308 os pressupostos e limites da intervenção estatal na economia

Propaganda
DOI: 10.7213/UNIVERSITAS.7496
Licenciado sob uma
Licença Creative Commons
OS PRESSUPOSTOS E LIMITES DA INTERVENÇÃO ESTATAL NA
ECONOMIA BRASILEIRA
THE ASSUMPTIONS AND THE LIMITS OF STATE INTERVENTION IN THE
BRAZILIAN ECONOMY
___________________________________________________________________________
Isabella Cristina Costa Nacle
Mestranda na linha de pesquisa “Estado, Atividade Econômica e Desenvolvimento
Sustentável” pela PUCPR; Especialista em Direito do Trabalho e Processo pela PUCPR e
Direito do Trabalho pelo IBPEX; Prêmio 2º Lugar Geral no V Evento de Iniciação Científica
pela Facinter, 2008; Menção Honrosa no VI evento de Iniciação Científica pela Facinter,
2009; Membro do Grupo de Pesquisa “Direito do Trabalho Comparado” da Facinter e do
Grupo de Pesquisa “Regulação Econômica e Atuação Empresarial” pela PUCPR; Advogada
Trabalhista, inscrita na OAB/PR sob n. 58.266; Professora de Introdução ao Estudo do Direito
e Direito Empresarial na Universidade Tuiuti.
RESUMO
A economia brasileira tem sentido cada vez mais a presença estatal, se
comparada a outros tempos, em que o Estado apenas assumia tal posição
quando fosse necessário garantir direitos e deveres. Observa-se que o
fenômeno da intervenção do Estado na economia tem se tornado regra,
quando deveria ser exceção, sendo que vem ditando e impondo as regras
do jogo. Em contrapartida, muito embora seja de conhecimento de todos
que a intenção do Estado ao agir desta forma é promover cada vez mais o
desenvolvimento do Brasil, certo que nos resta a seguinte indagação: até
que ponto pode e deve o Estado intervir na Economia? No presente artigo
encontra-se a resposta a tal dúvida, chegando-se a conclusão que a
intervenção é necessária, porém deve ser moderada e dosada.
Palavras-chave: Intervenção. Estado. Economia.
ANAIS DO UNIVERSITAS E DIREITO 2012, PUCPR
308
ABSTRACT
The Brazilian economy has increasingly felt the presence of the State if
compared to other times, in which the State assumed this position only
when it was necessary to ensure rights and duties. It is observed that the
phenomenon of State intervention in the economy has become the rule,
when it should be the exception, which has been dictating and imposing
the rules of the game. On the other hand, although it is known to all that
the intention of the State to act this way is to promote the development of
Brazil, for sure the following question is left: to what extent can and
should the State intervene in the economy? This article is the answer to
such doubt, reaching the conclusion that intervention is required, but it
must be moderate and dosed.
Keywords: Intervention. State. Economy.
1
INTERVENCIONISMO: CONSIDERAÇÕES GERAIS
Antes de adentrar ao assunto propriamente dito, que se pretende
estabelecer no presente trabalho, é de suma importância estabelecer a diferença
entre intervencionismo, dirigismo e planificação. Não muito raro, comumente verificase que alguns fazem alusão a referidos termos como se fosse a mesma coisa,
contudo não o são, tanto que
A diferença entre intervencionismo e dirigismo é muito importante, porque é
uma diferença qualitativa, dado que só o dirigismo, característico do pósguerra, pressupõe uma actividade coordenada em prol da obtenção de
certos fins, ao contrário do empirismo que caracteriza o intervencionismo.
(...) A diferença entre o dirigismo e a planificação mais recente (...) é de
ordem quantitativa. A planificação é um dirigismo por planos. A diferença
reside no grau de racionalização mais apurado que subentende o
documento planificatório. (MONCADA, 2003, p. 38)
De encontro ao acima exposto observa-se que Eros Grau (2005, p. 57), de
forma muito precisa, afirma que “intervir é atuar em área de outrem: atuação, do
Estado, no domínio econômico, área de titularidade do setor privado, é intervenção”.
Sem embargo, tornando o conceito de intervenção, no âmbito econômico, um pouco
ANAIS DO UNIVERSITAS E DIREITO 2012, PUCPR
309
mais preciso e delimitado é que Egon Bockaman Moreira esclarece que a
intervenção é
toda e qualquer conduta estatal (comissiva e omissiva) que vise alterar o
comportamento econômico espontâneo dos agentes privados, seja com fins
de prestígio ao mercado concorrencial, seja com fins estranhos ao próprio
mercado concorrencial (mas vinculados ao interesso público, tal como
definido em lei).
