TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO O desafio do diálogo inter-religioso entre as principais religiões monoteístas1 The challenge of inter-religious dialogue between major monotheistc religions 2 Solange Rodrigues Vieira Lima 3 Agemir de Carvalho Dias RESUMO ABSTRACT Esta pesquisa procura estabelecer pontos de contato para o diálogo inter-religioso entre as principais religiões monoteístas. Parte do pressuposto da importância do diálogo entre as This research seeks to establish points of contact religiões para o estabelecimento de um ethos da paz. Compreende que a construção do diálogo for inter-religious dialogue among the major monotheistic religions. It assumes the importance of dialogue between religions for the establishment of an ethos of peace. It understands necessita do estabelecimento de pontos de contato. Identifica três pontos comuns entre o that the construction of dialogue requires the establishment of contact points. The research identifies three common points between Judaism, Judaísmo, Cristianismo e Islamismo. Os três pontos identificados se referem a elementos históricos como a mesma origem identificada na fé do patriarca Abraão, elementos teológicos Christianity and Islam. These three identified points are related to historical elements with the same origin identified in the faith of the patriarch Abraham, theological elements such as the belief como a crença em um Deus clemente e misericordioso e em uma ética da submissão representada pelo amor ao próximo e ao cumprimento das leis divinas. Conclui que estes in a gracious and merciful God and an ethic of submission represented by the love for our neighbor and the fulfillment of the divine laws. It concludes that these points of contact listed as the pontos de contato figuram como base para o desenvolvimento de diálogo e aproximação dessas grandes religiões monoteístas e no estabelecimento de um ethos de convivência. Dessa forma quer contribuir para a discussão sobre o estabelecimento da tolerância em um basis for the development of dialogue and approch of these great monotheistic religions and establishment an ethos of coexistence. Thus both contribute to the discussion about the establishment of tolerance in a pluralistic world. mundo plural. Descritores: Diálogo inter-religioso; Judaísmo; Cristianismo; Islamismo; Paz. Keywords: Inter-Religious Dialogue; Judaism; Chistianity; Islam; Peace. Este artigo é baseado no Trabalho de Conclusão de Curso de Solange Rodrigues Vieira em 2010 com o mesmo título, orientado pelo Prof. Dr. Agemir de Carvalho Dias. 2 Bacharel em Teologia pela Faculdade Evangélica do Paraná 3 Professor de Teologia da Faculdade Evangélica do Paraná. Aprovado em: 16/05/2011 Autor para correspondência: Agemir de Carvalho Dias Contato: [email protected] 1 Revista Eletrônica da Faculdade Evangélica do Paraná, Curitiba, v.1, n.1, p.70-83, abr./jun. 2011. 70 O desafio do diálogo inter-religioso entre as principais religiões monoteístas INTRODUÇÃO As religiões têm um papel fundamental na promoção da paz, Küng(1:17) confia em um possível diálogo inter-religioso visualizando uma possível paz entre as religiões e as nações. Suas principais teses se resumem da seguinte forma: “Não haverá paz entre as nações, se não existir paz entre as religiões. Não haverá paz entre as religiões, se não existir diálogo entre as religiões. Não haverá diálogo entre as religiões, se não existirem padrões éticos globais.“ O diálogo inter-religioso representa um dos maiores desafios que a humanidade enfrenta na neo-testamentários e a dos islâmicos é o Alcorão. A proposta de diálogo entre cristãos e islâmicos na perspectiva de seus escritos sagrados parece ser difícil. Mas, o diálogo pode acontecer através da consideração de serem civilizações irmãs, pois o cristianismo tem convivido com o islã desde o seu surgimento. O diálogo entre judeus e islâmicos tem sido conturbado devido os conflitos políticos que tem ocorrido no Oriente Médio. No entanto, apesar destes conflitos, muitos outros pontos comuns podem ser percebidos, que aproximam os judeus particularmente mais dos muçulmanos do que dos cristãos. Contudo, percebe-se a possibilidade de se atualidade. O diálogo requer uma conversação sobre um tema comum entre pessoas de opiniões diferentes. Mesmo porque, as opiniões diferentes expõem uma relativização da verdade, pois do haver um diálogo entre estas culturas, através do fundamento ético comum existente entre as religiões monoteístas. ponto de vista do diálogo inter-religioso, toda religião que afirme e promova o ser humano ELEMENTOS HISTÓRICOS representa de certa forma uma possibilidade de ser verdadeira, devendo, portanto ser respeitada. Nesse sentido o conhecimento da verdade do outro pode levar a aprendizagem e o crescimento mútuo. A hipótese deste trabalho, é que o diálogo entre as três principais religiões monoteístas – o Há dificuldades quanto a questão de determinar precisamente quando se inicia a história do povo judeu. Geralmente os documentos extrabíblicos relacionados ao período mais antigo da história judaica são escassos e sujeitos à debates. No Judaísmo, Cristianismo e o Islamismo - é possível, pois elas compartilham elementos teológicos, históricos e éticos que lhe são comuns. Entre os elementos comuns históricos das religiões monoteístas destaca-se a origem dessas religiões. Teologicamente, a crença em um único Deus criador, eterno e indivisível, também