INCORPORAÇÃO DO ANTIMONIATO DE MEGLUMINA EM NANOPARTÍCULAS DE SÍLICA MESOPOROSA VISANDO A LIBERAÇÃO CONTROLADA DO FÁRMACO T. F. M. Cardoso*; S. P. Pereira; B. M. Dantas; R. M. Silveira; M. A. U. Martines Centro de Ciências Exatas e da Terra (CCET), Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), Campo Grande-MS, Brasil *Email: [email protected], Endereço: Cidade Universitária, s/n Caixa postal: 549 CEP: 79.070-900 Campo Grande-MS, Brasil RESUMO A instauração de uma terapia racional consiste em adequar a administração do medicamento às necessidades do paciente. O antimoniato de meglumina (ANM) é o fármaco usado no tratamento da leishmaniose. As sílicas mesoporosas apresentam diferentes dimensões com uma rede desordenada de ligações siloxano e silanóis livres podendo reagir com outras espécies químicas. O objetivo deste foi avaliar a liberação do ANM quando incorporado na sílica mesoporosa. As nanopartículas foram obtidas seguindo os procedimentos de Mesa et. al. (2005). A caracterização das partículas foi realizada por: espalhamento de raios X a baixo ângulo (SAXS), medidas de superfície específica e de porosidade pelo método do BET e microscopia eletrônica de varredura (SEM). Os resultados obtidos na caracterização demonstram a estruturação adequada das nanopartículas do tipo SBA-16 no tempo de síntese de cinco dias em comparação aos experimentos realizados com um e três dias. Os experimentos de incorporação do ANM ainda serão realizados. Palavras-chave: sílica mesoporosa, liberação in vitro, leishmaniose, nanomateriais INTRODUÇÃO A leishmaniose é uma doença zoonótica distribuída amplamente no mundo, que afeta o homem e os animais apresentando alta morbidade e mortalidade (1). É a segunda doença parasitaria que mais causa mortes no mundo depois da malária(2). O Brasil corresponde a 90 % dos casos de leishmaniose da América Latina (3). Entre os anos de 2006 e 2008 a doença foi registrada em mais de 1.200 municípios em 21 estados do país(4). Segundo a Organização Mundial de Saúde, o tratamento deve ser realizado inicialmente com antimoniais pentavalentes. O mais empregado é o antimoniato de meglumina (Glucantime®)(3). Os principais problemas encontrados nos medicamentos empregados para o tratamento da leishmaniose são: a elevada toxicidade, os inúmeros efeitos colaterais e o alto custo (1, 5). O antimoniato de meglumina é um composto obtido sinteticamente a partir do ácido antimônico e da N-metil-glucamina(5). De acordo com o Sistema de Classificação Biofarmacêutico (SCB) do FDA, este se enquadra na categoria III entre os fármacos com alta solubilidade em água, mas baixa permeabilidade entre as membranas(6). Um objetivo constante na concepção de novas formas farmacêuticas é o de aperfeiçoar a posologia de modo a alcançar prolongamento do efeito terapêutico do fármaco(7). Um sistema de liberação prolongada permite redução da freqüência de dosificação de pelo menos duas vezes um intervalo de dose(8). A vantagem clínica é obtida em função da redução do número de administrações do medicamento, o que facilita a adequação à rotina diária do paciente e melhora a aderência ao tratamento(9). O uso de formas de liberação prolongada influencia na razão custobenefício do tratamento. Estas preparações permitem ou minimizam o aparecimento de concentrações plasmáticas sub ou supraterapêuticas, resultando em diminuição dos efeitos adversos ocasionados por oscilações nas concentrações plasmáticas (10). Uma estratégia interessante para a modulação da liberação de fármacos é a incorporação destes em nanopartículas de sílica mesoporosa. Em 1992, pesquisadores da Mobil Research and