Portanto, para a presente leitura, é necessário compreender que será
analisado apenas e tão somente o fenômeno da intervenção estatal na economia,
sendo este compreendido como a intromissão do ente maior (a esfera pública) sobre
os entes menores (os privados), visando estabelecer graus de estabilidade com o
fito maior do bem-estar social.
Superado e estabelecido o que é intervenção, bem como que tal fenômeno
decorre do interesse do Estado no âmbito privado, passa-se a análise das formas
com que tal fato ocorre. Neste sentido é que podemos classificar as intervenções de
diversas formas e critérios, podendo-se citar as seguintes formas: globais, setoriais,
pontuais ou avulsas. As intervenções globais dizem respeito à maneira com que o
Estado atua na economia, via de regra, adotando normas gerais de comercialização
ou incentivo ao investimento global; de outro modo diz-se setorial quando o Estado
intervém em determinado âmbito, incentivado e determinando a forma de
organização,
por
exemplo,
o
agropecuário;
e
por
fim,
as
intervenções
pontuais/avulsas consistem em casos concretos e isolados onde o Estado traça
regras objetivas e práticas (MONCADA, 2003, p. 38).
Em síntese, pode-se dizer que a intervenção pode ser analisada do ponto de
interesse que visam atingir, sendo que neste sentido,
Quando os poderes públicos intervêm diretamente na economia, quando
prosseguem objetivos diretamente econômicos, temos intervenções
ANAIS DO UNIVERSITAS E DIREITO 2012, PUCPR
310
imediatas; é o caso das medidas de polícia ou de apoio ou fomento de
atividades econômicas, bem como das intervenções diretas. (...) Quando as
suas medidas não tem apenas objetivos econômicos, repercutindo-se
embora sobre a economia, por ex., medidas de polícia fiscal, (...) com
efeitos imediatos no relançamento da economia, temos intervenções
imediatas. Neste tipo de intervenções o Estado não intervém na economia,
mas sim sobre a economia. (MONCADA, 2003, p. 39)
Assim, estabelecido e compreendido o fenômeno da intervenção, passa-se a
análise do tema propriamente dito.
2
INTERVENCIONISMO, UM MAL NECESSÁRIO?
Henry David Thoreau (1999 [1849], p. 5) afirmou que “o melhor governo é o
que governa menos” na tentativa de defender que a sociedade é quem deveria ditar
suas regras. No entanto, o mesmo autor reconheceu que a sociedade não estava e
nem está pronta para tal atitude, na exata medida em que ainda necessita eleger um
representante, para expressar sua vontade, sendo conveniência dela mesma,
tornando-se assim os homens meros agentes que servem como máquinas ao
interesse Estatal.
Diante do paradoxo acima apontado, uma sociedade que ainda depende da
existência de representantes que expressem sua vontade, é que se verifica o
fenômeno
cada
vez
mais
frequente
e
intenso
na
economia,
chamado
intervencionismo estatal. Referido fenômeno consiste numa “ordem isolada emitida
pela autoridade que representa o aparato do poder; obriga o empresário e o
proprietário dos meios de produção a empregar esses meios de uma maneira
diferente da que empregariam se agissem pelo que lhes determina o mercado”
(MISES, 2010 [1940], p. 28), sendo que tal ação não implica em ausência e/ou
impedimento da liberdade de mercado, eis que os agentes da sociedade continuam
tendo a oportunidade de modelar e dirigir seus negócios.
ANAIS DO UNIVERSITAS E DIREITO 2012, PUCPR
311
É importante deixar claro que a existência do intervencionismo na economia
não implica em ausência de liberdade, tampouco em caminhar para a instituição de
um regime socialista, eis que a intervenção consiste em restringir um pouco da
liberdade e consequente rumos da atividade econômica, enquanto que no
socialismo todas as atividades econômicas estão sob a responsabilidade do Estado,
sendo que não há qualquer espaço para a atividade privada; tudo está sob as
ordens do governo. Neste mesmo entendimento é que
O intervencionismo procura manter a propriedade privada dos meios de
produção. No entanto, ordens autoritárias, especialmente proibições,
restringem as ações dos proprietários. Se essas restrições fizerem com que
todas as decisões importantes sejam tomadas de forma autoritária, se o
motivo não é o lucro dos proprietários, capitalistas e empresários, mas
razões de Estado, o que vai decidir como e o que deve ser produzido,
teremos, então o socialismo (...). (MISES, 2010 [1920], p. 17)
De outro modo, também se faz necessário deixar claro que intervencionismo
e economia de mercado não se confundem, o que não raro se observa. Numa
verdadeira economia de mercado “(...) o exercício da autoridade se limita a prevenir
distúrbios que podem ocorrer numa relação de troca, enquanto que no
intervencionismo o governo interfere no próprio funcionamento do mercado por meio
de ações isoladas, emitindo ordens e proibições” (MISES, 2010 [1940], p. 28).
