importância do acompanhante na trajetória da criança

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A IMPORTÂNCIA DO ACOMPANHANTE NA TRAJETÓRIA DA
CRIANÇA/ADOLESCENTE COM CÂNCER INTERNADA NO HEMOCENTRO DE
MANAUS
RESUMO
Objetiva-se compreender a percepção dos acompanhantes no processo saúde-doençahospitalização junto à criança/adolescente com diagnóstico de doença crônica: Leucemia.
Trata-se de um estudo qualitativo descritivo exploratório. Realizada na Fundação de
Hematologia e Hemoterapia do Amazonas (FHEMOAM), no período de agosto de 2014 a
julho de 2015, com 15 mães acompanhantes e responsáveis legais. Através de uma análise
temática segundo estabelecida por Minayo (2010). Conclui-se que são muitas as dificuldades
experimentadas pelas mães cuidadoras e os profissionais de saúde, por meio da escuta
sensível e comunicações terapêuticas devem tornar o acompanhante como parte integral do
cuidado.
DESCRITORES: Enfermagem Oncológica. Acompanhantes de Pacientes. Hospitalização.
THE IMPORTANCE OF ACCOMPANYING IN TRAJECTORY OF CHILD /
ADOLESCENT WITH CANCER IN MANAUS HEMOCENTRO
ABSTRACT
The objective is to understand the perceptions of caregivers in the health-diseasehospitalization process with the children / adolescents with chronic disease: leukemia. This is
an exploratory descriptive qualitative study. Held at Fundação de Hematologia e Hemoterapia
do Amazonas (FHEMOAM), from August 2014 to July 2015, with 15 accompanying mothers
and legal guardians. Through one second thematic analysis established by Minayo (2010). It
is concluded that there are many difficulties experienced by caregivers mothers and health
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professionals, through sensitive listening and therapeutic communication should make the
companion as an integral part of care.
DESCRIPTORS: Oncology Nursing. Medical Chaperones. Hospitalization.
LA IMPORTANCIA DE ACOMPAÑAR EL CAMINO DE LA NIÑO /
ADOLESCENTE CON CÁNCER EN MANAUS HEMOCENTRO
RESUMEN
El objetivo es comprender las percepciones de los cuidadores en el proceso de saludenfermedad-hospitalización de salud con los niños / adolescentes con enfermedad crónica:
leucemia. Se trata de un estudio cualitativo exploratorio descriptivo. Celebrada en la
Fundação de Hematologia e Hemoterapia do Amazonas (FHEMOAM), desde agosto 2014
hasta julio 2015, con 15 madres acompañantes y representantes legales. A través de un
segundo análisis temáticos establecidos por Minayo (2010). Se llegó a la conclusión de que
hay muchas dificultades experimentadas por los cuidadores madres y profesionales de la
salud, a través de la escucha sensible y la comunicación terapéutica debe hacer el compañero
como una parte integral de la atención.
DESCRIPTORES: Enfermería Oncológica. Chaperones Médicos. Hospitalización.
INTRODUÇÃO
O câncer se configura como uma doença crônica, podendo evoluir de forma incerta e
causar problemas graves de saúde. Apresenta sintomas e incapacidades associados que
exigem do doente um controle e acompanhamento em longo prazo. Logo é uma patologia que
traz aos portadores um sofrimento, que se estende também aos familiares que acompanham a
evolução da doença (REZENDE et al., 2011).
Nos próximos anos, as doenças neoplásicas iram se tornar uma das doenças crônicas
não transmissíveis mais evidentes no mundo. Alerta feito pela Organização Mundial da Saúde
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(OMS), no Dia Mundial do Câncer, e consta no Relatório Mundial do Câncer 2014.
(STEWART e WILD, 2014). Os cânceres infanto-juvenis são os que causam maior impacto
na vida dos familiares, e dentre estes a leucemia é o mais comum e incidente (MARCHI et
al.,2013). Dados do INCA (2016) mostram a estimativa de casos por região, onde se prevê
que o número de casos novos de leucemia para o Brasil no ano de 2016 é de 5.540 casos em
homens e de 4.530 em mulheres, além disso, sem considerar os tumores de pele não
melanoma, a leucemia em homens é a sexta e para as mulheres a sétima mais frequente na
região Norte do Pais.
