Lopes HV. Tigeciclina: nova arma antibacteriana PUNTO DE VISTA/PONTO DE VISTA Tigeciclina: nova arma antibacteriana Tigecycline: a new antimicrobial weapon Hélio Vasconcellos Lopes* *Professor Titular da Faculdade de Medicina da Fundação do ABC. Chefe da Enfermaria de Doenças Infecciosas do Hospital Mário Covas. Rev Panam Infectol 2006;8(1):45-46 Recibido en 20/5/2006. Aceptado para publicación en 2/6/2006. Foi disponibilizado no mês de maio, em lançamento conjunto para a América Latina, um novo antibiótico: a tigeciclina. Este novo agente antibacteriano origina-se da estrutura química de uma tetraciclina, a minociclina: a adição de uma grande cadeia lateral define o aparecimento de uma nova classe de antibióticos: a das glicilciclinas, sendo a tigeciclina o primeiro a estar disponibilizado para uso clínico. Outras glicilciclinas já são conhecidas, mas ainda estão em distintas fases de investigação clínica. A modificação laboratorial efetuada na estrutura química original (da minociclina) proporciona, de imediato, um aumento no espectro de ação in vitro e a prevenção dos mecanismos de resistência referentes à classe das tetraciclinas. Farmacocinética: A farmacocinética da tigeciclina mostra uma concentração sérica máxima de 0,87 ug/ml e uma meia-vida de 42 h, o que permite sua administração em intervalos de 12 em 12 horas. Tem eliminação biliar e fecal predominante (59%) e, secundariamente, renal, de 33%. Seu volume de distribuição é elevadíssimo: 639 litros, evidenciando uma excelente distribuição pelos diversos compartimentos orgânicos; dois exemplos: as concentrações na vesícula biliar são 38 vezes maiores do que as concentrações séricas, enquanto nos pulmões são oito vezes maiores. Uma grande qualidade da tigeciclina é não afetar a atividade do sistema enzimático citocromo P450: isto quer dizer que tigeciclina não é inibidor nem indutor desta família de enzimas; na prática, pacientes potencialmente graves ou, como um exemplo, pacientes HIV positivos, que recebem inúmeras drogas em seus respectivos tratamentos, não irão sofrer modificações farmacocinéticas provocadas pela inclusão deste novo antibiótico. Adicionalmente, seu potencial de interação com outras drogas é baixo. Espectro de atividade: Seu espectro de ação in vitro é bastante amplo e possui características bastante valorizáveis perante as potenciais resistências encontradas nos dias de hoje. Vamos analisar: 1.Cocos gram-positivos: in vitro, ela se mostra ativa contra praticamente todas as cepas (98%-100%) de estafilococos sensíveis à meticilina (MRSA), de estafilococos resistentes à meticilina (MRSA e MRSE), e de enterococos, tanto o E. faecalis quanto o E. faecium, inclusive as cepas resistentes à vancomicina (VRE). 45 Rev. Panam Infectol 2006;8(2):45-46 2.Bacilos gram-negativos: as taxas de sensibilidade in vitro variam de 94% a 100% para E. coli, Klebsiella pneumoniae, Enterobacter aerogenes, Serratia marcescens. Com relação ao Acinetobacter baumanii, igualmente, mostrou-se ativa, in vitro, contra 98% das cepas testadas. 3.Anaeróbios. Ativa, inclusive contra o Bacteroides fragilis. 4.Beta-lactamases de espectro ampliado (ESBL). Nos estudos efetuados, comprovou-se que tigeciclina não é afetada pelas beta-lactamases, aqui se incluindo as de espectro ampliado, enzimas determinantes de resistência, presentes principalmente em boa parcela de cepas de E. coli e de Klebsiella pneumoniae. Doses: Tigeciclina deve ser administrada em dose inicial de 100 mg, por via parenteral, unicamente intravenosa, por meio de bolsas de infusão, por períodos de 30 a 60 minutos. As doses seguintes, de 50 mg, devem ser efetuadas pela mesma forma e intervalo de administração. Pacientes com insuficiência renal não exigem ajuste de doses, enquanto apenas os pacientes com insuficiência hepática grave devem receber a metade das