SOCIOLOGIA APOSTILA 2 2ª SÉRIE 12 PARTE 1. Introdução: Sociologia é a ciência que tem como objeto de estudo, basicamente, os fatos sociais, suas origens, sua motivação, suas conseqüências e as possíveis formas de intervenção. Fatos sociais ocorrem a todo momento. Alguns fazem parte do cotidiano de uma cultura e outros provocam mudanças tão profundas no comportamento social que marcam uma época. A expansão marítima; a reforma protestante; a formação de estados nacionais; as grandes navegações e o desenvolvimento científico e tecnológico são fatos sociais marcantes e que provocaram e ainda provocam mudanças profundas no comportamento de toda uma sociedade. O termo SOCIOLOGIA foi criado por Augusto Comte, na metade do século XIX, preocupado em desenvolver uma ciência que considerava fundamental e básica para o entendimento da humanidade e do mundo. Todas as demais ciências passariam a constituir partes da ciência máxima e fundamental, que seria a sociologia. Comte a dividiu em dois grandes ramos: a) estudo da ordem social; b) estudo do progresso social. Na realidade Comte pretendia utilizar o termo “Física Social”, que ele já havia utilizado em sua obra “Plan des travaux nécessaires pour réorganiser la société”. Quetelet, entretanto, usou o termo em 1869 para assim designar os estudos estatísticos aproximados dos fenômenos sociais. Sociologia é, então, a ciência dos fenômenos sociais e para seu estudo se utiliza de métodos diversos, entre eles: a) método histórico; b) método comparativo; c) método estatístico. O método estatístico confunde-se um pouco com a sociometria, que é a ciência utilizada para medir matematicamente os fenômenos sociais. Outro ponto importante a ser levantado na sociologia é a validade ou não da interferência do filósofo no processo social estudado, de forma a modificá-lo de acordo com a sua idéia de ideal sociológico. Grande parte dos filósofos da antigüidade praticamente abandonaram a análise neutra da realidade social, insistindo em falar sobre a forma que consideravam ideal para aquele momento social. Em “República”, Platão insiste em impingir sua idéia de ideal social, assim como Tomás Morus em “Utopia”, Campanela em “Cidade do Sol”, e Santo Agostinho em “Cidade de Deus”. Embora todas essas obras sejam consideradas valiosas para o estudo da Sociologia devemos levar em consideração que elas versam sobre o ideal social pensado e apresentado pelos seus autores. Em “República”, por exemplo, os comentários feitos por Platão sobre a interdependência e divisão das funções sociais são valiosíssimos até hoje. O método comparativo, cuja eficácia é até hoje evidente, foi apresentado de forma pioneira por Aristóteles em suas obras “Política” e em “Constituição de Atenas”. Nessas obras Aristóteles analisa as organizações sociais das cidades antigas e elabora estudos sobre a ordem social. 13 Entre suas idéias, Aristóteles reconhece a família como grupo social básico e elementar e afirma que o homem é um animal político, destinado a viver em sociedade. Outra característica encontrada em Aristóteles é o conceito de sociedade como ser vivo, sujeito às mesmas leis que regem o Ser Humano: nascimento, crescimento e morte. Outras contribuições decisivas para o estudo social foi a trazida pelos romanos, com suas análises e definições de instituições como família, matrimônio, propriedade, posse, contrato e outras, feitas pelos jurisconsultos romanos Caio, Paulo, Sabino, Labão, Juliano, Pompônio, Papiniano e Ulpiano. Por que estudar Sociologia ? Sempre que ouço esta pergunta surge em mim, imediatamente, um sentimento de “pena” para com a pessoa que a profere. Um sentimento que, ao mesmo tempo, me leva a compreender os motivos pelos quais toda uma geração, para não incomodar o sistema dominador, foi impedida de ter acesso às únicas disciplinas capazes de bem desenvolver a capacidade de discernimento, entendimento e compreensão da vida e dos fatos: a Filosofia e a Sociologia. O sistema as retirou, durante quase vinte anos, dos currículos escolares e perseguiu arduamente os que ainda tentavam, por meio de poesias, peças teatrais, músicas e artes, construir no adolescente e no jovem um pouco do necessário espírito da curiosidade positiva e do questionamento responsável, que são as únicas formas de permitir a criatividade e a evolução intelectual do gênero humano. Durante todos esse anos calaram-se os jovens. Alguns foram calados “a pulso”... dando muito trabalho aos órgãos repressores, mas a maioria foi calada pelo forte e inteligente sistema de manipulação de massa, levando em consideração os ensinamentos de Maquiavel (O Príncipe) e do Padre Baltasar Gracián (A Arte da Prudência). Se a filosofia ensina a pensar o mundo, a vida e os fatos de forma profundamente analisadora e questionadora, na procura das razões primeiras de tudo, a sociologia ensina a pensar o grupo social e as razões que os levam a tomar atitudes muitas vezes consideradas como irracionais. Ambas fazem do Ser Humano mais do que um simples elemento no grupo, já que desenvolvem nele a habilidade necessária ao exercício da verdadeira cidadania, com competência não só para entender o mundo e os fatos, mas também para influenciar e participar ativamente das necessárias reconstruções sociais. É, então, o correto aprendizado dessas duas disciplinas, que afasta o Ser Humano da alienação social, ou seja, impede sua fácil manipulação o que, infelizmente, ocorre com grande parte da humanidade. Essa manipulação está descrita, com bastante propriedade, nas obras citadas de Maquiavel e Gracián. Aprender Filosofia é aprender a olhar o mundo e os fatos com mais cuidado e mais responsabilidade, procurando analisar os seus porquês. Aprender Sociologia é aprender a analisar o comportamento social com mais abrangência, procurando compreender as atitudes das pessoas e dos grupos para poder interferir no momento certo e da forma mais acertada, para alcançar os seus objetivos. Embora as disciplinas estejam de volta o adolescente e o jovem ainda continuam alienados e sem a menor capacidade de exercer um bom 14 questionamento produtivo ou uma verdadeira participação social, já que muitos professores e pais ainda não conseguiram entender a responsabilidade de sua tarefa. A tarefa agora é dos pais e dos professores, inserindo nas aulas e nas conversas o ensinamento da neutralidade do pensamento, da análise racional e do entendimento da capacidade intuitiva e criativa de cada um, para que, aos poucos, o adolescente e o jovem possam vir a construir a sua identidade própria, evitando a alienação atual evidente nas cópias televisiva dos “Big Brothers, Malhações” e outros elementos “mediocrizadores” de nossa juventude. Todos precisamos de muito esforço e dedicação para afastar os únicos modelos conhecidos durante o período das trevas, iniciado no governo Médici e com péssimas conseqüências sentidas até os dias de hoje, que eram os modelos ideais de incitação à acomodação social, como bem deseja qualquer sistema dominador mundial. Mas para isso temos que incentivar aos professores para que saiam de um dos “nichos” de proteção, originários desses quase vinte anos de “pão e circo”. O primeiro é o teórico total e analítico estreito, ou seja, aquele que sugere a seus alunos o envolvimento total com uma linha filosófica ou sociológica, e o ensina a escrever, falar, discursar, elaborar trabalhos, dissertações e teses obrigatoriamente enquadrados em um referencial teórico muito bem definido, sem qualquer ligação com a realidade do dia-a-dia. O segundo é o teórico revoltado extremista, que não aceita opiniões discordantes das suas insatisfações para com o mundo, a vida e o sistema vigente, incapacitando, da mesma forma que o modelo anterior, qualquer desenvolvimento mental sadio e produtivo. O caminho é simples e prático. Observe a criança, sua natural curiosidade e sua verdadeira criatividade. Embora ela, além de amor, precise de limites para o entendimento das regras sociais e o despertar do necessário instinto da conquista, ela não deveria ser tolhida em sua curiosidade nem em sua criatividade. Se adotarmos esse modelo para nós mesmos, veremos que os limites são os éticos, que devemos estar sempre dispostos a adotar, mas curiosidade, exercício do questionamento, análise neutra dos fatos e criatividade devem ser incentivadas a cada instante, já que é a única forma de crescermos intelectual e emocionalmente e afastarmos o fantasma da mediocridade. Esse é exatamente o modelo básico conseqüente do correto e eficaz estudo da Filosofia e da Sociologia. 15 PARTE 2. Escolas Sociológicas: Resumo das principais escolas sociológicas, para referência durante o estudo dos temas abordados na disciplina. ESCOLA MECANICISTA Essa escola considera a sociedade como um setor da vida cósmica, regida pelas mesmas leis que regem os átomos, a molécula e o sistema planetário. Os instintos, as tendências, as necessidades vitais (fome, etc.)e as emoções (amor, ódio, etc.) são manifestações da energia universal, da força de gravitação e das forças de coesão, atração e repulsão existentes no universo. Os pensadores que mais se identificam com essa escola são Winiarski, Gustave de Bon, Ostwald, Solway e Pareto. ESCOLA BIOLÓGICA A Escola Biológica considera a sociedade como um ser vivo, igual as plantas e aos