FREUD e o Homem dos Ratos

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FREUD E O HOMEM DOS RATOS
Síntese e comentários de Renata Oliveira
Freud tratou um jovem cujo trabalho foi publicado com o título o "Homem dos Ratos"
(1909) (Vol. X da Coleção das Obras Completas de Freud da Editora Imago). Procurou
formular, a partir do estudo do caso, uma explicação sobre a neurose obsessivo-compulsiva
à luz da teoria psicossexual do desenvolvimento. Segundo sua teoria a neurose obsessiva
se originaria em razão de conflitos inconscientes não resolvidos situados na fase analsádica dos desenvolvimento psicossexual. Para tanto, realizou uma descrição rica e precisa
de rituais e obsessões que seu paciente apresentava, buscando interpretá-los à luz de sua
teoria. Tal concepção prevaleceu até pouco tempo atrás, quando novos fatos vieram
modificar essas concepções.
O paciente, um jovem de educação universitária, apresentou-se a Freud com a queixa de
obsessões desde sua infância, mas com uma maior intensidade nos últimos 4 anos de sua
vida. Sofria de TEMORES de que algo acontecesse a duas pessoas de quem mais gostava seu pai e uma jovem a quem admirava. Além disso, tinha consciência de IMPULSOS
COMPULSIVOS - tais como, por exemplo, de cortar sua garganta com uma navalha -,
produzindo posteriormente PROIBIÇÕES, muitas vezes em conexão com coisas triviais,
como no dia em que a jovem de quem gostava ia partir, tropeçou numa pedra na rua em que
caminhava, e foi obrigado a afastá-la do caminho, pondo-a à beira da estrada, pois lhe veio a
ideia de que o carruagem dela iria passar e poderia bater na pedra e acidentar-se.
Contudo, minutos depois pensou que a ideia era um absurdo, e sentiu-se obrigado a voltar
e recolocar a pedra à sua posição original.
A experiência que precipitou a primeira consulta do paciente com Freud ocorreu quando
estava em manobras em uma unidade militar. Um oficial descrevera uma forma de tortura
que muito o impressionara: o prisioneiro ficava sentado nu, amarrado sobre um recipiente
contendo ratos, que buscavam escavar seu ânus em busca de uma saída. Tal pensamento
passou a invadir sua mente sem que fosse capaz de evitá-lo, causando-lhe grande aflição.
Daí a denominação de “ O Homem dos Ratos”. Achava ainda que isso poderia acontecer
com a jovem de quem gostava e com o pai, já falecido há 9 anos. Como forma de evitar a
referida obsessão, empregava uma fórmula particular, dizendo a si mesmo: "Mas",
acompanhado por um gesto de repúdio, e depois: "O que é que você está pensando?" .
O jovem passou anos combatendo essas e outras ideias, conforme relatou, perdendo,
deste modo, muito tempo de sua vida. Vários tratamentos haviam sido tentados, com
nenhum efeito positivo.
A análise de Freud concentrou-se na ambivalência do paciente para com seu pai e a
jovem a quem cortejava, originada em sua sexualidade precoce e intensa e sentimentos
antigos de raiva contra seu pai - que haviam sido severamente reprimidos. O símbolo do rato
levou Freud e o paciente a uma série de associações que incluíam erotismo anal,
lembranças de excitações anais quando o paciente em criança eliminava lombrigas (que
Freud interpretava como simbolizando um pênis), e o fato de ter sido espancado pelo pai aos
4 anos de idade por ter mordido uma pessoa. Associou ainda com problemas antigos do pai
do paciente com o jogo (em alemão, um jogador é uma spielratte - ou rato-do-jogo), a ideia
infantil do parto anal e a própria experiência real de haver tido verminose quando criança.
Após um ano de análise, o paciente curou-se de seus sintomas e, nas palavras de Freud, "o
delírio dos ratos desapareceu".
