Granuloma tuberculoide em tronco cerebral: relato de caso

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THIEME
Case Report | Relato de Caso
Granuloma tuberculoide em tronco cerebral:
relato de caso
Tuberculoid Granuloma in Brainstem: Case Report
Tobias Ludwig1 Luiz Pedro Willimann Rogerio1 Marcelo Martins dos Reis1
Leandro Pelegrini de Almeida1 Gabriel Greggianin Frizzon1 Guilherme Finger1
Jennyfer Paulla Galdino Chaves2
1 Departamento de Neurocirurgia do Hospital Cristo Redentor,
Porto Alegre, RS, Brazil
2 Residente em neurocirurgia, Hospital Cajuru, Curitiba, PR, Brazil
Pasquale Gallo1
Address for correspondence Jennyfer Paulla Galdino Chaves, MD, Rua
Washington Luis, 50/1.004, Rio de Janeiro, RJ, Brazil. CEP: 20230-025
(e-mail: [email protected]).
Arq Bras Neurocir
Resumo
Palavras-Chave
► tuberculoma
► granuloma
tuberculoide
► tronco cerebral
Abstract
Keywords
► tuberculoma
► granulomatous
tuberculosis
► brainstem
O acometimento do sistema nervoso central pelo bacilo de Koch é comum, principalmente em imunossupressos, nos quais normalmente atinge as meninges e o parênquima cerebral, causando quadro de meningite ou meningoencefalite. Contudo,
menos comumente, pode formar lesões expansivas conhecidas como tuberculomas.
A presença deste tipo de tumoração predomina no parênquima supratentorial, sendo
rara sua localização no tronco cerebral. O presente trabalho tem por objetivo relatar o
caso de um paciente de 55 anos, em uso de terapia antirretroviral, que apresentou
inicialmente síndrome piramidal alterna com componentes cerebelares. Tomografia e
ressonância magnética de crânio mostraram a presença de lesão expansiva exofítica
em região dorsal da ponte, no assoalho do quarto ventrículo. O paciente foi submetido
à ressecção total da lesão, e o exame anatomopatológico foi compatível com
tuberculoma.
Menigitis or meningoencepahlitis are the most common presentations of tuberculous
bacilli infection on the central nervous system. A least common pathological presentation is the presence of tumoral growth pattern disease, known as tuberculoma. This
pathological entity is more common in the cerebral hemispheres and is rarely located in
the brainstem. This study aims to report a case of a 55 years old patient who was under
regular anti-retroviral therapy, admitted to the hospital with signs of brainstem and
cerebellar disturbances. Brain CT and MRI showed an exophitic lesion in the dorsal
region of the pons. The patient underwent total resection of the lesion and the
histopathologic was consistent with tuberculoma.
Introdução
A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que um terço
da população mundial está infectada pelo Mycobacterium
tuberculosis, e indivíduos coinfectados com HIV estão sob
Recebido
March 16, 2016
Aprovado
August 30, 2016
DOI http://dx.doi.org/
10.1055/s-0036-1594250.
ISSN 0103-5355.
maior risco de desenvolver a forma ativa e disseminada da
doença, inclusive envolvendo o sistema nervoso central.1 No
entanto, somente 50% dos casos de neurotuberculose têm
associação com tuberculose extraneural ativa, e a incidência
é aumentada em menores de 20 anos.2
Copyright © by Thieme Publicações Ltda,
Rio de Janeiro, Brazil
Granuloma tuberculoide em tronco cerebral
Ludwig et al.
Clinicamente, a manifestação mais comum é como doença
meníngea, mas o acometimento do parênquima também é
possível, secundário a tais tuberculomas, abscessos tuberculosos, cerebrites focais ou encefalopatia alérgica tuberculosa.2–7
No intuito de ampliar a compreensão acerca do diagnóstico e da terapêutica dos tuberculomas de tronco, o presente
estudo relata um caso e discute os possíveis diagnósticos
diferencias do mesmo.
Relato de Caso
Paciente do sexo masculino, 55 anos, procurou atendimento
médico por quadro de parestesia em dimídio direito, ataxia e
diplopia com 1 semana de evolução. Durante anamnese,
descobriu-se que o paciente era portador de HIV e HCV e
estava em uso de terapia antirretroviral (efavirenz, lamivudina e zidovudina). Acompanhava seu tratamento com infectologista, sendo que exames pouco antes da internação
demonstravam contagem de CD4 de 387 e carga viral log
2,9. O paciente estava alerta, com nível e conteúdo de consciência adequados. Ao exame físico dos nervos cranianos,
evidenciou-se oftalmoplegia internuclear e paralisia do olhar
conjugado para a esquerda. Sensibilidade em face demonstrou
hipoestesia facial à direita e paralisia facial periférica nítida,
mas não desfigurante, em hemiface esquerda. Ademais, o
paciente apresentava hipoacusia de padrão central. Testes
cerebelares foram compatíveis com dismetria em membro
superior direito, mas sem disdiadococinesia, hipotonia e
alteração na prova do rechaço. Por fim, o paciente não tinha
alteração de sensibilidade tátil, térmica, vibratória, dolorosa
ou proprioceptiva apendicular, mas apresentava uma hemiparesia grau IV desproporcionada à direita, de predomínio
braquiocrural distal. Diante de um quadro de síndrome alterna com componentes de síndrome cerebelar, diagnosticouse como topografia da lesão o tronco cerebral e possível
comprometimento, direto ou indireto, do hemisfério cerebelar
direito.
