CUIDADOS NO PÓS-OPERATÓRIO EM CIRURGIA CARDÍACA Nestor Sabatovicz Capítulo do livro Assistência ao Recém-Nascido de Risco, Editado por Paulo R. Margotto, 2013 O grande avanço no tratamento cirúrgico das cardiopatias congênitas nos neonatos promoveu um significativo aumento na complexidade das necessidades pósoperatória destes pacientes. Desde o fechamento cirúrgico do canal arterial em prematuros até complexos reparos cirúrgicos (Norwood, Jatene, etc,) são realizados no período neonatal sendo necessário ambientes adequadamente equipados com equipes multidisciplinares treinadas. Monitorização É de extrema importância uma monitorização adequada e eficiente para o sucesso do acompanhamento pós-operatório dos neonatos. Estes pacientes têm uma labilidade hemodinâmica ímpar, e uma monitorização correta permitem um acompanhamento seguro e prevenção de complicações graves. Toda a equipe multidisciplinar envolvida no acompanhamento destes pacientes deve estar familiarizada com os equipamentos, bem como treinada no seu manuseio. A monitorização básica presente na maioria das cirurgias inclui cardioscópio, oximetria de pulso, temperatura, sonda vesical de demora (SVD), sonda orogástrica (SOG), pressão venosa central (PVC), pressão arterial invasiva contínua (PAM), e em casos mais complexos podemos ainda ter cateter peritoneal, pressões de átrio esquerdo (PAE) e artéria pulmonar (PAP). Cardioscópio – deve-se ter um eficiente monitor da freqüência e ritmo cardíaco, se possível com múltiplos canais para que uma avaliação precisa e veloz possa ser feita na vigência de uma arritmia. Oximetria de pulso – deve-se ter cuidado na instalação e manipulação dos sensores oximétricos, tendo sempre em mente que estes estão sujeitos a alterações às condições de baixa perfusão periférica (vasoconstricção severa, baixa temperatura corporal, etc.). Temperatura – atenção especial na chegada da criança do centro cirúrgico quando comumente estão hipotérmicas devido à circulação extracorpórea. SVD – é fundamental um acompanhamento contínuo da diurese. Deve-se ter sempre em mente uma diurese mínima de 1ml/kg/h, e não deve ser medida em espaços prolongados (>2h), pois pode mascarar períodos de oligúria.. SNG – monitorizar hemorragias digestivas, bem como aliviar distensões gástricas que possam ocorrer no pós-operatório proveniente de uma ventilação não invasiva ou mesmo íleo prolongado. É importante ressaltar as alterações de ventilação em neonatos devido à distensão abdominal. PVC – conectada a um acesso venoso central, sendo um importante auxílio na avaliação da volemia. Deve ser ressaltado que esta pode estar alterada em pacientes com baixa complacência do ventrículo direito -VD- (hipertrofia de VD) ou mesmo hipertensão arterial pulmonar. PAM – deve-se usar solução de heparina e solução salina na concentração de 1ui/ml.s Para mantê-la pérvea deve-se “lavá-las” periodicamente ou com infusões contínuas. Deve-se observar sempre o volume e a quantidade de heparina administrados. PAE – é primordial uma manipulação segura desta monitorização, pois em contato direto com as câmaras sistêmicas do coração, a entrada de ar nesta linha pode ser catastrófica. PAP – normalmente utilizada em casos com grave hipertensão arterial pulmonar. Cateter Peritoneal – demonstrada ser via de eliminação de toxinas, e local de acúmulo de líquidos, o peritônio é drenado passivamente por cateter de diálise peritoneal, diminuindo a pressão intra-abdominal e sendo via auxiliar na retirada de líquidos e controle da volemia. O acompanhamento