animais e sujeito às mesmas leis biológicas de reprodução, conservação, luta pela vida, adaptação, seleção e diferenciação de formas e funções. Essa escola subdivide-se em evolucionista e organicista. A evolucionista considera a sociologia como uma meta-biologia, ou seja, o estudo biológico do grupo social, ao passo que a organicista compara a sociedade como um organismo real, um animal. Escola Biológica Evolucionista: A vida social, nessa escola, é estudada como um estudo macro da biologia, onde a mudança do comportamento social é comparado à evolução biológica, à adaptação ao meio, à luta pela vida e à seleção dos mais aptos. O pensador mais identificado com essa escola é Spencer. Escola Biológica Organicista: A sociedade, nessa escola, é comparada a um organismo real, como os animais, que vive e se reproduz, mantendo todas as suas características e fases comportamentais, ou seja: a) estrutura material: células, tecidos e órgãos b) estrutura emocional: vontade, sensibilidade, inteligência c) estrutura funcional: saúde, doença, infância, juventude, maturidade, velhice e morte. Os pensadores mais identificados com a escola são: Schaflle, Lilienfeldt, Worms, Espinas e Novicow. ESCOLA PSICOLÓGICA A Escola Psicológica estuda a sociedade como uma forma manifesta de comportamento coletivo, considerando os fenômenos sociais como fatos psíquicos. Os fatos característicos do comportamento do indivíduo, como a imitação, sugestão, simpatia, interferência, conflitos e desajustamentos mentais são extrapolados para o grupo social. O pensador mais identificado com essa escola é Gabriel Tarde. ESCOLA GEOGRÁFICA 16 Também chamada de Escola Antropogeográfica ou Ecológica, essa escola considera o fator geográfico como o fator preponderante na determinação do comportamento dos grupos sociais. Esses fatores são a distribuição das terras, águas, mares, rios, continentes, ilhas, montanhas, vales, desertos, planícies e tudo o mais. Reclus e Ratzel são dois dos pensadores mais envolvidos com o tema. Essa escola gerou duas outras vertentes, que podem ser consideradas suas sub-escolas, que são: 1) a que agrega a família e o trabalho (La Blache e Tourville) 2) a que agrega o fator meteorológico (Huntington e Beveridge), considerando como fator meteorológico: os ciclos solares, a irradiação cósmica, a concentração de ozônio e o campo eletromagnético. ESCOLA MARXISTA Para essa escola o fator econômico supera todos os demais fatores na vida social. Marx defendeu ( e suas idéias ainda merecem muito destaque no pensamento mundial) que é a estrutura básica econômica que determina todas as outras estruturas sociais. A religião, a arte, a ciência, a política, a moral e o direito são estruturas sociais sobordinadas e determinadas pela estrutura econômica vigente. ESCOLA SOCIOLÓGICA A escola sociológica defende que a sociedade possui uma realidade específica completamente distinta de seus elementos, ou seja, que a sociedade é, por si só, uma instituição com identidade própria, independente de quaisquer influências externas ou internas. A sociedade possui a sua própria realidade física, vital e psíquica, independente das realidades individuais de seus membros. Um grupo social pensa e sente de forma diferente de suas unidades. Segundo a linha dessa escola, a simples interação do pensar e do sentir gera fenômenos novos e fatos sociais que são externos à consciência individual e superior a ela. Existe uma consciência coletiva e grupal. O pensador mais representativo dessa escola é Émile Durkhéim. Escola Sociológica Evolucionista Herbert Spencer: Ciência das generalizações Estabelece a Teoria Geral partindo das origens para as fases mais evoluídas Idéia fundamental de Spencer: evolução: passagem da homogeneidade indefinida e incoerente à heterogeneidade definida e coerente exemplo: uma tribo igual em todas as partes evolui para uma nação civilizada, repleta de diferenças estruturais e funcionais. a integração e a heterogeneidade progressiva faz aumentar a coerência do grupo 17 Fórmula da Evolução: Início: organização social vaga Progresso: convenções cada vez mais precisas / costumes que se transformam em lei / leis que se tornam cada vez mais rígidas e específicas "A evolução social e o progresso independem da vontade humana" - Spencer Fatores da Evolução: Extrínsecos: clima, solo, produção vegetal, fauna, etc. Intrínsecos: caracteres e dotes físicos, emocionais e espirituais do Ser Humano Fatores Secundários da Evolução: Modificação do meio por efeito das ações sociais Mudança de clima por fatores estranhos Transformação da flora devido à ação do Ser Humano Destruição ou redução da fauna devido