AVALIAÇÃO (Da ou Na) APRENDIZAGEM

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AVALIAÇÃO (Da ou Na) APRENDIZAGEM?
Cleci Maraschin1
O principal objetivo deste escrito é pensar como se pode relacionar
avaliação e a aprendizagem cujas repercussões implicam tanto o campo das
idéias quanto o das práticas. Para isso convido-os a percorrermos um trajeto
que primeiramente discute o que estamos referindo quando falamos de
aprendizagem e de avaliação para, após, fazermos algumas proposições de
uma avaliação NA aprendizagem.
Se tomarmos qualquer manual clássico de psicologia da aprendizagem
encontraremos que aprender significa modificar o comportamento. Refletindo
um pouco mais sobre essa definição, é possível perceber que ela já traz em si
uma perspectiva avaliativa implícita: supõe um observador (que pode ou não
ser o mesmo sujeito da aprendizagem) testemunha da modificação; isto é,
alguém que seja capaz de observar essa modificação. O importante a
sublinhar é que se trata, neste caso, sempre do resultado de um desempenho:
o sujeito apresenta um comportamento compatível com o que se julga seja a
expressão de uma manifestação de determinada aprendizagem. Tomamos
como observável para avaliar a aprendizagem um produto passível de
expressão
e
não
qualquer
um,
um
comportamento
manifesto
e,
preferentemente, mensurável. Ao tomar como observável somente o resultado
final de uma ação (seja concreta ou mental) estamos nos afastando de sua
processualidade,
ou
seja
da
história
psicogenética
que
possibilitou
determinado produto ou expressão.
Podemos pensar a aprendizagem como algo diferente do que captar
uma informação do exterior, interiorizá-la na forma de uma representação,
expressando-a através de diferentes modalidades (fala, desenho, escrita,
modelo formal ...)?
1
Professora e pesquisadora no Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social e Institucional do
Instituto de Psicologia da UFRGS e do Programa de Pós-Graduação em Informática na Educação da
UFRGS.
representação
expressão
informação
Maturana (1994) propõe uma forma um pouco diferente de colocar a
questão da aprendizagem. Para ele, aprender significa modificar a estrutura da
convivência. Esta singela definição implica que o nosso observador
anteriormente mencionado passa a autor do processo. Assim não temos
apenas um observador que vai procurar o produto final de um suposto
processo de aprendizagem através da expressão de um sujeito, mas esse
sujeito observador está implicado neste processo de aprendizagem uma vez
que sua existência constitui uma possibilidade de uma modalidade de
aprendizagem ao instituir um modo de interação, de convivência. A
aprendizagem ocorre no espaço da interação: neste espaço entre sistemas 2. A
interação entre sistemas pode produzir efeitos perturbadores provocando, ou
não, mudanças estruturais determinadas nas estruturas dos próprios sistemas
no momento do encontro, da interação. A aprendizagem se constitui nesse
movimento de transformação ocasionado pelas interações recorrentes entre
sistemas. A aprendizagem por ser pensada como uma transformação
estrutural desta convivência que altera, de uma maneira congruente
(correspondente) os dois sistemas em interação. Dentro desta perspectiva não
estamos mais falando que as informações entram (input) em um sistema
cognitivo o qual as organiza na forma de representações e o organismo produz
um comportamento de saída (output). Dizer que um sistema é determinado por
sua estrutura significa propor que não existe entrada ou saída, mas encontros,
perturbações e efeitos. Através do encontro o sistema pode transformar sua
estrutura, não a partir de uma suposta capacidade de instrução da informação,
mas a partir das próprias possibilidades estruturais do sistema ativadas no
momento do encontro. É por tratar-se de uma transformação na convivência , é
2
Utiliza-se a idéia de sistemas em interação e não somente sujeitos já que a possibilidade de
aprendizagem não se constitui em uma características exclusivas da interação entre sujeitos
humanos, podemos pensar em sistemas inteligentes ativos em instituições, em programas
informáticos e a interação entre esses sistemas produzir efeitos de aprendizagem.
que, por exemplo, um estudante, dependendo do tipo de sistema que encontre
(professor, escola, tecnologias) pode torna-se diferente pelo próprio encontro.