é um ponto comum entre estas religiões. Os monoteístas têm seus principios de fé regidos eticamente pelas suas Escrituras Sagradas. A fé dos judeus é concretizada em Moisés através da obediência da lei contida na Torá, enquanto o livro sagrado dos cristãos é a Bíblia que contém a Torá e os escritos entanto, Eliade,(2:15) comenta que a religião judaica surge por volta do ano 2000.a.C, podendo ser considerada a primeira religião monoteísta a aparecer na história. O povo judeu descende em parte dos amoritas ou “ocidentais” que se instalaram na Mesopotâmia no fim do III milênio, identificando-se talvez parcialmente com os habirus4 mencionados nas fontes da metade do segundo milênio. A Bíblia muitas foi por diversas vezes questionada como fonte histórica, nela a origem do povo judeu tem seu início através de um pacto eterno feito por Deus com o Patriarca Abraão e sua descendência. 4 Os registros egípcios falam de 'apiru' enquanto os escritos em acádio (língua semítica oriental) referem-se à habiru. Estes 'apiru/habiru' eram mercenários. [...] A palavra “hebreu” deriva de habiru é originalmente uma palavra sociológica, e não étnica.(4:91) Revista Eletrônica da Faculdade Evangélica do Paraná, Curitiba, v.1, n.1, p.70-83, abr./jun. 2011. 71 O desafio do diálogo inter-religioso entre as principais religiões monoteístas Quando a bíblia é lida, em conjunto com a busca de vestígios arqueológicos e de outras fontes de informação antigas, se usada as mesmas ferramentas na leitura de outros textos religiosos antigos, esta leitura pode apontar alguns dados históricos úteis; mas a bíblia é a história do próprio povo judeu sobre suas origens e, como qualquer outra história de origens nacionais, deve ser tratada com cautela (3:15) e de modo crítico. No mito de origem da formação do povo judeu, o patriarca Abraão era originário de Ur da Caldéia, teria sido um defensor do monoteísmo em um mundo de idolatria, e pela sua fidelidade a Deus teria sido recompensado com a promessa de que teria um filho. Abraão recebe um sinal de Deus para abandonar o politeísmo e iniciar uma longa jornada a Canaã (atual Palestina), a “Terra Prometida”. Abraão tem um filho chamado Isaque, e Isaque um filho chamado Jacó. Jacó gera doze filhos que dão origem às doze tribos, que constituem a descendência de Abraão. Tradicionalmente Abraão é reconhecido como sendo o pai ou fundador da religião judaica, o que se dá por volta do século XIII a.C., na terra prometida por Deus: Canaã. E isso depois do povo passar grande período no deserto (Êxodo). É com Abraão que começa a ser gestada a idéia do monoteísmo.(5:229) A fase da história correspondente ao período dos patriarcas ou pré-histórica judaica equivale ao tempo dos patriarcas Abraão, Isaque e Jacó, seus descendentes e também sua permanência no Egito, devido á organização patriarcal que vigorava na época. A Bíblia ao afirmar que Israel era monoteísta desde seu patriarca Abraão faz esta afirmação em um sentido teológico, e não exatamente histórico. Israel no início da sua história não foi monoteísta, foi monolátrica, e o monoteísmo resultou de uma elaboração cultural religiosa desenvolvida durante séculos. Estuda-se a história do povo judeu a partir de sua geografia, sendo uma estreita terra que se estende entre o mar Mediterrâneo e o deserto da Síria e da Arábia. Esta terra chamava-se Knaan, servindo de ligação natural entre as terras da Mesopotâmia, banhadas pelos rios Tigre e Eufrates, e o Egito, banhado pelo rio Nilo. O povo judeu era originário do noroeste da Mesopotâmia e constituía-se de grupos nômades que se deslocaram em direção oeste, chegando a Knaan por volta do século XX a.C. Abraão era nômade, que percorria essas terras a procura de pastagens para suas ovelhas. A religião judaica teve sua origem desde o pacto feito por Deus com Abraão, tornando-se uma religião revelada, e não uma religião natural ou filosófica. Das ideias presentes no judaísmo e o seu desenvolvimento influenciado por outros pensamentos religiosos no período do exílio babilônico e de Israel submetido à situação de domínio estrangeiro, levou ao desenvolvimento da esperança messiânica que serviu de elemento básico para o surgimento do Cristianismo. O Cristianismo surge no início do século I, quando o Império Romano dominava toda a região do mar Mediterrâneo. O império Romano e o povo hebreu fazem parte da história desta religião. Portanto, o Cristianismo se mistura com a história do povo judeu, nascendo de uma ramificação do Judaísmo: “[...] época em que o cristianismo não passava de uma seita judaica”.(2:103) Os profetas do Antigo Testamento anunciavam a vinda de um Revista Eletrônica da Faculdade Evangélica do Paraná, Curitiba, v.1, n.1, p.70-83, abr./jun. 2011. 