1. O que é a Filosofia? – uma resposta inicial

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C1| Abordagem introdutória à Filosofia e ao filosofar
1. O que é a Filosofia? – uma resposta inicial
1.1. O que é a Filosofia?
É natural que, perante uma disciplina totalmente nova, como é o caso da Filosofia, desejes
saber o que ela é, o que estuda e, em última análise, para que serve. A primeira questão remete
para a possibilidade de uma definição; a segunda, para a indicação do objecto de estudo; a
terceira, para o valor daquilo que se estuda, para a utilidade dos temas abordados.
Comecemos por tentar responder à primeira pergunta. Será possível definir a Filosofia? O
certo é que não há uma definição satisfatória e minimamente consensual do conceito de
Filosofia. Isso não quer dizer, obviamente, que não existam definições. O que não existe é um
denominador comum quanto ao conteúdo de uma definição válida para toda a gente. E porquê? Porque a história da Filosofia nos revela a sucessão de diversos sistemas, teorias e doutrinas, que foram dando diferentes respostas para os problemas fundamentais. Ora, cada filósofo
não só tenta explicar a realidade segundo o seu ponto de vista, como também define a Filosofia
de acordo com as suas próprias explicações da realidade.
É por isso que muitos autores preferem falar em filosofias, no plural, em vez de uma única
Filosofia. Além disso, para sermos rigorosos, temos de considerar que, dentro da Filosofia,
existem as disciplinas filosóficas, uma vez que para cada um dos grandes temas foram aparecendo áreas específicas (ontologia, gnosiologia, axiologia, estética, etc.). Por outro lado, de
acordo com a proximidade existente entre perspectivas e sistemas filosóficos, foram aparecendo diferentes correntes (platonismo, aristotelismo, idealismo, positivismo, existencialismo,
estruturalismo, etc.).
Para concluir, podemos afirmar que há uma quantidade imensa de definições de Filosofia,
mas que nenhuma é totalmente certa ou errada, uma vez que cada filósofo define a Filosofia
a partir da sua própria concepção de Filosofia. A este nível, teremos sempre de considerar o
que há de subjectivo – que pertence ou é relativo ao sujeito – nos vários modos de interpretar a
realidade. Em oposição, temos o conceito de objectivo. Dizer que 2 + 2 = 4 é exprimir algo
objectivo, isto é, algo que é válido para todos os seres racionais. Ora, na Filosofia não existe
este grau de objectividade. Por isso, quem tenta definir a Filosofia também nunca é neutro.
Talvez, então, a melhor forma de definir esta disciplina seja começar por referir as motivações
de quem é capaz de filosofar.
1.2. Quem filosofa
Creio que todos os seres humanos são filósofos, ainda que alguns mais do
que outros.
Creio que todo o homem desenvolve determinados pontos de vista filosóficos — ainda que geralmente acríticos —, filosofias boas ou menos boas.
Também as expectativas, o que a vida deve oferecer, o que se pode alcançar na
vida, são, no fundo, pontos de vista filosóficos perante a vida.
Karl Popper, Sociedade Aberta – Universo Aberto, Publicações D. Quixote
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O texto anterior sublinha que a Filosofia não é uma actividade exclusiva dos chamados filósofos profissionais. No entanto, Karl Popper sugere uma distinção entre a filosofia espontânea,
comum a todos os homens, e a filosofia sistemática, aquela que é desenvolvida precisamente
pelos filósofos profissionais.
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O que distingue estes dois registos da actividade filosófica? O homem comum reflecte sobre
os problemas que a vida lhe coloca, e alguns desses problemas são de natureza filosófica;
mas esta reflexão é pontual, pouco rigorosa, pouco profunda e, muitas vezes, destituída do
exercício crítico. Expressa nos ditados populares, nas crenças, na religião, nas ideologias,
etc., esta filosofia espontânea faz parte integrante da vida e da experiência quotidiana do
homem comum.
A filosofia sistemática distingue-se da anterior porque procura ser coerente e rigorosa, organizando os conceitos. Trata-se de uma filosofia mais complexa e profunda, desenvolvendo-se
segundo a exigência crítica. Como tal, é um filosofar técnico e académico, o qual procura articular de modo coerente o pensamento e, acima de tudo, encontrar para as ideias uma adequada fundamentação.
1.3. Sentido etimológico do termo Filosofia
Para que nos seja possível uma aproximação ao conceito de Filosofia, vejamos o que nos diz
o seu sentido etimológico. A palavra Filosofia terá sido usada pela primeira vez por Pitágoras
(580-500 a. C.). Pitágoras intitulou-se filósofo, porque recusava o nome de sábio. As raízes da
palavra Filosofia são filo (amigo, o que gosta, o que ama, o que deseja) e sofia (sabedoria,
saber). Então, segundo o significado etimológico, a Filosofia é o amor da sabedoria, e o filósofo
é aquele que ama, que deseja e, sobretudo, que procura a sabedoria.
É a demanda da verdade e não a sua posse que constitui a essência da filosofia, muito embora tenha sido frequentemente traída pelo dogmatismo, isto
é, por um saber expresso em dogmas definitivos, perfeitos e doutrinais.
Filosofar significa estar-a-caminho.
K. Jaspers, Iniciação Filosófica, Guimarães Editores
O filósofo possui, pois, essa paixão pela sabedoria. Ao contrário dos deuses, que possuem a
sabedoria na sua plenitude, os seres humanos apenas poderão aspirar a encontrá-la. Foi essa
a lição que Sócrates (470-399 a. C.) nos legou. O famoso só sei que nada sei condensa em si a
humildade da busca e pretende mostrar-nos que a ignorância autoconsciente é sempre
superior à posse do saber que se pretenda definitivo.
Mas esta aproximação etimológica, em vez de nos ajudar a resolver o problema da definição de Filosofia, tornou-o ainda mais complexo. Com efeito, temos de perceber o que é a
sabedoria.
1.4. As duas dimensões da Filosofia
A sabedoria a que a Filosofia essencialmente aspira exprime-se numa dupla faceta: o conhecimento e o saber viver. Desta dupla faceta decorrem as duas dimensões da Filosofia: a
dimensão teórica e a dimensão prática. A primeira refere-se ao conhecimento, visando distinguir o verdadeiro do falso, o real das aparências. Trata-se de saber o que as coisas são, de
compreender o seu significado. A dimensão prática, por sua vez, remete para o saber-viver.
Servindo-se do conhecimento, a Filosofia ajuda o Homem a orientar-se na vida. Não basta
saber; é preciso, acima de tudo, bem viver. Neste contexto, a Filosofia surge como uma proposta de orientação existencial.
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