de eletrólitos, hemograma, gasometria, metabólitos renais e Raios-X de tórax, que devem ser feitos sequencialmente, ou no caso de qualquer alteração. (Tabela – 1). Uma avaliação completa da coagulação deve ser feita na chegada à UTI e repetida sempre que necessário. Tabela 1 – Controle laboratorial pós-operatório. Exames PO imediato 1° DPO Gasometria 6/6 h 12/12 h Eletrólitos 6/6 h 12/12 h Hemograma 6/6 h 12/12 h Uréia /creatinina 1x ao dia 1x ao dia Rx tórax 12/12 h 12/12 h 2° DPO 1x ao dia 1x ao dia 1x ao dia 1x ao dia 1x ao dia Aporte hídrico e eletrolítico 1. Dieta zero. Manter SOG aberta nas primeiras 12 h. Tão logo seja possível inicia-se o suporte nutricional. 2. A taxa hídrica básica em pacientes submetidos à circulação extracorpórea (CEC) deve ser de 30% das necessidades básicas no PO imediato, e 50% no 1° DPO. Deve-se utilizar o cálculo básico de 100 ml/kg até 10kg. 3. Glicose: infusão inicial cerca de 2mg/Kg/min com SG 10%. 4. Eletrólitos repostos de acordo com a necessidade básica e corrigidos caso necessário. Potássio 2,5 mEq/kg/dia; Cálcio 1,0 mEq/kg/dia; Magnésio 1,0 mEq/Kg/dia. O sódio só deve ser reposto em caso de hiponatremia. Condutas básicas complementares Antibióticos - profilaxia antibiótica de rotina com Cefuroxima 50mg/kg/dose a cada 12 h ou Cefazolina 30 mg/kg/dose a cada 8h. Em prematuros pode ser feito profilaxia com Nistatina pela SOG. Reposição de colóides - com o intuito de manter hemodinâmica e em pacientes acianóticos com Hb de 12g% e Htc de 35% e em pacientes cianóticos com Hb de 15 g% e Htc de 40%. Analgesia/Sedação - contínua com morfina a 40 mcg/Kg/h em bomba de infusão. Esta deve ser diminuída para a extubação e a dose reajustada em torno de 10 mcg/Kg/h. Pode-se adicionar Midazolam 0,2 mg/Kg/dose a cada 4 horas. Em caso de necessidade de sedação por períodos prolongados a associação de Midazolam (1mg/kg/h) e Fentanil (5mcg/kg/h) torna-se uma excelente opção (consulte o capítulo de Dor Neonatal) Proteção gástrica - ranitidina 2 a 4 mg/kg/dia em duas doses. Apresentação: AntakR: ampola de 2ml com 50mg Condições específicas Baixo débito cardíaco – a manutenção de um débito cardíaco adequado no pósoperatório de cirurgia cardíaca é de fundamental importância para a recuperação destes pacientes. Associado ao exame físico a beira do leito outros parâmetros servem como auxiliares na avaliação do débito cardíaco como pressão arterial, diurese, pressões de enchimento atriais e pulmonar, avaliação da função pulmonar e parênquima através dos raios-X de tórax. Recentemente o acompanhamento do lactato e a diferença A-V na saturação de oxigênio tem sido utilizados como parâmetros no acompanhamento destes pacientes, uma vez que um aumento no lactato sérico e uma diferença A-V O2 maior que 30% são indícios de baixo débito cardíaco. Um estado de hipocontratilidade miocárdica transitória é freqüentemente visto após a CEC, mas vários fatores podem contribuir para o baixo débito no pós-operatório de cirurgia cardíaca em neonatos como lesões anatômicas residuais, disfunção ventricular persistente do pré-operatório ou devido a fatores transoperatórios (proteção miocárdica, hipotermia, lesão de reperfusão do miocárdio, etc.), arritmias, hipertensão pulmonar, infecção entre outros. O débito cardíaco nos neonatos é primariamente dependente da freqüência cardíaca devido a vários fatores intrínsecos da fibra miocárdica neonatal, bem como imaturidade do sistema simpático. Os níveis de cálcio ionizado desempenham papel fundamental na contratilidade miocárdica