A diversidade nas pautas de convivência produzem diferentes efeitos de
escuta, isto é, o poder de manipular um certo domínio de ações, uma área do
conhecimento. Dependendo do padrão de interatividade o aluno pode
endereçar sua aprendizagem mais no sentido de satisfazer os critérios do
sistema em detrimento da aquisição do próprio conteúdo, como uma
ferramenta operativa. É muito comum ouvir dos alunos, mesmo universitários,
a questão: mas como queres que a gente faça?
Ao pensarmos a transformação estrutural nesta convivência estamos
pensando em sistemas em contínua mudança cujo rumo dependerá das
contingências das interações e da determinação estrutural do sistema. Dizer
que um sistema tem sua ação determinada pela sua estrutura não representa
um fechamento, uma não permeabilidade. Maturana fala de um fechamento
que é estrutural, uma determinação variável, que se inscreve em uma
estrutura passível de modificação pela história dos encontros. A determinação
que vigora em um instante no sistema é diferente da anterior e será da
posterior. Trata-se de uma determinação sem previsibilidade de ponto de
chegada.
A aprendizagem é dependente do incremento da interatividade capaz de
ampliar a movimentação do sujeito em distintos espaços de reflexão, criando
novas competências e habilidades reflexivas. A imersividade nestes ambientes
decorre do estabelecimento de padrões recorrentes que compreendem
sensações, ações e conceitos, pela pertença participativa em uma comunidade
de pensamento.
Mas mesmo tomando essa conceituação de aprendizagem ainda
podemos perguntar como sabemos que alguém aprendeu? Como avaliar esse
aprender?
Avaliar o aprendido é avaliar somente uma das dimensões do processo
do aprender. Trata-se do exercício de poder de decisão sobre o saber do
outro. Se o que observo satisfaz ou não certos critérios que definem um
determinado domínio cognitivo. Julgamos que sabemos quando alguém
conhece algo através de uma suposição que fazemos ao outro quando a
expressão do outro satisfaz o critério de validade que colocamos em nosso
observar. O grau que uma pessoa sabe ou não sabe realizar uma tarefa ou
compreender um conceito depende de quem escuta. Se dissermos “sabemos
cantar” e nosso ato de cantar é avaliado pelo público em geral ou por um
maestro o resultado da avaliação de nossa atividade de cantar pode ser muito
diferente. Essa modalidade de avaliação parece não despertar maiores
problemas.
Mas, ao tomarmos a aprendizagem como efeitos advindos do processo
de transformação da convivência, não estamos avaliando somente o produto
de conhecimento em um sujeito, mas sim as condições desse aprender. Pode
ser interessante nos determos brevemente na diferenciação entre informação
conhecimento3. O sentido etimológico da palavra informação vai nos enviar ao
latim ‘informare’ , formar dentro (de algo), colocar em uma forma, formatar.
Decorrente deste sentido podemos dizer que a informação é o dado formatado,
implica a ordem do já instituído, das relações já estabelecidas. Por isso, avaliar
a informação é deste modo avaliar o produto, o expresso, o fato, o dito. A
informação constitui-se em um fato, que expressa uma das inúmeras
atualização possíveis de um acontecimento. O acontecimento, o momento do
vivido, é recriado em fato pelos atores que participaram do mesmo ou que o
observaram. Cada ator constrói um fato, uma informação, mas que não é a
própria experiência. Contar um fato, escrever um fato é também atuar em um
novo acontecimento. Ouvir o relato, repetir o fato não significa construir
conhecimento. Para conhecer, então, é necessário desconstruir o fato,
decodificando suas relações constitutivas, operar na ordem inversa desta
construção. Conhecer é estabelecer as relações, é abrir a forma e,
analiticamente, reconstituir as redes de sentido, relançando as ligações a partir
de
outros
critérios.
Este
esforço
é
feito
através
de
escolhas,
de
reconceitualizações.
Avaliar conhecimento é de uma complexidade diferente do que avaliar a
informação.
