O SALTO QUALITATIVO DE UMA ECONOMIA CONTINENTAL

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O SALTO QUALITATIVO DE UMA ECONOMIA CONTINENTAL
Amaury Porto de Oliveira
Vou partir da idéia de que a China está vivendo, nesta virada de século, uma
Quarta Revolução, na sua marcha para a plena modernidade. Impõe-se, então, evocar
rapidamente as três revoluções anteriores. A primeira foi a revolução republicana de
1911, liderada por Sun Yat-sen, que pôs fim ao sistema monárquico na China e
confirmou a imagem de Estado-nação que os chineses tinham passado a fazer deles
mesmos, em resposta à agressão ocidental simbolizada pelas Guerras do Ópio
(segunda metade do século XIX). Em 1949, Mao Zedong conduziu a bom término a
Revolução comunista, que iria unificar a quase totalidade do território chinês e
introduzir profundas reformas sociais: a reforma agrária, com a confiscação das
terras dos grandes proprietários e sua redistribuição aos camponeses, e a assunção
pelo governo central do controle do setor industrial.
Mao Zedong anunciou solenemente ao mundo a criação da República Popular
da China, numa proclamação (01.10.49) que reivindicou para o Estado chinês a
condição de membro do Sistema Internacional de Westphalia, um dos pilares do
mundo moderno. Mas foi preciso esperar a Terceira Revolução, comandada por
Deng Xiaoping em dezembro de 1979, para que a China começasse a integrar-se no
segundo pilar da modernidade: a revolução científico-tecnológica lançada por
Newton no século XVI. Deng pôs em marcha reformas ousadas e abrangentes com
vistas à edificação de uma economia de mercado sob administração do Partido
Comunista liberado de preocupações ideológicas e à integração da China na
Sociedade da Informação.
A postulada Quarta Revolução pode ser vista como o amadurecimento das
reformas iniciadas por Deng Xiaoping, num verdadeiro salto quântico que produzirá,
num prazo de vinte anos, uma economia pós-fordista de dimensão continental.
Utilizei deliberadamente o conceito do pós-fordismo, a fim de enfatizar, desde logo,
que os desenvolvimentos a serem examinados situam-se no contexto da chamada
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globalização. O surgimento da economia continental chinesa é, na verdade, um dos
processos fundamentais da consolidação de uma economia globalizada.
A opinião pública chinesa tem consciência disso, e o tema da globalização e de
como reagir a ela vem sendo amplamente discutido na China. No Asian Survey de
maio-jun 2000, o respeitado consultor governamental americano para assuntos
asiáticos, Banning Garrett, relacionou as principais opiniões em confronto, com base
em entrevistas por ele realizadas, no curso de duas visitas à China, junto a
instituições governamentais e acadêmicas, células de reflexão e homens de negócios.
A linha oficial foi bem explicitada pelo Presidente Jiang Zemin, em discurso na
cúpula da APEC no Brunei (16.11.2000), quando ele destacou a participação da
China na globalização econômica como requisito inevitável do progresso econômico
do país. Jiang acentuou, também, que “o estreitamento de laços econômicos e
tecnológicos entre países e regiões” constitui “fator positivo na promoção da paz e
estabilidade mundiais”. Funcionário bem informado teria assegurado a Garrett que
Jiang estaria se referindo, aí, inclusive ao problema de Taiwan.
A pesquisa de Garrett mostra que, contrariamente à opinião generalizada, a
China de hoje admite uma boa margem de contestação às opiniões governamentais.
Ele arrola várias manifestações contrárias à linha oficial diante da globalização,
pondo em realce “um grupo pouco coeso de nacionalistas radicais, no partido, na
mídia, entre militares e acadêmicos”, os quais se opõem de forma estridente à
globalização, “como ameaça à soberania, cultura e valores socialistas da China”. O
grupo acusa os EUA de usarem a globalização para enlearem a China nos seus
esquemas, e opõe-se à entrada da China na OMC.