A hospitalização é um fator presente para os portadores de leucemia, e representa um
desafio, tanto para o paciente, quanto para o familiar que auxilia diretamente no tratamento.
Pois passam a vivenciar dificuldades, como os longos períodos de hospitalização, internações
frequentes, terapêutica dolorosa, além de dificuldades pela separação dos demais membros da
família, precedidas de dor, sofrimento e medo (KANDA et al., 2014).
Nesta perspectiva, notamos que as modificações e dificuldades no âmbito familiar
são mais frequentes no caso de uma doença crônica como o câncer infanto-juvenil. Diante
disto, o familiar também merece cuidados especiais, não somente do ponto de vista biológico,
mais ainda quanto aos aspectos psicológicos, sociais e espirituais. Assim, este estudo tem
como objetivo compreender a percepção do acompanhante no processo saúde, doença e
hospitalização junto à criança/adolescente com diagnóstico de leucemia.
MATERIAL E MÉTODOS
Trata-se de um estudo qualitativo descritivo exploratório, focado em compreender as
percepções vividas pelo acompanhante da criança/adolescente com diagnóstico de leucemia.
Realizado na Fundação de Hematologia e Hemoterapia do Amazonas (FHEMOAM), com 15
mães acompanhantes e responsáveis legais de crianças e adolescentes hospitalizados
portadores de leucemia que aceitaram participar da pesquisa. Atendendo a Lei n° 8.069, de 13
4
de julho de 1990, que dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente, Art. 2° que
considera criança a pessoa até 12 anos de idade incompletos, e adolescentes entre 12 e 18
anos.
A pesquisa somente iniciou após o parecer do Comitê de Ética em Pesquisa
CEP/UFAM com CAAE Nº 31699314.9.0000.5020, e todos os participantes tiveram acesso
primeiramente ao Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), respeitando a
Resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde (CNS). Na pesquisa para garantir a
privacidade e sigilo dos dados, visando preservar o anonimato dos colaboradores, foi utilizado
como recurso à substituição dos nomes próprios por nomes fictícios, originados dos rios do
Amazonas.
Utilizou-se de uma entrevista semi-estruturada elaborada pelo pesquisador,
observando as questões norteadoras como: Qual a reação diante do primeiro impacto com o
diagnóstico de uma doença crônica como a leucemia? Quais alterações ocorrem no cotidiano
do acompanhante a partir da hospitalização?
A amostra final da coleta de dados foi fechada por meio da técnica de saturação
teórica, isto ocorre quando a interação entre campo de pesquisa e o investigador não mais
fornece elementos que deem suporte para aprofundar a teorização (FONTANELLA, 2011).
Participaram do estudo apenas aqueles que permaneciam com as crianças/adolescentes
durante sua hospitalização e que participavam ativamente no seu processo de tratamento e
vida diária.
As entrevistas foram gravadas e após conferência de fidedignidade, realizaram-se as
transcrições para documento em texto, respeitando a veracidade das falas. Dentre os
entrevistados, alguns apresentaram uma forte carga emocional durante as respostas,
evidenciado pelo pesquisador através de postura cabisbaixa, olhos com lágrimas e fala
embargada. Mas a finalidade das entrevistas fora alcançada com êxito.
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O material qualitativo foi avaliado pela técnica de análise de conteúdo, pois esta
apresenta as características metodológicas mais adequadas para este tipo de estudo
(CAMARA, 2013). Dentre as modalidades de análise de conteúdo, este estudo usa análise
temática segundo Minayo (2010), porque além de ser a mais simples, é considerada a mais
apropriada para investigações qualitativas (BARDIN, 2011).