Estamos falando assim de um ambiente de aprendizagem, como uma
espécie de meio “ecológico das idéias”. Neste meio ecológico interagem
3
Conforme Axt (2000).
sistemas heterogêneos que podem ou não se perturbarem e esta perturbação
abrir/obstruir
espaços
de
reflexão
e
de
experimentação
de
idéias,
oportunidades de encontrar diferentes modos de explicar as coisas que nos
acontecem. Os “habitantes” desse meio ecológico das idéias são os sujeitos,
as instituições e as tecnologias. A possibilidade de abertura destes espaços de
pensamento, de exercício de conhecimento estão determinadas (e aqui
também no sentido do determinismo estrutural de Maturana) pelas estruturas
dos diversos sistemas em interação. É desta forma que a estrutura de nossos
sistemas cognitivos, a estrutura do espaço institucional (que pode ser a escola)
a estrutura das tecnologias aí presentes possibilitarão uma diversidade de
pautas interativas, de espaços de convivências que podem fazer a
aprendizagem derivar em várias direções. Avaliar, nesta perspectiva não se
restringe àquilo que o aluno é capaz de expressar mas tenta abarcar o
conjunto de relações implicadas neste ambiente. Avaliar implica diagnosticar
quais
as possibilidades de
circulação,
aquisição,
reconfiguração
dos
conhecimentos (não somente de informações) nesta ecologia. Se pensarmos
na convivência professor-aluno avaliar o processo desta aprendizagem
pressupõe implicar também o professor neste ambiente.
É bom lembrar que em uma ecologia cognitiva se constituem distintos
níveis e modos de organização do que chamamos conhecimento. Existe o
conhecimento de como foram geradas as diversas versões dos fatos (que
podemos chamar de teorias4) e também existe o conhecimento de como são
geradas as próprias formas de conhecer, que podemos chamá-lo de
conhecimento matético, uma espécie de conhecer como se conhece.
As teorias e seus conceitos constituem-se em ferramentas para o
pensamento. Ferramentas "para-se-pensar-com". São modos organizados de
decomposição e explicitação dos fatos. Constituem-se em intrumentos para
desconstruir fatos e ao tematizá-los, reorganizando as condições de uma nova
experiência, de um novo acontecimento que poderá levar à construção de um
novo fato, agora já incluído em um patamar reflexivo distinto, constituindo
4
Estamos designando por teorias a prática conceitual e argmentativa explicativa. Podendo ter o
sentido de uma teoria científica, ou teorias do senso-comum, ou teorias de ação (que guiam a
prática).
novos universos de experiências e interações. Os conceitos constituídos nesta
ecologia operam na constituição de um micromundo (um dos multiversos) do
pensamento.
É
importante
constituir
espaços
de
explicitação
e
a
experienciação de hipóteses, o estabelecimento de novas relações.
Se pensamos que conhecer é operar com informações (desfazendo e
refazendo-as), o acesso, a circulação de diversas versões de informação
constitui em um fator importante na análise das condições de aprendizagem
que o ambiente oferece. A escassez de fontes informativas, muitas vezes
limitada a memória do professor e ao livro texto, ou, por outro lado, sua
avalanche pode dificultar ou bloquear esta o trabalho de conhecimento.
Em uma perspectiva avaliativa caberia considerar: Quais as fontes de
informação disponíveis no ambiente? Existem fontes privilegiadas, acessos
mais ou menos nobres à informação? Existe diversidade, congruências e
divergências de informações?
Dentro desta perspectiva torna-se importante repensar o estatuto do
erro no processo do aprender. O sujeito imerso em sua ação, em um
acontecimento não pode não distinguir entre uma ação e pensamentos válidos
ou equivocados a não ser que possa compará-los com uma experiência prévia.
No momento da vivência os resultados parecem legítimos. Quando tomamos
consciência de um erro estamos também dizendo que no momento mesmo do
ato acreditava-se na legitimidade do mesmo. O erro é sempre a posteriori.