Superado referidos conceitos operacionais, cumpre situar ainda que, o
intervencionismo não se trata de um terceiro sistema, alternativo assim ao socialista
e capitalista, de organização social, eis que
tem sido alegado que o intervencionismo estaria equidistante do socialismo
e do capitalismo; que como uma terceira via para solucionar os problemas
sociais ficaria a meio caminho entre aqueles dois sistemas; e que sem
perder as vantagens de ambos evitaria as desvantagens que lhe são
inerentes. (2010 [1940], p. 18)
ANAIS DO UNIVERSITAS E DIREITO 2012, PUCPR
312
O intervencionismo, em verdade, consiste em um instrumento que o governo
dispõe para possibilitar e reparar determinadas falhas, ou então tornar equilibrada a
economia quando verifique ser necessário. Neste sentido é que se pode afirmar que
sistemas de organização social são apenas dois: uma ordem social baseada na
propriedade privada dos meios de produção ou um sistema de controle no qual o
governo possui ou administra toda a produção e distribuição, sendo o capitalismo e
socialismo, respectivamente.
Assim, não há o terceiro sistema lógico em que uma ordem de propriedade
privada estaria sujeita à direção do governo. O “meio do caminho” conduz
ao socialismo, porque a intervenção do governo não só é supérflua e inútil,
mas também prejudicial. É supérflua na medida em que a interdependência
dos fenômenos de mercado circunscreve, estreitamente, a ação individual e
as relações econômicas. É inútil porque a direção do governo não pode
atingir os objetivos a que se propõe a atingir. E é prejudicial porque
representa um obstáculo para as atividades produtivas em setores que, do
ponto de vista dos consumidores, são mais úteis e valiosos. Além de reduzir
a produtividade da mão de obra, um sistema intermediário acabaria
redirecionando a produção para as linhas de comando político (...). (MISES,
2010 [1920], p. 11)
Não obstante, três considerações devem ser levadas em conta no momento
de analisar se estamos diante de uma intervenção na economia, qual seja: a)
algumas medidas que o governo venha a tomar para assegurar e preservar a
propriedade privada não necessariamente representam medidas intervencionistas,
p. ex., regulamentos do CADE – Conselho Administrativo de Defesa Econômica –
que visem à preservação justa da concorrência; b) a socialização parcial dos meios
de produção não implica também em intervenção, p. ex., a concessão de pedágios
nas estradas (porém acaso o governo decida limitar a taxa que for cobrada, esta sim
representa uma intervenção); e por último c) as medidas governamentais que
lançam mão de recursos de mercado, que visam influenciar a demanda e a oferta
através da alteração dos fatores de mercado, por exemplo: o governo compra grãos
de soja a fim de vendê-los mais barato aos agricultores de subsistência ou até
distribuí-los visando incentivar a produção (MISES, 2010, [1920], p. 41-42).
ANAIS DO UNIVERSITAS E DIREITO 2012, PUCPR
313
Além disso, cumpre analisar como ocorre o fenômeno da intervenção do
Estado na economia. Neste sentido
do ponto de vista do Estado intervencionista o funcionamento do mercado
não é encarado como um jogo de soma-zero em que os participantes estão
colocados na situação em que o que uns ganham é o que outros perdem,
que é como quem diz, numa situação de puro conflito. Pretende-se, pelo
contrário, que do funcionamento do mercado resulte uma situação
materialmente adequada para cada um, aceitável segundo os critérios da
justiça social e que se concretiza na melhoria da situação dos mais
desfavorecidos. Daí que a actividade privada deva ser corrigida pelas
instituições políticas, sendo a norma jurídica o instrumento desta tarefa.
(MONCADA, 2003, p. 35)
Diante de todo exposto, resta-nos claro e certo que o intervencionismo não
se equipara, tampouco se pode dizer que se refere à ausência de interesse privado.
Em verdade, verifica-se que o intervencionismo surge como um meio termo entre o
interesse privado e público, sendo que este quando entende necessário, diante de
algumas falhas e necessidades, resolve determinar algumas regras do jogo.
Assim, traçadas as ideias gerais a respeito de tal fenômeno, passa-se a
análise do mesmo no cenário brasileiro.
