52 BACTÉRIAS ISOLADAS DE FERIDAS CUTÂNEAS PRODUZIDAS EXPERIMENTALMENTE EM CAPRINOS SUBMETIDOS A REGIME DE CONFINAMENTO' Vanda Lúcia da Cunha MONTEIRO", Maria Cristina de Oliveira Cardoso COELHO' ,Ana Maria dos Anjos CARNEIRO-LEÃO' , Rinaldo Aparecido MOTA', Lilian Sabrina de Silvestre de ANDRADE', Roseana Tereza Diniz de MOURA' RESUMO: Objetivou-se, com este estudo, relatar a ocorrência das espécies bacterianas mais freqüentes em feridas cutâneas em modelo experimental realizado em caprinos. Foram utilizados 60 swabs coletados das lesões cutâneas no To (momento da produçâo da falha cutânea), 7°, 14° e 28° dias após To' Nas avaliações microbiológicas, não foi observado crescimento bacteriano no To. Nos dias 7, 14 e 28 houve crescimento bacteriano em todas as amostras, com maior freqüência de bactérias Gram positivas. O microrganismo mais comum foi o Staphy/ococcus aureus, presente em 47,82% das amostras, seguido pelo Bacillus sp com 23,95%, Shigella sonnei com 15% e Staphy/ococcus epidermidis 13%. Conclui-se que feridas cutâneas produzidas experimentalmente em cabras confinadas sofrem contaminações por bactérias geralmente envolvidas em infecções de feridas cutâneas, alertando o c1inico para eventuais tratamentos com antlmicrobianos, quando da produção de lesões de pele, para evitar maiores complicações. Termos para indexação: Bactérias, caprinos, feridas cutâneas. BACTERIA ISOLATED FROM CUTANEOUS WOUNDS EXPERIMENTALY PRODUCED lN CAi-'R!Nl:: SUBMITTED TO A CONFINEMENT REGIME AB8TRACT: Thls study reports the occurrence of the most frequent species of bacteria observed ln cutaneous wounds in an experimental model performed ln caprine. A total of 60 swabs were used, collected from cutaneous wounds in To (moment in which the cutaneous wounds were produced), 7"" 14"> and 28 1h days after To. ln the microbiological evaluations, bacterial growth was not observed in To. On days 7,14 and 28 there was bacterial growth in ali samples, with a greater frequency of Gram positive bacteria. The most common microorganism was the Sfaphy/ococcus aureus, present in 47.82% of the samples, followed by Bacillus sp with 23.95%, Shigella sonneiwith 15% pnd Staphy/ococcus epidermidis 13%. It can be concluded that experimentally produced cutaneous wounds in confined goats are contaminated by bacteria usually involved in cutaneous wounds' infections, alerting the veterinarian to eventual treatments with antibiotics, when cutaneous wounds are produced, to avoid greater complications. Index terms: Bacteria, cutaneous wounds, goats. , Parte da dissertação de Mestrado da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE-Recife/PE). 2 Médica Veterinária. Doutoradanda em Ciência Veterinária do Departamento de Medicina Veterinária da Universidade Federal Rural de Pernambuco-Recife/Pt:;. Rua Estevão de Sé, 346 - CDU - CEP:5ü74ü270. J Recife/PE. E-mail [email protected]. ""Autor para correspondência Médico (8) Veterinário (a). Doutor (a). Prof.(a} Adjunto do Departamento de Medicina Veterinária da UFRPE , Médica. Doutora. Prof'. Adjunta do Departamento de Morfologia e Fisiologia da UFRPE 5 Médica Veterinária. Mestre. Prof. Assistente do Departamento de Medicina Veterinâria da UFRPE Chorohex. Johnson, Rio de Janeiro, RJ. Ciênc. vel. trop., Recife-PE, v.7, n' 1, p. 52-56 - janeiro/abril, 2004 Bactérias isoladas de feridas cutâneas ... 