Em que pese à bravura desse grupo minoritário, a lógica das reformas postas
em marcha por Deng Xiaoping, em 1978, tem empurrado a China, irresistivelmente,
para a globalização. Na visão de Deng, tornara-se necessário atualizar a China com
as novas realidades mundiais em duas frentes: (a) efetuando no plano doméstico a
transição da economia centralmente planificada, edificada por Mao Zedong, para
uma economia de mercado; (b) abrindo a China ao mundo exterior. O primeiro
objetivo provoca até hoje incompreensões no Ocidente, onde se continua esperando
que a China complete o abandono do socialismo pelo capitalismo. Mas para os
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dirigentes chineses, que seguem nisso a lição de Fernand Braudel, economia de
mercado e capitalismo não são sinônimos. O mercado é uma necessidade histórica
objetiva, resultante do adensamento – por cima das relações milenares do homem
com o seu ambiente material – de um tecido de contratos e preços relativos. Nada
impede que uma entidade como o PCC possa governar o mercado do seu país,
ocupando o lugar que há alguns séculos foi tomado pelos capitalistas, no intuito de
manipular a economia de mercado para a maior glória deles, capitalistas.
A transição chinesa começou antes das transições na Europa Oriental, e
diferenciou-se delas em dois pontos essenciais. Introduziram-se reformas
econômicas sem pôr em causa as instituições políticas do regime. As reformas vêm
sendo feitas de forma gradual. Na primeira década das “Quatro Modernizações”, a
preocupação foi sobretudo reavivar o dinamismo mercantil, tradicional no campo e
nas cidades da China, e que o maoismo havia sopitado. No campo, a entrega ao
grupo familiar da responsabilidade pela ocupação e cultivo da terra e a livre
disposição do produzido acima das cotas impostas pelo Estado despertam o
entusiasmo dos camponeses, resultando na elevação impressionante das safras. No
setor industrial, as primeiras medidas concentraram-se em romper a dependência
vertical das empresas diante das instâncias estatais, em favor dos vínculos
horizontais típicos do mercado, que são determinados pelas condições reais da oferta
e da procura nos mercados individualizados: dos produtos, da terra, do trabalho, dos
capitais, etc.
No tocante à abertura da China ao grande mundo, duas situações favoráveis
devem ser ressaltadas. A primeira é que, diferentemente do ocorrido com o resto do
Leste Asiático à exceção do Vietnã, o reerguimento da China vem-se processando
fora de esquemas estratégicos dos EUA. A China vem podendo fazer soberanamente
suas opções. O segundo fator é o respaldo do “capitalismo internacional chinês”
(CIC), que não é senão o colossal acúmulo de ativos e de conexões comerciais e
tecnológicas, reunidos no globo pelos “chineses de ultramar”, e convenientemente
capitalizados e reciclados a partir de Hong Kong. Deng Xiaoping buscou desde o
primeiro momento atrair a participação
da diáspora nas suas “Quatro
Modernizações”, como evidenciado pela localização geográfica das “zonas
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econômicas especiais” de 1979. Ao longo dos anos 80, indústrias de baixa tecnologia
de Hong Kong e Taiwan deslocaram-se em massa para o continente. Mas foi só em
1992, num famoso circuito por cidades do Sul e Xangai, em etapas cuidadosamente
escolhidas para que repercutisse em Hong Kong a mensagem difundida por Deng,
que o velho líder pôde afinal mobilizar os magnatas da diáspora. O circuito de Deng
refletiu o consenso a que haviam chegado as cúpulas partidária e governamental
sobre a inexorabilidade de seguir aprofundando as reformas de 1978, a fim de
escapar a derrocadas políticas do tipo das ocorridas na Europa Oriental. A
construção de um socialismo de mercado foi formalizada como o objetivo do regime,
em 1993.
Nos dez anos desde então decorridos, os dirigentes chineses têm-se mantido
fiéis ao propósito de construir uma próspera e moderna economia de mercado,
gerenciada por eles mesmos numa perspectiva socializante. Capitalistas nacionais e
estrangeiros são deixados atuar, em condições cada vez mais favorecidas, mas não
são eles que puxam os cordéis.
Foi até possível reintegrar no corpo nacional a praça capitalista de Hong Kong,
deixando-a extramuros para não contaminar as ações do governo central.