3
INTERVENCIONISMO NO BRASIL
No Brasil, o cenário econômico, entre os anos de 2004 e 2011 foi de
extremo crescimento, chegando ao ponto de significar um crescimento de 40% se
comparado a outros períodos. Contudo, em junho, o Instituto Brasileiro de Geografia
e Estatística – IBGE divulgou os dados referentes ao desempenho da economia no
primeiro trimestre do ano e o resultado foi assustador: o país cresceu 0,2% em
relação ao último trimestre de 2011 e míseros 1,9% em relação aos últimos 12
meses (KROEHN; MAIA, 2012, p. 40). Diante de tal cenário resta a seguinte dúvida:
ANAIS DO UNIVERSITAS E DIREITO 2012, PUCPR
314
como o país pode voltar a crescer? É necessário mais intervencionismo ou deve a
atual Presidenta, Srª. Dilma Rousseff, manter-se inerte e permanecer com sua fé
inabalável na receita brasileira?
Antes de obter a resposta a tal indagação, necessariamente, deve-se
realizar uma breve análise das crises que a economia brasileira passou e como foi o
comportamento do país diante das mesmas.
Em setembro de 2008, diante da crise financeira iniciada, foi lançado um
pacote de estímulo com reduções de impostos para os fabricantes de material de
construção e de bens como geladeiras, fogões e carros, sendo que graças a esse
“empurrãozinho” a primeira fase da recessão mundial não foi mais que uma
“marolinha”, como disse o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (KROEHN; MAIA,
2012, p. 41). Passados quatro anos da crise financeira, intitulada subprime1, que
1
A crise no mercado hipotecário dos EUA foi uma decorrência da crise imobiliária pela qual passou o país, e
deu origem, por sua vez, a uma crise mais ampla, no mercado de crédito de modo geral. O principal segmento
afetado, que deu origem a crise foi o de hipotecas chamadas de subprime, que embutem um risco maior de
inadimplência. O mercado imobiliário americano passou por uma fase de expansão acelerada logo depois da
crise das empresas "pontocom", em 2001. Os juros do Federal Reserve (Fed, o BC americano) vieram caindo
para que a economia se recuperasse, e o setor imobiliário se aproveitou desse momento de juros baixos. A
demanda por imóveis cresceu, devido às taxas baixas de juros nos financiamentos imobiliários e nas hipotecas.
Em 2005, o boom no mercado imobiliário já estava avançado; comprar uma casa (ou mais de uma) tornou-se
um bom negócio, na expectativa de que a valorização dos imóveis fizesse da nova compra um investimento.
Também cresceu a procura por novas hipotecas, a fim de usar o dinheiro do financiamento para quitar dívidas
e, também, gastar (mais). As empresas financeiras especializadas no mercado imobiliário, para aproveitar o
bom momento do mercado, passaram a atender o segmento subprime. O cliente subprime é um cliente de
renda muito baixa, por vezes com histórico de inadimplência e com dificuldade de comprovar renda. Esse
empréstimo tem, assim, uma qualidade mais baixa – ou seja, cujo risco de não ser pago é maior, mas oferece
uma taxa de retorno mais alta, a fim de compensar esse risco. Em busca de rendimentos maiores, gestores de
fundos e bancos compram esses títulos subprime das instituições que fizeram o primeiro empréstimo e
permitem que uma nova quantia em dinheiro seja emprestada, antes mesmo do primeiro empréstimo ser
pago. Também interessado em lucrar, um segundo gestor pode comprar o título adquirido pelo primeiro, e
assim por diante, gerando uma cadeia de venda de títulos. Porém, se a ponta (o tomador) não consegue pagar
sua dívida inicial, ele dá início a um ciclo de não recebimento por parte dos compradores dos títulos. O
resultado: todo o mercado subindo desde 2004, encareceu o crédito e afastaram compradores; com isso, a
oferta começa a superar a demanda e desde então o que se viu foi uma espiral descendente no valor dos
imóveis. Com os juros altos, o que se temia veio a acontecer: a inadimplência aumentou e o temor de novos
calotes fez o crédito sofrer uma desaceleração expressiva no país como um todo, desaquecendo a maior
economia do planeta – com menos liquidez (dinheiro disponível), menos se compra, menos as empresas
lucram e menos pessoas são contratadas. No mundo da globalização financeira, créditos gerados nos EUA
podem ser convertidos em ativos que vão render juros para investidores na Europa e outras partes do mundo,
por isso o pessimismo influencia os mercados globais. (Entenda a crise financeira que atinge a economia dos
ANAIS DO UNIVERSITAS E DIREITO 2012, PUCPR
315
atingiu os passa a ter medo de emprestar e comprar os subprime, o que termina por
gerar uma crise de liquidez (retração de crédito). Após atingir um pico em 2006, os
preços dos imóveis, no entanto, passaram a cair: os juros do Fed, que vinham
assustando os Estados Unidos e, consequentemente o mundo inteiro, refletindo nas
finanças de todos os países, como um fantasma que voltou a assombrar a
economia, passou novamente pelo mesmo cenário. Desta vez, com as ordens da
atual Presidenta, Srª. Dilma Rousseff, é que somos “beneficiados” com a
assustadora queda do Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI. E, não fosse
suficiente a queda do referido imposto, os Bancos também foram “convidados” a
baixar as taxas de juros, chegando ao patamar mais baixo desde 1986, qual seja:
8,5%2.