RESULTADOS DA PESQUISA
A pesquisa foi realizada com 15 acompanhantes de criança/adolescente com câncer,
todos do sexo feminino, das quais 14 eram mães biológicas, e uma mãe adotiva. Com relação
à idade, os acompanhantes possuíam entre 21 e 48 anos. Quatro das entrevistadas não
moravam em Manaus durante a descoberta da doença de seus filhos. Sendo as mesmas
provenientes dos municípios de Tapauá, Manicoré, Eirunepé e Manacapuru. A última
continua residindo no município em que vivia antes do diagnóstico, pois todas as outras após
a descoberta da enfermidade passaram a residir em Manaus, em virtude do longo tratamento e
acompanhamento do ciclo evolutivo da patologia.
O quadro abaixo faz um panorama geral dos tipos de leucemia do filho e o tempo de
tratamento das crianças/ adolescentes e seus respectivos acompanhantes:
Tabela 1 – Quadro geral das crianças e adolescentes e seus respectivos acompanhantes
participantes da pesquisa.
Nome
fictício
do Diagnóstico
da Tempo de Tratamento
acompanhante
criança/adolescente
Rio Solimões
Leucemia Linfóide Aguda – 1 Ano e 10 Meses
LLA
Rio Urubu
Leucemia Linfóide Aguda – 2 Semanas
LLA
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Rio Purus
Leucemia Linfóide Aguda – 1 ano e 2 meses
LLA
Rio Jataí
Leucemia Linfóide Aguda – 2 Semanas e 3 Dias
LLA
Rio Juruá
Leucemia Linfóide Aguda – 3 Meses
LLA
Rio Uaupés
Leucemia Linfóide Aguda – 8 Meses
LLA
Rio Canumã
Leucemia Linfóide Aguda – 1 Mês
LLA
Rio Preto da Eva
Leucemia Linfóide Aguda – 1 Ano e 10 Meses
LLA
Rio Jarí
Leucemia Linfóide Aguda – 2 Meses
LLA
Rio Xingu
Leucemia
Linfóide
Aguda 2 Anos
(LLA) em Síndrome de Down
Rio Içá
Leucemia Linfóide Aguda – 4 Meses
LLA
Rio Negro
Leucemia
Linfóide
Aguda 5 Anos
(LLA) – Recorrente
Rio Madeira
Leucemia Linfóide Aguda – 2 Meses
LLA
Rio Roosevelt
Leucemia
(LLA)
Linfóide
-
Aguda 2 Anos
Recorrente
+
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Pneumonia
Rio Amazonas
Leucemia Mielóide Aguda – 2 Meses
LMA
Fonte: Autor
Após as transcrições e leituras analíticas, considerando importante o olhar do
acompanhante durante a trajetória da criança/adolescente, conforme as entrevistas realizadas.
Foi possível elencar quatro categorias temáticas, abordadas a seguir:
As Ajudas no Tratamento e o Entendimento dos Direitos Legais do Familiar
Acompanhante da Criança/Adolescente com Câncer
O tratamento da leucemia é demorado e dispendioso para as crianças/adolescentes
com câncer e acompanhantes, que ao passar esse momento de adversidade acabam por
necessitar de apoios e auxílios do tipo emocional e financeiro, a fim de vencer as dificuldades
da mente, do corpo e monetária.
Neste estudo dos 15 colaboradores, 12 recebiam algum tipo de apoio externo, como
do Grupo de Apoio à criança com Câncer no Amazonas (GACC-AM). Que oferece um
acompanhamento com a assistência social, nutricionista e psicólogo, para os pacientes
oncológicos internados, além de, se necessário, cestas básicas mensais, Kits suplementares
quinzenais, brinquedos, roupas, calçados, além de local para hospedagem dos acompanhantes
de pacientes vindos do interior e outros estados, benefício este que apenas uma das
entrevistadas usufrui.
Outra entidade que ajuda as mães das crianças com leucemia na FHEMOAM é O
Grupo de Apoio as Crianças Portadoras de Doenças do Sangue – Grupo Raio de Sol. Que é
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uma instituição filantrópica sem fins lucrativos, que provem uma assistência voluntária às
crianças de baixa renda, em tratamento no HEMOAM. Também disponibiliza apoio
multidisciplinar com atendimento social, pedagógico e psicológico, bem como desenvolve em
datas comemorativas, eventos com atividades de entretenimento e lazer para os pacientes,
com vista em captar recursos e doá-los aos pacientes.