É interessante verificar como a China, por decisão dos seus dirigentes, passou
a modernizar-se adotando soluções de tipo americano. Logo em 1993, o PCC
resolveu construir uma versão local das Superestradas da Informação, de que falarei
adiante. Em 1998 o sistema bancário e os mercados financeiros começaram a ser
adaptados aos padrões do Banco Central dos EUA. A derrocada da União Soviética e
a demonstração de poderio militar dos EUA, na Guerra do Golfo, levaram os
chineses a concluir pela chegada de um período de monopolaridade e a conveniência
de avançar rapidamente nos setores de ciência e tecnologia que iriam definir a nova
era. As receitas do modelo japonês, favorecidas nos anos 80, foram sendo
substituídas para atrair os investimentos diretos de firmas americanas.
Os dados reunidos pelos relatórios especializados da CNUCED, que são a
melhor fonte para acompanhar a evolução dos investimentos diretos estrangeiros
(IDEs), na China, mostram aquele país, nos últimos anos do século XX, como o
segundo destino dos IDEs, após os EUA. A China firmava-se em torno de 40 bilhões
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de dólares, enquanto os EUA atingiam o pico de 301 bilhões, no ano 2000. Em
2001, no entanto, os EUA despencaram para 124 bilhões, enquanto subiam para
quase 47 bilhões os dólares investidos na China. Essa dupla tendência está em via de
acentuar-se no ano em curso, conforme dados da CNUCED do mês de outubro. A
expectativa é que a China apareça, pela primeira vez, como o principal coletor
mundial de IDEs: 50 bilhões de dólares, contra apenas 44 bilhões para os EUA.
Iniciativa do governo central muito beneficiada pelo circuito de Deng, em
1992, foi a “estratégia do desenvolvimento costeiro”, lançada em 1998 pelo
Secretário Geral do PCC da época, Zhao Ziyang. A idéia tinha sido atalhar a marcha
para as cidades do litoral das dezenas de milhões de camponeses que se iam tornado
excedentários, graças ao trabalho mais eficiente do grupo familiar no cultivo da terra.
Essa mão-de-obra itinerante foi sendo absorvida na malha de “empresas de distrito e
vila” (EDVs), criadas sob a responsabilidade do poder público local e para as quais
eram atraídos empresários estrangeiros, dispostos a trazer todos insumos para a
produção de manufaturas a serem totalmente exportadas. Era o começo da integração
da China na economia internacional. No início dos anos 90 as EDVs já supriam mais
de um quarto das exportações chinesas de manufaturas de baixa tecnologia.
Hoje é extensa e intensa a interação entre a economia chinesa e as redes
produtivas globais. A preocupação das multinacionais com a redução dos seus custos
de produção tem levado a que elas transfiram o máximo possível das suas atividades
para países que se especializaram na produção em massa de manufaturas. Há
projeções que vêem as firmas de alcance global produzindo fora do seu país de
origem, na altura de 2010, metade dos seus produtos. E a China é o país que mais se
tem preparado para responder a esse desenvolvimento. Desde 1980, a ação
coordenada do governo e empresários chineses vem montando ali um ambiente
manufatureiro de primeira linha, graças à melhoria do clima legal, incentivos de
vários tipos e investimentos sistemáticos na educação e treinamento da mão-de-obra.
Já está sendo esta capaz de apresentar produtos de qualidade comparável à do Japão
e até dos EUA, em troca de salários ainda muito abaixo dos vigentes nesses dois
países. A China tem, hoje, a quarta produção industrial do mundo, atrás apenas dos
EUA, Japão e Alemanha. Do seu vasto parque industrial
estão saindo, para
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distribuição pelo globo, mais de 50% das câmeras produzidas no mundo; 30% das
televisões e aparelhos de ar condicionado; 25% das máquinas de lavar; quase 20%
das geladeiras. Para ficar nesses exemplos de eletroeletrônicos.
