fibromialgia para emagecer Sem origem definida, a fibromialgia pode ser altamente incapacitante. O cansaço crónico e as dores generalizadas afetam a vida dos doentes e estão na base de problemas familiares e laborais teste saúde 108 abril/maio 2014 Dor física e psiquíca 28 Uma dor generalizada que se prolonga durante meses, cansaço permanente, dores de cabeça, dificuldades em conciliar o sono, problemas de memória, dificulade na concentração, depressão e ansiedade: esta lista de sintomas é comum nos doentes que sofrem de fibromialgia. Sem uma origem identificável, trata-se de uma síndroma funcional (conjunto de sintomas e sinais) que se prolonga no tempo e afeta a vida pessoal e profissional dos pacientes. Um estudo recente realizado em Portugal, na Bélgica, em Espanha e em Itália com o intuito de ana- A fibromialgia afeta mais as mulheres, mas está subestimada. Acredita-se que 75% dos casos não estejam identificados lisar a prevalência e o impacto de várias desordens neurológicas, e que incluiu a fibromialgia, mostrou que, num universo de 275 pessoas com doença neurológica crónica, 41 afirmavam sofrer desta doença. Veja os resultados detalhados na página 22 desta edição. A mesma pesquisa revelava que, em Portugal, 25% dos inquiridos se queixavam de dor intensa. Causas difíceis de apurar ■ A fibromialgia está integrada na reumatologia como doença não articular e, por vezes, coincide com outras condições, como de- pressão, ansiedade ou stresse pós-traumático. Estima-se que afete entre 2 e 4% da população, com maior incidência no sexo feminino (numa proporção de 9 para 1). Pensa-se, porém, que é uma condição subdiagnosticada: 75% das pessoas com fibromialgia não terão um diagnóstico médico. ■ A dificuldade do diagnóstico está relacionada com a falta de informação sobre a origem desta patologia. Alguns dados apontam para uma eventual causa genética, outros para a influência de fatores ambientais, mas não há evidência científica que permita Quando os sintomas coincidem ■ No geral, quem sofre de fibromialgia tem maior tendência para sofrer de depressão e ansiedade. Saiba mais como reconhecer A FIBROMIALGIA O American College of Rheumatology identificou, em 2010, os critérios que caracterizam a fibromialgia, bem como a forma de avaliar a severidade dos sintomas. ´ Um doente preenche os critérios para a fibromialgia quando ocorrem, em simultâneo, as seguintes situações: índice de dor generalizada igual ou maior do que 7 e escala de severidade de sintomas igual ou superior a 5, ou índice de dor generalizada entre 3 e 6 e escala de severidade dos sintomas igual ou superior a 9; ´ ´ sintomas num nível semelhante durante um mínimo de três meses; ausência de outra doença diagnosticada. Para a avaliação da distribuição e gravidade dos sintomas considera-se: Dor generalizada superior a uma escala de severidade de 7 ´ número de áreas em que o paciente sentiu dor na semana anterior, e avaliação da dor numa escala de 1 a 19; ´ os sintomas cognitivos - acordar já cansado, dificuldades intelectuais - são avaliados numa escala de 0 (sem sintomas) a 3 (sintomas severos que afetam a atividade diária); ´ os sintomas somáticos - dores musculares, depressão - avaliados numa escala de 0 (sem sintomas) a 3 (muitos sintomas); ´ a escala de severidade dos sintomas corresponde à soma da severidade de três sintomas cognitivos com a extensão dos sintomas somáticos. Acordar com a sensação de não ter descansado pode ser um sinal Estas podem ser, em simultâneo, consequência dos sintomas e fatores que os potenciam. ■ Contudo, como no caso dos pacientes que sofrem de fadiga crónica, os indivíduos afetados por fibromialgia nem sempre reagem bem ao argumento que defende a existência de uma possível causa psiquiátrica para estes sintomas. ■ Rigidez nas articulações, dormência, perturbações do sono, fadiga crónica e problemas instestinais são outros sintomas que este tipo de pacientes pode ter. ■ Os sintomas manifestam-se sobretudo de manhã ou após um período de inatividade e tendem a agravar-se com esforços que, para outras pessoas, seriam mínimos. > teste saúde 108 abril/maio 2014 identificar uma causa concreta. ■ Alguns estudos detetaram alterações estruturais e funcionais no cérebro de pacientes com fibromialgia, mas ficou por apurar se essas alterações são uma causa ou uma consequência da síndroma. ■ Atualmente, a fibromialgia é considerada um distúrbio no processamento da dor. Por outras palavras, é uma condição que afeta os mecanismos que, ao nível do