“Eu vivo com apoio do GACC que me dá uma cesta básica e o leite para ela, e a ajuda
financeira de pessoas que se sensibilizam e dão dinheiro [...] Agora também conversei com a
psicóloga do Raio de Sol e ela se comprometeu a me ajudar, eu e outras mães” (Rio Juruá).
“Um Apoio que recebo é do GACC, porque eles dão assistência para minha filha com
psicólogo, e ainda leite, massa e algumas frutas, numa sexta básica todo mês [...]” (Rio
Purus).
Três das 15 mães acompanhantes não possuíam auxilio dessas entidades, mas todas
as entrevistadas tinham em comum a ajuda esporádica de familiares e amigos que se
comovem e ajudam com dinheiro, transporte, lavagem de roupas e moradia quando
necessário. Esses auxílios recebidos os estimulam e suprem parte de suas necessidades
durante as internações e tratamento dos seus filhos.
“Minha tia que lava nossas roupas sujas, levando e trazendo pra mim novamente aqui no
hospital” (Rio Jutaí).
“Meus sogros, que dão o transporte porque eles têm carro [...]” (Rio Preto da Eva).
Os acompanhantes das crianças/adolescentes com câncer têm direito a benefícios
trabalhistas amparados por lei, mas apenas a Rio Xingu (Rio Xingu) os usufruía e tinha
conhecimento deles, pois por ser concursada como professora estava afastada do emprego,
mas continuava recebendo seu salário.
“Só eu mesma, com meu salário e o do pai... Mas como recebo, eu não me interesso de ir ao
GACC [...]”
As Mudanças no Cotidiano e Organização Familiar até a Obtenção do Diagnóstico Final
Evidenciou-se no presente estudo que a dedicação familiar de forma mais acentuada
ao filho enfermo muda bruscamente toda a vida cotidiana da família. Logo se torna relevante
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entender como os acompanhantes conseguem reorganizar o cuidado ao filho hospitalizado, o
trabalho, a vida familiar e social, bem como os arranjos familiares para o momento de vida.
Um ponto bem evidente foi à predominância da mãe como acompanhante. Isto se deu devido
aos pais serem os provedores do lar, e apesar do adoecimento do filho, continuam trabalhando
e as mães passaram a assumir o papel de principal cuidadora do filho nesse momento de
tratamento.
“[...] Meu marido esta trabalhando em Hotelaria, e ele que cuida de casa e dos outros filhos”
(Rio Purus).
“[...] Eu que fico com ele, o pai dele não pode ficar, porque ele trabalha” (Rio Solimões).
Todas as colaboradoras do estudo haviam feito renuncias em seu cotidiano desde a
descoberta da doença. Isto as fez deixarem para um segundo momento suas atividades
profissionais, sociais e familiares, pois tinha que dedicar tempo exclusivo a seu filho em
tratamento, como o acompanhamento no ambiente hospitalar de forma recorrente.
“[...] Descobri a doença há três meses, e parei de trabalhar. Está complicado, pois tudo
mudou na vida da gente e de uma hora pra outra” (Rio Juruá).
“Não estou mais trabalhando, estou apenas cuidando dele, sou 24 horas pra ele [...]” (Rio
Jutaí).
A nova organização do viver a vida acabou deixando os outros filhos e marido sem
aquela mesma atenção que existia antes da ocorrência da doença. A dedicação aumentada
para com o filho enfermo foi a mudança mais perceptível relatada, que chegava ao ponto das
acompanhantes relatarem ter que deixar de cuidar de sua própria saúde.
“Não posso mais trabalhar, não posso fazer nada, só posso ficar com ele, mudou tudo [...]”
(Rio Purus).
“Minha vida mudou, antes eu tinha tempo pra mim [...] Agora minha vida é pra ele [...]” (Rio
Xingu).