72 O desafio do diálogo inter-religioso entre as principais religiões monoteístas libertador. A religião judaica é de fundamental importância para o Cristianismo, pois quanto ao messias prometido ao Judaísmo, os cristãos entendem ser Jesus Cristo, que veio estabelecer um reino divino. A religião cristã se inicia através dos ensinamentos de Jesus de Nazaré, mas o material sobre a vida de Jesus é praticamente inexistente. As fontes principais de matérias sobre a vida de Jesus são documentos encontrados no Novo Testamento e evangelhos apócrifos. O marco fundamental da origem do Cristianismo refere-se ao nascimento de Jesus Cristo. Nos evangelhos de Mateus e Lucas o nascimento de Jesus é mencionado como sendo em Belém, na cidade de Davi, situando-se cronologicamente nos dias de Herodes, rei da Judéia. Os evangelhos relatam que Jesus foi concebido pela ação do Espírito Santo e sua mãe chamava-se Maria. Segundo Pierrard(6:16) “Jesus nasceu da Virgem Maria, em Belém, no ano 4 ou 5 antes da era que leva seu nome”. Jesus cresce em Nazaré, numa pequena cidade da região da Galiléia, mas sua juventude não é relatada nos evangelhos. O único relato bíblico sobre sua juventude acontece no templo de Jerusalém, quando Jesus é encontrado conversando com os doutores da lei, tendo já a idade de doze anos. Jesus começa a sua pregação somente após ser batizado por João Batista. Ele anuncia ao povo um novo reino, chamando o povo para o arrependimento e proclamando o perdão de Deus. Seus ensinamentos morais, como o amor a Deus e ao próximo, fizeram com que sua vida passasse a ser um exemplo a ser seguido, segundo Pierrard(6:15) “O nome de Jesus não se inscreveu simplesmente na história do mundo; ele marcou-a profundamente”. Jesus era chamado de rabi, mestre ou professor. Suas parábolas ou sermões eram usados para ensinar tanto aos seus discípulos como os demais seguidores. Porém, todas as ações de Jesus, a sua maneira de lidar com as pessoas, a sua mensagem, seus muitos milagres e também a quebra de muitas tradições, provocaram sentimentos de ira com respeito aos seus opositores. Este sentimento de ódio fez com que Jesus fosse julgado e condenado a morte, e morte de cruz. O relato bíblico do julgamento, condenação e crucificação de Jesus Cristo foi inteiramente confirmado, até nos menores detalhes, pelos estudos de vários cientistas, que verificaram que ele estava de acordo com as tradições históricas. Estudos arqueológicos identificaram o local em que os fatos aconteceram. Todo o processo, inclusive os personagens que dele participaram, foram confirmados por fontes históricas e pesquisas modernas.(7:396) A morte de Jesus é compreendida pelos cristãos como algo anunciado pelos profetas do Antigo Testamento. Mas o ponto principal da fé cristã é a ressurreição de Cristo dentre os mortos. Após a morte e ressurreição de Jesus, a religião cristã continuou através da pregação da volta do Cristo pelos seus apóstolos. Foi a partir do entusiasmo da ressurreição de Jesus e na expectativa de uma parusia iminente que houve a expansão das primeiras comunidades cristãs. Tanto o cristianismo e o judaísmo se expandiram para além do Império Romano. Nesse mundo limítrofe com o Império Romano as ideias monoteístas conviviam com outras politeístas. E é no mundo árabe, limite do Império Romano, que teremos o desenvolvimento da terceira força monoteísta que ficou conhecida como islamismo. Revista Eletrônica da Faculdade Evangélica do Paraná, Curitiba, v.1, n.1, p.70-83, abr./jun. 2011. 73 O desafio do diálogo inter-religioso entre as principais religiões monoteístas A palavra islã significa submeter, e exprime a submissão à lei e à vontade de Deus, ou Alá. Alá significa “o Deus”, Flor(8:58) explica “Alá é formado pela união do artigo definido al (que significa o) com Alah (Deus)”. Seus seguidores são chamados de muçulmanos, significando aquele que se (2:191) submete a Deus. Conforme Eliade “A palavra islã deriva da quarta forma verbal da raiz slm: aslama, 'submeter-se' e significa 'submissão (a Deus)', muslim, muçulmano, é seu particípio presente: '(aquele) que se submete (a Deus)'.” A história das três religiões monoteístas tem como seu patriarca Abraão. Porém, tanto para o Judaísmo como para o Cristianismo, Abraão continua sua descendência através de Isaac. Contudo, para os muçulmanos a descendência de Abraão é através de seu filho Ismael. Segundo o Alcorão, Ismael foi para o local onde se ergueria Meca. Seus descendentes, florescendo na Arábia, tornaram-se muçulmanos; enquanto os descendentes de Isaac, que permaneceram na Palestina, eram hebreus e se tornaram judeus.(8:58) O Islamismo tem como seu principal profeta Maomé, no entanto ele não foi o único profeta a tentar unificar a Arábia religiosamente, houve outros anteriormente, mas somente ele alcançou a forma definitiva do Islamismo. A etapa pré-islâmica se deu por volta dos séculos III-IV d.C., segundo afirma Bingemer.(5:176) Os árabes antes do Islamismo acreditavam nas forças da natureza, veneravam Alá juntamente com divindades masculinas e femininas. Mas somente após Maomé, esses cultos aos deuses tribais foram substituídos pelo monoteísmo. No tempo de Maomé, o culto dos deuses tribais havia relegado a segundo plano a antiga religião astral do Sol, da Lua e de Vênus. A principal divindade tribal era adorada sob forma de uma pedra, talvez meteórica, de uma árvore ou de um bosque. Em sua honra erigiam-se santuários, apresentavam-se oferendas e sacrificavam-se animais. A existência de espíritos onipresentes, às vezes malignos, chamados djins, era universalmente admitida antes e depois do advento do islamismo. Alá, 'Deus', era venerado ao lado das deusas (2:191) árabes. Maomé vem de uma família cuja genealogia descende diretamente do filho de Abraão: Ismael. Segundo Damião(7:310) o nome de Maomé segundo a onomástica árabe seria “Abulqasim Mohammad ibn Abdullah ibn Abd al-Muttalib ibn Häshinm, e a tradução para o português quer dizer “louvado”. Maomé nasceu em Meca, na tribo de Quraysh no ano de 570 d.C. Era órfão de pai e sua mãe faleceu quando ele ainda tinha seis anos de idade. Passou então a ser cuidado pelo avô, mas este também veio a falecer. Então foi adotado pelo seu tio paterno. Ainda em sua juventude, começou a trabalhar para uma viúva rica chamada Khadija. Ela ficou encantada com a dedicação e honestidade do rapaz que além de apaixonar-se por ele, propôs casamento. Por volta dos quarenta anos Maomé começa a fazer meditações na caverna de Hira onde teve uma visão com o anjo Gabriel: O anjo Gabriel apareceu-lhe e ordenou que ele lesse o que estava escrito diante dele. A luz era tão intensa que Maomé desmaiou. Ao acordar, disse ao anjo que era analfabeto e que, por isso, não Revista Eletrônica da Faculdade Evangélica do Paraná, Curitiba, v.1, n.1, p.70-83, abr./jun. 2011. 