Sobre o professor Antonio Dias Leite Em 1941, Antonio Dias Leite formou-se em Engenharia pela Escola Politécnica da UFRJ. Foi professor desta Escola e da Faculdade de Economia da UFRJ durante 40 anos. Licenciado da UFRJ, foi presidente da Companhia Vale do Rio Doce (1967 a 1969) e Ministro de Minas e Energia (1969 a 1974). Em 1974 retornou à UFRJ onde permaneceu até sua aposentadoria. Publicou diversos trabalhos entre os quais se destacam: “Estimativa da renda nacional do Brasil” (1951); “Caminhos do desenvolvimento” (1966); “Política mineral e energética” (1973); e “A energia do Brasil”, que recebeu o prêmio Jabuti de 1998. Publicou, também, “Crescimento econômico” (1999) e uma série de artigos sobre o mesmo tema no jornal Valor Econômico. O livro “A economia brasileira – de onde viemos e onde estamos” foi publicado em 2004. Em 2007, houve uma reedição, revista e atualizada, de “A energia do Brasil”, assim como uma versão reduzida, dirigida ao público externo, editada em Londres – “Energy in Brazil”. Em novembro de 2012, aos 93 anos de idade, Antonio Dias Leite, professor emérito do Instituto de Economia da UFRJ, concedeu entrevista aos professores Galeno Tinoco Ferraz Filho e Edmar de Almeida sobre a história da criação dos cursos de Economia no Brasil e sobre a criação do Instituto de Economia da UFRJ. A entrevista, na íntegra, é apresentada a seguir. Entrevistadores: Em que contexto ocorreu a criação do curso de graduação em Economia no Brasil? ADL: Desde o Império, até 1930, o Brasil era dominado pelo pensamento liberal que defendia o livre comércio e a não intervenção do Estado na economia. Somente com a revolução política de 1930 é que o governo federal começou a envolver-se mais diretamente na vida econômica do país. Na década de 1930 dois movimentos políticos ganharam expressão na cena nacional (a Aliança Nacional Libertadora, inspirada no pensamento político comunista e a Ação Integralista Brasileira, inspirada no nazi-fascismo). A despeito de suas importantes diferenças, ambos defendiam uma presença mais forte do Estado na economia. Mesmo frustrados em suas tentativas de tomar o poder (Intentona comunista de 1935 e Intentona integralista de 1938), tais movimentos influenciaram o debate econômico de então. Foi nesse ambiente que surgiu a ideia de se criar um curso de Economia no Rio de Janeiro. Antes não havia essa formação, nem aqui e nem no exterior. Estudava-se Economia em outras escolas, como a de Engenharia e a de Direito, e o ensino limitava-se a uma ou duas disciplinas, quase sempre no campo da economia política. Na Escola de Engenharia, havia algumas disciplinas cujo conteúdo era muito influenciado pela tradição francesa. Ensinavam-se a formação da renda, o consumo, os transportes e as fases do processo da reprodução econômica. 1 Entrevistadores: Como foi o processo de criação da Escola de Economia? ADL: A Faculdade original de Economia foi fundada em 1938. Era uma instituição privada criada com o apoio da Associação Comercial, por intermédio do Dr. João Daudt de Oliveira, que era seu presidente. A Faculdade também foi apoiada pela Fundação Getúlio Vargas, por iniciativa do Dr. Eugênio Gudin. No seu início, a Faculdade funcionou no prédio da FGV. O curso de Economia era noturno. Os professores eram todos profissionais da área de economia, que trabalhavam no governo ou em instituições privadas. Todos eles eram autodidatas sem formação específica em economia: engenheiros, advogados e funcionários da burocracia estatal, como o Banco do Brasil. Naquele tempo não havia Banco Central nem ainda a Superintendência da Moeda do Crédito (SUMOC). Várias funções de política econômica eram de responsabilidade do Banco do Brasil. A escola foi “federalizada” em 1946 com o objetivo de se conseguir recursos para se criar o curso diurno. A partir da federalização, ocorreu a mudança para uma casa em Botafogo e, então, a escola passou a contar com instalações próprias, ainda que modestas. Por exemplo, havia somente uma sala para todos os professores. Em 1949, a escola passou a fazer parte da Universidade do Brasil, hoje UFRJ, com a denominação de Faculdade Nacional de Ciências Econômicas. O imediato pós-guerra foi um momento de grandes transformações no cenário econômico nacional. No período de 1946 a 1951 foram criadas instituições importantes para a vida econômica do país como a Cepal (1946), o IBRE no âmbito da FGV (1951) e o BNDE (1952). A Escola de Economia consolidou-se a partir deste período. Entre seus professores mais proeminentes estavam o Dr. Eugênio Gudin e o Dr. Otávio Gouveia de Bulhões. Entrevistadores: Qual era o debate econômico relevante na época da criação da Escola? ADL: Na faculdade, em seus primeiros anos de existência, não se debatia muita coisa. Como eu disse os professores eram profissionais da área de economia e não eram acadêmicos. No início, a escola se assemelhava muito a um curso profissionalizante, só que de nível superior. Contudo, para o país este foi um período muito fértil para a área da economia. Em 1938, o presidente Getúlio Vargas criou uma Comissão de Planejamento Econômico dentro do Conselho de Segurança Nacional. Foi a primeira vez que o termo planejamento foi empregado no Brasil. Esta comissão visava