Durante essas mudanças, ocorridas no encaminhamento da criança/adolescente na
rede de saúde até encontrarem o diagnóstico de leucemia. A maioria das participantes,
principalmente as provindas de outros municípios distantes de Manaus, relatou demora no
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diagnóstico médico. Isso as fez com que procurassem o parecer de diferentes profissionais até
chegar ao diagnóstico definitivo de leucemia na FHEMOAM.
“[...] Consegui levar para o Pronto Socorro da Criança e deram encaminhamento nos
exames, e diagnosticaram anemia profunda e bronquite e nisso ela começou a tomar remédios
e piorou ainda mais, fizeram mais exames e ai diagnosticaram leucemia [...]” (Rio Jarí).
“[...] Do SPA zona sul fui encaminhada para o ICAM onde ele recebeu no mesmo dia, uma
bolsa de sangue e duas de plaquetas, de lá só depois de 15 dias viemos para o HEMOAM”
(Rio Jutaí).
A demora do diagnóstico e a mudança de ambientes, do conforto do lar e agora uma
unidade hospitalar, foram relatados como alterações bruscas no cotidiano das entrevistadas.
As provindas dos municípios circunvizinhos de Manaus tiveram que se adequar a uma cidade
diferente da sua, o que a princípio as deixou um pouco desnorteadas.
“Foi com meu dinheiro que vim para Manaus, de Eirunepé pra cá são 10 dias de barco.
Cheguei aqui não sabia pra onde ir, nem como ir, fiquei meio perdida [...]” (Rio Roosevelt).
A Reação Diante do Diagnóstico e seu Enfrentamento Perante as Dificuldades Iniciais e
em Longo Prazo no Tratamento da Criança/Adolescente com Leucemia
Com base nos relatos, a partir do diagnóstico de leucemia, o enfrentamento e o
tratamento da doença se configuraram como um evento único e de estresse emocional. Este
primeiro momento foi descrito como muito marcante para os pacientes e toda sua família. Ter
um filho diagnosticado com leucemia é relatado pelas mães como “uma situação muito
difícil” (Rio Negro).
A reação diante do diagnóstico de leucemia, de acordo com os relatos, foi constituída
por um conjunto de emoções como: Medo de perder seus filhos, principalmente quando o
filho é único ou primogênito, a angústia e o sofrimento de receber uma notícia impactante,
por conta principalmente do estigma da palavra câncer, as dúvidas, pois muitas das
entrevistadas nem sabiam da existência desse tipo de doença antes do diagnóstico, além da
sensação de incapacidade de ajudar ao seu filho doente, por estarem em uma situação em que
não sabiam o que fazer.
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“[...] Eu fiquei arrasada, chorei muito... e as meninas tentaram me consolar e me explicar o
que era essa doença [...]” (Rio Xingu).
“Eu fiquei “sem chão”, porque ele foi meu primeiro filho, primeiro neto para meus sogros e
meus pais... Grande choque pra mim e minha família” (Rio Preto da Eva).
Devido estes impactos emocionais perante a descoberta do diagnóstico, as mães
relataram que no início do tratamento não sabiam a importância de seu apoio, nem como atuar
para ajudar seu filho doente.
“[...] como o tratamento dela é complicado, de uma hora pra outra a gente sai de si e [...]
ficamos sem saber o que fazer.” (Rio Içá).
Após o diagnóstico, iniciou-se o tratamento da criança/adolescente com câncer e este
culminou no aparecimento de dificuldade, onde as principais foram: Risco de não poder mais
trabalhar, lidar com os efeitos colaterais da medicação, transporte e deslocamento, refeições
com sabor ruim, a ocorrência de mudanças na dinâmica familiar, dificuldades conjugais, o
manejo comportamental com outros filhos, a necessidade de uma maior atenção e
monitoramento frequente do estado de saúde do paciente.
“[...] Eu fiquei afastado dos meus outros filhos no começo, eu não fico de dia em casa quando
estou internada com ela, e não posso mais trabalhar” (Rio Içá).