Prosseguiu-se investigação com exames de imagem.
Primeiramente realizou-se a tomografia computadorizada
(TC) de crânio, que evidenciou lesão hipodensa na fossa
posterior com compressão sobre o ventrículo IV, na topografia da ponte e mesencéfalo predominante à esquerda. A
ressonância magnética de crânio demonstrou lesão expansiva lobulada na porção dorsal da ponte, medindo
2,2 2,1 2,0 cm. Esta lesão apresentava-se como hipossinal em T1W1 e discreto hipersinal em T2W1, realce heterogêneo após infusão de gadolínio, e com edema vasogênico
que se estendia ao bulbo, hemisfério cerebelar esquerdo e
mesencéfalo (►Figs. 1, 2 e 3). Por tratar-se de paciente
imunossupresso, suspeitou-se de infecção oportunista
fúngica, e conforme fluxogramas padronizados de investigação deste tipo de lesão, realizou-se também tomografia de
tórax, em busca de provável sítio infeccioso de base. A TC de
tórax evidenciou nódulo de 4 mm em lobo inferior direito e
micronódulos centrolobulares em ápices bilateralmente,
sem sinais de patologia em atividade, abscessos pulmonares
ou “bolas fúngicas”. Realizado também lavado broncoalveo-
Arquivos Brasileiros de Neurocirurgia
lar, que se mostrou negativo para pesquisa de bacilo de Koch
e fungos (tanto na pesquisa direta quanto no exame cultural).
Sem diagnóstico, o paciente foi submetido à abordagem
neurocirúrgica por acesso telovelar. A visualização intraoperatória com auxílio de microscópio permitiu identificação de
lesão exofítica, aparentemente infiltrativa e avermelhada.
Tentou-se realizar biópsia incisional da lesão, sem sucesso,
devido à lesão ser muito endurecida. Identificou-se então um
plano de clivagem entre a lesão e o parênquima, que foi
dissecado, permitindo ressecção total de lesão. Após sua
remoção, análise macroscópica da lesão apresentava aspecto
granulomatoso. O resultado anatomopatológico foi compatível com granuloma tuberculoide.
No pós-operatório precoce, o paciente manteve déficits
prévios e evoluiu com piora na paralisia facial à esquerda
(com assimetria desfigurante) e ptose palpebral à direita . Estes
achados tiveram melhora progressiva, e o paciente apresentou
boa evolução clínica e neurológica. No décimo dia de pósoperatório o paciente teve rebaixamento do nível de consciência
súbito, anisocoria (com midríase à esquerda). Submetido a TC
crânio de urgência, identificou-se volumoso hematoma subdural agudo. Foi indicada cirurgia de drenagem de hematoma
subdural de urgência, porém o paciente evoluiu ao óbito em 2
dias.
Discussão
Aproximadamente 1/3 da população mundial está contaminada
com Mycobacterium tuberculosis, e a coinfecção com HIV pode
ser o fator mais importante para disseminação sistêmica da
infecção.1 Estima-se em 3,1 milhões o número de pessoas
coinfectadas.8 No Brasil, a incidência anual de tuberculose baixou
de 51,8 para 38,2% nas últimas 2 décadas. Ademais, houve uma
queda de 26% na incidência e 32% na mortalidade geral por
tuberculose.9
A forma mais comum de tuberculose do sistema nervoso
central (SNC) é a meningoencefalite tuberculosa,2 seguida
por lesões focais expansivas, das quais a maioria se encontra
supratentorialmente, com poucos casos descritos de tronco e
cerebelo.2–7
Dentre as infecções do SNC por M. tuberculosis, tuberculomas podem representar entre 5 e 30% de todas as lesões
expansivas encefálicas; porém, as lesões de tronco continuam incomuns, perfazendo entre 2,5 e 8% dos casos.3,5,6
No cérebro, os granulomas ou focos de Rich podem ser
formados entre as camadas subpial e subependimária,
podendo expandir-se para criar tuberculomas ou abscessos
no parênquima cerebral; ou, mais comumente, romper-se,
causando meningite.1,10 São mais frequentes na junção
corticomedular, em especial nos lobos frontais e parietais,
diante da disseminação hematogênica da tuberculose
miliar.2
A manifestação clínica mais comum dos tuberculomas é a
cefaleia, podendo haver também sinais de hipertensão intracraniana e déficit neurológico focal.2–4 No caso dos abscessos cerebrais, febre e alteração do nível de consciência
estão frequentemente ausentes; sendo que mais de 25% dos
pacientes apresentam crise convulsiva.11
Granuloma tuberculoide em tronco cerebral
Fig. 1 Imagem axial de ressonância magnética com gadolíneo evidenciando lesão de contornos irregulares com centro isointenso circunscrito por
área de hipersinal com captação de gadolíneo localizada na porção
posterior da ponte e pedúnculo cerebelar médio a esquerda e com
crescimento exofítico em direção ao quarto ventrículo.
