OBJETO DE APRENDIZAGEM INCLUIR UCS/FAPERGS 1 As

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OBJETO DE APRENDIZAGEM INCLUIR 1
UCS/FAPERGS
As relações
Cláudia A. Bisol
Carla Beatris Valentini
Caetano Veloso canta que ao encarar o outro frente a frente, não viu o próprio rosto.
Chamou então de mau gosto o que viu, pois narciso acha feio o que não é espelho (Sampa,
música lançada nos anos 70). Narciso... ele é aquele da mitologia grega que se apaixona pelo
próprio reflexo em um lago. Quer somente a si mesmo. Ora, não há lugar para nenhum outro
que seja legitimamente um outro (tomando a idéia de Maturana) nesta lógica! Há lugar apenas
para um reencontro consigo mesmo. Uma outra forma de dizer, talvez, da negação da
alteridade. Não há reconhecimento de um outro que seja diferente de si, não há relação
possível.
Neste sentido, se há relação há conflito, pois há diferenças. A sala de aula, assim com
qualquer outra situação social que reúne pessoas em um mesmo espaço para um trabalho que
necessita se instaurar num coletivo, é um lugar privilegiado para o conflito. Na armadilha do
narciso (tome o exemplo da música de Caetano ou do mito grego), espero encontrar nos olhos
dos outros (meus alunos, meus colegas) um certo brilho ou uma promessa que nada mais é do
que um reflexo do meu próprio ser: nem me dou conta de que as pessoas que me agradam são
as parecidas comigo ou com algo que julgo pertencer a mim: pode ser um comportamento, um
traço, um gesto, um jeito. Mas sou eu... Ouve-se às vezes alguns professores enunciarem:
“aquela aluna me faz lembrar quando eu tinha a idade dela, eu era bem assim!”. Nessa
perspectiva, não é com o outro, portanto, que me relaciono, mas com a minha imagem que
encontro ou não refletida. Para sair dessa armadilha devo encarar o conflito, a dificuldade que
é estabelecer uma relação em que os participantes são o que são, com as suas diferenças em
relação a mim.
Esta noção relativa ao espaço que existe ou não para o outro enquanto legitimamente
outro, ou seja, para o outro não anulado nem expulso, nem maquiado para parecer igual, é
importante ao pensarmos nas pessoas que pertencem aos grupos minoritários. Essas pessoas
são as que mais facilmente acabam sendo colocadas neste lugar de quem é anulado, expulso
ou “disfarçado” através de diferentes formas de normalização. Porque as diferenças
aparecem. Porque o véu que as disfarça é mais transparente. Porque é comum a dificuldade
de olhar para este outro.
Posições ambivalentes denunciam o desconforto: um discurso manifesto favorável à
inclusão, porém seguido da ideia de que a inclusão deve ocorrer “em outro lugar”. Ou seja,
que este aluno com necessidades educativas especiais esteja integrado à sociedade e
estudando, porém “em outro curso”, “em um curso mais acessível que este”. Romper a
barreira do preconceito é reconhecer o outro e seu desejo. Sem este reconhecimento da
legitimidade do desejo do outro não se dará chance para que ele se experimente em seus
limites e em suas potencialidades para que assim possa se autorizar e se assumir em sua vida.
Em uma sala de aula caberá ao professor, principalmente, se responsabilizar por
sustentar esse lugar, lembrando que todos os seus alunos querem ser vistos e valorizados, mas
ao mesmo tempo precisam ter seus espaços respeitados. Difícil linha esta que separa a
atenção adequada que um professor dá a um aluno de seu excesso (pela via da pena, do
paternalismo) ou de sua falta (pela via da desvalorização, da não-aposta na capacidade de
alguém). Um aluno surdo, por exemplo, já chama muita atenção em uma sala de aula regular
pelo uso da língua de sinais e pela mediação da comunicação através de um intérprete. Isso
tende a constranger o aluno, pois ser observado pelos demais causa desconforto. Ao mesmo
tempo em que o professor precisa dar uma atenção a este aluno, cuidando para alguns
detalhes que garantam a acessibilidade e promovam sua aprendizagem, também caberá ao
professor ajudar este aluno a se inserir no contexto de sua sala de aula, tornando-o coparticipe
do processo coletivo que fundamenta o ensino e a aprendizagem.
Não há receita, não há consenso, há conflito, há movimento, relações possíveis com a
dor e com o amor que sempre estarão juntos. Um convite para olhar o outro, quem sabe junto
com Leminsky em sua lógica Contranarciso, num salto ainda maior, mais ousado, mais difícil:
em mim ver o outro, dezenas de outros....
Referências
Maturana, H. Emoções e linguagem na educação e na política. Belo Horizonte: Editora UFMG,
2001.
Maturana, H. & Rezepka, S. N. de. Formação humana e capacitação. Petrópolis: Vozes, 2000.
Lemisnky, P. Caprichos e Relaxos. São Paulo, Editora Brasiliense, 1983.
Como citar este texto:
Bisol, C. A. & Valentini, C. B. As Relações. Objeto de Aprendizagem Incluir – UCS/FAPERGS,
2011. Disponível em ...... (cite a URL). Acessado em .... (cite a data).
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