53 INTRODUÇÃO A flora cutânea normal dos animais domésticos é constituída de uma variedade de bactérias e fungos, incluindo os potenciais patógenos e os agentes oportunistas, os quais permanecem no animal sem produzir infecção (WILKINSON e HARVEY, 1999). A pele, por possuir microrganismo, pode ser responsável pelo desenvolvimento de infecção, principalmente após cirurgias, em decorrência de falhas dos processos de assepsia e anti-sepsia ou, ainda, por contaminaçâo de afecções cirúrgicas sépticas ou potencialmente infectadas (BARBOSA e SOUZA, 1986). A flora bacteriana da pele é constituída de microrganismos residentes e transitórios. A flora residente forma a população bacteriana estável da pele e situa-se habitualmente na camada queratinizada, no epitélio celular e nos ductos dos folículos pilíferos e das glândulas sebáceas, sendo constituida principalmente pelos Gram-positivos Staphy/ococcus sp, Staphy/ococcus epidermidis, Corynecãctem."n acnes, Lactobacillus, Micrococcus sp, Acinetobacter sp e pelos Gram-negativos Minina po/ymorpha e Herellea vaginicola, sendo os Stap/y/ococcus sp invasores primários mais comuns nas infecções de feridas e, em alguns casos, bactérias Gram negativas patogênicas podem colonizar o tecido lesado, como Pseudomonas spp, Proteus spp e Escherichia coll (WILKINSON e HARVEY, 1999). A flora residente adquire uma especial capacidade de viver e proliferar nesse ambiente, mantendo-se relativamente estável durante toda a vida do indivíduo e tornando-se dificil de ser erradicada. Já a transitória situa-se habitualmente na superficie da pele e é constituída por qualquer tipo de bactéria que entre em cantata com a pele, mesmo por um período de tempo relativamente curto. Predominantes, como invasores secundários, podem ser citados a Eschechia coll, Proteus mirabilis, Corynebacterium sp, Bacillus sp, Shigella sonnei, Pseudomanas sp e Bacillus sp. (BARBOSA e SOUZA, 1986). A importância de estudar os microrganismos das feridas cutâneas, principalmente as bactérias, deve-se às afecções infecciosas e ao prejuizo causado ao couro (NICHOLS, 1991), já que as bactérias liberam toxinas, enzimas proteolíticas e detritos celulares, que sâo ativadores dos mediadores da inflamação, causando prurido e destruição da matriz celular, permitindo que a infecção se espalhe. Ocorrendo formação de pus e alterações físico-químicas pelos tecidos que podem prejudicar a açâo de diversos tratamentos que possuem atividade in vitro (KIRK e MULLER., 1985). Em vista disto, as patologias causadas por bactérias constituem um dos fatores limitantes da produçâo animal, em funçâo dos prejuízos que podem acarretar (NICHOLS, 1991). Além disto, algumas bactérias sobrevivem mesmo com a utilização de antissépticos (MONTEIRO, 2001), como no caso do Streptococcus â Hemolítica e Proteus sp que representam exceções e, em inoculações menores, ocasionam infecções, principalmente em feridas (OLIVEIRA, 1999). Na espécie caprina, poucos trabalhos têm sido desenvolvidos com propósito de estudar os microrganismos de feridas cutâneas. Em vista disto, no presente trabalho o objetivo foi identificar as mais freqüentes espécies de bactérias em feridas cutâneas de caprinos, no intuito de auxiliar o profissional no controle de possíveis infecções que possam ocorrer, comprometendo, consequentemente, a produção desses animais. DESCRiÇÃO O trabalho foi conduzido no Hospital Veterinário do Departamento de Medicina Veterinária (DMV) da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE). Foram utilizados 60 swabs coletados de feridas produzidas experimentalmente em animais da espécie caprina, fêmeas adultas, sem raça definida, considerados sadios após exame clinico sistemático e sem alterações dermatológicas. Ciãnc. vet. lróp.. Recife-PE, v.7. n° 1. p. 52-56 - janeiro/abril, 2004 V.L.C. MONTEIRO et aI. Foram utilizadas 10 cabras, distribuídas em três baias, recebendo concentrado comercial para caprinos duas vezes ao dia, bem como capim elefante (Pennisetum purpureum) , água e