à ação do Ser Humano Interação e inter-relação social entre o todo social e as suas partes Interação entre sociedades vizinhas Evolução Social = determinada pelas ações externas e pela natureza dos indivíduos Sociedade = organismo evoluído (superorganismo), tendendo ao equilíbrio e interdependência entre as partes, inclusive com grupos sociais diferentes. "A sociedade existe para o proveito de seus membros. Os membros só existem para o proveito da sociedade." - Spencer Crescimento social: A medida em que a sociedade cresce as partes ficam mais heterogêneas e a estrutura fica mais complexa. Surgem funções específicas por partes criando a interdependência entre as partes. A cooperação passa a ser o objetivo de toda a sociedade. Homogeneidade: característica independência entre as partes) das sociedades primitivas (mais Heterogeneidade: característica interdependência entre as partes) das sociedades evoluídas (mais Estrutura Social: Órgãos produtores 18 Órgãos distribuidores Órgãos reguladores - o centro dominante é o governante e a massa que obedece constiui os governados Classificação das Sociedades: Simples: - o TODO operante não é submetido a outro. A sociedade simples é cooperativa com ou sem órgão regulador. Composta: - os chefes são submetidos a um dirigente supremo. Sempre há um chefe. Duplamente composta: organização complexa onde os costumes já evoluíram para leis escritas, onde há formação de castas e princípios religiosos. Triplamente composta: civilizações como a do Egito Antigo, México, Império Romano, etc... Predominantemente Militar: - absolutismo político (poder absoluto) - os indivíduos vivem e existem para o benefício do Estado - obediência absoluta ao governante - poligamia Predominantemente Industrial: - descentralização política - Sociedade (Estado) existe para o benefício dos indivíduos - vontade do cidadão é soberana - governo representativo - livre iniciativa - liberdade contratual - liberdade religiosa - monogamia CRÍTICAS A SPENCER: Spencer defende a instabilidade do homogêneo, o que não foi confirmado segundo Sorokin em "Sociologia do Século XX" Spencer colocou a Sociologia na dependência da Biologia Spencer supervalorizou a "Sociedade Industrial", sem atentar para seus grandes defeitos Spencer introduziu vários novos conceitos, como: - Função Social - Controle Social - Instituição 19 - Estrutura Social - Método Comparativo Principais atividades: 1848 a 1853 - trabalhou no "Economist" como Diretor 1860 - trabalhou como colaborador no Westminster Review Obras: Estática Social (1850) Primeiros Princípios (1862) O Estudo de Sociologia (1873) Sociologia Descritiva (1974) Princípios de Sociologia (1876) Instituições Cerimoniais (1879) Instituições Políticas (1882) Homem X Estado (1884) Instituições Eclesiásticas (1885) Fatores da Evolução Orgânica (1886) Inadequabilidade da Seleção Natural (1893) Outras obras: Teoria da População (1852) Desenvolvimento da Hipótese (1853) Princípios de Psicologia (1855) Princípios de Biologia (1864 - 67) Dados de É tica (1879) Justiça (1891) O contexto histórico do aparecimento da Sociologia: Ocupar-se do social não é coisa nova. Além dos pensadores gregos que tanto estudamos (Platão, Aristóteles e todos os demais), todos os povos, em qualquer época e em qualquer lugar, demonstraram grande interesse pelo entendimento e transformação, não só de próprio grupo social, mas também de todos os demais. Na antiguidade, entretanto, os pensadores costumavam "esquecer" a realidade social da época e lançavam-se em "sonhos sociológicos", criando a forma ideal que desejavam ver em sua comunidade. Os registros escritos dessa forma de ver a vida estão nas mais diversas obras de muitos pensadores. Todos enfocavam questões vitais da vida em sociedade, caracterizando assim os primórdios da Sociologia. Onde surgiram algumas das idéias que seriam mais tarde aproveitadas no estudo da ciência sociológica? A) Antiguidade 1) Grécia: - Platão: República - Nessa obra Platão contribuiu com noções muito claras de interdependência e de divisão de funções sociais. 20 - Aristóteles: Política e Constituição de Atenas - Aristóteles reconheceu, nessas obras, a família como o grupo social básico e elementar e o homem como sendo, naturalmente, um animal político, destinado a viver em sociedade. Além disso Aristóteles entendia que toda sociedade é constituída por diversos pequenos grupos e que toda cidade é uma espécie de associação que se propõe a realizar uma função. O mais intrigante de todas essas idéias é a que mais tarde foi utilizada pela Escola Biológica de Spencer, de que a sociedade é um ser vivo sujeito à lei do nascimento, crescimento e morte. 