74 O desafio do diálogo inter-religioso entre as principais religiões monoteístas poderia ler. O anjo então lhe apertou fisicamente o corpo e voltou a ordenar Surgida a partir de uma realidade politeísta vividapor muito tempo pelo povo hebreu, passou que ele lesse, obtendo, porém a mesma resposta. Isto aconteceu quatro vezes, por uma fase henoteísta até alcançar o estado final monoteísta. Vindo, portanto posteriormente a se até que Maomé repetisse as palavras que estão nos primeiros cinco versículos da sura 96:(9:66) tornar o monoteísmo o conceito central da fé do Judaísmo. Silva e Silva(11:305) comenta que o Em nome do Deus, o Clemente, o Misericordioso. Recita em nome de teu Senhor que criou, Criou o homem de sangue coagulado. Recita. E teu Senhor é o mais generoso, Que ensinou com a pena Ensinou ao homem o que não sabia. (Sura 9610:1-5) Após a visão do anjo, Maomé durante algum tempo falou sobre a sua revelação e missão somente para as pessoas mais próximas. Mas esta revelação se alastrou e muitas pessoas passaram a frequentar as reuniões públicas onde pregava. Com a popularidade crescente, após três anos de pregações encontra muita oposição e as autoridades o expulsaram de Meca. Dirige-se então para a cidade de Medina onde fica por aproximadamente dez anos. Como comenta Bingemer(5:177) Maomé estabelece então em Medina a doutrina islâmica, e constrói a primeira mesquita para que os muitos fiéis pudessem se reunir. Conforme Kamel(9:70) “[...] o calendário muçulmano teve seu marco zero aí, em 622, ano Hégira, em árabe Hi'jra (emigração)”. 5 henoteísmo pode também ser chamado de monolatria, pois a atenção dada a um só deus que se refere na monolatria é feita pelo fiel que pertence a uma religião politeísta. Concluindo que a monolatria “é o culto a um só deus, conquanto se admite a existência de outros deuses, que não são contestados” A síntese da fé judaica é o Shemá: “principal oração dos judeus, passou a significar por causa de seu conteúdo, profissão de fé” Schüler(12:425). “Shemá Israel” são as duas primeiras palavras desta oração recitada pelo povo judeu pela manhã e pela noite, que se encontra em Deuteronômio 6.4 “Ouve, ó Israel; o Senhor teu Deus é o único Senhor” A partir de Abraão pode-se dizer que começa a crença em um só Deus. Deus na antiguidade semítica era conhecido como El, mas segundo Sulliani(13:251) “El era uma das tantas divindades do panteão palestinense, junto com Baal, Astarté, Kronos, e outros tantos, ligados ao culto da terra, da fertilidade e dos ciclos da natureza”. Somente no tempo em que Israel estava no cativeiro egípcio, houve a manifestação de Deus a Moisés como ELEMENTOS TEOLÓGICOS Yahweh. A continuidade desta fé se concretiza em Moisés através da obediência e da lei, pois os judeus acreditam que foram escolhidos para receber de Deus a Torá, ou o Pentateuco, ou ainda a primeira parte do Tanach6. A Torá tem seu início no livro de Gênesis, e abrange todo o ensinamento passado de Deus para Moisés e as gerações posteriores, A religião de Israel teve um caráter evolutivo até se tornar uma religião monoteísta. comunicando assim a vontade do criador às criaturas. A Torá descreve a história da criação do universo, da humanidade, e a vida dos patriarcas. 5 Tem sua etimologia no grego, Henós significa um, e Théos, que significa Deus, dando a ideia de um único Deus.(14:41) Torá (lei) no conceito cristão. Em linguagem coloquial da época do Antigo Testamento a Torá designa o ensinamento da mãe e do pai para introduzir seus filhos nos caminhos da vida e adverti-los das ciladas da morte.(17:12) 6 Revista Eletrônica da Faculdade Evangélica do Paraná, Curitiba, v.1, n.1, p.70-83, abr./jun. 2011. 75 O desafio do diálogo inter-religioso entre as principais religiões monoteístas Continua com a origem, o desenvolvimento e a permanência do Povo de Israel e, ainda, adverte ser supremo, absoluto, infinito espiritual e pessoal. Esse ser é o criador da terra dos céus, do universo, e sobre as leis que devem ser obedecidas pelos judeus. Mas somente a partir dos patriarcas se tudo que neles há. Essa crença baseia-se na existência em um só Deus onde este é onipotente, onisciente e onipresente O livro sagrado do Cristianismo é a Bíblia, eles lêem e meditam neste livro porque o aceitam como sendo a palavra de Deus. A Bíblia é dividida em dois grandes blocos, o Antigo Testamento e Novo Testamento. Os Testamentos lembram o começa a falar de um único povo, como comenta Crüsemann(15:14) “A partir dos patriarcas, contudo, se fala de um único povo, e somente para ele vale a aliança e somente nesta aliança a Torá tem seu lugar”. A Torá apresenta 613 mandamentos ou mitzvót (plural de mitzvah) que devem ser cumpridos por todos os filhos de Israel, mandamentos que compreendem 248 preceitos positivos (o que se deve fazer) e 365 preceitos negativos (o que não se deve fazer). Entretanto, faz-se necessário informar acordo que Deus fez com os seres humanos através das suas promessas. No Antigo Testamento são referidas as promessas a Abraão de se tornar pai de uma grande nação, de onde viria o messias, além de outros escritos proféticos. Assim, para Damião(7:24) ”O Cristianismo assumiu o Deus hebraico e, com o como, por exemplo, as que discutiam os sacrifícios oferecidos no Templo.