INTERAÇÕES MEDICAMENTOSAS Interações medicamentosas são alterações das ações terapêuticas de um fármaco, decorrentes da administração simultânea de outra substância. Como resultado das interações medicamentosas podem ser observadas alterações da intensidade dos efeitos do fármaco, tanto aumento quanto diminuição, ou ainda o aparecimento de um novo efeito que não é observado quando cada um dos compostos são administrados isoladamente. O conhecimento das interações medicamentosas potenciais pode fazer com que os efeitos maléficos sejam evitados, ou quando os efeitos forem benéficos pode-se tirar proveito dos mesmos. Muitos indivíduos apresentam mais de uma doença (co-morbidades) e necessitam de politerapia medicamentosa, atualmente conceituada como polifarmácia. O uso concomitante de cinco ou mais medicamentos para o tratamento de um ou mais processos patológicos é considerado POLIFARMÁCIA. Estima-se que a incidência das interações medicamentosas clinicamente relevantes variam entre 3% e 5%, entre os pacientes que utilizam poucos medicamentos (até 5 medicamentos). Por outro lado, aqueles que recebem mais de dez medicamentos, a incidência aumenta para cerca de 20%. Já que pacientes hospitalizados recebem em média 6 ou mais medicamentos, o risco da ocorrência de interações medicamentosas com potencial maléfico é bastante grande. Algumas destas interações podem causar danos permanentes ao paciente, sendo muitas delas responsáveis pelo aumento do tempo de internação e dos custos. As interações medicamentosas podem ser classificadas como: Interações físico-químicas ou farmacêuticas ou farmacotécnicas; Interações farmacocinéticas; Interações farmacodinâmicas. Tais interações podem ocorrer entre: fármaco-fármaco, fármaco-alimento, fármacodiluente e fármaco-recipiente do diluente. Além destas, as interações fármaco-etanol são comuns e oferecem, em muitos casos, riscos consideráveis. 1. INTERAÇÕES FÍSICO-QUÍMICAS São aquelas que ocorrem antes da administração ou absorção. Os fármacos podem interagir nos recipientes das preparações das soluções intravenosas, nas seringas, ou ainda no trato digestório. Na maioria das vezes ocorre a formação de precipitados insolúveis, ou então, degradação da substância. Frequentemente os precipitados formados são visíveis, pois ocorre a turvação, alteração da cor e do aspecto da solução. No entanto, em alguns casos, tais alterações não são perceptíveis a olho nu, podendo, desta forma, levar à consequências gravíssimas, tais como embolias pulmonares. Alterações de pH, substâncias quelantes, altas temperaturas e exposição à luz podem promover interações físico-químicas. Abaixo temos exemplos de interações físico-químicas que podem ocasionar o insucesso da terapêutica. 1 Interações medicamentosas – Prof. Fábio Carrasco Interações fármaco-fármaco: podem ocorrer dentro de bolsas e seringas, na administração simultânea em Y, ou no trato digestório, antes da absorção. Geralmente, ocorre a formação de complexos insolúveis, apresentando-se como precipitados ou turvação. o Fenitoína e sulfametoxazol/trimetoprima são os dois medicamentos que apresentam o maior número de incompatibilidades. Por isso, aconselhase a administração isolada de tais fármacos. o Midazolam X Cefepime o Norepinefrina X Dobutamina o Tetraciclina X íons Ca+ (derivados do leite) o Quinolonas X íons o Fosfato de potássio X Gluconato de cálcio Interações fármaco-diluente: são interações decorrentes de incompatibilidades entre o fármaco e o meio na qual esta substância é diluída. Neste caso, muitas substâncias são incompatíveis com íons presentes em algumas soluções. o Sulfametoxazol X Cloreto de sódio 0,9% o Ceftriaxona X Solução de Ringer o Anfotericina B X Cloreto de sódio Interações fármaco recipiente do diluente: muitas substâncias são adsorvidas pelo polivinil cloreto (PVC), componente de muitos materiais médico hospitalares. Nestes casos, temos como alternativa a utilização de materiais isentos de PVC, como o vidro ou o polietileno. o Insulina X Bolsa de PVC o Amiodarona X Bolsa de PVC (para infusão superior à 1 hora) o Nitroglicerina X Bolsa de PVC o Heparina X Bolda de PVC Deve-se dispensar atenção especial aos fármacos termolábeis (albumina, eritropoetina e anfotericina B) e fotossensíveis (nitroprussiato de sódio). 