neonatal sendo outro fator a ser considerado em pacientes nesta situação. A otimização do débito cardíaco pode ser feita atuando ao nível da pré-carga, contratilidade miocárdica e pós-carga. A volemia do paciente pode ser avaliada diretamente pelas pressões de enchimento dos átrios e diurese, bem como exame físico cuidadoso. As drogas simpaticomiméticas são a primeira escolha neste paciente e devido a suas características dose-dependentes, a Dopamina é a primeira escolha. As drogas inibidoras da fosfodiesterase são utilizadas em casos selecionados, sendo escolha naqueles pacientes com hipertensão arterial pulmonar. A tabela 2 sumariza as doses destas drogas (consulte os capítulos de Distúrbios Cardiológicos e Choque Séptico) Tabela 2 – Doses das drogas inotrópicas positivas. Droga Dose Dopamina 2 a 20 mcg/kg/min Dobutamina 2 a 25 mcg/kg/min Noradrenalina 0.05 a 1.0 mcg/kg/min Adrenalina 0.05 a 1.0 mcg/kg/min Isoproterenol 0.05 a 1.5 mcg/kg/min Milrinona 1 a 3mg/kg bolus 3 a 20 mcg/kg/min Amrinona 50 mcg/kg/min bolus 0.25 a 0.75 mcg/kg/min Apresentação: consulte o capítulo de Choque Séptico As drogas vasodilatadoras podem ser muito úteis na diminuição da pós-carga, promovendo um significativo aumento do débito cardíaco, devendo ser associadas às drogas inotrópicas positivas. Tabela 3. Tabela 3 – Drogas vasodilatadoras utilizadas no pós-operatório de cirurgia cardíaca. Droga Dose Hidralazina 0.1 a 0.4 mg/kg a cada 4 ou 6 h Nitroglicerina 0.3 a 5.0 mcg/kg/min Nitroprussiato 0.3 a 10.0 mcg/kg/min Apresentação: Nitroglicerina: TridilR: ampola de 10mg com 50mg Nitroprussiato: NiprideR; frasco-ampola (2ml) com 50mg Hidralazina injetável 2ml cm 50mg Hipertensão arterial pulmonar – as crises de hipertensão arterial pulmonar podem ocorrer no pós-operatório de cirurgia cardíaca cursando com baixo débito cardíaco e hipóxia, acometendo principalmente aqueles pacientes com grande hiperfluxo pulmonar no pré-operatório, ou por lesões vasculares decorrentes da CEC. A monitorização da pressão arterial pulmonar deve ser feita nestes pacientes suscetíveis e esta deve permanecer entre 50% a 75% da pressão sistêmica. As medidas a serem adotadas compreende sedação e analgesia adequadas, manuseio na ventilação ou administração de bicarbonato a fim de manter o pH sérico elevado 7,5-7,6 (alcalinização), redução da paCO2, aumento da FiO2. Devemos associar drogas vasodilatadoras pulmonares como nitroprussiato de sódio, nitroglicerina, milrinona, prostaglandina E1, e instalação de óxido nítrico ao sistema ventilatório ((10ppm a 40ppm). Distúrbios da coagulação – a exposição do sangue aos materiais da CEC, hemodiluição, hipotermia concorrem para alterações nos diversos níveis da cascata de coagulação, alteração no número e função das plaquetas, fribrinólise acentuada, podem ser causas de diátese hemorrágica no pós-operatório de cirurgia cardíaca. Entretanto sangramento acima de 10ml/kg/h deve ser indicativo de revisão cirúrgica. O tratamento consiste na correção da anemia, e utilização de plasma fresco, transfusão de plaquetas criopreciptado para repor os fatores de coagulação. Referências Bibliográficas Blibliografia 1. Castañeda A, Jones R, Mayer J, Hanley F. Cardiac Surgery of the neonate and infant. Philadelphia: WB Saunders, 1994. 2. Chang AC, Hanley F, Wernovsky G, Wessel DL. Pediatric Cardiac Intensive Care: Lippincott Williams & Wilkins, 1998. 3. Ferrero CR, Romano ER, Bosisio IEJ. Pós-operatório nas cardiopatias congênitas. Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo 5:776, 2002