1 FILOSOFIA NO ENSINO FUNDAMENTAL: RELATOS DE EXPERIÊNCIAS NO COLÉGIO CENECISTA DE PIRAPORA Samuel da Silva Professor de Filosofia, Sociologia e Bioética no IFNMG - Campus Pirapora. Professor de Filosofia e Coordenador Pedagógico do Colégio CNEC-Pirapora. Graduado em Filosofia pela Universidade Estadual de Montes Claros. Especialista em Supervisão Escolar. Especializando em Filosofia pela Universidade Estadual de Montes Claros. [email protected] RESUMO Desde o final da última década de sessenta e início da seguinte, o ensino de filosofia para crianças e adolescentes ainda em escolaridade fundamental passou a chamar a atenção principalmente dos filósofos, educadores, psicólogos e pais interessados com a formação equilibrada e saudável dos seus filhos diante dos rumores e do turbilhão dos movimentos políticos e sociais que agitavam o mundo da época. Para muitos, ensinar filosofia desde a educação infantil poderia se constituir numa saída eficaz. E, sem exageros, podemos adiantar que a concretização desta alternativa esbarra em questões de caráter político-ideológicos e filosófico-pedagógico. Surge a partir daí a necessidade de uma problematização e compreensão da infância e adolescência diferentemente de outrora e, em conseqüência disso, amplia-se o entendimento do próprio homem, de suas representações e relações com a sociedade em seu conjunto. Este trabalho tem como objetivo compartilhar com a comunidade docente, pesquisadores de prática de ensino em educação, professores de filosofia frutos das experiências filosóficas efetivadas no Colégio Cenecista de Pirapora. Foi realizado um estudo dos documentos produzidos pelos estudantes envolvidos, respondendo à proposta do professor no final do 9º ano de 2009, avaliando os 4 (quatro) anos de experiência com a filosofia no ensino fundamental II. Os relatos apontam para o processo de formação humana e de uma consciência crítica que paulatinamente inaugura o espaço da maturidade psíquica, social e afetiva numa perspectiva de formação humana interdisciplinar. PALAVRAS-CHAVE: Filosofia. Ensino Fundamental. Educação. Formação Humana. INTRODUÇÃO Desde o final da última década de sessenta e início da seguinte, o ensino de filosofia para crianças e adolescentes ainda em escolaridade fundamental passou a chamar a atenção principalmente dos filósofos, educadores, psicólogos e pais interessados com a formação equilibrada e saudável dos seus filhos diante dos rumores e do turbilhão dos movimentos políticos e 2 sociais que agitavam o mundo da época. Para muitos, ensinar filosofia desde a educação infantil poderia se constituir numa saída eficaz. E, sem exageros, podemos adiantar que a concretização desta alternativa esbarra em questões de caráter político-ideológicos e filosófico-pedagógico. Surge a partir daí a necessidade de uma problematização e compreensão da infância e adolescência diferentemente de outrora e, em conseqüência disso, amplia-se o entendimento do próprio homem, de suas representações e relações com a sociedade em seu conjunto. Com o advento da modernidade, a expansão do mundo tecnológico e virtual, o conceito de globalização e enaltecimento da indústria cultural os desafios do processo de ensino e aprendizagem encaminham-nos para a reflexão sobre o conceito de homem e as representações que são feitas acerca do mundo. O homem se vê convocado a repensar o ethos humano. Ao se vê diante dessa convocação a necessidade de retornar aos princípios do pensamento ocidental na Grécia antiga. Quando os gregos antigos começaram a se reunir ao redor da ágora, discutindo pequenas questões da vida cotidiana, a história do homem ocidental não foi mais a mesma. Está inaugurado o espaço público, o espaço da palavra, o espaço dos iguais (isoi). Está sinalizada a liberdade do homem que pensa, que discursa, descobrindo que o mundo mítico é repleto de magia que envolve uma nuvem de misticismo. Como fruto desta ruptura paulatina surge a maior de todas as experiências humanas: o filosofar. Esta ação que é própria do pensamento confere ao mundo sentido e oferece inúmeras contribuições para o processo de formação humana. Formação esta que também foi precedida e pensada primeiramente pelos povos gregos, ao perceber que era possível atingir o aperfeiçoamento humano através de uma Paidéia (Pedagogia grega). A educação é uma