Numa entrevista no fim de maio, deste ano, o Ministro da Fazenda, Sr.
Guido Mantega, declarou que os bancos tinham um mês para baixar seus juros,
sendo que na mesma semana a Presidenta, Srª. Dilma Rousseff anunciou que
pretenderia abrir os balanços das montadoras para verificar se, de fato, estavam
repassando ao consumidor a recente queda nos impostos (BRONZATTO; MAYER,
2012, p. 51).
Não bastassem tais comportamentos, depois que o parlamento europeu
cancelou sua participação no evento RIO +20, a conferência de sustentabilidade da
ONU, em maio, alegando que o orçamento com hospedagem excederia os 100.000
euros, novamente a Presidenta, Srª. Dilma Rousseff exigiu a redução de até 35%
nas tarifas de 100 hotéis cinco estrelas no Rio de Janeiro (BRONZATTO; MAYER,
2012, p. 49).
Conforme se observa do comportamento da economia brasileira, diante de
qualquer crise o governo intervém, fazendo com que os preços baixem, através da
EUA. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/dinheiro/ult91u445011.shtml>. Acesso em: 20 jun.
2012)
2
BARRUCHO, Luis Guilherme. Queda de juros dá fôlego à economia, mas não garante expectativa do PIB.
Disponível
em:
<http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2012/05/120530_opiniao_especialistas_juros_lgb.shtml>. Acesso
em: 20 jun. 2012.
ANAIS DO UNIVERSITAS E DIREITO 2012, PUCPR
316
redução, seja por ordem direta, como no caso do tarifário dos hotéis ou então
através
de
incentivos
fiscais,
por
exemplo,
do
Imposto
sobre
Produtos
Industrializados – IPI, e “convida” o consumidor (principal agente de mercado) a
consumir cada vez mais. Não obstante, cada vez mais é maior a interferência estatal
no âmbito privado, chegando ao ponto do governo, por exemplo, conforme acima
demonstrado, requerer que as produtoras do ramo automobilístico comprovassem
se, de fato, estavam repassando ao consumidor final a redução de impostos.
Num primeiro momento, principalmente para aquele que é diretamente
beneficiado, o consumidor, referido modo de proceder salta aos olhos, não havendo
qualquer interesse em rever tal modo de agir. Contudo, faz-se necessário ser
imparcial ante as benesses obtidas e refletir se referido modo de intervir na
economia se sustentará de forma positiva como foi em 2008!
O que causa preocupação é o fato de que o país antecipou um crescimento
que viria, naturalmente, ao longo do tempo, na exata medida em que a renda da
população fosse aumentando, possibilitando um consumo maior. Contudo, diante do
incentivo estatal ao consumo, através das políticas intervencionistas, é que o Banco
Central estima que quase 45% da população brasileira, ante 30% em 2008, esta
com quase um terço de seu salário comprometido com o pagamento de juros,
amortizações, financiamentos, decorrentes dos pacotes de desenvolvimento
promovidos pelo governo (KROEHN; MAIA, 2012, p. 42-43).
O atual cenário brasileiro é marcado cada vez mais pela tônica da
intervenção, bem como pelo aumento da interferência estatal no âmbito privado.
De fato, aparentemente, a economia brasileira se apresenta em crescimento
e ninguém vai querer discutir até que ponto vale a pena continuar com a redução
dos custos que o governo tem promovido. Contudo, a realidade nos aponta que se
faz necessário rever até que ponto deve o governo intervir na economia. São
momentos como estes nos fazem pensar: o intervencionismo estatal na economia
brasileira, ainda que momentaneamente se apresente positivo, em longo prazo
importará em um desenvolvimento sustentável e saudável?
