A IMPORTÂNCIA DA IMPORTÂNCIA DO PROFESSOR WALDORF Como tratar esta questão condignamente sem considerar que, para o professor Waldorf, o lecionar, o acompanhar o desenvolvimento de sua classe e de cada um de seus alunos, o corresponsabilizar-se pela auto-gestão da escola, o trabalhar no apoio e conscientização dos pais das tarefas do educar, o manter ligações com as autoridades educacionais e com a sociedade em geral, é mais do que uma profissão; é um sacerdócio! Como atender às necessidades pessoais destes professores, cuja postura diante da natureza do seu trabalho praticamente os obriga a terem que se “descuidar” das garantias e reivindicações profissionais, tal como a questão dos salários, justamente por se perceberem não no exercício de um negócio, mas de um sacerdócio? Quando entendido saudavelmente, educar não é uma atividade profissional que deva ser mantida por pagamentos de mensalidades, mas um sacerdócio que deve ser mantido por doações. O que seria de um sacerdócio que fosse exercido mediante pagamentos? Como seria se pessoas necessitadas só pudessem ser atendidas por sacerdotes quando dispusessem de suficientes recursos para pagá-los? No que se diferem as necessidades das crianças, que buscam sua educação junto a professores de uma escola, das de pessoas necessitadas que buscam o auxílio de sacerdotes? A diferença é que as crianças são seres naturalmente desprovidos de recursos financeiros próprios, pois que não lhes compete gerá-los, necessitando, portanto, que a sociedade as mantenha através de doações – e não de pagamentos - às escolas, disponibilizando e possibilitando os recursos necessários à sua educação. Neste sentido, seria lícito pensar que é pagando as escolas, que se estaria doando à criança? É, de fato, um pagamento que se efetua neste caso? Ou, na realidade, trata-se de uma doação? A grande e sutil diferença é que com um pagamento compra-se algo pré-determinado, um produto, sobre o qual se adquire um direito de posse e de usufruto, porém com uma doação possibilita-se algo imprevisto, sobre o que não incide posse ou usufruto e que, portanto, fomenta o surgimento de algo realmente novo e original. Educar é produzir (= reproduzir) habilidades e capacidades, como numa linha de montagem, ou é possibilitar (facultar) o desenvolvimento de novas e insuspeitadas habilidades e capacidades, latentes na originalidade da cada ser humano? Não seria um dos grandes problemas da atualidade o fato da educação cada vez mais estar sendo exercida como se fosse uma linha de produção, com todos os alunos estudando nas mesmas apostilas, os mesmos conteúdos, os mesmos programas, cada vez mais orientados para o vestibular e, se não bastasse, o mais recente e famigerado ENEM, que nada mais gera que a olímpica padronização e pasteurização da cultura nacional, para fazer bonito nas estatísticas de gabinete e falhar terrivelmente diante da originalidade e genialidade inerente a cada indivíduo nas salas de aula, lidando com os mesmos como se fossem máquinas, quantificáveis e previsíveis? Não é característico do desnorteio bipolar da sociedade atual estar promovendo ao mesmo tempo a inclusão, metida goela abaixo, na “juntação” que se tornaram as salas de aula e, ao mesmo tempo, promover a exclusão por seleção da sobrevivência do mais apto (em adaptar-se a padrões externos), como no caso ENEM e, mais recentemente, do “NENEM”; os dois testes ao qual são submetidas as crianças da 2ª série da rede municipal, no Rio de Janeiro?! Não deveriam os professores e não os alunos, serem submetidos a testes de competência pedagógica que não se restringissem somente ao tão venerado conteudismo, mas que também averiguassem suas habilidades, sua criatividade, sua presença de espírito, sua capacidade de perceber a criança e de motivá-la a ser ela mesma? Mas como avaliar o professor, se os cursos de pedagogia são tão pseudo-doutos e tão pouco pedagógicos?! Talvez se fizesse necessário fazer o ENEM para os catedráticos, tão empolados em seus gabinetes, em suas teses, por detrás de seus títulos e tão distantes das crianças e de seus professores nas salas de aula. Como é possível que uma faculdade de pedagogia não desenvolva o canto, a poesia, a pintura, a modelagem, a dança, de seus alunos, além da matemática, da física, do línguamaterna, da história, da geografia, da geometria e de ao menos uma língua estrangeira, como recursos necessários para