função tão natural e universal da comunidade humana, que pela sua própria evidência, leva muito tempo a atingir a plena consciência daqueles que a recebem e a praticam (...). Da educação, neste sentido, distingue-se a formação do homem por meio da criação de um tipo ideal intimamente coerente e claramente definido. Esta formação não é possível sem oferecer no espírito humano uma imagem do homem tal como ele deve ser. (IAEGAER 1989, p.17) 3 Somos herdeiros dessa tradição que visa educar e projetar a humanidade a partir de nossa realidade e anseios. Logo, é preciso ter clareza que educar crianças e jovens na presença ativa do filosofar é proporcionar aos mesmos uma instigação ao desmonte de certezas, ao questionamento do instituído; permitindo-os transitarem através de reflexões e leituras de textos diversificados, instrumentalizando a crítica e ampliando a visão de mundo. Este exercício proporciona que cada um possa conquistar a sua autonomia no exercício pleno da liberdade. O objetivo principal deste artigo é compartilhar com a comunidade pesquisadora uma experiência da prática de filosofia no ensino fundamental II que vem sendo realizada no Colégio Cenecista de Pirapora, (Pirapora-MG), no intuito de contribuir com os demais profissionais desta área que estão à procura de reafirmar a presença da filosofia no meio escolar. O referente artigo está divido em três partes. Primeiramente centralizamos a instituição escolar frente ao fenômeno da (pós) modernidade e suas implicações. A segunda parte apresenta a voz dos estudantes do ensino fundamental II, do Colégio Cenecista de Pirapora. Após quatro anos de experiência com a filosofia, ao chegar no 9º ano, final de 2010, o professor propôs aos educandos que pudessem registrar suas impressões sobre a experiência com a filosofia no quatriênio 2007-2010. Assim, mediante esses registros será lançado um olhar investigativo apresentado aqui de forma técnica. E por último tecemos considerações finais corroborando as contribuições adquiridas com esta experiência. Estamos convictos de que refletirmos e partilharmos as novidades da ação docente possibilita a todos envolvidos novos olhares para a ação educativa, que apresenta todos os dias novas necessidades, leituras e reflexões. A ESCOLA E O FENÔMENO DA (PÓS) MODERNIDADE Muitas reflexões têm problematizado a educação escolar, na tentativa de responder as exigências do século XXI, buscando aprofundar as políticas, estruturas e a organização dessa instituição responsável pelo conhecimento e pelo ato de ensino-aprendizagem. Porém, não podemos 4 negar que esta instituição, uma vez inserida no espaço-temporal histórico, político, sócio-cultural está envolta dos desafios da pós-modernidade. Em relação ao conhecimento que é confundido com informações, LA TAILLE (2009, p.30), afirma: vivemos em uma espécie de “planeta Google” no qual um simples clicar nos coloca em contato com milhares de estilhaços de conhecimento. A informação é o fragmento do conhecimento. Na tentativa de conceituar esse fenômeno que muitos chamam de pós-modernidade ou de hiper-modernidade encontramos algumas palavras, sinônimos que nos ajudarão a entender uma possível definição: Fragmentos, migalhas, efemeridade, “tacocracia”, pequenas urgências, ausência de sonhos, de projetos, amnésia, deserto, palimpsesto, enxame, comunicações, conexões, desconexões, sensações, fragilidade, delinqüência, ambigüidade, eis algumas figuras que empreguei para falar de variados aspectos da chamada pósmodernidade. (LA TAILLE, 2009, p.65) Ainda sobre o signo da modernidade se revela o fenômeno da globalização, o neoliberalismo econômico - que se fundamenta na expressão mais profunda do capitalismo excludente - encontra-se também as conseqüências de uma sociedade que tem como princípios éticos o consumismo, o narcisismo, a individualidade, a técnica confundida com ciências, o trabalho compulsório, onde se reafirma o princípio marxista da desigualdade social, através dos inúmeros excluídos que esperam um sinal das políticas públicas. E para agravar ainda mais vê-se o triste show da destruição do ecossistema através da interferência irresponsável de cada homem e mulher. Diante dessas apreciações, voltemos o nosso olhar para a ação educativa, para os profissionais da educação e para aqueles que passaram, passam e passarão pelo processo do ensinoaprendizagem. Imediatamente percebemos o mal-estar existencial e moral da sociedade contemporânea que preocupa grande número de pessoas. 