Comentários
De uma forma muito rica e detalhada Freud descreveu os sintomas do transtorno
obsessivo-compulsivo (até bem pouco: neurose obsessivo-compulsiva) e que de certa forma
são válidas até hoje: obsessões e compulsões, rituais de anulação que procurou interpretar à
luz de seu modelo psicossexual do desenvolvimento. Particularmente são ricas suas
descrições sobre a forma de pensar do paciente obsessivo-compulsivo modernamente
retomadas e valorizadas pelas teorias cognitivas do TOC: responsabilidade exagerada,
exagerar o risco, exagerar o poder do pensamento e a necessidade do seu controle, a
dificuldade de conviver com a incerteza, , o perfeccionismo. Freud destacou ainda o
isolamento dos afetos em relação às ideias, a ambivalência, a anulação, o superego severo,
como fenômenos associados à neurose obsessiva e em função dos sintomas do seu
paciente supervalorizou os sintomas relacionados com ânus, fezes, defecação e sadismo,
que no seu entender apoiavam sua teoria.
O Homem dos Ratos é um exemplo da capacidade de Freud para captar e descrever
fenômenos clínicos, e ao mesmo tempo de vieses nos quais incorria em função de tentar
compreender os fatos à luz de suas próprias teorias às quais tentava encaixar, e de fazer
generalizações a partir de um único caso clínico. De qualquer forma sua descrição detalhada
dos fenômenos clínicos e sua explicação à luz de suas próprias ideias, prevaleceram por
quase um século como teoria sobre a origem do transtorno obsessivo-compulsivo, embora a
psicoterapia baseada no seu modelo nunca tenha sido comprovado como efetiva no
tratamento do TOC. Em “O Homem dos Ratos” Freud nos deixou transcrições de todas as
sessões da terapia o que torna o caso particularmente de grande interesse. Entretanto a
teoria de Freud como explicação para os sintomas OC nunca foi comprovada. Nunca ficou
comprovado, por exemplo, que existam conflitos inconscientes causadores dos sintomas
OC, nem se justifica o temor que existia de que um paciente pudesse ter graves
desequilíbrios caso se abstivesse de executar seus rituais (modificação do equilíbrio precário
entre impulsos e mecanismos de defesa), ou de que determinados pensamentos intrusivos
indesejáveis pudessem ser expressão de desejos inconscientes, ou ainda de que os
sintomas tenderiam a recidivar caso não fossem abordados em mais profundidade os
conflitos subjacentes. Por exemplo, na terapia de exposições e prevenção de respostas nem
os pacientes tem severos desequilíbrios com a abstenção de realizar rituais, e os pacientes
permanecem por longos períodos de até cinco anos ou mais sem recidivas.
Atualmente, o transtorno obsessivo-compulsivo é visto como um transtorno
neuropsiquiátrico, para cuja origem concorrem fatores de ordem biológica, como
vulnerabilidade genética ou disfunções cerebrais. Embora não se tenha uma explicação
convincente sobre a origem das obsessões, sua manutenção tem sido explicada de forma
convincente pelo fato de os rituais e as evitações provocarem alívio dos sintomas, o que
exerce uma importante função de reforço. Acredita-se que a relação funcional que existe
entre as compulsões e as obsessões ou seja o fato de o paciente descobrir (aprender) que
os rituais aliviam a ansiedade associada às obsessões seja a principal razão da sua
perpetuação. O grande argumento a favor dessa explicação é a efetividade reiteradamente
comprovada da terapia de exposição e prevenção de rituais. Tem sido também destacadas
determinadas avaliações e interpretações erradas sobre o significado dos pensamentos
intrusivos bem como crenças errôneas como a avaliação irreal do risco, a importância
exagerada que estes pacientes dão aos seus pensamentos e de controla-los, o
perfeccionismo, e importância de ter certeza entre outros. Acredita-se que essas crenças
disfuncionais tenham um papel importante na modulação dos sintomas OC. Seu tratamento,
em função desses novos fatos, passou a ser a farmacoterapia associada à terapia cognitivocomportamental, e não mais a psicanálise.
Bibliografia:
Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Volume X
(1909): Duas Histórias Clínicas (O "Pequeno Hans" e o "Homem dos Ratos"). Imago Editora
Ltda, Rio de Janeiro.
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