filosofia no ensino fundamental

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1 FILOSOFIA NO ENSINO FUNDAMENTAL:
RELATOS DE EXPERIÊNCIAS NO COLÉGIO CENECISTA DE PIRAPORA
Samuel da Silva
Professor de Filosofia, Sociologia e Bioética no IFNMG - Campus Pirapora.
Professor de Filosofia e Coordenador Pedagógico do Colégio CNEC-Pirapora.
Graduado em Filosofia pela Universidade Estadual de Montes Claros.
Especialista em Supervisão Escolar.
Especializando em Filosofia pela Universidade Estadual de Montes Claros.
[email protected]
RESUMO
Desde o final da última década de sessenta e início da seguinte, o ensino de filosofia para crianças e
adolescentes ainda em escolaridade fundamental passou a chamar a atenção principalmente dos
filósofos, educadores, psicólogos e pais interessados com a formação equilibrada e saudável dos
seus filhos diante dos rumores e do turbilhão dos movimentos políticos e sociais que agitavam o
mundo da época. Para muitos, ensinar filosofia desde a educação infantil poderia se constituir numa
saída eficaz. E, sem exageros, podemos adiantar que a concretização desta alternativa esbarra em
questões de caráter político-ideológicos e filosófico-pedagógico. Surge a partir daí a necessidade de
uma problematização e compreensão da infância e adolescência diferentemente de outrora e, em
conseqüência disso, amplia-se o entendimento do próprio homem, de suas representações e relações
com a sociedade em seu conjunto. Este trabalho tem como objetivo compartilhar com a comunidade
docente, pesquisadores de prática de ensino em educação, professores de filosofia frutos das
experiências filosóficas efetivadas no Colégio Cenecista de Pirapora. Foi realizado um estudo dos
documentos produzidos pelos estudantes envolvidos, respondendo à proposta do professor no final
do 9º ano de 2009, avaliando os 4 (quatro) anos de experiência com a filosofia no ensino
fundamental II. Os relatos apontam para o processo de formação humana e de uma consciência
crítica que paulatinamente inaugura o espaço da maturidade psíquica, social e afetiva numa
perspectiva de formação humana interdisciplinar.
PALAVRAS-CHAVE: Filosofia. Ensino Fundamental. Educação. Formação Humana.
INTRODUÇÃO
Desde o final da última década de sessenta e início da seguinte, o ensino de filosofia
para crianças e adolescentes ainda em escolaridade fundamental passou a chamar a atenção
principalmente dos filósofos, educadores, psicólogos e pais interessados com a formação
equilibrada e saudável dos seus filhos diante dos rumores e do turbilhão dos movimentos políticos e
2 sociais que agitavam o mundo da época. Para muitos, ensinar filosofia desde a educação infantil
poderia se constituir numa saída eficaz. E, sem exageros, podemos adiantar que a concretização
desta alternativa esbarra em questões de caráter político-ideológicos e filosófico-pedagógico. Surge
a partir daí a necessidade de uma problematização e compreensão da infância e adolescência
diferentemente de outrora e, em conseqüência disso, amplia-se o entendimento do próprio homem,
de suas representações e relações com a sociedade em seu conjunto.
Com o advento da modernidade, a expansão do mundo tecnológico e virtual, o
conceito de globalização e enaltecimento da indústria cultural os desafios do processo de ensino e
aprendizagem encaminham-nos para a reflexão sobre o conceito de homem e as representações que
são feitas acerca do mundo. O homem se vê convocado a repensar o ethos humano. Ao se vê diante
dessa convocação a necessidade de retornar aos princípios do pensamento ocidental na Grécia
antiga.
Quando os gregos antigos começaram a se reunir ao redor da ágora, discutindo
pequenas questões da vida cotidiana, a história do homem ocidental não foi mais a mesma. Está
inaugurado o espaço público, o espaço da palavra, o espaço dos iguais (isoi). Está sinalizada a
liberdade do homem que pensa, que discursa, descobrindo que o mundo mítico é repleto de magia
que envolve uma nuvem de misticismo. Como fruto desta ruptura paulatina surge a maior de todas
as experiências humanas: o filosofar.
Esta ação que é própria do pensamento confere ao mundo sentido e oferece inúmeras
contribuições para o processo de formação humana. Formação esta que também foi precedida e
pensada primeiramente pelos povos gregos, ao perceber que era possível atingir o aperfeiçoamento
humano através de uma Paidéia (Pedagogia grega).