5 Todavia, a educação entendida como processo de formação do gênero humano não pode ficar alheia a essas questões, porque a formação das novas gerações depende em grande parte de seu trabalho. Pois, certamente este cenário de crise moral, ética e espiritual que se manifesta na sociedade pós-moderna acaba tendo repercussão dentro da escola. Devemos considerar que o sistema do processo educacional está inserido dentro de um sistema maior, e que os problemas morais e éticos manifestados dentro das escolas enquanto instituições são na realidade reflexos do que está ocorrendo ao seu entorno. A escola se torna então um espaço merecedor de investigação. O dia-dia da escola, não é fácil. Desde a chegada dos alunos até o sinal de dispensa das obrigações do turno, há sempre um espaço de tensão. Professores, salas de aulas, alunos, intervalos, diretora, supervisora, orientação pedagógica, secretaria, disciplina, indisciplina, conteúdo programático, avaliações, recuperação, aprovação, reprovação, enfim ano letivo. Quantas palavras que vão se apresentando para configurar o fenômeno ensino-aprendizagem escolar. Mas há uma palavra que deve está acima de todas elas, o conhecimento, ou como muitos preferem nominar; saber. Essa palavra nos remete a sua raiz etimológica, originada do latim sapére – saber, sabor. Assim, saber e sabor são palavras primas que nos lembra alimentação do espírito, nesse caso o racional, que desde os gregos aos nossos dias, ainda continua sendo um dos principais atributos, nos separando dos animais que tem apenas a vida vegetativa e biológica. A escola é por natureza, o espaço para o saber, para o conhecimento, para saborear das descobertas físicas, fundamentadas nas descobertas metafísicas. Mas qual a essência da escola? O que é a escola? Comunidade educativa, sistema local de aprendizagem e formação: grupo constituído por alunos, professores, pais/ encarregados da educação, representante do poder autárquico, econômico e social, que compartilhando um mesmo território e participando de uma herança cultural comum, constituem um todo, com características específicas e uma dinâmica própria. (ALARCÃO, 2003, p. 83) 6 Contudo, há expectativas das famílias, da comunidade e dos próprios alunos em relação à escola. Essas expectativas podem ser sinalizadas em uma idéia muito simples. Os estabelecimentos escolares se diferenciam entre si, pelo grau em que conseguem promover a aprendizagem de seus alunos. É razoável, pois, concluir que as escolas precisam ser mais bem organizadas e bem administradas para melhorar a qualidade da aprendizagem dos alunos. Uma escola bem organizada e gerida é aquela que cria e assegura condições organizacionais, e pedagógico-didáticas que permitam o bom desempenho dos professores em sala de aula, de modo que todos os seus alunos sejam bem sucedidos em suas aprendizagens. (LIBÂNEO, 2008, p.301-302) Todavia, o comprometimento ético com a educação deveria lançar um olhar caleidoscópico dos educadores sobre a infância e a juventude. Contemplar a diversidade as diferenças presentes em sala de aula é o primeiro passo para desmantelar a concepção metafísica de ser humano formatado pelos séculos dentro do modelo tradicional de ensino. (SCHEMES, 2007). Numa perspectiva educacional não podemos esquecer que nossa concepção de ser humano afeta diretamente a nossa concepção de sociedade e educação. Que tipo de ser humano queremos formar? Para qual sociedade? Com que educação? Voltemos assim, o nosso olhar para sala de aula que é uma representatividade significativa da sociedade em que escola está inserida. VOZ DOS ESTUDANTES: EXPERIÊNCIAS FILOSÓFICAS DO ENSINO FUNDAMENTAL NO COLÉGIO CENECISTA DE PIRAPORA Martins (2007) afirma que sendo a escola está inserida em determinada comunidade, a escola traz para o seu interior os conflitos, as aflições e as mais diversas demandas que levam professores, aluno e gestores escolares a criarem espaço em seus projetos pedagógicos, para que as crianças e adolescentes discutam e opinem sobre suas inquietações e aspirações pessoais e coletivas. Pode-se então afirmar que é exatamente nesse momento que a educação em valores começa a ser desenhada e vivenciada como processo social que se desenvolve na escola. 