Após conquistar o interesse dos magnatas de Hong Kong para colaborar no
reerguimento da mãe-pátria, o nonagenário Deng Xiaoping continuou seu circuito
até Xangai. Xangai fora, na primeira metade do século XX, o grande centro
industrial e financeiro da China, mas no final dos anos 40, diante do avanço
inexorável dos comunistas de Mao Zedong, a nata da burguesia de Xangai deslocouse precipitadamente para Hong Kong. chegando ali no momento em que os EUA
impunham aos seus aliados a suspensão de transações com a China. Os empresários
e banqueiros de Xangai preencheriam o claro surgido em Hong Kong, tornando-se a
vanguarda da consolidação do CIC. Xangai, no entanto, cairia na profunda
sonolência de que viria agora sacudi-la Deng Xiaoping.
A direção central, em Pequim, decidiu restabelecer Xangai como a cabeça
industrial e financeira da China, atribuindo-lhe também o papel de vitrina da
modernização do país. Dois antigos prefeitos xangaianos ascenderam a chefes-de-fila
da “terceira geração” de dirigentes: Jiang Zemin, que ocupou durante dez anos os
postos de Secretário-Geral do PCC e Presidente do Estado, Zhu Rongji, poderoso
Primeiro Ministro. O crescimento econômico de Xangai, a partir de 1993, vem-se
mantendo em torno de 12% anuais, superando o crescimento nacional. A Grande
Xangai tem-se entrosado com as redes globais em seis setores principais: siderurgia,
automotiva, petroquímica, energia, telecomunicações e computação. Uma área de
350 quilômetros quadrados na margem direita do Rio Pu (Pudong) foi
recondicionada, a um custo de vários bilhões de dólares, para abrigar os escritórios e
laboratórios da fina-flor das indústrias de alta-tecnologia, que encontram na cidade
sócios chineses para as mais diversas iniciativas, e um exército de jovens cientistas e
engenheiros, que as universidades e institutos locais não cessam de produzir.
Xangai aparece como um dos pontos de apoio
do Círculo Chinês, o
amálgama da China continental com Hong Kong, Macau e, cada vez mais, Taiwan.
Há alguns anos, chegou a parecer que transnacionais americanas dispunham-se a
usar Taiwan como ponto de apoio para investidas comerciais na China, inclusive
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para inibir o avanço das firmas japonesas no Leste Asiático. À medida, porém, que a
China foi abrindo seu mercado aos investimentos estrangeiros e que se fortaleceram
empresas chinesas, as companhias americanas tenderam a investir diretamente no
continente. Foi mais um elemento a compelir os industriais taiwaneses, que já
vinham deslocando produção para o outro lado do Estreito desde a década dos 80, a
acompanharem suas implantações. Para poder resistir ao novo nível de
competitividade alcançado pelas empresas do continente, os industriais taiwaneses
passaram a mudar-se para lá com suas famílias. Centenas de milhares de taiwaneses
já estão vivendo em áreas da Grande Xangai, por exemplo, em centros urbanos
nascidos com características adequadas aos hábitos culturais de Taiwan. Num
desdobramento a contrapelo das tensões político-militares fomentadas em torno de
Taiwan, a partir dos EUA.
Simultaneamente com o intercâmbio de capital humano entre Taiwan e o
continente, toma vulto a migração de especialistas de origem chinesa, dos EUA para
a China. São na maioria cientistas e engenheiros formados nos EUA e com anos de
trabalho em firmas americanas. No ano de 2000, 13 mil pessoas assim qualificadas
retornaram para a China e cálculos oficiais prevêem uma explosão dos retornos nos
próximos dez anos. Essa movimentação, tal como o intercâmbio de capital humano
entre os dois lados do estreito de Taiwan respaldam-se em redes produtivas com
raízes em centros de alto tecnologia dos EUA. O que em parte explica a já citada
impregnação da nascente economia continental chinesa com fórmulas e soluções
copiadas dos EUA.