A educação é uma função tão natural e universal da comunidade humana, que pela
sua própria evidência, leva muito tempo a atingir a plena consciência daqueles que a
recebem e a praticam (...). Da educação, neste sentido, distingue-se a formação do
homem por meio da criação de um tipo ideal intimamente coerente e claramente
definido. Esta formação não é possível sem oferecer no espírito humano uma
imagem do homem tal como ele deve ser. (IAEGAER 1989, p.17)
3 Somos herdeiros dessa tradição que visa educar e projetar a humanidade a partir de
nossa realidade e anseios. Logo, é preciso ter clareza que educar crianças e jovens na presença ativa
do filosofar é proporcionar aos mesmos uma instigação ao desmonte de certezas, ao questionamento
do instituído; permitindo-os transitarem através de reflexões e leituras de textos diversificados,
instrumentalizando a crítica e ampliando a visão de mundo. Este exercício proporciona que cada um
possa conquistar a sua autonomia no exercício pleno da liberdade.
O objetivo principal deste artigo é compartilhar com a comunidade pesquisadora uma
experiência da prática de filosofia no ensino fundamental II que vem sendo realizada no Colégio
Cenecista de Pirapora, (Pirapora-MG), no intuito de contribuir com os demais profissionais desta
área que estão à procura de reafirmar a presença da filosofia no meio escolar.
O referente artigo está divido em três partes. Primeiramente centralizamos a instituição
escolar frente ao fenômeno da (pós) modernidade e suas implicações. A segunda parte apresenta a
voz dos estudantes do ensino fundamental II, do Colégio Cenecista de Pirapora. Após quatro anos
de experiência com a filosofia, ao chegar no 9º ano, final de 2010, o professor propôs aos
educandos que pudessem registrar suas impressões sobre a experiência com a filosofia no quatriênio
2007-2010. Assim, mediante esses registros será lançado um olhar investigativo apresentado aqui
de forma técnica. E por último tecemos considerações finais corroborando as contribuições
adquiridas com esta experiência.
Estamos convictos de que refletirmos e partilharmos as novidades da ação docente
possibilita a todos envolvidos novos olhares para a ação educativa, que apresenta todos os dias
novas necessidades, leituras e reflexões.
A ESCOLA E O FENÔMENO DA (PÓS) MODERNIDADE
Muitas reflexões têm problematizado a educação escolar, na tentativa de responder as
exigências do século XXI, buscando aprofundar as políticas, estruturas e a organização dessa
instituição responsável pelo conhecimento e pelo ato de ensino-aprendizagem. Porém, não podemos
4 negar que esta instituição, uma vez inserida no espaço-temporal histórico, político, sócio-cultural
está envolta dos desafios da pós-modernidade.
Em relação ao conhecimento que é confundido com informações, LA TAILLE (2009,
p.30), afirma:
vivemos em uma espécie de “planeta Google” no qual um simples clicar nos coloca
em contato com milhares de estilhaços de conhecimento. A informação é o
fragmento do conhecimento.
Na tentativa de conceituar esse fenômeno que muitos chamam de pós-modernidade ou
de hiper-modernidade encontramos algumas palavras, sinônimos que nos ajudarão a entender uma
possível definição:
Fragmentos, migalhas, efemeridade, “tacocracia”, pequenas urgências, ausência de
sonhos, de projetos, amnésia, deserto, palimpsesto, enxame, comunicações,
conexões, desconexões, sensações, fragilidade, delinqüência, ambigüidade, eis
algumas figuras que empreguei para falar de variados aspectos da chamada pósmodernidade. (LA TAILLE, 2009, p.65)
Ainda sobre o signo da modernidade se revela o fenômeno da globalização, o
neoliberalismo econômico - que se fundamenta na expressão mais profunda do capitalismo
excludente - encontra-se também as conseqüências de uma sociedade que tem como princípios
éticos o consumismo, o narcisismo, a individualidade, a técnica confundida com ciências, o trabalho
compulsório, onde se reafirma o princípio marxista da desigualdade social, através dos inúmeros
excluídos que esperam um sinal das políticas públicas. E para agravar ainda mais vê-se o triste
show da destruição do ecossistema através da interferência irresponsável de cada homem e mulher.
Diante dessas apreciações, voltemos o nosso olhar para a ação educativa, para os
profissionais da educação e para aqueles que passaram, passam e passarão pelo processo do ensinoaprendizagem. Imediatamente percebemos o mal-estar existencial e moral da sociedade
contemporânea que preocupa grande número de pessoas.