sistema nervoso central, inibem a sensação de dor, favorecendo outros que aumentam a experiência dolorosa. É a chamada “amplificação central”. O resultado é uma menor resistência à dor e uma resposta a estímulos que, regra geral, não são dolorosos em pessoas saudáveis. ■ A alteração ao nível do sistema nervoso central parece ser determinante. Mas há que ter em conta outros aspetos: as emoções e as características pessoais têm, habitualmente, grande influência na resposta à dor de cada indivíduo. ■ São assim tanto aspetos neurofisiológicos como psicológicos que podem influenciar a sensação de dor nestes doentes. Isto não quer dizer que a dor não exista ou que o doente a exagere: significa apenas que as duas componentes têm de ser tidas em linha de conta na análise de cada caso. ■ Acredita-se que possam existir várias situações que servem de gatilho para espoletar a fibromialgia. Algumas estão relacionadas com o stresse psicológico, como traumas físicos e psicológicos ou acontecimentos catastróficos (morte de um familiar, por exemplo). Outras estão mais ligadas ao stresse físico, como doenças infecciosas ou condições associadas à dor (caso da artrite reumatoide). 29 fibromialgia > Como diagnosticar s Entrevista As pessoas não entendem As baixas médicas e a perda de poder financeiro são consequências da doença teste saúde 108 abril/maio 2014 Quando lhe foi diagnosticada a fibromialgia? Em 2003, tinha 35 anos. Mas eu já tinha a doença talvez desde os 21. Nos primeiros tempos, diagnosticavam-me sempre depressões, até que vi uma reportagem com a Maria Elisa, falei com a minha médica, que me encaminhou para a consulta de reumatologia, onde me foi feito o diagnóstico. 30 O que é que sentia? O mais evidente são as dores, mais intensas numas fases, menos intensas noutras. Era isso que sentia, à mistura com um grande mal-estar geral, até que chegou uma altura em que decidi que, se era o corpo que me doía, tinha de ser medicada. Parei com os medicamentos de psiquiatria, mas devia ter feito um desmame. Os medicamentos aliviavam as dores, mas causavam problemas de vesícula. Depois, fui acompanhada por um naturopata e senti melhoras significativas. Agora, não tenho condições financeiras para o fazer. Estou a fazer um despiste em reumatologia para perceber se não há mais nada por trás da crise dos últimos meses. Como me foi diagnosticada uma doença psiquiátrica, sou seguida por um psiquiatra. Periodicamente, também faço fisioterapia. A época do ano influencia as crises? O inverno tem influência. Não estou a conseguir equilíbrio. Quando tiro baixa, descanso, fico melhor; quando regresso, ao fim de três semanas, pioro. É um ciclo vicioso. Por vezes, estou tão cansada que é um risco conduzir. Helena Santos, paciente de fibromialgia há dez anos Se fizer exercício, melhora? O exercício é muito importante. Não posso fazer tudo, mas estou inscrita num ginásio. O mais indicado é a hidroginástica, mas não tenho tido possibilidades financeiras para fazer. Tenho com alguma frequência baixa médica, com as consequências que isso acarreta. Qual foi a reação da família e dos amigos? Esta é uma doença que não é visível e as pessoas não a entendem. Vivo sozinha com os meus filhos e eles ainda não interiorizaram as minhas dificuldades. As pessoas nem sempre acreditam em nós. Em fases piores, apenas para me levantar de uma cadeira tenho de fazer um grande esforço por causa das dores nas pernas, nas ancas, nos ombros, nos braços... As dores estão cá e não somos nós que as inventamos. É como se estivesse sempre com gripe? São sintomas idênticos, mas mais graves. É como se vivêssemos todos os dias esse episódio. E posso dizer que, quando faço fisioterapia, é como se me estivessem a massajar em cima de uma nódoa negra, mas traz benefício. ■ A fibromialgia não pode ser diagnosticada com uma análise específica, nem confirmada por exames radiológicos. O diagnóstico é feito com base nos sintomas, e por exclusão de outras doenças com as quais pode ser confundida. ■ Anteriormente, o diagnóstico era feito através da palpação de 18 áreas corporais - os chamados pontos sensíveis. Caso o paciente tivesse uma resposta dolorosa em pelo menos 11 destes pontos, acompanhada por uma dor músculo-esquelética generalizada ao longo de três meses, era suficiente para avançar com o diagnóstico. ■ O critério dos 18 pontos sensíveis nunca foi consensual e, em 2010, o American College of Rheumatology avançou com novos critérios e agora o diagnóstico é feito com base numa análise mais