Os tuberculomas comumente se apresentam como lesões
bem delimitadas, nodulares, endurecidas e avasculares,
envolvidas por edema e áreas de gliose.7 Na ressonância
magnética são lesões de padrão hipo ou isointenso em T1WI,
mas que em T2WI podem apresentar-se de maneiras distin-
Fig. 2 Imagem de ressonância magnética com infusão de gadolíneo
em corte sagital. Presença de lesão com captação periférica pelo
gadolíneo localizada na porção posterior da ponte e com crescimento
para o quarto ventrículo.
Ludwig et al.
Fig. 3 Imagem de ressonância magnética com infusão de gadolíneo
em corte coronal. Presença de lesão com captação periférica e
conteúdo de intensidade semelhante ao parênquima cerebral.
tas conforme o padrão da lesão: se houver aspecto caseoso,
haverá padrão anelar com necrose central; se sólido, apresentará realce homogêneo.2 Há descrita ainda uma terceira
manifestação, mais rara que as previamente citadas, cuja
lesão está associada a cistos.7
A detecção rápida em pacientes coinfectados com HIV é
crucial, mas a detecção de BAAR por reação em cadeia pela
polimerase (PCR) ou cultura positiva é rara.12 Nem o teste
tuberculínico (sensibilidade de 31%), nem os ensaios de
detecção de interferon gama em amostras de sangue
(testes IGRA) – sensibilidade de 60% – podem precisamente
excluir tuberculose em indivíduos com HIV, especialmente
se CD4 < 200 células/µl.13 Punções lombares repetidas e
em grande volume melhoram o rendimento.14
O tratamento da tuberculose não difere significativamente entre pacientes coinfectados ou não com HIV.15 O
padrão-ouro é feito inicialmente com isoniazida, pirazinamida, etambutol e rifampicina por 2 meses.11 A rifampicina
diminui os níveis de inibidores de protease e nevirapina no
plasma, sendo a rifabutina uma alternativa apropriada.16
Depois da fase inicial, isoniazida e rifampicina ou rifabutina
são continuadas por 9 a 12 meses.15 O uso de corticoide e o
tempo ideal de início de terapia antirretroviral (TARV) em
conjunto com a terapia antituberculosa ainda se mantêm
controversos.15
Apesar do manejo da tuberculose do SNC ser clínico, há
algumas indicações cirúrgicas; seja para diagnóstico (como
no caso aqui relatado), tratamento do granuloma em si, ou
complicações da infecção como a necessidade de derivações
ventriculares pela alteração da dinâmica liquórica.3–5,7,8
Neurocirurgia é imperativa para a identificação do organismo causador, se não tiver sido determinado de outra forma e,
Arquivos Brasileiros de Neurocirurgia
Granuloma tuberculoide em tronco cerebral
Ludwig et al.
em casos selecionados, para reduzir o tamanho do abscesso.11
Com a cirurgia estereotáxica, quase qualquer abscesso que
tenha, pelo menos, 1 cm de diâmetro é passível de aspiração,
independentemente da localização; sendo que o diagnóstico
deve ser destinado à obtenção máxima possível de drenagem.11
E esta também tem como objetivo a descompressão, a não ser
que haja contraindicação devido ao organismo suspeitado ou
em relação à condição clínica do paciente.11
Nos casos de abscesso maiores de 2,5 cm de diâmetro, há
recomendação de intervenção neurocirúrgica.17 Mas os
dados de estudos comparativos são limitados, e este tamanho
não pode ser considerado como uma indicação definitiva de
aspiração.11 Em pacientes com múltiplos abscessos, o maior
deles deve ser aspirado para obtenção do diagnóstico
proposto.11
O prognóstico, nos últimos cinquenta anos, tem progredido diante das novas técnicas de exames de imagem,
regimes de terapia antimicrobiana e introdução dos procedimentos neurocirúrgicos minimamente invasivos.18 No entanto, a mortalidade em pacientes coinfectados HIV
multidroga-resistentes ainda se mantém extremamente
alta.19
Conclusão
Tuberculomas de tronco podem ser tratados sistemicamente
com tuberculostáticos, e abordados cirurgicamente quando
há falha na resposta ao tratamento medicamentoso. Porém,
em lesões expansivas de tronco cerebral pode-se indicar
remoção cirúrgica em casos cuja lesão tenha relação com o
assoalho do quarto ventrículo, uma vez que sua abordagem
cirúrgica é factível, passível de obter bons resultados no pósoperatório.
4 Gurjar HK, Joshua SP, Agrawal D, Mahapatra AK. Large pontine
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