“Não posso deixar ele sozinho, não posso trabalhar para pagar contas, não posso deixar ele
sozinho [...]” (Rio Jarí).
Todas essas dificuldades iniciais se mantiveram ou acabaram se agravando. Ao
decorrer do tratamento e em longo prazo algumas novas implicações adversas surgiram como:
A sobrecarga emocional com o acompanhamento da criança exposta a procedimentos médicos
produtores de sofrimento.
“Vê ela assim, dois meses, ela está sem andar esse tempo todo, depois desses procedimentos
todos, puncionaram muito o pé dela [...]” (Rio Jutaí).
Outras adversidades também relatadas em longo prazo foram: a ansiedade associada
aos processos de tomada de decisão sobre o tratamento, a expectativa de sucesso para
recuperação, o medo e as vivências de luto do ambiente de internação. Assim como a
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dificuldade de ter roupas limpas, por terem que passar muitos dias no hospital, que não possui
estrutura para lavagem de roupas, levando os pais a pedir ajuda de amigos e parentes para
lavarem suas roupas sujas.
“[...] Eu ficava de segunda a sexta com as mesmas roupas e só no sábado minha irmã vinha
pegar as roupas pra lava [...]” (Rio Jarí).
A esperança Provinda da fé em Deus diante do momento vivido como força e
perseverança para as Expectativas Futuras.
Perceber as perspectivas futuras dos acompanhantes é importante para identificar
como estão se sentindo no momento vivido por eles e assim identificar as necessidades
psicossociais dos mesmos, para avaliar a possibilidade de intervenções.
Os entrevistados relataram que a expectativa de cura para com seus filhos era o mais
importante para o futuro. A fé em Deus, o apoio familiar e social era a principal fonte de força
e esperança para acreditarem nesse objetivo.
“A gente crê em Deus que ela fique logo boa, por que só em Deus mesmo [...]” (Rio
Canumã).
“[...] Graças a Deus está tudo indo bem no tratamento, eu acredito muito na cura e que meu
filho vai crescer e ser um homem sadio” (Rio Preto da Eva).
Apenas uma das entrevistadas relatou não ter mais esperanças na cura de seu filho,
pois estava por muito tempo acompanhando o tratamento da leucemia, e a terapêutica com
quimioterápicos para ela não estava surtindo o efeito esperado para ela.
“[...] Eu acredito muito em Deus, mas é um pouco difícil acreditar na cura, porque já faz dois
Anos de tratamento e nada melhorou até agora” (Rio Roosevelt).
DISCUSSÃO DO CONTEÚDO
Foi evidente, que o apoio ou auxílio financeiro, alimentício ou emocional aos
acompanhantes durante a internação, foi consideravelmente importe no enfrentamento das
dificuldades vivenciadas. Firmino e Souza (2013), Afirma que o apoio familiar, social, de
amigos, Instituições e outros, configuram-se como um elo importante para os que estão
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vivenciando o câncer. Isto, pois este conjunto de apoios reflete em benefício para o tratamento
e promoção do bem-estar dos indivíduos que convivem com o câncer infanto-juvenil.
Os pacientes com câncer infanto-juvenil possuem direitos legais, que abrangem não
apenas ele, mais também seus acompanhantes, porém notou-se neste estudo que há uma falta
de conhecimento destes benefícios. Isto, pois, apenas uma destas tinha conhecimento de seus
benefícios legais.
No Brasil a Lei Federal N° 8.922, de 25/07/1994 – FGTS artigo 1°, a Lei Federal N°
8.036, de 11/05/1990 – FGTS artigo 20, inciso XI e XIV e a Medida Provisória N° 2.164 de
24/08/2001, artigo 9°, asseguram o beneficio da liberação do Fundo de Garantia por Tempo
de Serviço (FGTS) para o trabalhador que se encontra impossibilitado de trabalhar por possuir
dependente que esteja acometido de neoplasia (BRASIL, 2012).