Preciso ainda ocupar-me, conforme prometido, da versão chinesa das
Superestradas da Informação. Foi ela lançada em 1993, na esteira da iniciativa
correspondente do Presidente Bill Clinton. Chamou-se Infra-estrutura Nacional da
Informação (INI), abarcando as telecomunicações, as tecnologias da informação e a
indústria do entretenimento. Tem a seu cargo tanto os fluxos de dados da palavra
escrita, filmes, peças musicais, gravações sonoras, fotos e logiciais, que transitam
pela infra-estrutura em causa; quanto a supervisão do suprimento dos computadores,
televisores, telefones, rádios e outros aparelhos utilizados para o acesso à dita infraestrutura. Deng Xiaoping distinguia as telecomunicações como o fator-chave da
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construção nacional, sob o socialismo de mercado, e elas têm efetivamente
funcionado como o carro-chefe da modernização chinesa. Guiando-se por um
cálculo que vê cada crescimento de 1% no número de telefones, por 100 habitantes,
redundando em 3% de aumento no PIB, o governo central tem destinado 1% do PIB
anual para a expansão das telecomunicações. Em 1994, o antigo Ministério dos
Correios e Telégrafos foi fundido com os Ministérios da Indústria Eletrônica, mais o
do Rádio, filme e Televisão, no mega Ministérios da Indústria da Informação,
através do qual do Estado tem podido manter seu controle sobre o INI, apesar das
maciças injeções de capital e tecnologia, de fora, a que tem sido necessário recorrer.
As telecomunicações são, possivelmente, o setor em que mais nítida aparece
a preocupação do Estado chinês com estimular a economia de mercado, mantendo a
administração dessa economia nas mãos das autoridades centrais. Até 1994, o MCT
monopolizou os serviços telefônicos do país. A competição começou a ser
introduzida no setor com a criação do MII, e hoje existem quatro grandes
operadoras: China Telecom, responsável pela telefonia fixa nas prósperas províncias
do Sul; China Netcom, telefonia fixa nas províncias do Norte; China Mobile e China
Unicom, dedicadas ambas à telefonia celular. A concorrência no mercado doméstico
é particularmente acirrada entre as duas últimas, numa área praticamente inexistente
há dez anos, e que já reúne 145 milhões de usuários, contra 180 milhões de linhas da
telefonia fixa.
O grande trunfo do Estado chinês para manter o interesse do capital
estrangeiro num setor que somente agora, com o ingresso da China na OMC, se abre
a sócios de fora tem sido a enormidade do mercado doméstico para equipamentos de
telecomunicações. Até por volta de 1995, os fabricantes chineses só atendiam 10%
desse mercado, enquanto dezesseis grandes multinacionais fabricavam e vendiam, na
China, os equipamentos em causa. Em 1996, o governo central passou a apoiar
explicitamente os fabricantes domésticos, abrindo cominho para campeões nacionais
como Huawei Technologies, de Shenzhen, que figura hoje entre os dez maiores
fabricantes mundiais de equipamentos para telecomunicações. Mas a China ainda
precisa de fortes doses de capitais e tecnologias de transnacionais como a Motorola,
a Ericsson, a Nokia e a Nortel Noteworks, todas muito ativas na infra-estrutura das
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telecomunicações do país. Menção especial deve ser feita à Alcatel. Foi com essa
companhia francesa que o governo criou, em 1983, a primeira empresa mista do
setor, a Shanghai Bell. Após uma trajetória de êxitos, serviu essa empresa de base
para nova investida da Alcatel. Criou-se agora a Alcatel Shanghai Bell, na qual os
franceses detêm a maioria do capital (50% mais uma ação). A grande novidade foi a
consolidação de todas as atividades de pesquisa que a Alcatel já exercia na China
com o plantel de pesquisadores da Shanghai Bell, num centro único de pesquisa e
desenvolvimentos, em Xangai, que poderá contar com 3.500 especialistas até fins de
2003. A companhia francesa planeja realizar ali boa parte das suas pesquisas de
alcance global, já estando o centro encarregado, por exemplo, de desenvolver o
eventual padrão para a próxima geração de telefones celulares.