2. INTERAÇÕES FARMACOCINÉTICAS Os fármacos podem interagir a qualquer momento durante seu trajeto no organismo, portanto, interações farmacocinéticas compreendem àquelas que ocorrem no durante a absorção, biotransformação, distribuição e excreção dos fármacos. A alteração do perfil farmacocinético pode causar o aumento ou a diminuição das concentrações do fármaco no organismo, todavia não há interferência no mecanismo de ação. São exemplos de interações farmacocinéticas: Alteração na absorção: o Antimicrobianos X Contraceptivos = redução da reabsorção (em alguns casos) o Propranolol X Alimentos = aumento na absorção 2 Interações medicamentosas – Prof. Fábio Carrasco Alteração da motilidade do trato gastrointestinal o Redução da motilidade = redução da velocidade de absorção Anticolinérgicos X antimicrobianos o Aumento da velocidade de esvaziamento gástrico = aumento da velocidade de absorção Metoclopramida e domperidona X Digoxina Alteração da distribuição – deslocamento da ligação às proteínas plasmáticas o Sulfametoxazol X Bilirrubina em neonatos 3 Interações medicamentosas – Prof. Fábio Carrasco Alteração da biotransformação o Inibidores enzimáticos Cetoconazol X Terfenadina = risco de arritmia ventricular fatal Cimetidina X Codeína = reduz formação do metabólito ativo (morfina) o Indutores enzimáticos Barbitúricos X Paracetamol = aumento do metabólito tóxico do paracetamol (hepatotoxicidade) Alterações na excreção o Alcalinização da urina = aumento da eliminação de fármacos ácidos fracos Fenobarbital X Bicarbonato de sódio o Acidificação da urina = aumento da eliminação de fármacos bases fracas Morfina X Aspirina (ácido acetilsalicílico) o Redução da excreção renal – redução da secreção tubular ativa Ácido acetilsalicílico X Cefalosporinas Verapamil X Digoxina Cilastatina X Imipenem Probenecida X Penicilinas 4 Interações medicamentosas – Prof. Fábio Carrasco 3. INTERAÇÕES FARMACODINÂMICAS São interações que modificam o efeito farmacológico do medicamento, geralmente no local de ação dos fármacos, através de mecanismos bioquímicos específicos, podendo ocorrer aumento do efeito (sinergismo), inibição dos efeitos (antagonismo) ou efeitos inesperados. Quando ocorre aumento dos efeitos, ou seja, sinergismo, pode-se classificar de duas maneiras: Adição: os efeitos dos fármacos são somados, resultando em uma ação maior que a de um fármaco sozinho. Ex. Morfina (analgésico central) + Ibuprofeno (anti-inflamatório não esteroidal) = a morfina inibe o transmissão do sinal de dor no SNC e o ibuprofeno inibe a COX que produz mediadores químicos da dor (prostaglandinas), resultando em maior redução da dor. 5 Interações medicamentosas – Prof. Fábio Carrasco Sienrgismo de Adição 4,5 4 4 3,5 3 2,5 2 2 Morfina Ibuprofeno 2 1,5 1 0,5 0 Morfina + Ibuprofeno Potencialização: os fármacos agem por mecanismos de ação distintos, promovendo o aumento do efeito, em uma proporção maior que a do sinergismo de adição. Ex. Tramadol (analgésico central) + Amitriptilina (antidepressivo tricíclico) = o tramadol atua sob os receptores opióides no SNC, reduzindo a sensação de dor e a amitriptilina ativa o sistema serotoninérgico, melhorando a ação das encefalinas que diminuem a dor. Sinergismo de Potencialização 9 8 8 7 6 5 4 3 3 2 1 1 0 Tramadol Amitriptilina Tramadol + Amitriptilina Quando ocorre a inibição dos efeitos, ou seja, antagonismo, podemos classificar da seguinte maneira: Fisiológico: os fármacos atuam em vias distintas do organismo, as quais inibem as ações uma da outra. Ex. Adrenalina X Acetilcolina = a adrenalina atua em receptores beta 1 (1) no coração promovendo o aumento da força e da frequência de contração, enquanto que a acetilcolina atua nos receptores muscarínicos 2 (M2) promovendo a bradicardia. 6 Interações medicamentosas – Prof. Fábio Carrasco Competitivo (reversível ou irreversível): o fármaco inibe reversível ou irreversivelmente seus receptores, competindo com o agonista endógeno. Ex. Atenolol X Adrenalina = o atenolol inibe reversivelmente os receptores beta 1 (1) no coração impedindo a ação da adrenalina (agonista endógeno), levando a redução da pressão arterial. À medida que há aumento do agonista endógeno ocorre o deslocamento da ligação do antagonista (antagonismo reversível). Fenoxibenzamina X Adrenalina = a fenoxibenzamina inibe irreversivelmente os receptores alfa adrenérgicos impedindo a ação da adrenalina (agonista endógeno). Mesmo que haja aumento das concentrações do agonista, não serão observados aumento dos efeitos, visto que será necessária a síntese de novos receptores. Existem ainda interações medicamentosas não relacionadas ao mecanismo de ação dos fármacos nelas envolvidas, ou seja, a associação de duas substâncias distintas, com mecanismos de ação diferentes, resulta em um efeito deletério ao organismo. Por exemplo: Amiodarona (antiarrítmico) X Sinvastatina (antihipercolesterolemiante) = risco de rabdomiólise e miopatia; Haloperidol (antipsicótico) X Claritromicina (antimicrobiano) = risco de prolongamento do intervalo de QT, arritmias e taquicardia ventricular; Gentamicina X Furosemida = risco de nefropatia e ototoxicidade. 7