As crianças e adolescentes acometidos pelo câncer também tem direito a receber o
auxílio-doença, que é um benefício mensal assegurado pela Previdência Social (INSS), desde
que a família comprove que não tem condições de sustentá-la, isso está previsto na Lei
Federal N° 8.213, de 24/07/1991, Artigo 26, inciso II (BRASIL, 2012). Na pesquisa apenas
uma das mães relatou receber esta ajuda, as outras relataram desconhecer tais benefícios.
Sonobe, Buetto e Zago (2011), afirmam que quando se vivemos em uma sociedade
que exclui e dificulta a acessibilidade de parte considerável de seus membros a consegui os
benefícios sociais e econômicos, torna contraditório aguardar que uma pessoa possa vir a ser
tratada de maneira apropriada ao adoecer ou necessitar de cuidados especiais.
No presente estudo, notaram-se alterações no cotidiano do acompanhante devido ao
tratamento da leucemia gerar no cuidador muitas demandas, como cuidados com alimentação,
internações prolongadas. Além da necessidade de um enfrentamento positivo sobre emoções
desagradáveis, alterações na rotina pessoal e profissional e expectativas quanto à reposta ao
tratamento. Kohlsdorf e Costa Júnior (2008), relacionam estas mudanças como potencias
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geradoras de estresse que podem ocasionar conflitos com a equipe de saúde, e até prejudicar a
qualidade do tratamento do enfermo.
A partir disto, Nehmy et al. (2011), diz que para captar as mudanças sofridas pelo
acompanhante e notar sua relevância para os cuidados com paciente, é necessária uma escuta
sensível para cada história, com solidariedade e confiabilidade, assim permitindo ao
acompanhante expressar suas dores e de forma atenta, não apenas ouvindo, os profissionais de
saúde conseguiram compreender os anseios relatados.
No relacionamento dos familiares com sua criança e adolescente portadora de
leucemia. Houve dois extremos, pois se notou que enquanto para umas mães acompanhantes
houve um aumento sensível da atenção e preocupação com o filho enfermo, algumas se
queixaram que após o diagnóstico, ocorreu o afastamento do pai nos cuidados e internações,
bem como o distanciamento de outros familiares.
Estas mudanças comportamentais são relacionadas por Menezes et al. (2007). Ele
afirma que estas atitudes podem surgir como uma forma de extrema preocupação, que pode
ser expressa por condutas de superproteção. Ou ainda, quando o familiar se ver incapaz de
assumir as responsabilidades para o suprimento das necessidades do doente portador de
doença crônica, que eventualmente resulta na negligência de cuidados. Isto foi identificado
quando os pais e/ou familiares procuravam evitar o envolvimento emocional com o enfermo.
A leucemia foi vista pelas mães entrevistadas como uma doença desconhecida até
então, cujos sintomas e tratamento desconheciam e não condizia no dito por elas como uma
doença “normal da infância” (Rio Uaupés).
Quando a palavra leucemia foi por fim dita ou o seu significado apreendido na
conversa com o médico, todos os entrevistados relataram ter experimentado uma série de
sensações que podem ser representadas pelo sentimento de desesperança. No princípio, a
maioria não sabia o que significava “leucemia”. E a conexão com câncer não era
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imediatamente estabelecida. O impacto posterior da palavra leucemia, em associação como
um tipo de câncer, levou os entrevistados expressarem o peso do diagnóstico final, como algo
difícil de mensurar, associado a sentimentos ruins.
Notou-se a importância do acompanhamento psicológico ao acompanhante e
enfermo nesse período de turbulência gerada pelo combate à doença. Nehmy et al. (2011),
afirma que apesar dos avanços tecnológicos, o câncer ainda é entendido pela população como
uma doença sem cura, que abala os pensamentos do enfermo e família.
A equipe de enfermagem deve estar atenta na forma que estes acompanhantes estão
lidando e adaptando-se as mudanças do dia-a-dia e aos sentimentos negativos. Andrade et al.
(2014), ressalta que quando os pais percebem que não dispõem de soluções psicológicos
suficientes para atender as necessidades da criança em tratamento, bem como outras
demandas, isto acarreta numa redução de sua qualidade de vida. O que se torna um obstáculo
para o desenvolvimento de estratégias eficientes de enfrentamento do tratamento,
demandando da equipe de saúde a implementação rápida de intervenções psicossociais
(RUBIRA et al., 2012).