7 O espaço escolar é propriamente um locus político e logo torna-se um espaço de e para conflitos. Receber as gerações que cada vez mais estão heterogêneas torna-se convite para uma constante reflexões da ação docente e suas implicações. Ao se tratar de estudantes que estão no ensino fundamental o imperativo ético da formação humana se abre em perspectiva. Sabe-se que com as mudanças socioeconômicas ocorridas com a globalização a família sofreu também abalos que provocaram mudanças no conceito tradicional que vigorou durante séculos. Isto exige novas posturas da escola, pois ela também tem um compromisso com a sociedade. Pensar no ser humano numa perspectiva histórico-social, de construção e reconstrução constante dentro de um processo dialético e dialógico, nos possibilita contemplar as infâncias e as juventudes manifestadas diante de nós. Esse olhar caleidoscópico propicia uma visão da diversidade presente dentro da escola. Ao mudar o foco de nosso olhar sobre o humano manifestado no ser, perceberemos a necessidade de uma ética que contemple o outro como manifestação humana: O totalmente outro que se manifesta como é, e é recebido e acolhido como tal, sem preconceitos ou discriminação. Por este viés, faz-se necessária uma reflexão profunda sobre o pensamento teórico e as práticas pedagógicas. (SCHEMES, p.3 2007) É neste foco que o Colégio Cenecista de Pirapora busca reafirmar dentro do currículo escolar as contribuições que a disciplina de filosofia pode oferecer para a comunidade escolar. Por isso, toda a educação básica é contemplada com esta disciplina. Se a discussão sobre a prática de ensino em filosofia no ensino médio é desafiadora, praticar a filosofia no ensino fundamental é se inquietar filosoficamente posto que os estudantes estão no alvorecer da afirmação de suas subjetividades, adquirindo teoricamente lentes para interpretar o mundo intelectualmente. As aulas de filosofia do Colégio Cenecista de Pirapora, aqui especificamente do ensino fundamental: 6º ao 9º ano, tem apresentado frutos dignos de uma análise. Acompanhado do material didático norteador da proposta filosófica, há uma aposta muito grande na formação 8 humana. Possibilitando os educandos a entender o verdadeiro sentido do diálogo na prática, sublinhando o valor ético da alteridade. Após acompanhar os estudantes durante quatro anos, ao chegar o termino do ano letivo de 2010 o professor de filosofia oportunizou que esses pudessem fazer uma auto-avaliação sobre os anos de experiências anteriores com a referida disciplina. As ponderações apresentadas de forma escrita são muito louváveis para quem tem interesse em buscar contribuições para a prática de ensino em filosofia. Faz-se interessante saber que esses alunos começaram o 6º ano no período de 2007, momento em que a faixa etária era de 11 anos e encerraram o ensino fundamental, 9º ano, no período de 2010, momento em que a faixa etária era de 14 anos. Para os depoimentos vamos identificar os estudantes com letras maiúscula do nosso alfabeto (A, B, C, D, E). A seguir apresentamos alguns depoimentos e inferências numa perspectiva ética e epistemológica do filosofar. Relato A Minha experiência durante esses anos com a filosofia, penso que foi um avanço em minha carreira de estudante, onde eu aprendi um pouco sobre o homem e seus valores (...). Em Minha opinião penso que a filosofia é essencial em um ensino escolar, porque ela nos mostra o sentido da vida, retratando os valores e significados da existência humana. Relato B (...) Eu penso que com a filosofia eu pude mudar algumas coisas da minha vida como: o modo de ver as pessoas, o modo e ver minha e o modo de ver o mundo. E assim outro jeito de pensar sobre a vida, sobre as pessoas e sobre o mundo. Pode-se perceber que A apresenta uma objetividade em suas considerações. Durante os anos de convívio com A sempre foi percebido a capacidade de fazer síntese. Quando se afirma 9 que a filosofia mostra os significados da existência humana A se vê diante de uma maturidade maior, podendo fazer leituras das representações do mundo. Já B faz lembrar-nos do filósofo Merleau-Ponty quando afirma que a filosofia é uma nova maneira de ver o mundo. O depoimento de B é muito enriquecedor para o professor, pois durante os anos