ANAIS DO UNIVERSITAS E DIREITO 2012, PUCPR
317
Assim, se faz necessário analisar até que ponto a intervenção estatal é
sadia, bem como de que forma pode ou deve o governo brasileiro intervir, sem que
implique em prejuízos futuros. Contudo, antes de adentrar a seara dos casos
concretos, necessário se faz passar ao estudo do intervencionismo enquanto
modelo previsto no ordenamento jurídico.
4
LIMITES E PRESSUPOSTOS DO INTERVENCIONISMO NO BRASIL
A discussão em torno do papel do Estado na economia é mais antiga que o
próprio conceito de Estado-nação. Por boa parte do século 20, esse foi um
debate radical, motivado pelas experiências socialistas mundo afora. (...)
Nas últimas décadas, criou-se uma espécie de consenso em torno do papel
do governo: cabe a ele criar e manter instituições sólidas e um ambiente
regulatório previsível e transparente. (KROEHN; MAIA, 2012, p. 52)
Do acima exposto observa-se um dos primeiros requisitos a uma correta
política intervencionista, qual seja: planejamento e previsibilidade. Contudo, no
Brasil, o intervencionismo é marcado por forte instabilidade; cite-se, por exemplo, a
recente política de redução do IPI – Imposto sobre Produtos Industrializados sobre o
setor automobilístico, visando “limpar” os pátios das montadoras de veículos que
estavam lotados e incentivar a compra destes pela população em geral, promovendo
maior “acessibilidade” a todos, enquanto que houve o aumento gritante do mesmo
imposto, por exemplo, para o setor alimentício. E, somado a referido problema,
agrava-se a situação quando se denota que a intervenção estatal deveria ser
realizada apenas e tão somente em setores que não conseguissem andar sozinhos,
contudo de forma totalmente oposta é que no Brasil
o estado se faz presente em um formidável número de empresas provadas
por meio do BNDESPar, o braço de investimentos do BNDES, e dos fundos
ANAIS DO UNIVERSITAS E DIREITO 2012, PUCPR
318
de pensão de companhias estatais, como a Previ (dos funcionários do
Banco do Brasil) e a Petros (da Petrobras). Na última década, essas três
instituições aumentaram de 95 para cerca de 200 o número de companhias
que tem alguma participação – e fazem parte de controle de pelo menos
dez, como Vale, CPFL e OI. (KROEHN; MAIA, 2012, p. 52)
Sem sombra de dúvidas, ninguém duvida que um dos maiores desafios e
intenções do governo brasileiro são tornar-se cada vez mais competitivo, razão pela
qual cada vez mais vem intervindo na economia, ditando as regras em setores e
âmbitos privados onde jamais se cogitou fazer, como por exemplo, na determinação
de diminuição das taxas de hospedagem dos hotéis de luxo do Rio de Janeiro.
Contudo, conforme nas linhas anteriores foi demonstrada, a forma com que o atual
governo vem ditando as regras da economia, somente apresentará resultados
positivos em curto prazo, sendo que num futuro não muito distante estaremos em
plena crise interna, na exata medida em que se impulsionou o consumo e produção
desenfreada, sem que haja no futuro capital suficiente a garantir tal padrão.
Não se pretende aqui aniquilar a intervenção estatal na economia, mas
apenas e tão somente cogitar algumas reformas que garantirão uma economia
crescente em longo prazo. Conforme bem sugeriu José Alexandre Sheinkman,
professor da universidade de Princeton, em entrevista a Revista Exame “pequenas
reformas podem aumentar, e muito, a eficiência da economia brasileira e são
fundamentais para produzir crescimento a longo prazo” (KROEHN; MAIA, 2012, p.
55). Assim, passa-se a análise de seis ideias intervencionistas, porém saudáveis,
que poderiam desde já ser postas em prática, senão vejamos (KROEHN; MAIA,
2012, p. 56-57):
1ª. Corte de tributos na conta elétrica: O Brasil possui a 3ª energia mais
cara do mundo, se comparada a outros países de mesmo grau de
desenvolvimento: a conta de energia se tornou um meio de arrecadação do
governo, sendo que estão embutidos nesta conta 28 tributos e encargos.
Isto implica diretamente na receita de produção, por exemplo, das fábricas.
O governo poderia intervir na redução do PIS, da Cofins e extinguir, por
ANAIS DO UNIVERSITAS E DIREITO 2012, PUCPR
319
3
exemplo, a Reserva Global de Reversão que não possui mais utilidade ao
que foi criada, possibilitando assim um incentivo de economia para os
produtores brasileiros de aproximadamente 8% na conta de luz, que
acabariam sendo retornados em mais produção e consequente crescimento
na economia.