Development Corporation descobriram um mecanismo de obtenção de materiais cristalinos mesoporosos que rapidamente despertou o interesse de vários cientistas. As aplicações tecnológicas dos materiais foram desde catálise a separação de reagentes químicos (11, 12). O mecanismo de obtenção destes materiais auto-organizados requer o emprego de agentes direcionadores da estrutura (surfactantes) que atuam na moldelagem. Os surfactantes apresentam diferentes características químicas (região hidrofílica e outra hidrofóbica) que irão organizarem-se em micelas quando em solução. Fatores como o Equilíbio Hidrófilo-Lipófilo (EHL), pH, temperatura e carga da molécula, fazem com que as micelas tenham formas diferenciadas(13, 14). Com a formação das micelas são adicionados reagentes que promovem a hidrólise e a condensação de precursores inorgânicos, produzindo assim a sílica mesoestruturada. A extração do molde ocorre por tratamento térmico (calcinação) resultando na sílica mesoporosa(14). Deste modo o objetivo desta pesquisa é sintetizar nanopartículas de sílica mesoporosa e incorporar o antimoniato de meglumina visando a liberação controlada do fármaco. MATERIAIS E MÉTODOS A síntese da sílica ocorreu com a mistura de Pluronic F127 (0,005 mol) e CTMABr (0,020 mol) em 495 mL de água purificada mantendo-se sob agitação suave a temperatura ambiente. Ajustou-se a acidez com ácido clorídrico 0,4 mol/L e manteve-se agitação constante por 5 minutos a temperatura ambiente. Em seguida 1 mol de TEOS foi adicionado. Esta foi mantida por cinco dias sob agitação em banho-maria com temperatura em 90 ºC. Frações foram retiradas para caracterização em 1, 3 e 5 dias. Após retirada alíquota foi realizada a filtração e secagem em estufa a 60 ºC. O material foi calcinado a 500 ºC por três horas (15). Os materiais mesoporosos foram caracterizados por espalhamento de raios X a baixo ângulo (SAXS), microscopia eletrônica de varredura (SEM) e adsorção de nitrogênio a 77 K (BET). RESULTADOS E DISCUSSÃO Difração de Raios-X a baixo ângulo (SAXS) Na Figura 1 (A) observam-se os espectros de SAXS das amostras de sílica em diferentes tempos de síntese. Tais espectros demonstram a existência de transição de mesofase. Já no espectro (B) referente a amostra de sílica mantida em banhomaria por cinco dias observam-se os picos característicos da estrutura mesoporosa. Para o cálculo do d-space aplicou-se a fórmula d = 2π/q. Os valores podem ser observados na Tabela 1. Fig 1. Espectros de SAXS: A – comparativo entre as sílicas obtidas nos diferentes tempos e B - sílica sintetizada em 5 dias. Tab. 1. Valores de d-space obtidos para as amostras de sílica mesoporosa. Tempo de síntese (dias) 1 3 5 d110/dhkl d1 (110) nm d2(200) nm d3(211) nm d4(220) nm Estrutura 10,57 10,47 10,83 1 7,50 7,73 √2 6,23 √3 4,86 √4 Im3m Como observado somente para a amostra de sílica mantida no banho-maria por cinco dias foi possível encontrar as correlações dos Índices de Miller e a estrutura Im3m (cúbica) característica da sílica mesoporosa do tipo SBA-16. Adsorção de nitrogênio 77K A Tabela 2 apresenta os valores obtidos pela técnica de adsorção de nitrogênio. Tab. 2. Dados obtidos na técnica de adsorção de nitrogênio 77K nas diferentes amostras de sílica. Síntese (dias) SBET (m2/g) DP (nm) Volume a0 (nm) d110 (nm) poro (cm3/g) 1 882 3,09 0,7648 14,94 10,57 3 854 2,71 0,4803 14,80 10,47 5 1033 3,09 0,8924 15,31 10,83 ao (nm) = parâmetro da cela unitária e twb (nm) espessura da parede tw (nm) 9,85 10,11 10,17 A sílica mesoporosa obtida após cinco dias de experimento apresenta maior área superficial comparada as outras amostras. O diâmetro de