anteriores B sempre apresentou uma timidez muito grande, sempre de poucas palavras e muito introspectivo. Chegando ao término do ensino fundamental o crescimento intelectual e humano fez B encontrar-se na turma. Relato C Nas aulas de filosofia os debates são intrigantes e mexem com o interior, a essência de cada um. Eu aprendi muito, penso que amadureci as idéias. Hoje menos indecisa. E a filosofia ajudou muito a criar o meu caráter e ter os meus princípios. (...) Relato D A filosofia é algo incrível. É mais que uma simples disciplina, é pra mim um estilo de vida. É um acréscimo à sua vida, é uma oportunidade a mais de conhecer, pensar, refletir. (...) com isso fui descobrindo um mundo novo, repleto de coisas maravilhosas e situações difíceis também. (...) Relato E A minha experiência com a filosofia desde a 5ª série foi muito produtiva, eu pude melhorar como pessoa, buscar ajudar o próximo e muito mais. A filosofia em minha vida me fez perceber o quanto filosofar é importante nos dias de hoje (...) Relato F A minha experiência com a filosofia foi ótima, juntamente com os meus colegas de classe que proporcionaram algumas experiências e debates muito reflexivos. A filosofia me fez mudar meu ponto de vista e conhecer mais as coisas de um jeito diferente, me fez buscar respostas para as coisas mais absurdas. Também me ajudou a ser uma pessoa mais calma na escola e em casa (...) 10 Os relatos C, D, E e F assinalam características muito fundamentais para a formação humana: o diálogo e a ética. Essa compreensão implica atribuir caráter ético-político á filosofia no espaço da escola e constitui a dimensão cultural do filosofar. Isto nos leva a redescobrir na escola a concepção de espaço público. O espaço público é o espaço de todos. É demarcado pelo valor imperativo da liberdade. E é função da escola preparar os seus estudantes para exercer a ação política, através da cidadania, como também entender as suas implicações. Os relatos possibilitam a capacidade de entender que é preciso permitir o exercício da escuta, conferindo aos outros o direito de se manifestarem, apresentarem suas opiniões contrárias ao que está sendo debatido, pois neste exato momento ao praticar o exercício da locução e da escuta nós oportunizamos e incentivamos muitos companheiros a revelarem suas idiossincrasias, mediante as considerações científicas que são expostas. A partir de então entra em cena o valor ético da alteridade, a capacidade de tolerar, valorizar o outro e as suas diferenças. Afinal, estamos educando os estudantes para o exercício da liberdade, da autonomia e do respeito. Quando este espaço é favorecido e cultivado, todos que estão envolvidos assim como o C se sentem aptos na tranquilidade inquietante do diálogo. Esta qualidade reveladora do discurso e da ação vem à tona quando as pessoas estão com as outras, isto é, no simples gozo da convivência humana, e não pró ou contra as outras. Embora ninguém saiba que tipo de quem revela ao se expor na ação e na palavra, é necessário que cada um esteja disposto a correr o risco da revelação; e nem o praticante de boas ações, que precisa ocultar sua individualidade e manter-se em completo anonimato, nem o criminoso que precisa esconder-se dos outros, pode correr o risco de revelar-se. Ambos são indivíduos solitários; o primeiro é pró e o segundo é contra todos os homens; ficam, portanto, fora do âmbito do intercurso humano e são figuras politicamente marginais que, em geral, surgem no cenário histórico em épocas de corrupção, de desintegração e decadência política. (ARENDT 1991, p. 193) 11 Ao compreender o que somos ou quem somos, uma perspectiva se desponta para todos nós educadores e educandos a demanda por sentido e a responsabilidade Quando oferecemos e recebemos do outro um pouco de sua vida, nos sentimos responsáveis pela mesma vida e alimento partilhado. Esse apelo dos entes existentes no mundo exige uma resposta á solicitação do outro. Implica responsabilidade para com o outro (...) desse modo, filosofar é um compromisso de responsabilidade ética para com as outras existências do mundo. Em obediência a uma característica antropológica, o ser humano só se humaniza diante do outro, como horizonte de sua própria identidade. (GHEDIN 2008, p.51) Com esta afirmativa Ghedin (2008) nos apresenta a principal característica