensação de inconsistência se torna entusiasmo quando Heráclito observa a origem
efetiva de todo o devir e de todo o perecer. Essa origem está numa força que se
desdobra em duas atividades polarizadas em opostos. O devir nasce desse combate.
Combate, aliás, que é expressão mais profunda da realidade grega. Nietzsche num
prefácio para um livro não escrito intitulado A luta de Homero, vê na luta o estímulo e a
significação da vida grega, nas palavras de Nietzsche: “E por que não há de ser ninguém
melhor? Porque então se acabaria e desapareceria a suprema razão de ser do Estado
helênico” (1999, p. 135). Pois alguém se sobressaindo, haveria exclusivismo, egoísmo,
um mal para a realização da cidade. A luta seria expressão da justiça.
Nietzsche elogia a luta como fundamento da efetividade como devir:
Esta representação, emanada da mais pura fonte do helenismo e que
considera a luta como o constante império de uma justiça unitária,
rigorosamente vinculadas às leis eternas, é maravilhosa.
[NIETZSCHE, 1967(1873), #5, p. 209]
Mas, poder-se-ia questionar, para a composição de opostos, não seria necessário
fixar determinações em identidades fixas, eternas, para a oposição? Essências eternas
em oposição? De acordo com Nietzsche, isso seria antiheraclitiano, pois o um é
múltiplo. As qualidades múltiplas não são eternas, nem “fantasmas de nossos sentidos,
como concebeu Anaxágoras”. Nas palavras de Nietzsche [1967(1873), p. 210]: “o
mundo é o recreio de Zeus”. O um é o múltiplo, que se expressa fisicamente no fogo. A
concepção física de Heráclito se fundamenta em grande parte em Anaximandro, que
considerava a umidade formada por frio e calor. Esse calor era interpretado por
Heráclito como o fogo, sendo o frio um grau do calor. De acordo com Nietzsche, mais
importante que isso, é a concepção de destruição periódica do universo pelo fogo e a
produção de um mundo novo, sob a ideia de que a “saciedade engendra o delito”
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[1967(1873), p. 211], a noção de hybris (o pecado de impureza). Não seria o incessante
devir a expressão do castigo da hybris? Seria a transformação do puro em impuro uma
conseqüência da injustiça? Haveria injustiça no mundo? Para ele isso somente ocorre
para o homem de inteligência limitada. Para ele há harmonia de todos os contrários
fundada na luta. Pois a luta possibilita o equilíbrio.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Tanto Hegel como Nietzsche viram em Heráclito uma figura peculiar e
fundamental na história da Filosofia. O obscuro filósofo grego foi interpretado pelos
citados antípodas modernos, tendo sido considerado por ambos em grande conta, mas
sob perspectivas opostas. Para Hegel, o devir heraclitiano é expressão da razão mesma
no desdobramento dialético redentor, tal qual a dialética cristã, da una totalidade
triádica. Já para Nietzsche, Heráclito somente expressa o devir por não se distanciar da
intuição, o que significa que ao devir heraclitiano não se vincula à razão, apesar de
expressar a justiça na existência da luta dos contrários. Nesse sentido, podemos afirmar
que o pensamento de Heráclito, embora exprima o devir para ambos os filósofos
modernos, esse devir é interpretado por eles de maneira totalmente divergente. Para um,
expressando o devir racional, para o outro, a irracionalidade intuitiva do devir. Para um,
a razão se exprime na luta, para outro a luta exprime a efetividade do mundo.
A concepção sistemática hegeliana considera a história da filosofia o
desdobramento de um único e o mesmo pensar que se pôs em determinações, sendo o
sistema hegeliano a culminância desses desdobramentos históricos que se reconheceu
em sua totalidade. Desse modo, cada expressão filosófica da história foi incorporada
pelo sistema hegeliano. Eis o caso do pensamento de Heráclito, que teve sua concepção
de devir incorporada ao pensamento hegeliano, ganhando novo sentido sob o sistema
hegeliano para a composição da concepção hegeliana de dialética, enquanto um dos
momentos do desdobramento da Ideia.
A interpretação nietscheana de Heráclito evidencia as possíveis peculiaridades
da interpretação hegeliana da história da filosofia, que pode ter acabado por distorcer a
concepção própria de Heráclito. Por outro lado, não temos garantias suficientes de que a
interpretação de Nietzsche acerca de Heráclito seja isenta de possíveis distorções.
O que podemos constatar neste trabalho é que a filosofia hegeliana expressa uma
peculiaridade em sua concepção de devir, que contraposta à perspectiva de Nietzsche,
deixa clara a primazia da unidade da totalidade. Isso pode levar à reflexão acerca da
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efetividade da dialética hegeliana, porquanto está submetida à unidade.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
HEGEL, G. W. F. Introdução à História da Filosofia. Tradução Heloísa da Graça Burati.
São Paulo: Rideel, 2005.
______. Enciclopédia das Ciências Filosóficas em Epítome. Tradução Artur Mourão.
Lisboa: Edições 70, 1969. v. 1.
______. Heráclito de Éfeso: C- Crítica Moderna. In: Os Pré-socráticos. Tradução
Ernildo Stein. São Paulo: Editora Nova Cultural, 1999. (Os Pensadores). pp 102116.
LEBRUN, Gérard. A Filosofia e sua História. São Paulo: Cosac Naify, 2006.
NIETZSCHE, F. La Filosofia em la época trágica de los griegos (1873). In: Obras
Completas. Buenos Aires: Aguilar, 1967. v. 5. pp 199-216.
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