propor políticas para preparar o Brasil para o pós-guerra. Foi no âmbito dessa comissão que se deu o debate entre o Dr. Gudin e o Dr. Roberto Simonsen, hoje reconhecido como um marco da controvérsia entre o pensamento liberal e o pensamento desenvolvimentista no país. Por incrível que pareça eu estava lá e assisti aos dois dias de debate. O debate foi tão acirrado que tiveram que chamar um médico para atender o Dr. Roberto Simonsen que sofreu de um mal estar por exaustão. Este debate teve dois aspectos importantes. O primeiro é que a argumentação do Roberto Simonsen presidente da FIESP - estava baseada num trabalho sobre a renda nacional preparado por um técnico do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio. O trabalho era de má qualidade. Eu não lembro o nome da pessoa que fez o trabalho. Até melhor não lembrar. O documento era cheio de erros, de modo que a argumentação do Dr. Simonsen nele baseada era muito frágil. Do ponto de vista teórico, a argumentação do Dr. Gudin era muito mais consistente. No entanto, para efeito prático, as ideias do Dr. Roberto Simonsen foram as que prevaleceram e não as do Dr. Gudin. Ou seja, predominaram a ideia de protecionismo e uma visão mais intervencionista na economia. Entrevistadores: Quando o senhor chegou à Escola como professor? ADL: Como professor, minha primeira experiência foi ainda na Escola de Engenharia. Nesta escola tornei-me assistente do professor Jorge Kafuri, que era o titular da Cátedra de Economia Política. Essa cadeira visava a oferecer aos engenheiros uma idéia desse campo de conhecimento e noções de teoria econômica e finanças. Nesse tempo, o catedrático nomeava os seus assistentes que assumiam com o compromisso de fazer concurso para livre-docente, no prazo de três anos. Não havia, então, algo como mestrado e doutorado. Todos os fundadores da Escola de Economia eram autodidatas: engenheiros, advogados e funcionários do Banco do Brasil, porque o Banco Central ainda não existia. Não havia ainda nem a Superintendência da Moeda e do Crédito (Sumoc). Como já disse, várias funções de intervenção eram realizadas por intermédio do Banco do Brasil. Minha vinda para a faculdade esteve associada a um trabalho que coordenei, a pedido do professor Gudin, sobre Renda Nacional na FGV. Praticamente, não havia estudos sobre o assunto no Brasil e acabei me especializando na questão, o que me permitiu escrever a tese para fazer o concurso para livre-docente na Escola de Engenharia. Mais tarde, já em 1952, fiz o concurso para professor titular da Escola de Economia. Quando aqui entrei, fiquei responsável pela cadeira que se denominava Estrutura das Organizações Econômicas, na qual se tratava basicamente da teoria da produção e da economia das empresas. Entrevistadores: Como era a formação de economia na época que o senhor entrou? ADL: Era uma formação bem eclética. Além das disciplinas de economia, havia também as disciplinas complementares como Geografia Econômica, Direito Constitucional e Psicologia Social. Eram também importantes os cursos nas áreas de História do Pensamento Econômico e de História Econômica. Não havia ainda divisões da Ciência Econômica nos moldes que conhecemos hoje. Não se se falava, até então, em micro e ou macroeconomia. Entrevistadores: Como foi sua carreira na Escola de Economia? ADL: Estive trabalhando por 15 anos, entre 1952 e 1967. Neste ano fui para o governo, como presidente da companhia Vale do Rio Doce. Em 1969 tornei-me Ministro das Minas e Energia. Voltei para a UFRJ em 1974. Quando voltei fui convocado pelo reitor da época, Dr. Hélio Fraga, para desenvolver algumas atividades administrativas na Reitoria da Universidade. Neste período, cuidei de duas questões básicas. A primeira foi o registro no Patrimônio da União de todos os imóveis da UFRJ. Naquela época, os imóveis não tinham registro e estavam sem documentação legal. Cuidei também da criação da Fundação da UFRJ (1975), que mais tarde recebeu o nome da Fundação José Bonifácio. Fui convidado para ser o presidente da fundação, mas recusei. Disse ao reitor que não poderia aceitar o convite, pois tinha problemas políticos com o então Presidente Geisel. O professor Bulhões foi o primeiro presidente da Fundação e acabei ficando com a vice-presidência. Em 1979 foi criado o Instituto de Economia Industrial (IEI), instituição responsável pela pós-graduação em economia, no âmbito da UFRJ, enquanto que a Faculdade de Economia e Administração (FEA) ficava responsável pela graduação em Ciências Econômicas. No início da década de 1980, fui eleito diretor da FEA, o que aconteceu um pouco por acaso. Naquela época a escola passava por uma crise política e eu estava ao largo das disputas internas, em função do meu afastamento para o Governo e para as atividades vinculadas à gestão da UFRJ. Por essa razão me pediram para aceitar ser diretor da FEA, cargo em que permaneci até 1985, quando me aposentei. Em 1987, recebi do Conselho Universitário da UFRJ o título de Professor Emérito. Em 1996, deu-se a reorganização do ensino de economia na UFRJ, surgindo a configuração que sobrevive até hoje. O Departamento de Economia da FEA e o Instituto de Economia Industrial fundiramse, constituindo o atual Instituto de Economia da UFRJ.