atender ao genuinamente humano nas crianças? Por que é que cada matéria destas torna-se uma especialidade a ser dada por determinado professor a todas as crianças? Que imagem de nós mesmos, como professores, passamos às crianças quando elas percebem que só sabemos uma das tantas coisas que queremos que elas aprendam; que o professor de matemática é tremendamente desafinado, que o professor de artes é ignorante da matemática etc.? Quando uma criança começa a compreender que seu professor é bom em uma coisa, mas não sabe das outras? Que desconcerto e decepção não vivencia a criança enquanto não consegue resolver esta questão mediante o seu próprio entendimento e discernimento? Não seria pedagogicamente necessário que ela tivesse professores que, longe de serem especialistas, pudessem ter a uma formação para serem suficientemente polivalentes diante das crianças: que soubessem cantar afinadamente, que soubessem usar um instrumento musical, que tivessem uma relação com as cores, com as formas, com a poesia, com o movimento e que não fossem meras múmias unilateralizadas. Que prazer pedagógico podem ter as crianças no início da vida escolar, no Ensino Fundamental, do professor especialista, que lhes dá uma aula com 50min. de duração, sendo que, em seguida, vem outro com outra matéria, depois mais outro e mais outro, cada um com o seu conteúdo sem que nenhum sabendo o que o outro deu e como cada criança recebeu todo que lhe foi trazido? Não é que nesta ciranda torna-se impossível priorizar a criança e, portanto, passa-se a priorizar o conteúdo que ela tem que aprender para “passar de ano”? Pois, no fim, é disto que se trata: aprender para “passar de ano” e não aprender para viver a vida do dia, do mês, do ano. O que seria de um professor que tivesse aprendido a cantar, a pintar, a desenhar, a fazer poesia, a modelar, a dançar, a dar matemática, a dar português, geografia, história, física, química, botânica, zoologia, astronomia, não como um especialista, mas como um humilde amante? O que seria se este professor levasse uma classe e acompanhasse diariamente os seus alunos durante as séries do Ensino Fundamental? O que seria se todos os dias este professor tivesse uma aula longa, com duas horas de duração, logo no início da manhã, na qual tivesse tempo para, além de ministrar os conteúdos curriculares “normais”, pudesse expressá-los através do canto, da pintura, do desenho, da dramatização, da modelagem, do declamar, do dançar, de fazer poesia etc.? E se as crianças tivessem um tempo para vivenciarem e se aprofundarem em cada matéria durante três a quatro semanas, sem a concorrência imediata das demais? E se o professor abrisse mão da padronização e pasteurização dos livros didáticos e, fundamentado numa fina percepção das necessidades de seus alunos, bem como da faixa etária em que se encontram, estabelecendo uma relação própria com as matérias a serem dada, haurida da sua prática na vida, criasse, ele mesmo, as aulas para os seus alunos; aulas nascidas da efetiva relação entre o educador e seus alunos? E se, além disso, ele percebesse que não conseguiria dar conta deste recado, se não assumisse, junto com seus demais colegas, a gestão da escola? Estamos delirando? Falando de uma utopia? Ou será que desde 1919 já não existem estes professores, que hoje mantém mais de 1000 escolas e mais de 6000 jardins de infância, presentes em todos os continentes, religiões e raças. Será que estes professores podem considerar a sua atividade como uma profissão, ou serem considerados como profissionais? Quanto se lhes deveria pagar por tamanha abnegação em benefício das crianças? O que é que se lhes estaria pagando? A sua criatividade, dedicação e entrega? Ou será que exercem um sacerdócio e que, por tanto, deveriam ter as suas necessidades de subsistência supridas por doações, oriundas de doadores apoiadores de iniciativas que facultassem o sublime e livre ato pedagógico? Talvez os 90 anos de existência da Pedagogia Waldorf no mundo sejam prova suficiente de que não se trata de um passageiro delírio romântico-pedagógico, mas de um sério, saudável e cada vez mais atual caminho para suprir as necessidades humanas do ser em formação. Daí a importância da importância do professor Waldorf. Daí a importância de existência das duas Escolas Waldorf Municipais em Nova Friburgo: Cecília Meireles e Vale de Luz. Peter Biekarck São Paulo, 08 de dezembro de 2009