2) Roma: - Jurisconsultos romanos Caio, Paulo, Sabino, Labão, Juliano, Pompônio, Papiniano e Ulpiano - Os Jurisconsultos desenvolveram análises e definições de instituições e de relações sociais fundamentais como matrimônio, família, propriedade, posse, contrato, e outras, que serviram bastante ao estudo sociológico apresentado ao mundo, mais tarde, por Augusto Comte. Há também registros culturais não escritos, passados de geração a geração (xamã, pagé ou gurú para discípulo), com as mesmas características encontradas nas obras gregas, em antigas e isoladas comunidades africanas, em alguns grupos aborígenes da Austrália e em tribos indígenas no Brasil. B) Idade Média - Santo Agostinho (427): De Civitate Dei - Primeiro tratado de filosofia da história que pode ser considerado como um esquema de composição do conflito entre o Papado e o Estado. - Cultura Árabe (711 a 732) - Foi com o avanço dos árabes por toda a Europa que os ocidentais tomaram conhecimento das idéias dos filósofos gregos. - Ibn-Khaldun (1332-1406): Kitab el-Ibar - Esse muçulmano foi o primeiro présociólogo que temos notícia, antecipando-se a Spengler. Em sua obra, realizada depois de meditar sobre o desenvolvimento e decadência dos impérios, tenta comprovar a influência do fator demográfico sobre o nascimento, desenvolvimento e decadência das civilizações. Segundo IbnKhaldun a dinâmica sociocultural sofre forte influência do clima e do meio geográfico. C) Renascimento - Tomás Morus (1480-1533): Utopia (1518) - Propõe a sociedade perfeita. Uma organização social caracterizado pelo império da propriedade comum e pela solidariedade entre os homens. - Maquiavel (1469-1527): O Príncipe (1532) - Propõe uma solução salvadora para a Itália levando em consideração a realidade social da época. - Hobbes (1588-1679): Leviatã (1652) - Apresenta a teoria do absolutismo com base no racionalismo e no utilitarismo. - Bossuet (1627-1704): Discurso sobre a História Universal (1681) - Defende o governo absoluto justificando-o com base na Providência Divina. - Grotius, Wolff, Burlamaqui, Pufendorf: Teoria do Direito Natural - Movimento contra o absolutismo defendendo a existência do direito sagrado decorrente da "razão" ou da "natureza humana", em oposição ao ditado pelos soberanos absolutos. - Locke (1632-1704): Tratado de Governo (1689) - Descartes (1596-1650): Discurso sobre o Método (1637) - Para se chegar a verdade é necessário o desprendimento total de todas as idéias préconcebidas. Só assim consegue-se reconstruir as bases do nosso 21 conhecimento. Descartes traz o cartesianismo cujo fundamento é a "dúvida metódica" Como conseqüência das diferentes formas dos pensadores demonstrarem suas preocupações com o grupo social, surgem as diferenças de enfoques e metodologias. Os finalistas voltam-se para o ideal a realizar e para a investigação do que seria a melhor organização social. Os normativos preparam imediatas normas e regras para a conduta da sociedade. Os especulativos analisam o comportamento social como meros espectadores, como se não fizessem parte da sociedade. Os interferentes procuram encontrar meios eficazes para realizar alguma transformação no meio. Cada pensador cria, então, com sua forma de entendimento social, a sua própria escola e o seu próprio método. Aprofundamento: A “Pré – História” da Sociologia O CONTRATO SOCIAL JJ ROSSEAU No texto de O Contrato Social, o que Rousseau coloca aos leitores são questões relativas à legitimidade da soberania, ao fundamento legítimo da sociedade política, às condições e aos limites em que opera o poder soberano e, por fim, aborda as formas e funcionamento em que opera o poder governamental e o aparato burocrático complementar. E assim começa Rousseau: " O homem nasce livre, e por toda a parte encontra-se a ferros. O que se crê senhor dos demais, não deixa de ser mais escravo do que eles. Como adveio tal mudança? Ignoro-o . Que poderá legitimá-la? Creio poder resolver esta questão. Se considerasse somente a força e o efeito que dela resulta, diria: ‘quando um povo é obrigado a obedecer e o faz, age acertadamente; assim que pode sacudir esse jugo e o faz, age melhor ainda, porque, recuperando a liberdade pelo mesmo direito por que lha arrebataram , ou tem ele o direito de retomá-la ou não o tinham de subtrai-la’. A ordem social, porém, é um direito sagrado que serve de base a todos os outros. Tal direito, no entanto, não se origina da natureza: funda-se, portanto, em convenções. Trata-se, pois, de saber que convenções são essas. Antes de alcançar esse ponto, preciso deixar estabelecido o que acabo de adiantar." p. 22. Ainda formulando as