global (ver caixa na página anterior). ■ Na presença de um ou vários destes sintomas, os médicos pedem uma bateria de testes, que incluem análises ao sangue, para despistar doenças como lúpus ou artrite reumatoide. Na ausência de outras doenças que possam explicar os sintomas, é feito o diagnóstico de fibromialgia quando existe dor crónica por todo o corpo por um período superior a três meses, associada a cansaço ou perturbações do sono. Atividade física beneficia o tratamento ■ Apesar de não existir uma cura para a fibromialgia, os sintomas podem ser atenuados. O tratamento tem por objetivo reduzir a intensidade dos principais sintomas ■ A fibromialgia acaba por ser incapacitante, estando na origem de muitas baixas médicas, que, a longo prazo, podem conduzir a situações de desemprego. Por isso, é da maior importância recuperar também a capacidade funcional do doente. ■ Não há um tratamento único, Exercícios caseiros para atenuar a dor Mesmo sem oportunidade para fazer exercício no ginásio ou na piscina, se seguir, em casa, um conjunto de exercícios diários, pode ver as dores nas costas e o mal-estar corporal significativamente melhorados. Exercício 1 Exercício 2 Exercício 3 Exercício 4 Virado para a parede, afaste as pernas à largura dos ombros. Apoie as palmas das mãos na parede, com os braços esticados. Sem mexer os pés, dobre os braços e deixe todo o corpo ir para a frente, contraindo os abdominais e mantendo a coluna reta. Quando o nariz quase tocar na parede, volte à posição inicial. De gatas, com as costas retas e a cabeça a olhar para o chão, dobre o joelho esquerdo, levantando-o até ao peito. Estique-o depois para trás, de modo que a perna faça uma linha reta com as costas. Aguente cinco segundos. Sem tocar com o joelho no chão, repita dez vezes. Faça depois o exercício com a perna direita. No chão, deitado de costas, com as pernas fletidas e as palmas das mãos viradas para baixo, erga a bacia e levante os calcanhares ao mesmo tempo. Aguente cinco segundos. Volte lentamente à posição inicial. Repita o exercício dez vezes por cada série. Deite-se de barriga, com os braços dobrados. Estique os braços devagar, pressionando o tronco para cima e deixando a cintura pélvica apoiada no chão, até sentir as costas a alongar. Mantenha cinco segundos. Repita dez vezes, uma a duas séries por dia. Lidar com a doença ■ As constantes ausências do trabalho, as alterações de humor e o cansaço crónico afetam não só o paciente como quem com ele convive. Familiares e amigos nem sempre compreendem o que se passa. Os sintomas são, por vezes, vistos como manifestações de preguiça ou de um problema imaginário. A falta de informação faz com que, por vezes, a doença seja tomada por preguiça Mesmo nos casos em que a doença é entendida, há situações difíceis de contornar, como as baixas prolongadas, que prejudicam as relações laborais. Estes são motivos mais do que suficientes para uma maior aposta no diagnóstico e no tratamento. TESTE SAÚDE ACONSELHA Ações que ajudam a lidar com a fibromialgia ´ Se tiver alguns dos sintomas referidos na caixa da página 29 por mais de três meses, consulte o médico de família. A fibromialgia tem sintomas semelhantes a outras doenças que necessitam de tratamento urgente, como a artrite reumatoide. ´ Faça exercício. Mesmo que não possa ir ao ginásio, aposte em atividades que pode fazer em casa. ´ Não descure o acompanhamento psicológico. A fibromialgia é uma condição simultaneamente neurofisiológica e psicológica e, por conseguinte, exige um tratamento global. ´ Se um familiar ou amigo sofrer de fibromialgia, procure informar-se, seja compreensivo e certifique-se de que este tem acompanhamento profissional adequado. teste saúde 108 abril/maio 2014 sendo a intervenção feita a vários níveis: educacional, físico, farmacológico e psicológico. ■ Para o doente, o diagnóstico e a informação sobre a doença são essenciais. Permitem-lhe não só dar um nome aos sintomas que o atormentam, como definir estratégias para lidar com a situação. ■ O exercício moderado e a prática de modalidades que combinam as componentes física e mental (como pilates, yoga ou tai-chi) são benéficas para atenuar a dor e melhorar a resposta funcional dos doentes. ■ Ao nível farmacológico, são usados antidepressivos que combatem as perturbações do sono, reduzem o cansaço e melhoram a resposta à dor. ■ Como o stresse está intimamente associado ao agravamento dos sintomas, o acompanhamento psicológico tem um caráter fundamental no tratamento. 31