(16:52) passar do tempo, as escrituras judaicas se tornaram o Antigo Testamento na Bíblia cristã.” No Novo Testamento a promessa é cumprida através da vinda do messias na pessoa de Jesus Cristo. O cânon cristão, também conhecido como Novo Testamento consiste em 27 livros e, levou cerca de quatro séculos para ser constituído.(2:1999) O Judaísmo monoteísta se fundamenta na fé em Deus e na obediência à lei. Esta relação fé e lei tornam-se uma peculiaridade para os judeus, por causa de seu modo de vida. Porém, mesmo se Os cristãos acreditam em um único Deus, mas entendem que ele se revela de uma forma trinitária: Pai, Filho e Espírito Santo. Neste ponto os monoteístas judeus e muçulmanos discordam com os cristãos. Eles creem que a doutrina da Trindade que muitos mandamentos se referem a práticas que não estão mais em vigor, fundamentando na fé em Deus e na obediência da lei, “não existe nenhuma teologia judaica oficial”.(17:226) Contudo, esta fé é que faz do judaísmo uma religião. De certa forma esta flexibilidade teológica do Judaísmo é que permitiu que diversos rabinos comentassem a Torá e formassem certo corpo de pensamento que serve de orientação para a fé judaica. É como um rabino e profeta que Jesus de Nazaré ficou conhecido no seu tempo. Baseado nos ensinamentos da Torá e de Jesus de Nazaré o Cristianismo elaborou a sua fé em Deus. O Cristianismo baseia sua fé em um único divide a Deidade em três pessoas divinas separadas e distintas: Deus o Pai, Deus o Filho e Deus o Espírito Santo. Entendem que o Cristianismo não é monoteísta, e sim politeísta tendo os cristãos, portanto três deuses. Entender a Trindade como sendo três divindades distintas não reflete a complexidade doutrinária do pensamento cristão: O nome trindade parece significar a única essência das três pessoas, na medida em que trindade quer dizer a unidade de três. Mas, segundo o sentido Revista Eletrônica da Faculdade Evangélica do Paraná, Curitiba, v.1, n.1, p.70-83, abr./jun. 2011. 76 O desafio do diálogo inter-religioso entre as principais religiões monoteístas próprio, significa o número das pessoas de uma única essência. Por Em nome de Deus, o Clemente, o Misericordioso. isso não se pode dizer: o Pai é a trindade, porque ele não é as três Louvado seja Deus, o Senhor dos mundos, O Clemente, o Misericordioso, O Soberano do dia do Julgamento. A Ti somente adoramos. Somente a Ti imploramos socorro. Guia-nos na senda da retidão, A senda dos que favorecestes, não dos pessoas. Portanto, este nome não significa as relações das pessoas, mas o número das pessoas relacionadas.(18:546) Analisando a natureza de Jesus, ao mesmo tempo em que ele se revela um com o Pai, revela também sua natureza humana. Pois para ele, todos os momentos vividos como homem é tão real quanto as suas qualidades e habilidades transcendentais. O Cristianismo se diferencia do que incorrem na Tua ira, nem dos que estão desencaminhados. (Sura 110) Judaísmo e do Islamismo na sua concepção monoteísta quando afirma a encarnação de Deus em Jesus Cristo, temos assim um critério revelacional que não se baseia em uma palavra Para os muçulmanos o Alcorão é a palavra de Deus transmitida por Gabriel ao profeta Maomé. Neste livro, Deus fala na primeira pessoa, onde Alá dá a conhecer todas as suas leis. Pensando desta ditada ou revelada, mas em uma palavra encarnada. O Islamismo também pode ser chamado de forma o Alcorão não fala da verdade, ele é a verdade. Na visão muçulmana, Deus se revelou primeiramente aos judeus depois aos cristãos, mas ambos desobedeceram as suas ordenanças. Mediante este ato de desobediência, estes devem ser orientados novamente para andarem no caminho da verdade, através da verdadeira religião fundada por Abraão e pregada pelo último profeta Maomé. Os dogmas do Islã são enumerados por Challita:(19:19-21) Os muçulmanos crêem que Deus é único e onipotente. É o Senhor e criador dos céus, da “a religião do livro”, pois da mesma forma que o Judaísmo compreende ser sua fonte de fé a Torá, e o Cristianismo os Testamentos, o Islamismo tem como seu livro sagrado o Alcorão. O Alcorão tem uma grande significância para os islâmicos porque acreditam que este livro é a palavra de Deus, como nos ensina Eliade:(2:202) “Kalãm significa 'palavra'. Corão é kalãm Allâh, 'palavra de Deus'. 'Ilm alkãlam é a teologia dialética do islã, cujas origens devem ser buscadas na tradição apologética e heresiológica.” O Alcorão é dividido em 114 capítulos (suras ou suratas) sendo que os capítulos são subdivididos em versículos totalizando 6216 versículos (aiat), Damião(7:323) ainda comenta que o “livro sagrado dos muçulmanos é eterno e imutável, cópia de um protótipo celestial, escrito em língua árabe, considerada a língua dos anjos.” O primeiro capítulo ou sura do Alcorão é muito curto e figura as orações diárias dos muçulmanos: terra e tudo o que neles existe. Acredita que os homens são seus servos, e nada acontece senão pela vontade soberana dele. Deus sabe tudo e pode tudo, pois seu poder é ilimitado. Acreditam na ressurreição dos mortos, no juízo final, no inferno e no paraíso. Maomé é considerado o mensageiro de Deus, e através dele é transmitida a vontade do Senhor aos homens. A classificação dos homens no Alcorão não é conforme sua raça, cor, nacionalidade, cultura, posses econômicas e clãs sociais. Todos são iguais perante Deus, contudo o Revista Eletrônica da Faculdade Evangélica do Paraná, Curitiba, v.1, n.1, p.70-83, abr./jun. 2011. 