suas asserções, Rousseau continua explicando sobre as primeiras sociedades e o aspecto da liberdade: "...essa liberdade comum é uma conseqüência da natureza do homem. Sua primeira lei consiste em zelar pela própria conservação, seus primeiros cuidados são aqueles que se deve a si mesmo, e , assim que alcança a idade da razão, sendo o único juiz dos meios adequados para conservar-se, torna-se, por isso, senhor de si...A família é , pois, se assim se quiser, o primeiro modelo das sociedades políticas: o chefe é a imagem do pai; o povo, a dos filhos, e todos, tendo nascido iguais e livres, só alienam sua liberdade em proveito próprio." p. 24. Para chegar a uma forma de associação segura entre os homens, as relações de poder e direito entre eles, Rousseau esclarece sobre a natureza inicial dos homens. Mostra os homens num estado anterior, chamado estado de natureza, e em um estado posterior, estado civil. Esse estado posterior marca a 22 degeneração do primeiro, e a necessidade de estabelecer um contrato que irá reger a relação de soberania e poder entre os homens que seja legítima. Um pacto social, que ele mesmo cita, que estabeleça entre os cidadãos uma tal igualdade, que eles se comprometam todos nas mesmas condições e devam todos gozar dos mesmos direitos. Voltemos a Rousseau: "...Relativamente ao direito de conquista, não dispões ele de outro fundamento além da lei do mais forte. Se a guerra não confere jamais ao vencedor o direito de massacrar os povos vencidos, esse direito, que ele não tem, não poderá servir de base ao direito de matar o inimigo quando não se pode torná-lo escravo; logo, o direito de transformá-lo em escravo não vem do direito de matá-lo, constituindo, pois, troca iníqua o fazê-lo comprar, pelo preço da liberdade, sua vida, sobre a qual não se tem qualquer direito...Assim, seja qual for o modo de encarar as coisas, nulo é o direito de escravidão não só por ser ilegítimo, mas por ser absurdo e nada significar. As palavras escravidão e direito são contraditórias, excluem-se mutuamente. Quer de um homem a outro, quer de um homem a um povo, será sempre igualmente insensato este discurso: ‘Estabeleço contigo uma convenção ficando tudo a teu cargo e tudo em meu proveito, convenção essa a que obedecerei enquanto me aprouver e que tu observarás enquanto for do meu agrado’. p. 30. O sentimento do homem e a sua preocupação eram a sua existência e a sua conservação. Não havia educação consequentemente não havia progresso. Ele é movido pelos seus instintos, pelas inclinações, é um animal estúpido e limitado. Em contraposição, o civilizado tem noção de justiça, é movido mais pela razão, suas faculdades se exercem e se desenvolvem e ele se torna um ser inteligente, um homem. Para Hobbes o homem é movido por paixões, e ao serem iguais tentam subjugar um ao outro. Em Rousseau o homem natural não tem autoridade sobre seus semelhantes. Já em Maquiavel, encontra-se um homem perfidioso, egoísta. Rousseau considera que a propriedade privada foi o marco para a mudança do estado de natureza , para o estado civilizado. Foi através da apropriação que se geriu a sociedade civil. E o homem civilizado surgiria do progresso, aperfeiçoamento e qualidades pessoais do gênero humano. Na sociedade só se é obrigado a obedecer aos poderes legítimos. É isso o que o autor propõe. Ele não concorda com o direito do mais forte, com a idéia do direito feito pela força, e sim acredita que o poder seja sob a direção suprema da vontade geral. Uma pessoa pública formada pela união de todas as outras, tendo como base máxima a liberdade e a soberania popular de maneira absoluta. Concebe a soberania como ‘indivisível e alienável’. Como uma vontade geral, com interesse comum e utilidade pública. Assim que a sociedade deve ser governada. Através do contrato social, o Estado se tornaria o bem de todos , o provedor da condição de convívio, de união e prosperidade. O pacto fundamental se firma por uma igualdade moral e legítima, contra aquilo que a natureza poderia trazer de desigualdade física entre os homens. Vamos ilustrar com mais passagens da obra: "Suponhamos os homens chegando àquele ponto em que os obstáculos prejudiciais à sua conservação no estado de natureza sobrepujam, pela sua resistência, as forças de que cada indivíduo dispõe para manter-se nesse estado. Então, esse estado primitivo já não pode 23 subsistir, e o gênero humano, se não mudasse de modo de vida, pereceria...Ora, como os homens não podem engendrar novas forças, mas somente unir e orientar as já existentes, não têm eles outro meio de conservarse senão formando , por agregação, um conjunto de forças, que possa