5 Todavia, a educação entendida como processo de formação do gênero humano não
pode ficar alheia a essas questões, porque a formação das novas gerações depende em grande parte
de seu trabalho. Pois, certamente este cenário de crise moral, ética e espiritual que se manifesta na
sociedade pós-moderna acaba tendo repercussão dentro da escola.
Devemos considerar que o sistema do processo educacional está inserido dentro de um
sistema maior, e que os problemas morais e éticos manifestados dentro das escolas enquanto
instituições são na realidade reflexos do que está ocorrendo ao seu entorno. A escola se torna então
um espaço merecedor de investigação.
O dia-dia da escola, não é fácil. Desde a chegada dos alunos até o sinal de dispensa
das obrigações do turno, há sempre um espaço de tensão. Professores, salas de aulas, alunos,
intervalos, diretora, supervisora, orientação pedagógica, secretaria, disciplina, indisciplina,
conteúdo programático, avaliações, recuperação, aprovação, reprovação, enfim ano letivo. Quantas
palavras que vão se apresentando para configurar o fenômeno ensino-aprendizagem escolar.
Mas há uma palavra que deve está acima de todas elas, o conhecimento, ou como
muitos preferem nominar; saber. Essa palavra nos remete a sua raiz etimológica, originada do latim
sapére – saber, sabor. Assim, saber e sabor são palavras primas que nos lembra alimentação do
espírito, nesse caso o racional, que desde os gregos aos nossos dias, ainda continua sendo um dos
principais atributos, nos separando dos animais que tem apenas a vida vegetativa e biológica.
A escola é por natureza, o espaço para o saber, para o conhecimento, para saborear das
descobertas físicas, fundamentadas nas descobertas metafísicas. Mas qual a essência da escola? O
que é a escola?
Comunidade educativa, sistema local de aprendizagem e formação: grupo
constituído por alunos, professores, pais/ encarregados da educação, representante
do poder autárquico, econômico e social, que compartilhando um mesmo território e
participando de uma herança cultural comum, constituem um todo, com
características específicas e uma dinâmica própria. (ALARCÃO, 2003, p. 83)
6 Contudo, há expectativas das famílias, da comunidade e dos próprios alunos em
relação à escola. Essas expectativas podem ser sinalizadas em uma idéia muito simples.
Os estabelecimentos escolares se diferenciam entre si, pelo grau em que conseguem
promover a aprendizagem de seus alunos. É razoável, pois, concluir que as escolas
precisam ser mais bem organizadas e bem administradas para melhorar a qualidade
da aprendizagem dos alunos. Uma escola bem organizada e gerida é aquela que cria
e assegura condições organizacionais, e pedagógico-didáticas que permitam o bom
desempenho dos professores em sala de aula, de modo que todos os seus alunos
sejam bem sucedidos em suas aprendizagens. (LIBÂNEO, 2008, p.301-302)
Todavia, o comprometimento ético com a educação deveria lançar um olhar
caleidoscópico dos educadores sobre a infância e a juventude. Contemplar a diversidade as
diferenças presentes em sala de aula é o primeiro passo para desmantelar a concepção metafísica de
ser humano formatado pelos séculos dentro do modelo tradicional de ensino. (SCHEMES, 2007).
Numa perspectiva educacional não podemos esquecer que nossa concepção de ser
humano afeta diretamente a nossa concepção de sociedade e educação. Que tipo de ser humano
queremos formar? Para qual sociedade? Com que educação? Voltemos assim, o nosso olhar para
sala de aula que é uma representatividade significativa da sociedade em que escola está inserida.
VOZ
DOS
ESTUDANTES:
EXPERIÊNCIAS
FILOSÓFICAS
DO
ENSINO
FUNDAMENTAL NO COLÉGIO CENECISTA DE PIRAPORA
Martins (2007) afirma que sendo a escola está inserida em determinada comunidade, a
escola traz para o seu interior os conflitos, as aflições e as mais diversas demandas que levam
professores, aluno e gestores escolares a criarem espaço em seus projetos pedagógicos, para que as
crianças e adolescentes discutam e opinem sobre suas inquietações e aspirações pessoais e coletivas.
Pode-se então afirmar que é exatamente nesse momento que a educação em valores começa a ser
desenhada e vivenciada como processo social que se desenvolve na escola.