Enquanto acompanham o seu filho no processo de tratamento, as mães entrevistadas
relataram vivenciar dificuldades não apenas em suas vidas mais também nas outras crianças e
adultos que passam por situações semelhantes. Isto levou a uma ajuda mutuar dos
acompanhantes, que se ajudando vêem nuns aos outros como uma forma de apoio, para
suportar e enfrentar o momento difícil que estavam passando. Logo, ser acompanhante diante
deste universo de dor, sofrimento e esperança requer um olhar para o futuro, sem pensar nas
prováveis intercorrências. E suas motivações internas para continuarem ao lado de seus filhos
são fortalecidas pelas motivações externas vindas da religião, dos amigos, dos familiares e
dos profissionais de saúde (SANCHES; NASCIMENTO; LIMA, 2014).
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Os Resultados das entrevistas apontaram que por se tratar uma doença grave e ainda
vista como fatal, suscita nos familiares sentimentos de perda iminente. Ao mesmo tempo
procuram algo que lhes dê esperança e, foi identificado que a fé e a oração se destacaram
entre as falas dos familiares, passando a ser fonte de força e esperança, constituindo-se como
um alicerce para continuarem a batalha travada dia após dia de tratamento. A partir disto,
Firmino e Souza (2013), dizem que a religiosidade permite racionalizar os sentimentos ruins
diante da incerteza da terapêutica, e ao mesmo tempo ajuda a suportá-la, provendo
expectativas positivas frente aos efeitos do câncer e tratamento.
Observa-se que se faz necessário o estabelecimento de um relacionamento
terapêutico e de um planejamento da assistência de enfermagem que transcenda os aspectos
tecnológicos da terapêutica, assim observando o paciente e acompanhante em suas
integralidades.
CONCLUSÕES
Pode-se concluir que são muitas as dificuldades experimentadas pelas mães
cuidadoras no processo de adaptação a esta nova realidade, que é o conviver e cuidar de um
filho com leucemia. O estudo permitiu visualizar a amplitude que envolve o tema estudado.
Os resultados confirmam que, apesar dos avanços médicos extraordinários obtidos atualmente
em relação ao câncer infanto-juvenil, ainda existem muitos obstáculos a serem ultrapassados
para que o processo do tratamento não represente uma fonte de tensão e estresse elevado para
a família.
Os acompanhantes vivenciam com o adoecimento e a hospitalização de uma criança
ou adolescente, um momento de ruptura muito grande. São experiências de sofrimento, de
angústia, além de uma total desorganização do cotidiano. Nos casos de leucemia, ainda há
fatores agravantes como a ligação que se estabeleceu culturalmente entre câncer e morte e a
falta de divulgação e conhecimento dos direitos legais aos pacientes que fazem com que estes
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benefícios não sejam assegurados a todos. Isto torna notável a importância dos grupos de
apoio e associações para o enfrentamento da doença, bem como de outros familiares, amigos,
pessoas da comunidade, fé e religião.
A equipe de enfermagem nem sempre se da conta da importância do familiar
acompanhante no cuidar. Mas é papel dos profissionais ajudá-los nesta jornada, por meio da
escuta sensível e comunicação terapêutica, sempre acreditando que os problemas podem ser
superados e que a luta pela vida sempre vale a pena.
O presente estudo foi realizado apenas em um centro especializado de um município.
O que pode ser considerado um fator limitante da pesquisa, uma vez que não permite a
generalização dos resultados. Entretanto, essa se mostrou relevante à medida que possibilita
aos profissionais de saúde, em especial os da enfermagem, repensar em suas ações. Pois
mostra que ao imergirem na realidade vivida pelos acompanhantes, pode-se apreender que
esse ser de cuidado também carece receber cuidados.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
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Gomes da Silva. Diretos sociais da pessoa com câncer: Orientações aos pacientes. Rio de
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