77 O desafio do diálogo inter-religioso entre as principais religiões monoteístas que os distingue é a sua fé. Os islâmicos seguem diariamente e por toda a sua vida como se fossem uma ordem os cinco pilares, pois além das verdades em que eles devem crer existem estes deveres que devem seguir: 1. Caminho da retidão – Deus é um só e Maomé o profeta. 2. Dizer as preces rituais cinco vezes ao dia. 3. Praticar a caridade, através de pagamento de taxa, uma espécie de esmola obrigatória para ajudar a aliviar o fardo dos menos afortunados. 4. Observar o mês do Ramadã. Cumprir o jejum desde o nascer do sol até o crepúsculo. 5. Realizar a peregrinação a Meca, todos os adultos que possuam condições físicas e econômicas pelo menos uma vez na vida. Na religião islâmica não existem sacramentos ou sacerdotes. Todas as práticas religiosas são seguidas através de um caráter muito rígido. Quando os fiéis seguem estas práticas demonstram pertencer à comunidade islâmica, bem como ter atingido um grau relativamente alto de disciplina pessoal e social. ELEMENTOS ÉTICOS Os judeus se preocupam com seus atos e comportamentos que devem estar baseados no estrito cumprimento da Torá. Esta ética judaica, definida através da Torá, abrange todas as áreas da vida de uma pessoa. Esta preocupação com a ética é motivada pelas palavras encontradas em Deuteronômio 10.12 “Povo de Israel, escute o que o Senhor Deus exige de você.” As leis da ética são de conduta ou ritual vista como uma obrigação devida, não a qualquer autoridade humana, mas ao próprio Deus, de modo que, ao cumpri-la, a pessoa conduz a própria vida e, de algum modo, o mundo para uma harmonia mais próxima a Sua (17:329) vontade. Como já foi observado anteriormente, o número total de mitzvot é de 613, dos quais 248 são de natureza positiva e 365 proibições. Mas, observa ainda Goldberg(17:330) que dentre estes 613 mitzvot, grande parte não são mais praticáveis devido às condições ou instituições referidas não mais existirem após o período bíblico. No entanto, mesmo grande parte sendo abolida, a questão da ética com respeito ao relacionamento do homem com o seu semelhante, com Deus e com a lei civil ainda é uma importante característica da ótica judaica. O termo hebraico Halachá significa caminho, podendo ser traduzido também como lei e “estabelece normas éticas por um sistema jurídico”.(20:264) A lei moral na visão judaica deve ser também incluída a lei civil. Pois esta lei civil também implica nas consequências que as relações humanas podem causar, devendo ser conduzidas de acordo com as exigências de justiça, compaixão e paz, que todos têm direito. O motivo ético é implícito, e não apenas no que é ou não permitido fazer do comportamento moral pessoal, mas também naquelas grandes partes da legislação talmúdica e do Pentateuco que se referem a comércio, trabalho, crime, governo e política social.(17:330) expressas através do mitzvá7. O mitzvá (plural, mitzvot) é uma regra 7 A Halachá fornece os instrumentos necessários para se chegar a um determinado lugar. A palavra mitzvá significa mandamento. Revista Eletrônica da Faculdade Evangélica do Paraná, Curitiba, v.1, n.1, p.70-83, abr./jun. 2011. 78 O desafio do diálogo inter-religioso entre as principais religiões monoteístas Lugar esse devendo ser o da santidade, moralidade e ética, mas essas leis da ética e conduta do povo judeu dependem exclusivamente do modo como cada um vai usá-la. Porém a palavra ética e moral, mesmo sendo usadas indiferentemente, possuem significados diferentes. A moral pode ser relacionada às ações, ou a conduta real. Enquanto que a ética há princípios ou juízos que originam essas ações. Assim, a ética e a moral podem ser comparadas entre a teoria e a prática. Outra fonte da ética judaica é o Talmude que é uma compilação da lei judaica. Nesta concepção se encontra o dogma fundamental e único do judaísmo, segundo o qual, a revelação divina tem duas vertentes: uma escrita e outra oral que não são nada mais que dois aspectos da mesma lei, transmitida a Moisés no Monte Sinai, tratando de assuntos legais e rituais com discussões teológicas e éticas. O judaísmo é constituído pela memória de gerações, em que os mais velhos têm a obrigação de transmitir os conhecimentos para os mais novos. Este fato, demonstra a importância que se atribui no judaísmo à questão do ensino e da educação de um modo geral. Encontramos em Deuteronômio uma alusão à importância do recebimento e da transmissão de conhecimentos por herança, assim como Moisés em seus mandamentos, afirma o dever de ensinar e estudar a Torá e o de honrar os estudiosos e idosos que nele estão citados. A Torá sendo à base do Judaísmo em conjunto com os preceitos da lei rabínica, contidos no Talmud, e das Mitzvót, são entendidos como um todo indissociável da religião judaica. Por ser uma religião que supervaloriza a moralidade, grande parte de seus preceitos baseia-se na recomendação de costumes