sal mineral comercial para caprinos, ambos oferecidos ad /ibitum. Os animais foram posicionados em decúbito estemal e a anti-sepsia do campo operatório foi realizada com c1orohexidina 6 • A pele foi demarcada com moldes adesivos de papel de 4cm 2 , quando seis áreas foram demarcadas na região torácica distando 10cm entre si. Em cada cabra, foram produzidas seis feridas cutâneas na região torácica distribuídas da seguinte forma: três feridas na região lateral esquerda e três na região lateral direita. Foram coletados swabs nos To (momento da produção da falha cutânea), e nos dias 7, 14 e 28 após a realização da falha cutânea. As amostras foram semeadas em placas contendo meio sólido (Blood Agar Base), enriquecidos com 8% de sangue ovino e em Agar Levine. As placas foram incubadas a 37°C em estufa bacteriológica por 48 horas, e os mic~0~;}Clr1i6~os foram identificados, anotando-se os aspectos de crescimento das colônias e produção de hemólise em agar sangue, além de confecção de lâminas coradas pelo método do Gram (CARTER, 1988). Para classificação das enterobactérias utilizaram-se as provas bioquímicas de Citrato, Lisina Descarboxilase, AgarTriplice Ferro e Açúcar (TSI), Vermelho de MetiJa (VM), Voges Proskauer (VP), Produção de Indol, Urease e Motilidade. Os estafilococos foram classificados através de provas bioquímicas tais como: Dnase, Fermentação e Oxidação da Glicose, Fermentação da Maltose, Fermentação do Manitol, além da observação da produção de pigmentos da colônia, coagulase, presença e o tipo de hemólise em agar - sangue seguindo-se a metodologia recomendada por Carter (1988). DISCUSSÃO Nas avaliações microbiológicas, não se observou crescimento bacteriano no To, 54 resultado esperado, já que todo procedimento foi realizado com anti-sepsia. Nos dias 7, 14 e 28 pós-cirúrgico houve crescimento bacteriano em todas as amostras em ambos os lados. Destas, um total de 45% das amostras apresentaram crescimento de apenas um microrganismo (Staphy/ococcus aureus ou Bacillus sp ou Staphy/ococcus epidermidis ou Shigella sonnel), 40% apresentaram dois microrganismos distintos (Staphy/ococcus aureus e Bacillus sp ou Staphy/ococcus epidermidis e Shige/la sonnei ou Staphy/ococcus epidermidis e Bacillus sp) e em 15% das amostras houve crescimento de três microrganismos diferentes (Staphy/ococcus aureus, Baci/lus sp e Shigella sonnel). Considerando os resultados supra citados, é possivel que o crescimento bacteriano observado tenha sido originado da flora cutânea do caprino, do ambiente e de possível contato com fezes, haja vista que todo o procedimento de coleta não permitiu contaminação. Os achados estão de acordo com Monteiro et aI. (2001), que relataram contaminação do leito da ferida durante o experimento em outras espécies, já que a solução de continuidade pode proporcionar a passagem de bactérias para o foco da lesão. Segundo Bowler (1998), feridas cutâneas de qualquer etiologia oferecem um ambiente favorável para o crescimento bacteriano. Na análise das amostras em todos os grupos, observou-se maior freqüência de bactérias Gram positivas. O microrganismo mais freqüente foi o Staphy/ococcus aureus, seguido por Bacillus Bp e Shige/la sonnei, respectivamente. Souza Filho (1997) tratou feridas após serem infectadas com Slaphy/ococcus aureus. Segundo o autor, a escolha deveu-se à sua alta infectividade, já que esta é uma bactéria residente e usualmente presente na microbiota normal da flora de todos os animais, e que migram para o leito da ferida. E provável que a maior parte das culturas realizadas seja positiva para este microrganismo. Em relação aos Bacillus sp, os resultados obtidos neste estudo foram seme- eienc. vel. tróp., Recife-PE, v.7, n' 1, p. 52-56 - janeiro/abril, 2004 Bactérias isoladas de feridas cutâneas... 