fundadora do filosofar: a dimensão ética. Ao voltarmos os olhos, ouvidos e mãos para a realidade gritante emanada da exclusão e da injustiça nos convoca a buscar outros caminhos, renovar a humanidade, e esse deve ser o fim último do filosofar como atividade de pensamento e de práxis que procura partir das questões problemáticas na contemporaneidade e apontar saídas para ela. Daí podendo resultar uma expansão das relações da sala de aula com a instituição como um todo e desta com a sociedade, através da fomentação da criticidade que se pretende semear no caráter infantil e do incentivo a um estilo mais ativo de pensamento, possibilitando a integração da criança com uma sociedade possivelmente mais aberta e democrática. Especula-se, portanto, a respeito do aperfeiçoamento da democracia onde todos possam estar igualmente preparados à luz da investigação não somente científica, mas filosófica, ampliando o espectro de ação criativa, crítica e razoável a todos, incluindo a criança. Esta passa a ser então, não mais deixada à espera de uma idade ideal para poder aprender filosofia ou de ser colocada à mercê de mecanismos cautelosos imbuídos a crença, já estabelecida, numa preparação controlada em vista de um futuro distante. (DA SILVEIRA, et Al., 2004.) 12 Contrariamente, ainda afirma Da Silveira (2004), evoca-se o espírito infantil na vivência mesma de suas próprias experiências e capacidades. Surge a partir daí a necessidade de uma problematização e compreensão da infância diferentemente de outrora e, em conseqüência disso, amplia-se o entendimento do próprio homem, de suas representações e relações com a sociedade em seu conjunto. Nota-se, assim, que tal perspectiva não somente abala os conceitos acerca da educação filosófica como também, interfere nas suas relações com as demais áreas que se dedicam à formação humana, cujo paradigma pedagógico, entretanto, vem tentando acomodar, sem maiores dificuldades, as mais diversas inovações teóricas nesses últimos anos. CONSIDERAÇÕES FINAIS Ao partilharmos esta prática docente do ensino de filosofia é possível perceber a sua simplicidade, contudo uma simplicidade que produz frutos visíveis e significativos. Mas para que isso aconteça é preciso que o professor de filosofia possa estar atualizado nas leituras científicas, buscando inovar sua prática em um contínuo diálogo com a universidade e outros colegas de sua área. Necessita-se que a comunidade escolar, especialmente a equipe pedagógica esteja envolvida. Numa era onde se fala de crise do humano, ou até mesmo decreta-se o fim da metafísica é preciso ressuscitar ideais onde no espaço escolar possibilitará um processo de formação humana e de uma consciência crítica que paulatinamente inaugura o espaço da maturidade psíquica, social e afetiva numa perspectiva de formação humana interdisciplinar. Esperamos que a partilha desta experiência seja de fato uma contribuição e incentivo para que outros professores, independentemente da área em que atuam possam apresentar os frutos das inovações de suas práticas docentes. Afinal, ao se tratar da edificação e formação do ser humano toda contribuição bem fundamentada e discutida é sempre bem-vinda. Assim, cremos que estas reflexões não se encerram aqui. REFERÊNCIAS ALARCÃO, Isabel. Professores reflexivos em uma escola reflexiva. São Paulo: Cortez editora, 2003. (Coleção Questões da nossa Época; 104) 13 ARENDT, Hannah. A condição humana. Trad. Roberto Raposo. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1991. DA SILVEIRA, R. A. T.; GHIRALDELLI JR, P. Humanidades. Rio de Janeiro: DP&A, 2004. GHEDIN, Evandro. Ensino de Filosofia no Ensino Médio. São Paulo: Cortez, 2008 (Coleção Docência em formação. Série Ensino Médio). IAGAER, Werner. Paidéia: A formação do homem grego. 2ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1989. LA TAILLE, Yves. Formação ética: Do tédio ao respeito de si. Porto Alegre-RS: Artmed, 2009. LIBÂNEO, José Carlos. OLIVEIRA, João Ferreira. TOSCHI, Mirza Seabra. Educação escolar: políticas, estrutura e organização. 6ª Ed. São Paulo: Cortez, 2008 – (Coleção Docência em Formação / coordenação Antonio Joaquim Severino, Selma Garrido Pimenta. MARTINS, Vicente. In: A prática de valores na escola. Mundo Jovem: Maio de 2007 SCHEMES, Jorge. In: Educar para convivência. Mundo Jovem: Junho de 2007. .