Voltando ao tema da Quarta Revolução, cumpre acentuar a profunda revisão,
no XVI Congresso (Pequim, novembro de 2002), do quadro de integrantes das
instâncias superiores do PCC: Comitê Central, Birô Político e Comissão Permanente
do BP. Esta última, que é o efetivo centro decisório na China, foi ampliada de sete
para nove membros e somente um dos sete membros da composição anterior foi
reeleito. Trata-se de Hu Jintao, imediatamente investido nas funções de Secretário
Geral do partido. Prevê-se que ele assuma também a Presidência do Estado, em
março de 2003, firmando-se como núcleo da Quarta Geração de Dirigentes
revolucionários (após as “gerações” lideradas por Mao Zedong, Deng Xiaoping e
Jiang Zemin). Incumbirá a essa Quarta Geração impulsionar a Quarta Revolução, ou
em outras palavras, criar as bases sólidas da postulada economia pós-fordista de
dimensão continental.
Será tarefa ciclópica. Montar numa área de mais de 9 milhões e meio de
quilômetros quadrados a infra-estrutura material que permita, a cerca de 1 bilhão e
meio de indivíduos, alcançarem no prazo de vinte anos um PIB da ordem de 10
trilhões de dólares. Mas tarefa que já está em marcha. Além da expansão acelerada
das telecomunicações, aí incluindo o crescimento aos saltos da utilização da Internet
(120 milhões de usuários previstos para 2004), avançam as malhas rodoviária e
ferroviária.
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A China já possui mais de 30 mil quilômetros de boas estradas e outro tanto
deverá ser entregue até 2020, quando todas as principais cidades estarão interligadas
por uma rede rodoviária que se pretende fique atrás apenas da rede americana. Tanto
o Banco Mundial quanto o Banco Asiático de Desenvolvimento vêm contribuindo
com largueza para a expansão das rodovias na China, dentro da idéia de que isso é
fundamental para a superação da pobreza no país. Desde de 1998 passou a orientar
os seus créditos, prioritariamente, para as áreas menos desenvolvidas do Oeste, bem
como para as chamadas “estradas de alimentação”, através das quais pequenas
cidades conectam-se com os sistemas das auto-estradas. A perspectiva é de que os
caminhões se firmem com o meio de transporte das mercadorias em geral e
máquinas, deixando para os trens o transporte de cargas pesadas como carvão e
grãos.
A rede ferroviária já se espalha por 68 mil quilômetros e o governo planeja
acrescentar mais 7 mil quilômetros de trilhos até 2005. Nas últimas duas décadas,
esmorecera o investimento em ferrovias, situação que está procurando reverter. O
Banco Mundial e o BAD destinaram créditos de 5 bilhões de dólares para construção
de ferrovias, privilegiando a ligação de áreas remotas à malha nacional. Do seu lado,
o Estado investiu cerca de 6 bilhões de dólares, em 2001, na abertura de novas linhas
e melhoria das velhas, além da compra de material rolante. Outros 7 bilhões de
dólares deverão ser investidos em 2002. As estradas de ferro foram uma das áreas
mais protegidas da economia planificada, mas com o ingresso da China na OMC
estrangeiros poderão associar-se minoritariamente em empresas de frete, a partir de
2002, e majoritariamente a partir de 2004. Após 2006, serão levantadas todas as
restrições ao capital estrangeiro, no setor de carga, continuando fechados os serviços
de passageiros. Área que será certamente aberta a investimentos de fora é a da
construção de linhas de alta velocidade entre grandes cidades. Vários projetos já
estão em marcha.
Para concluir, vale ressaltar a projetada modernização da municipalidade
autônoma de Chungquing, um território três vezes maior do que a Bélgica, no curso
médio de Iang Tse.Vinte bilhões de dólares anuais serão investidos, durante dez
anos, para fazer da decrépita Chungquing “a Chicago da China”. Quando se
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constituiu a economia continental dos EUA, Chicago surgiu como a porta para o
Oeste, entroncamento ferroviário e mercado redistribuidor da produção agrícola do
Meio-Oeste. Funções equivalentes estão sendo previstas para a renovada
Chungquing, tendo sido encarregado do empreendimento o funcionário que
supervisionou o projeto de Pudong, em Xangai. Ele explicou à Business Week
(14.10.02) que se está preparando para a tarefa, estudando experiências americanas
como a do Tennessee Valley Authority.
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