2ª. Diminuir a Burocracia: embora, num primeiro momento, não pareça, a
burocracia implica na utilização de 20% a 30% do quadro de pessoal para
manter, por exemplo, o setor tributário de uma empresa. No Brasil estima-se
que, somente no âmbito tributário, existam 63 impostos e 3.500 normas em
constantes reformas que devem ser enviadas para inúmeros órgãos
públicos, sendo que somente para a Receita Federal são exigidas três
declarações econômicas e financeiras que poderiam se resumir em uma.
Na Alemanha o setor tributário é tão complexo quanto no Brasil, porém o
governo permite que as empresas prestem as informações em um único
sistema. Assim, acaso o governo brasileiro intervisse para unificar o sistema
tributário – hipótese esta que somente fica no papel – haveria uma
economia de até 30% do quadro de pessoal que poderia ser aproveitado em
mais produção dentro da empresa, implicando assim, novamente, maior
crescimento econômico para o país.
3ª. Cortes nos Gastos Públicos: as despesas com aposentadorias e
pensões do INSS mais que triplicaram desde 1988, isto decorre única e
exclusivamente na forma com que o cálculo de reajuste é realizado, qual
seja, a soma dos índices de inflação com o crescimento do PIB resultam no
valor de reajuste. A proposta, de forma a assegurar a todos que continuem
recebendo seus benefícios é alterar a soma do crescimento do PIB para o
PIB per capita. Outro fator que impede o governo de promover uma correta
intervenção, de modo a assegurar correto investimento no setor, por
exemplo, de incentivo ao consumo é que todo benefício fiscal dado deve ser
acompanhado de compensação em outro setor, conforme prevê a Lei de
Responsabilidade Fiscal, em seu inc. II, art. 14. A solução proposta seria a
eliminação da obrigação que o benefício dado deve ser compensado em
outro.
4ª. Garantias nos empréstimos: até alguns meses atrás para que a
população em geral pudesse fazer um empréstimo deveria aceitar os altos
juros, isto em razão da ausência, da grande maioria, de garantias reais,
como por exemplo, um imóvel. Diante deste cenário o governo impôs aos
bancos que baixassem as taxas dos juros de empréstimos, sem qualquer
3
Com o advento do Código das Águas, em 1934, houve a previsão de que os serviços de eletricidade seriam
objeto por tempo determinado para o setor privado, com o retorno (reversão) da concessão para a União ao
final do prazo. Assim, para indenizar os investimentos realizados ao final da concessão é que foi criada a
Reserva Global de Reversão, um adicional que seria cobrado na conta de luz, que duraria somente pelo tempo
da concessão. Contudo, em 2010 o encargo, sem qualquer motivação plausível foi renovado, eis que nos dias
atuais não há qualquer previsão de retomada de concessões, em razão que a União detém o monopólio da
energia. (BARROS, Octavio de; GIAMBIAGI, Fabio. Brasil pós-crise: agenda para a próxima década. São Paulo:
Elsevier, 2010. p. 128-129)
ANAIS DO UNIVERSITAS E DIREITO 2012, PUCPR
320
contrapartida, visando promover aceleração no crescimento da economia
brasileira. Contudo, certo é que a baixa dos juros veio acompanhada de
grande corte de crédito a população, na exata medida em que sem qualquer
garantia e a baixos juros, as instituições bancárias se viram obrigadas a
exigir cada vez mais garantias, o que não dispõe a maioria da população.
Assim, verifica-se um ciclo vicioso, sendo que uma possível solução seria o
governo intervir e regularizar os imóveis de famílias que se encontram na
informalidade, por exemplo, nos subúrbios, de forma a promover uma
4
garantia real .
5ª. Redução dos Impostos sobre a Produção: “de cada 100 milhões de reais
em investimentos na compra de máquinas e equipamentos, cerca de 22
milhões seguem para o pagamento de tributos” (KROEHN; MAIA, 2012, p.
58). No Brasil ao invés do governo incentivar os investimentos ele os tributa,
na exata medida em que, por exemplo, a legislação tributária prevê que
somente em quatro anos é que PIS e Cofins serão devolvidos aos
empresários. O governo brasileiro acredita que pode capitalizar e aplicar
referidos tributos e após devolvê-los a sociedade, contudo seria muito
melhor e mais inteligente, por exemplo, que não houvesse referida
tributação, mas, sim a prática – do que tem ficado somente no papel das –
Parcerias Público Privadas – PPPs. Ou ainda, caso não fosse possível a
implementação efetiva de tal participação, que o prazo de devolução de tais
tributos fosse reduzido ou até então de forma progressiva.