7 O espaço escolar é propriamente um locus político e logo torna-se um espaço de e para
conflitos. Receber as gerações que cada vez mais estão heterogêneas torna-se convite para uma
constante reflexões da ação docente e suas implicações.
Ao se tratar de estudantes que estão no ensino fundamental o imperativo ético da
formação humana se abre em perspectiva. Sabe-se que com as mudanças socioeconômicas
ocorridas com a globalização a família sofreu também abalos que provocaram mudanças no
conceito tradicional que vigorou durante séculos. Isto exige novas posturas da escola, pois ela
também tem um compromisso com a sociedade.
Pensar no ser humano numa perspectiva histórico-social, de construção e
reconstrução constante dentro de um processo dialético e dialógico, nos possibilita
contemplar as infâncias e as juventudes manifestadas diante de nós. Esse olhar
caleidoscópico propicia uma visão da diversidade presente dentro da escola. Ao
mudar o foco de nosso olhar sobre o humano manifestado no ser, perceberemos a
necessidade de uma ética que contemple o outro como manifestação humana: O
totalmente outro que se manifesta como é, e é recebido e acolhido como tal, sem
preconceitos ou discriminação. Por este viés, faz-se necessária uma reflexão
profunda sobre o pensamento teórico e as práticas pedagógicas. (SCHEMES, p.3
2007)
É neste foco que o Colégio Cenecista de Pirapora busca reafirmar dentro do currículo
escolar as contribuições que a disciplina de filosofia pode oferecer para a comunidade escolar. Por
isso, toda a educação básica é contemplada com esta disciplina.
Se a discussão sobre a prática de ensino em filosofia no ensino médio é desafiadora,
praticar a filosofia no ensino fundamental é se inquietar filosoficamente posto que os estudantes
estão no alvorecer da afirmação de suas subjetividades, adquirindo teoricamente lentes para
interpretar o mundo intelectualmente.
As aulas de filosofia do Colégio Cenecista de Pirapora, aqui especificamente do
ensino fundamental: 6º ao 9º ano, tem apresentado frutos dignos de uma análise. Acompanhado do
material didático norteador da proposta filosófica, há uma aposta muito grande na formação
8 humana. Possibilitando os educandos a entender o verdadeiro sentido do diálogo na prática,
sublinhando o valor ético da alteridade.
Após acompanhar os estudantes durante quatro anos, ao chegar o termino do ano
letivo de 2010 o professor de filosofia oportunizou que esses pudessem fazer uma auto-avaliação
sobre os anos de experiências anteriores com a referida disciplina.
As ponderações apresentadas de forma escrita são muito louváveis para quem tem
interesse em buscar contribuições para a prática de ensino em filosofia. Faz-se interessante saber
que esses alunos começaram o 6º ano no período de 2007, momento em que a faixa etária era de 11
anos e encerraram o ensino fundamental, 9º ano, no período de 2010, momento em que a faixa
etária era de 14 anos. Para os depoimentos vamos identificar os estudantes com letras maiúscula do
nosso alfabeto (A, B, C, D, E). A seguir apresentamos alguns depoimentos e inferências numa
perspectiva ética e epistemológica do filosofar.
Relato A
Minha experiência durante esses anos com a filosofia, penso que foi um avanço em
minha carreira de estudante, onde eu aprendi um pouco sobre o homem e seus
valores (...). Em Minha opinião penso que a filosofia é essencial em um ensino
escolar, porque ela nos mostra o sentido da vida, retratando os valores e significados
da existência humana.
Relato B
(...) Eu penso que com a filosofia eu pude mudar algumas coisas da minha vida
como: o modo de ver as pessoas, o modo e ver minha e o modo de ver o mundo. E
assim outro jeito de pensar sobre a vida, sobre as pessoas e sobre o mundo.
Pode-se perceber que A apresenta uma objetividade em suas considerações. Durante
os anos de convívio com A sempre foi percebido a capacidade de fazer síntese. Quando se afirma
9 que a filosofia mostra os significados da existência humana A se vê diante de uma maturidade
maior, podendo fazer leituras das representações do mundo. Já B faz lembrar-nos do filósofo
Merleau-Ponty quando afirma que a filosofia é uma nova maneira de ver o mundo. O depoimento
de B é muito enriquecedor para o professor, pois durante os anos anteriores B sempre apresentou
uma timidez muito grande, sempre de poucas palavras e muito introspectivo. Chegando ao término
do ensino fundamental o crescimento intelectual e humano fez B encontrar-se na turma.