e comportamentos idôneos. A palavra ética não é encontrada nas páginas da Bíblia, mas o fato da palavra não estar na Bíblia não torna menos imperativa a compreensão do que a ética venha a significar para o cristão. No entanto podem ser encontrados no livro de Provérbios normas éticas que regem a vida cristã, tais como: preceitos, admoestações e lições morais. A palavra ética segundo Lombardi e Goergem(21:42) “deriva do grego éthos e significa, por um lado, modo de ser que é construído historicamente pelos homens, mas o principal sentido usado indica estudo ou análise dos costumes, da conduta humana.” (22:131) Vidal explica que a ética tem um significado muito parecido com a moral, ”O termo grego 'ética', do ponto de vista etimológico, remete-nos ao vocábulo grego ethos, que significa: lugar onde se habita, modo de ser ou caráter. A ética cristã está fundamentada na revelação de Deus e sua vontade, contidas nas Escrituras Sagradas. Ela está condicionada aos ensinamentos de Jesus Cristo, sendo que ele é o exemplo da perfeita revelação da vontade de Deus, Vidal(22:69) explica que “[...] o reino de Deus, que chega através de Jesus, exige e possibilita um novo comportamento por parte do homem.” Para efetivar os princípios éticos e morais da religião cristã, se faz necessário buscá-la através das leis morais divinas, que a partir dela, determinam o que é melhor para a sociedade humana. No entanto, além de proporcionar melhorias para a sociedade humana, ela projeta o homem para além deste mundo material, na busca de um sentimento eterno para sua vida. Esta última menção pode ser atribuída também ao Judaísmo e o Islamismo. A característica mais importante que fundamenta o princípio ético do Cristianismo é o amor. Está palavra “amor” pode ser mal entendida ou talvez usada de uma maneira pejorativa, razão pela qual ela pode ter vários sentidos. Existem três definições extraídas do grego para a palavra amor: Revista Eletrônica da Faculdade Evangélica do Paraná, Curitiba, v.1, n.1, p.70-83, abr./jun. 2011. 79 O desafio do diálogo inter-religioso entre as principais religiões monoteístas ? eros, do qual se derivou o termo português mas buscando o bem da pessoa amada. Por erótico (amor sexual). Essa forma de amor é isso, o amor ágape é aquela forma de amor em que o perdão está acima de tudo, e se é capaz de aceitar aqueles com quem não simpatizamos. Essa forma de amor foi magistralmente sintetizada por Cristo quando, na cruz, perdoou a seus algozes orando a Deus, dizendo: ' Pai, perdoa-lhes, marcada por atração e intimidade, e está sujeita às instabilidades emotivas das pessoas, pois manifesta-se através de paixões, as vezes, incontroláveis. Por isso o amor meramente erótico tem se tornado uma forma de amor bestial e desumana, na qual o parceiro sexual não passa de um objeto de prazer egoísta. O amor Eros, sem dúvida nenhuma, nunca poderá ser o fundamento da ética cristã, mas infelizmente é tolerado na ética social. porque não sabem o que fazem'; ou quando Cristo ensinou uma prática ética na qual afirma: 'se te baterem numa face, oferece também a outra'. Tudo isso Cristo sintetizou na expressão: 'Amai-vos uns aos outros como eu vos amei'.(23:195-196) ? filos, do qual temos em português o termo filantropia (caridade). O amor de tipo filos é aquele que se dá entre pais e filhos, irmãos e irmã, e entre parentes ou pessoas unidas por laços afetivos sem que haja entre elas relação sexual (amor eros). Contudo, o amor filos está sujeito ao egoísmo humano, pois 'amamos' preferencialmente as pessoas que nos são afetivamente mais íntimas e excluímos as demais. Assim este também não serve de fundamento para a ética cristã. ? ágape é uma forma toda especial de amor, que transcende aos dois tipos anteriores e aponta para o amor divino (amor de Deus), que naturalmente não se encontra no ser humano a não ser que tenha sido comunicado ao homem da parte de Deus pelo vínculo da fé. Ao receber Dele esse amor, o homem passa a estar apto a relacionar-se como seu semelhante. O amor ágape tem como característica uma forma de amor na qual as pessoas estabelecem entre si uma relação de intimidade espiritual, ou seja, amam-se sem qualquer busca sem interesse ou vantagem pessoal, Mediante a definição de amor acima descrito, nota-se que o amor ágape é que deve ser praticado pelos cristãos no cumprimento dos mandamentos divinos. No entanto, para os cristãos o amor ágape é desenvolvido através do cumprimento dos Dez Mandamentos encontrados em Êxodo 20.117. Estes mandamentos divinos são mais do que um manual de comportamento humano e social, eles indicam e sugerem como exercer o amor ágape. São mandamentos que ajudam na aceitação mútua do ser humano através da compreensão e do perdão. Os Dez Mandamentos podem ser divididos em dois grupos: amar a Deus e amar ao próximo. Este mandamento também foi um dos ensinamentos primordiais de Jesus, pois afirmou que os sentimentos fundamentais que devem existir no coração do homem e nortear a sua vida, são o amor a Deus acima de todas as coisas, e o amor ao próximo como a si mesmo. Por sua vez, as leis muçulmanas são estabelecidas através das obrigações religiosas morais e sociais que seus seguidores obedecem não havendo, portanto uma distinção entre a fé e a moral. Da mesma forma que não existe distinção entre fé e moral, também não existe distinção entre religião e Revista Eletrônica da Faculdade Evangélica do Paraná, Curitiba, v.1, n.1, p.70-83, abr./jun. 2011. 