poro para esta sílica foi de 3,09 nm e volume de poro de 0,8924 cm 3/g. Nesta a espessura da parede encontrada foi de 10,17 nm. Tais resultados demonstram que a partícula apresenta uma estrutura porosa. Para a aplicação desejada nesta pesquisa, a presença de inúmeros poros na partícula pode representar a maior adsorção de moléculas do antimoniato de meglumina, favorecendo a liberação modificada do fármaco. Microscopia Eletrônica de Varredura (MEV) Na Figura 2 são observadas as imagens obtidas na técnica de MEV. Na magnificação de 5000x demonstra-se que as partículas foram sendo formadas de acordo com o tempo de permanência da sílica no banho-maria. Pode-se ainda observar que na última imagem (C) é possível observar a estrutura rombododecaédrica em algumas partículas. Fig. 2. Microscopia eletrônica de varredura das amostras de sílica obtidas em diferentes tempos de síntese. (A) – 1 dia, (B) – 3 dias e (C) – 5 dias. CONCLUSÕES Os resultados obtidos na caracterização demonstram a estruturação adequada das nanopartículas do tipo SBA-16 no tempo de síntese de cinco dias em comparação aos experimentos realizados com um e três dias. Os experimentos de incorporação do antimoniato de meglumina ainda serão realizados. AGRADECIMENTOS Os pesquisadores agradecem a CAPES pelas bolsas dos pós-graduandos e ao CNPq e a FUNDECT/MS pelos recursos financeiros. REFERÊNCIAS (1) SANTOS, D.O.; COUTINHO, C. E. R.; MADEIRA, M. F.; BOTTINO, C. G.; VIEIRA, R. T.; NASCIMENTO, S. B.; BERNARDINO, A.; BOURGUIGNON, S. C.; CORTE- REAL, S.; PINHO, R. T.; RODRIGUES, C. R.; CASTRO, H. C. Leishmaniasis treatment – a challenge that remains: a review. Parasitological Research, Dusseldorf, Germany, v. 103, p. 1-10, 2008. (2) DATE, A. A.; JOSHI, M. D.; PATRAVALE, V. B. Parasitic diseases: Liposomes and polymeric nanoparticles versus lipid nanoparticles. Advanced Drugs Delivery Reviews, Salt Lake City, USA, v. 59, p. 505-521, 2007. (3) COURA, J. R. Síntese das Doenças Infecciosas e Parasitárias. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2008. (4) WERNECK, L. G.; Expansão geográfica da leishmaniose visceral no Brasil. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, RJ, v. 24, n. 4, 2010. (5) RATH, S.; TRIVELIN, L. A.; IMBRUNITO, T. R.; TOMAZELA, D. M.; JESUS, M. N.; MARZAL, P. C. Antimoniais empregados no tratamento da Leishmaniose: Estado da Arte. Química Nova, São Paulo, SP, v. 26, n. 4, p. 550-555, 2003. 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TITLE INCORPORATION OF MEGLUMINE ANTIMONIATE IN NANOPARTICLES OF MESOPOROUS SILICA AIMING THE CONTROLLED RELEASE OF DRUG ABSTRACT The establishment of a rational therapy is to tailor the drug to the patient's needs. The meglumine antimoniate (MA) is a drug used in the treatment of leishmaniasis. The mesoporous silica has different dimensions with a disordered network of siloxane bonds and silanol-free which can react with other chemical species. The aim of this was to evaluate the release of MA when incorporated in mesoporous silica. Nanoparticles were obtained by following the procedures Mesa et. al. (2005). The characterization of the particles was performed: small angle X-ray scattering (SAXS), measurements of surface area and porosity by BET method and scanning electron microscopy (SEM). The results obtained in the characterization demonstrating the appropriate structuring of nanoparticles SBA-16 type in the synthesis time of five days compared with experiments performed with one and three days. The experiments of incorporation of MA will still be performed. Key-words: mesoporous silica, in vitro release, leishmaniasis, nanomaterials