Relato C
Nas aulas de filosofia os debates são intrigantes e mexem com o interior, a essência
de cada um. Eu aprendi muito, penso que amadureci as idéias. Hoje menos indecisa.
E a filosofia ajudou muito a criar o meu caráter e ter os meus princípios. (...)
Relato D
A filosofia é algo incrível. É mais que uma simples disciplina, é pra mim um estilo
de vida. É um acréscimo à sua vida, é uma oportunidade a mais de conhecer, pensar,
refletir. (...) com isso fui descobrindo um mundo novo, repleto de coisas
maravilhosas e situações difíceis também. (...)
Relato E
A minha experiência com a filosofia desde a 5ª série foi muito produtiva, eu pude
melhorar como pessoa, buscar ajudar o próximo e muito mais. A filosofia em minha
vida me fez perceber o quanto filosofar é importante nos dias de hoje (...)
Relato F
A minha experiência com a filosofia foi ótima, juntamente com os meus colegas de
classe que proporcionaram algumas experiências e debates muito reflexivos. A
filosofia me fez mudar meu ponto de vista e conhecer mais as coisas de um jeito
diferente, me fez buscar respostas para as coisas mais absurdas. Também me ajudou
a ser uma pessoa mais calma na escola e em casa (...)
10 Os relatos C, D, E e F assinalam características muito fundamentais para a formação
humana: o diálogo e a ética. Essa compreensão implica atribuir caráter ético-político á filosofia no
espaço da escola e constitui a dimensão cultural do filosofar. Isto nos leva a redescobrir na escola a
concepção de espaço público.
O espaço público é o espaço de todos.
É demarcado pelo valor imperativo da
liberdade. E é função da escola preparar os seus estudantes para exercer a ação política, através da
cidadania, como também entender as suas implicações. Os relatos possibilitam a capacidade de
entender que é preciso permitir o exercício da escuta, conferindo aos outros o direito de se
manifestarem, apresentarem suas opiniões contrárias ao que está sendo debatido, pois neste exato
momento ao praticar o exercício da locução e da escuta nós oportunizamos e incentivamos muitos
companheiros a revelarem suas idiossincrasias, mediante as considerações científicas que são
expostas.
A partir de então entra em cena o valor ético da alteridade, a capacidade de tolerar,
valorizar o outro e as suas diferenças. Afinal, estamos educando os estudantes para o exercício da
liberdade, da autonomia e do respeito. Quando este espaço é favorecido e cultivado, todos que estão
envolvidos assim como o C se sentem aptos na tranquilidade inquietante do diálogo.
Esta qualidade reveladora do discurso e da ação vem à tona quando as pessoas estão
com as outras, isto é, no simples gozo da convivência humana, e não pró ou contra
as outras. Embora ninguém saiba que tipo de quem revela ao se expor na ação e na
palavra, é necessário que cada um esteja disposto a correr o risco da revelação; e
nem o praticante de boas ações, que precisa ocultar sua individualidade e manter-se
em completo anonimato, nem o criminoso que precisa esconder-se dos outros, pode
correr o risco de revelar-se. Ambos são indivíduos solitários; o primeiro é pró e o
segundo é contra todos os homens; ficam, portanto, fora do âmbito do intercurso
humano e são figuras politicamente marginais que, em geral, surgem no cenário
histórico em épocas de corrupção, de desintegração e decadência política.
(ARENDT 1991, p. 193)
11 Ao compreender o que somos ou quem somos, uma perspectiva se desponta para todos
nós educadores e educandos a demanda por sentido e a responsabilidade
Quando oferecemos e recebemos do outro um pouco de sua vida, nos sentimos
responsáveis pela mesma vida e alimento partilhado.
Esse apelo dos entes existentes no mundo exige uma resposta á solicitação do outro.
Implica responsabilidade para com o outro (...) desse modo, filosofar é um
compromisso de responsabilidade ética para com as outras existências do mundo.
Em obediência a uma característica antropológica, o ser humano só se humaniza
diante do outro, como horizonte de sua própria identidade. (GHEDIN 2008, p.51)
Com esta afirmativa Ghedin (2008) nos apresenta a principal característica fundadora
do filosofar: a dimensão ética. Ao voltarmos os olhos, ouvidos e mãos para a realidade gritante
emanada da exclusão e da injustiça nos convoca a buscar outros caminhos, renovar a humanidade, e
esse deve ser o fim último do filosofar como atividade de pensamento e de práxis que procura partir
das questões problemáticas na contemporaneidade e apontar saídas para ela.