6ª. Abertura do mercado de trabalho estrangeiro: o governo brasileiro, com
sua política intervencionista e protecionista, dispõe de uma legislação
trabalhista burocrática na contratação de trabalhadores técnicos
estrangeiros. Uma empresa que tem interesse em desenvolver determinada
tecnologia, por exemplo, inexistente no Brasil, para conseguir contratar um
profissional estrangeiro precisa passar por uma série de trâmites, que chega
ao absurdo de até mais que 90 dias e inclusive comprovar a ausência, por
todos os meios, de mão de obra nacional. Seria muito mais fácil e
inteligente que referido processo de contratação fosse desburocratizado e
sem perder o viés protecionista, nacional, impusesse, por exemplo, que na
contratação de um estrangeiro fosse observada a contratação de tantos
brasileiros. Trata-se de compensar as contratações, porém o governo
brasileiro a prefere fechar e não empregar nem o brasileiro, nem o
estrangeiro!
As ideias acima expostas, com toda certeza, não se esgotam. Trata-se de
ideias que em verdade, se bem observado, o governo brasileiro até tem a intenção
4
Neste mesmo sentido, o economista peruano Hernando de Soto defende que os Estados reconheçam os
terrenos onde, por exemplo, favelas foram instaladas, dando aos seus moradores os títulos de propriedade da
terra. Isso injetaria de uma só vez um valor absurdamente alto de capital nas mãos das pessoas mais pobres, e
ao mesmo tempo daria segurança jurídica a estas famílias. (Porque as ZEIS prejudicam os pobres do Recife.
Disponível em: <http://acertodecontas.blog.br/economia/por-que-as-zeis-prejudicam-os-pobres/>. Acesso em:
28 jun. 2012)
ANAIS DO UNIVERSITAS E DIREITO 2012, PUCPR
321
de promover, contudo a forma com que vem tomando suas decisões de intervenção
tem se mostrado cada vez mais frágeis, indicando resultados positivos apenas e tão
somente a poucas categorias e num curto período de tempo.
Assim, a solução que se apresenta é a de admitir que cada vez mais o
Estado intervirá na economia. Contudo, de forma rápida e inteligente se faz
necessário mudar as políticas intervencionistas de curto prazo para longo prazo,
promovendo e possibilitando um correto e equilibrado desenvolvimento econômico.
REFERÊNCIAS
BARROS, Octavio de; GIAMBIAGI, Fabio. Brasil pós-crise: agenda para a próxima
década. São Paulo: Elsevier, 2010.
BARRUCHO, Luis Guilherme. Queda de juros dá fôlego à economia, mas não
garante
expectativa
do
PIB.
Disponível
em:
<http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2012/05/120530_opiniao_especialistas_ju
ros_lgb. shtml>. Acesso em: 20 jun. 2012.
BRONZATTO, Thiago; MAYER, Carolina. Grito não resolve. Revista Exame. São
Paulo: Abril, a. 46, n. 11, ed. 1.018, 2012.
Entenda a crise financeira que atinge a economia dos EUA. Disponível em:
<http://www1.folha.uol.com.br/folha/dinheiro/ult91u445011.shtml>. Acesso em: 20
jun. 2012.
GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. 6. ed. São
Paulo: Malheiros, 2005.
KROEHN, Márcio; MAIA, Humberto. A praga do curto prazo. Revista Exame. São
Paulo: Abril, a. 46, n. 11, ed. 1.018, 2012.
MISES, Ludwig Von. Intervencionismo, uma análise econômica. Tradução de
Donald Stewart Jr. São Paulo: Instituto Ludwig Von Mises Brasil, 2010 [1940].
_______. Uma crítica ao intervencionismo. Tradução de Arlette Franco. São
Paulo: Instituto Ludwig Von Mises Brasil, 2010 [1920].
ANAIS DO UNIVERSITAS E DIREITO 2012, PUCPR
322
_______. Intervencionismo, uma análise econômica. Tradução de Donald
Stewart Jr. São Paulo: Instituto Ludwig Von Mises Brasil, 2010 [1940].
MONCADA, Luis S. Cabral de. Direito Econômico. 4. ed. Coimbra: Coimbra, 2003.
Porque as ZEIS prejudicam os pobres do Recife. Disponível em:
<http://acertodecontas.blog.br/economia/por-que-as-zeis-prejudicam-os-pobres/>.
Acesso em: 28 jun. 2012.
THOREAU, Henry David. A desobediência civil. Tradução de Sergio Karam. Porto
Alegre: L&M, 1999 [1849].
ANAIS DO UNIVERSITAS E DIREITO 2012, PUCPR
323
Download