doses seqüenciais (de 50 → 25 mg) a cada 12 h. Limitações. Como todo medicamento, tigeciclina tem suas limitações, a saber: • contra-indicada para uso em menores de 18 anos de idade; • contra-indicada em presença potencial de Pseudomonas aeruginosa (tigeciclina mostra-se inativa contra esta bactéria); • não pode ser usada por via intramuscular (a quantidade de líquido exigido é muito grande); • os efeitos adversos de maior ocorrência são náusea (29,5%), vômito (19,7%) e diarréia (12,7%). Estes e outros efeitos adversos com menor percentagem de ocorrência exigiram a suspensão do tratamento em 5% dos pacientes tratados; • pela mesma origem química, os efeitos adversos da tigeciclina são os mesmos das tetraciclinas, justificando os mesmos cuidados relativos à hipersensibilidade, contra-indicação em gravidez (categoria D), no período de amamentação e em pacientes com idade inferior a 18 anos. Em resumo, a tigeciclina é um novo antibiótico que se torna potencialmente disponível para algumas possíveis indicações clínicas, a saber: • como antibiótico de cobertura, em monoterapia (quando não há risco maior de presença de Pseudomonas aeruginosa); • como antibiótico participante de associação com outro cujo espectro inclua P. aeruginosa, visando 46 cobertura mais ampla em pacientes com infecção hospitalar de etiologia não identificada; • como antibiótico disponível frente a uma infecção por bactéria multirresistente. Os protocolos de fase III realizados com tigeciclina mostraram cura clínica em 87% de 422 pacientes com infecções de pele/partes moles complicadas e em 86% de 512 pacientes com infecções intra-abdominais complicadas. Tigeciclina foi aprovada pelo FDA em junho de 2005 e também já teve aprovação na União Européia, Brasil, Argentina, Colômbia, México, Equador e Peru, além de diversos outros países. A aprovação nos EUA inclui sua utilização em infecções de pele/partes moles complicadas e em infecções intra-abdominais complicadas. Aguardemos sua utilização na prática clínica diária para que os dados disponíveis sejam definitivamente confirmados e a sua relação custo/benefício se mostre amplamente favorável. Referências 1. Bradford PA. Tigecycline: a first in class glycylcycline. Clin Microbiol Newsletter. 2004;26:163-168. 2. Masterton R, Drusano G, Paterson DL et al. Appropriate antimicrobial treatment in nosocomial infections-the clinical challenges. J Hosp Infect. 2003;55:1-12. 3. Moellering RC Jr, Eliopoulos GM. Principles of anti-infective therapy. In: Mandell GL, Bennett JE, Dolin R eds. Mandell, Douglas, and Bennett’s Principles and Practice of Infectious Diseases. Vol 1. 6th ed. Philadelphia, Pa: Elsevier; 2005:242-253. 4. Furuno JP, Harris AD, Wright M-O et al. Prediction rules to identify patients with methicillin-resistant Staphylococcus aureus and vancomycin-resistant enterococci upon hospital admission. Am J Infect Control. 2004;32:436-440. 5. Jones RN. Global epidemiology of antimicrobial resistance among community-acquired and nosocomial pathogens: a five-year summary from the SENTRY Antimicrobial Surveillance Program (1997-2001). Semin Respir Crit Care Med. 2003;24:121-133. 6. Tygacil® (tigeciclina) Bula do produto. 7. Ellis-Grosse EJ, Babinchak T, Dartois N et al. The efficacy and safety of tigecycline in the treatment of skin and skin-structure infections: results of 2 double-blind phase 3 comparison studies with vancomycin-aztreonam. Clin Infect Dis. 2005;41(suppl 5):S341-S353. 8. Babinchak T, Ellis-Grosse E, Dartois N et al. The efficacy and safety of tigecycline for the treatment of complicated intra-abdominal infections: analysis of pooled clinical trial data. Clin Infect Dis. 2005;41(suppl 5):S354-S367. Correspondência: Dr. Hélio Vasconcellos Lopes Av. Brigadeiro Luís Antonio, 4.178 CEP 01402-002 - São Paulo - SP - Brasil. e-mail: [email protected]