Daí podendo resultar uma expansão das relações da sala de aula com a instituição
como um todo e desta com a sociedade, através da fomentação da criticidade que se
pretende semear no caráter infantil e do incentivo a um estilo mais ativo de
pensamento, possibilitando a integração da criança com uma sociedade
possivelmente mais aberta e democrática.
Especula-se, portanto, a respeito do
aperfeiçoamento da democracia onde todos possam estar igualmente preparados à
luz da investigação não somente científica, mas filosófica, ampliando o espectro de
ação criativa, crítica e razoável a todos, incluindo a criança. Esta passa a ser então,
não mais deixada à espera de uma idade ideal para poder aprender filosofia ou de
ser colocada à mercê de mecanismos cautelosos imbuídos a crença, já estabelecida,
numa preparação controlada em vista de um futuro distante. (DA SILVEIRA, et Al.,
2004.)
12 Contrariamente, ainda afirma Da Silveira (2004), evoca-se o espírito infantil na
vivência mesma de suas próprias experiências e capacidades. Surge a partir daí a necessidade de
uma problematização e compreensão da infância diferentemente de outrora e, em conseqüência
disso, amplia-se o entendimento do próprio homem, de suas representações e relações com a
sociedade em seu conjunto.
Nota-se, assim, que tal perspectiva não somente abala os conceitos acerca da
educação filosófica como também, interfere nas suas relações com as demais áreas que se dedicam
à formação humana, cujo paradigma pedagógico, entretanto, vem tentando acomodar, sem maiores
dificuldades, as mais diversas inovações teóricas nesses últimos anos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao partilharmos esta prática docente do ensino de filosofia é possível perceber a sua
simplicidade, contudo uma simplicidade que produz frutos visíveis e significativos. Mas para que isso
aconteça é preciso que o professor de filosofia possa estar atualizado nas leituras científicas, buscando inovar
sua prática em um contínuo diálogo com a universidade e outros colegas de sua área. Necessita-se que a
comunidade escolar, especialmente a equipe pedagógica esteja envolvida.
Numa era onde se fala de crise do humano, ou até mesmo decreta-se o fim da metafísica é
preciso ressuscitar ideais onde no espaço escolar possibilitará um processo de formação humana e de uma
consciência crítica que paulatinamente inaugura o espaço da maturidade psíquica, social e afetiva numa
perspectiva de formação humana interdisciplinar.
Esperamos que a partilha desta experiência seja de fato uma contribuição e incentivo para
que outros professores, independentemente da área em que atuam possam apresentar os frutos das inovações
de suas práticas docentes. Afinal, ao se tratar da edificação e formação do ser humano toda contribuição bem
fundamentada e discutida é sempre bem-vinda. Assim, cremos que estas reflexões não se encerram aqui.
REFERÊNCIAS
ALARCÃO, Isabel. Professores reflexivos em uma escola reflexiva. São Paulo: Cortez editora,
2003. (Coleção Questões da nossa Época; 104)
13 ARENDT, Hannah. A condição humana. Trad. Roberto Raposo. Rio de Janeiro: Forense
Universitária, 1991.
DA SILVEIRA, R. A. T.; GHIRALDELLI JR, P. Humanidades. Rio de Janeiro: DP&A, 2004.
GHEDIN, Evandro. Ensino de Filosofia no Ensino Médio. São Paulo: Cortez, 2008 (Coleção
Docência em formação. Série Ensino Médio).
IAGAER, Werner. Paidéia: A formação do homem grego. 2ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1989.
LA TAILLE, Yves. Formação ética: Do tédio ao respeito de si. Porto Alegre-RS: Artmed, 2009.
LIBÂNEO, José Carlos. OLIVEIRA, João Ferreira. TOSCHI, Mirza Seabra. Educação escolar:
políticas, estrutura e organização. 6ª Ed. São Paulo: Cortez, 2008 – (Coleção Docência em
Formação / coordenação Antonio Joaquim Severino, Selma Garrido Pimenta.
MARTINS, Vicente. In: A prática de valores na escola. Mundo Jovem: Maio de 2007
SCHEMES, Jorge. In: Educar para convivência. Mundo Jovem: Junho de 2007.
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