sobrepujar a resistência, impelindo-as para um só móvel, levando-as a operar em concerto...As cláusulas desse contrato são de tal modo determinadas pela natureza do ato, que a menor modificação as tornaria vãs e de nenhum efeito, de modo que, embora talvez jamais enunciadas de maneira formal, são as mesmas em toda parte, e tacitamente mantidas e reconhecidas em todos os lugares, até quando, violando-se o pacto social, cada um volta a seus primeiros direitos e retoma sua liberdade natural, perdendo a liberdade convencional pela qual renunciara àquela. Essas cláusulas, quando bem compreendidas, reduzem-se todas a uma só: a alienação total de cada associado, com todos os seus direitos, à comunidade toda, porque, em primeiro lugar, cada um dandose completamente, a condição é igual para todos, e, sendo a condição igual para todos, ninguém se interessa por torná-la onerosa para os demais...Se separar-se, pois, do pacto social aquilo que não pertence à sua essência, verse-á que ele se reduz aos seguintes termos: ‘ Cada um de nós põe em comum sua pessoa e todo o seu poder sob a direção suprema da vontade geral, e recebemos, enquanto corpo, cada membro como parte indivisível do todo’. Imediatamente, esse ato de associação produz, em lugar da pessoa particular de cada contratante, um corpo moral e coletivo, composto de tantos membros quantos são os votos da assembléia , e que, por esse mesmo ato, ganha sua unidade , seu eu comum, sua vida e sua vontade. Essa pessoa pública, que se forma, desse modo, pela união de todas as outras, tomava antigamente o nome de cidade e, hoje, o de república ou de corpo político, o qual é chamado por seus membros de Estado quando passivo, soberano quando ativo, e potência quando comparado a seus semelhantes. Quanto aos associados, recebem eles, coletivamente, o nome de povo e se chamam, em particular, cidadãos, enquanto partícipes da autoridade soberana, e súditos enquanto submetidos às leis do Estado. Esses termos, no entanto, confundem-se freqüentemente e são usados indistintamente; basta saber distingui-los quando são empregados com inteira precisão." p. 31 a 34. Rousseau continua suas explicações a cerca do pacto social observando que, uma das características primordiais desse contrato seria o aspecto da soberania, ou seja, " A primeira e mais importante conseqüência decorrente dos princípios até aqui estabelecidos é que só a vontade geral pode dirigir as forças do Estado de acordo com a finalidade de sua instituição, que é o bem comum, porque, se a oposição dos interesses particulares tornou necessário o estabelecimento das sociedades, foi o acordo desses mesmos interesses que o possibilitou. O que existe de comum nesses vários interesses forma o liame social e, se não houvesse um ponto em que todos os interesses concordassem, nenhuma sociedade poderia existir. Ora, somente com base nesse interesse comum é que a sociedade deve ser governada...Afirmo, pois, que a soberania, não sendo senão o exercício da vontade geral, jamais pode alienar-se, e que o soberano, que nada é senão um ser coletivo, só pode ser representado por si mesmo. O poder pode transmitir-se; não , porém, a vontade...A soberania é indivisível pela mesma razão por que é inalienável, pois a vontade ou é geral, ou não o é; ou é a do copo do povo, ou somente de uma parte. No primeiro caso, essa vontade declarada é um ato de soberania e faz lei; no segundo, não passa de uma 24 vontade par5ticular ou de um ato de magistratura, quando muito, de um decreto." p. 43 e 44. Daí Rousseau considerar a vontade geral podendo somente ser o que há de comum em todas as vontades individuais, ou seja, o substrato coletivo das consciências, a estrutura. E nesse contexto, a noção de soberania implica a noção de poder sem contraste. Por outro lado, não se concebe o ente moral, oriundo do contrato, sem vontade própria. Por isso um povo não pode entregar-se a um senhor sem deixar de ser povo, soberano e corpo político. Essa vontade geral nem sempre será unânime, basta que haja a contagem de todos os votos, dentro de um acordo formal que não pode ser rompido, mesmo em suas regras mínimas, em suas generalidades. Entendendo o poder político como fruto do povo, o poder soberano não pode passar dos limites das convenções gerais, não pode haver interesse privado. O pacto social dará existência e vida ao corpo político e as leis darão o movimento e a vontade . As convenções e as leis são necessárias para unir os direitos aos deveres, e conduzir a justiça ao seu objetivo. Para Rousseau lei é um ato onde a matéria obre a qual se estatui é geral, como a vontade que a estatui. As leis são condições da