55 Ihantes àqueles relatados por Monteiro et aI. (2001) para feridas de cães e gatos. Segundo Barbosa e Souza (1986), em função das condições da pele e do ambiente, a flora residente forma uma população bacteriana estável situando-se, habitualmente, na camada queratinizada, no epitélio celular e nos ductos dos folículos pilíferos e das glândulas sebáceas e, com isto, adquire capacidade de multiplicar-se nesse ambiente, mantendo-se estável e tornandose dificil de ser erradicada. Observou-se, também, a presença de bactérias transitórias como Enterobacter agglomerans e Shigella sonnei, além de microrganismos ambientais como Bacillus sp. A Shigella sonnei e o Enterobacter agglomerans são bactérias, Gram-negativas, relacionadas com surtos de toxi-infecçâo alimentar em humanos e encontradas nas fezes de animais e freqüentemente em águas contaminadas com fezes humanas (SÁ, 1997). Apesar do aprisco ser de madeira suspensa e as fezes caírem no solo, pode-se pressupor que os animais ao deitarem com a região abdo'T,iflal t::n contato com o piso se contaminem com estes microrganismos, predispondo ao aparecimento destas bactérias nas amostras analisadas. Os resultados referentes às bactérias isoladas podem ser observados na tabela 1. Tabela 1 - Distribuição percentual (%) das bactérias mais freqüentemente isoladas em feridas cutâneas de caprinos submetidos a regime de confinamento, no 7°, 14° e 28° dias pós cirúrgico MICRORGANISMOS FREQÜÊNCIA Staphy/ococcus aureus 48,34% Bacillus sp 25,00% StaphylococcU5 epidermidis 11,66% Shigella sonnei 15,00% CONSIDERAÇÕES FINAIS Diante do exposto, pode-se concluir que feridas cutâneas produzidas experimentalmente em cabras confinadas sofrem contaminações por bactérias geralmente envolvidas em infecções de feridas cutâneas, alertando o c1inico para eventuais tratamentos com antimicrobianos, quando da produçâo de lesões de pele, no intuito de auxiliar o profissional no controle de possiveis infecções que possam ocorrer, comprometendo, consequentemente, a produção desses animais. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BARBOSA, H., SOUZA, J.A. A ferida operatória. ln: BARBOSA, H. Controle clínico do pa· ciente cirúrgico. 5' ed. São Paulo: Atheneu, 1986. p. 99-113. BOWLER, P. The anaerobic and aerobic microbiology of wounds: A review. Wounds, Hanover, v. 10, n.6, p. 170-178, 1998. CARTER, G. R. Essentials of Veterinary Bacteriology and Mycology 3' ed. Philadelphia: Lea & Febiger, 1988.261 p. KIRK, R. W.; MULLER, G. H. Dermatologia dos Pequenos Animais - 3'ed. São Paulo,SP: Manole, 1985. MONTEIRO, V.L.C.. COELHO, M.C., CARRAZZONI, P.G. et aI. Anti-sepsia de pele de cães utilizando chlorohexidina a 2%, povidine a 10% e álcool iodado a 5%. Ciência Animal, Uberlãndia, v.11, fsc.1, 2001. NICHOLS, R.L. Surgical wound infection. American Journal of Medicine, New Yorl<, v.91, suppl13 B, p.54-64, 1991. OLIVEIRA, E. L. Controle de infecção hospitalar através do sistema de microbiologia automatizada- Hospital Departament of Health and Human Servi ces, São Paulo, 1999. SÁ, M.E.P. Zoonoses e Saúde pública. Recife:UFRPE, 1997, 93p. Relatório da disciplina MVE 01 N.040.15-ESO. Trabalho de Conclusão de Curso. elenc. vet. trõp., Recife-PE, v.7, n° 1, p. 52-56 - janeiro/abril, 2004 V.L.C. MONTEIRO et aI. SOUZA FILHO, ZA Acta Cirúrgica Brasileira, São Paulo, v.12, n.3. p.169-173, 1997. WILKINSON, T.G.E HARVEY, R. G. Atlas de Dermatologia dos Pequenos Animais- Guia de Pequenos Diagnósticos, 2ed. São PauloSP: Manole, 1996. p.89-1D8. Ciênc. vel. trap., Recife-PE, v.7, n' 1, p. 52-56 - janeiro/abril, 2004 56