Necessito de uma segunda experiência como contraprova. Constituir uma
segunda experiência é atravessar o acontecimento por um analisador sóciocultural (seja ele a linguagem, escrita...). Caberia avaliar quais as condições do
ambiente para os sujeitos refazerem suas experiências. Que analisadores
teórico-metodológicos e tecnológicos dispõem?
Se o que construímos são múltiplos universos (multiverso) a realidade
não é pré-existente e o universo que habitamos é uma realidade construída
socialmente. Assim ninguém teria a legitimidade de propor que seu universo,
ou seu modo de construção da realidade seja mais válido que outro. Ao
convocar outro a pensar comigo, esse ato pode ter o sentido de uma
imposição ou o de um convite. Postula-se como uma imposição quando
suponho que detenho um acesso priviliegiado a uma suposta realidade
independente. Mas segundo Maturana, como seres humanos não temos
nenhum acesso privilegiado a realidade. Constituímos domínios cognitivos
compartilháveis. O que denominamos de real se constitui em nossa vivência
com os outros, com as instituições e com as tecnologias, enfim na imersão
nesta ecologia das idéias. Os modos de falar de realidade implicam modos
diferentes de relacionar-se, com dinâmicas de convivência distintas. Ao nos
posicionamos diferentemente, nossa relação com o outro deixam de ser
petições de obediência para se transformar em convites de convivência.
O professor é também um sujeito (sistema estrutural) no qual sua
capacidade instituir uma instância interativa que opere no sentido da abertura
de oportunidades tanto aquilo que o professor sabe, conhece mas também por
aquilo que desconhece. Se é também capaz de operacionalizar a função da
ignorância, assim, a quantidade de informação que detenha é relativizada.
Talvez seja mais importante a função que a posse dos dados ou a sua falta
produza.
As instituições são formas agenciadoras de conhecimento e de
informação. A estrutura de uma organização também produz fatos, dá formatos
ao conhecimento. Os agenciamentos institucionais podem operar no sentido
da abertura ou da restrição das possibilidades de conhecer ao regular as
interações entre os sujeitos e entre estes e a tecnologia. A ritualização das
práticas institucionais e o grau de incremento, ou não, a abertura de espaços
reflexivos também faz parte de uma avaliação no processo do aprender
Nessa ecologia das idéias, tecnologias se transformam em modos de
pensar ao instituir pautas interativas regulando modos de processamento e de
acesso às informações. O exercício da função autor5 se produz diferentemente
se em nossa rede ecológica de sistemas contamos somente com tecnologias
orais ou, incluímos aí, tecnologias midiáticas, por exemplo. Também as
tecnologias produzem ferramentas "para-se-pensar-com", instituindo novas
metáforas fontes de analogias entre as informações.
Em nosso percurso tentamos construir a idéia da aprendizagem como
uma
transformação
nos
modos
estruturantes
de
nossa
convivência.
Convivência que implica o encontro com outros sujeitos, com as instituições e
com as tecnologias. Um espaço de constituição de idéias e de saberes
5
Este tema é discutido em Maraschin (2000)
composto por estas entidades heterogêneas. Diferentemente das práticas
avaliativas de informação, avaliar na aprendizagem significa que a avaliação se
dá no interior dessa processualidade interativa. Assim pensamos em uma
relação que deve inserir-se no processo, ou seja, NA aprendizagem. Mas o
desafio somente inicia, é preciso procurar formas avaliativas que se inscrevam
no espaço dos próprios agenciamentos, que resultará em práticas que podem
produzir efeitos na aprendizagem pois estão pensadas como interfaces desta
mesma processualidade.
Referências Bibliográficas
AXT, Martarete. Tecnologias na educação, tecnologias para a educação – um
texto em construção. Anais do Seminário Internacional de alfabetização &
educação científica. Unijuí. Ed: Unijuí, 2000.
MARASCHIN, Cleci. Tecnologias e exercício da função autor. Anais do
Seminário Internacional de alfabetização & educação científica. Unijuí.
Ed: Unijuí, 2000.
MATURANA, Humberto R. El sentido de lo humano. Santiago do Chile: Dolmen
Ediciones, 1994.
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