80 O desafio do diálogo inter-religioso entre as principais religiões monoteístas política. O caminho correto que os homens devem seguir foi mostrado por Deus, Kretschmann(24:106) afirma que “a submissão aos princípios Islâmicos apoia-se na consciência, crença e fé do homem, sob Suna, o Ijma e o Quias. O Alcorão contém os princípios fundamentais do islamismo, sendo o controle divino.” A ética islâmica é seguida conforme as leis divinas, sendo expressas, sobretudo através do Alcorão. Essas leis são extremamente severas para os que as negligenciam, contudo aos que se arrependem lhes é concedida a clemência. Pois Deus é compassivo e misericordioso, “Deus é considerado pelos muçulmanos um livro sagrado, eterno e imutável. A Suna é o conjunto de fatos e acontecimentos da vida de Maomé. O Ijma interpreta a lei islâmica através de um consenso geral. O Quias é o raciocínio analógico, adquirido através de um processo onde novas crenças e novos modos de conduta são deduzidos. perdoador e Clemente” Sura 4.16. O Alcorão contém tanto um código penal como um código Pode-se afirmar que a submissão a um Deus clemente e misericordioso é um ponto de contato entre as três religiões monoteístas estudadas. Uma ética que se constrói tendo como partida o amor a civil. Estes códigos regularizam assuntos relacionados com o governo da sociedade, a economia, o casamento, a moral, o status, a mulher e outros. A lei do Alcorão é feita de dois elementos: uma severidade rigorosa (notadamente contra os assassinos, os adúlteros, os ladrões, os renegados) e um espírito de indulgência, de justiça e (19:22) de perdão. No entanto, quando surgem fatos que o Alcorão não consegue solucionar de uma forma clara e indiscutível, a religião muçulmana recorre a dois princípios estabelecidos para adaptar e também interpretar as regras da escritura e da tradição: o primeiro princípio é o da similaridade conduta, de comportamento e de alimentação. A Sharia contém quatro fundamentos: O Alcorão, a Deus e o amor ao próximo também é um elemento comum para a formação de uma ética. CONCLUSÃO O Diálogo entre as grandes religiões monoteístas é possível de ocorrer. A busca de pontos comuns para o diálogo é muito perceptível entre estes agrupamentos. Vários elementos comuns podemos constatar nas religiões monoteístas objetos desta análise. Certamente os elementos históricos e seguido pelas pessoas e pela sociedade. Ela também determina toda a espécie de normas de geográficos são os mais evidentes. As religiões monoteístas provenientes do Oriente Médio compartilham um mesmo lugar cultural e histórico. Assim Abraão é o patriarca para o Judaísmo, o Cristianismo e o Islamismo. Da mesma forma Jerusalém é considerada cidade sagrada para as três religiões. A afirmação de que há apenas um único Deus, também é comum a essas três religiosidades. A doutrina da trindade revela uma compreensão específica do cristianismo de como a divindade se revela, mas nem por isso a afirmação dessa compreensão doutrinal é de negação do pensar, de agir, e apresenta as diferentes formas de monoteísmo. Também as ideias de juízo final, da ou analogia, e o segundo principio é o consenso coletivo. Porém, para os Xiitas8 ainda há um terceiro princípio, o conceito sobre a revelação. Os muçulmanos dirigem suas vidas religiosas através de uma prática chamada de Sharia. Ela é o caminho divino que deve sempre ser 8 Os xiitas são partidários de Ali, genro de Maomé, quarto chefe da comunidade islâmica, que reclamou para si o poder alegando que a sucessão de Maomé deveria seguir uma linha de sangue.(7:325) Revista Eletrônica da Faculdade Evangélica do Paraná, Curitiba, v.1, n.1, p.70-83, abr./jun. 2011. 81 O desafio do diálogo inter-religioso entre as principais religiões monoteístas necessidade de comportamento ético, da profecia como elemento revelacional. A Palavra Divina codificada em um livro sagrado são ideias presentes nessas três religiosidades. Pode-se ainda destacar que o Judaísmo, o Cristianismo e o Islamismo são religiões éticas. Essas três religiosidades mantêm um padrão de comportamento. Tanto a Torá, quanto a Bíblia e o Alcorão são livros que procuram pautar o comportamento dos crentes. Todas elas entendem que não é o homem a medida de todas as coisas, 4. Craghan JF. Êxodo. In: Bergant D, Karris RJ. (org.) Comentários bíblicos. 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O dialogo entre as religiões monoteístas é um imperativo diante da situação de conflito e de choque de civilizações que vive o mundo presente, saber identificar pontos de contato para o diálogo é uma contribuição importante para se criar um ethos de paz. REFERÊNCIAS 1. Küng H. Religiões do mundo: em busca dos pontos comuns. Campinas: Verus; 2004. 2. Eliade M. Dicionário das religiões. 2.ed. São Paulo: Martins Fontes; 1999. 3. Scheindlin RP. História Ilustrada do Povo Judeu. Rio de Janeiro: Ediouro; 2003. 9. Kamel, A. Sobre o Islã: afinidades entre muçulmanos, judeus e cristãos e as origens do terrorismo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira; 2007. 10. O Alcorão. Challita M, tradutor. Rio de Janeiro: Associação Cultural Internacional Gibran. Editora/ ACIGI; [data desconhecida]. 11. Silva KV, Silva MH. Dicionário de Conceitos Históricos. 2.ed. São Paulo: Contexto; 2006. 12. Schüler A. Dicionário Enciclopédico de Teologia. Canoas: ULBRA; 2002. 13. Suliani A. 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