associação civil. Acredita que antes de se estabelecer essas leis , é necessário conhecer o povo que a elas se sujeitará. Assim ele procura o povo que está apto à determinada legislação. Que deveria ser aquele que não tenha sofrido o verdadeiro jugo das leis, não tenham costumes ou superstições arraigadas. Esse caráter legal que Rousseau atribui ao pacto social, se firma nessas bases: " Quando digo que o objeto das leis é sempre geral, por isso entendo que a Lei considera os súditos como corpo e as ações como abstratas, e jamais um homem como um indivíduo ou uma ação particular. Desse modo, a Lei poderá muito bem estatuir que haverá privilégios, mas ela não poderá escondê-los nominalmente a ninguém: a Lei pode estabelecer diversas classes de cidadãos, especificar até as qualidades que darão direito a essas classes, mas não poderá nomear este ou aquele para serem admitidos nelas; pode estabelecer um governo real e uma sucessão hereditária, mas não pode eleger um rei ou nomear uma família real. Em suma, qualquer, função relativa a um objeto individual não pertence, de modo algum, ao poder legislativo. Baseando-se nessa idéia , vê-se logo que não se deve mais perguntar a quem cabe fazer as leis, pois são atos da vontade geral, nem se o príncipe está acima das leis, visto que é membro do Estado; ou se a Lei poderá ser injusta, pois ninguém é injusto consigo mesmo, ou como se pode ser livre e estar sujeito às leis, desde que estas não passam de registros de nossas vontades...Chamo pois de república todo o Estado regido por leis, sob qualquer forma de administração que possa conhecer, pois só nesse caso governa o interesse público e a coisa pública passa a ser qualquer coisa. Todo o governo legítimo é republicano...O povo, submetido às leis, deve ser o seu autor. Só àqueles que se associam cabe regulamentar as condições da sociedade". p. 53 a 55. O governo seria o exercício do poder legítimo das várias partes: magistrados ou reis, governantes, príncipe. O governo tem poderes delegados do povo. É considerado coletivamente e como um corpo. Para que esse governo tenha existência é necessário uma existência particular que para Rousseau são as assembléias, conselhos, em poder de deliberar e de resolver, direitos, títulos... 25 Lembrando que, se houverem muitos magistrados, o governo tende a enfraquecer-se. Esses poderes são regidos por leis, dentro de uma teia de relações estabelecidas pelo contrato social que, por conseqüência, baseia-se nos usos e costumes dos habitantes, na opinião, no aspecto racional da moral exercida pelos integrantes na vida cotidiana. Dessa maneira, a ordem do pacto vem a se fundar na consciência dos homens através da educação, preparandoos para o comportamento adequado e necessário para o convívio em comum. Nesses termos, Rousseau continua: " A fim de ordenar o todo ou para dar a melhor forma possível à coisa pública, há várias relações a considerar. Primeiro, a ação do corpo inteiro agindo sobre si mesmo, isto é , a relação do todo com o todo, ou do soberano com o Estado; como logo veremos, tal relação compõe-se da relação dos temos intermediários. As leis que regulamentam essa relação recebem o nome de leis políticas e chamam-se também leis fundamentais, não sem alguma razão no caso de serem sábias, pois, se existe em casa Estado somente uma boa maneira de ordená-lo, o povo que a encontrou deve conservá-la; se a ordem estabelecida é, porém, má, por que se tomariam por fundamentais leis que a impedem de ser boa? Aliás, seja qual for a situação, o povo é sempre senhor de mudar suas leis, mesmo as melhores, pois, se for de seu agrado fazer o mal a si mesmo, quem terá o direito de impedi-lo? A segunda relação é a dos membros entre si ou com o corpo inteiro, e essa relação deverá ser, no primeiro caso, tão pequena, e, no segundo, tão grande quanto possível, de modo que cada cidadão se encontre em perfeita independência da polis - o que se consegue sempre graças aos mesmos meios , pois só a força do Estado faz a liberdade de seus membros. É desta segunda relação que nascem as leis civis. Pode-se considerar um terceiro tipo de relação entre o homem e a Lei, a saber, a da desobediência à pena, dando origem ao estabelecimento das leis criminais que, no fundo, instituem menos uma espécie particular de leis do que a sanção de todas as outras. A essas três espécies de leis, junta-se uma quarta, a mais importante de todas, que não se grava nem no mármore, nem no bronze, mas nos corações dos cidadãos; que faz a verdadeira constituição do Estado; que todos os dias ganha novas forças; que, quando as outras leis envelhecem ou se extinguem, as reanima ou as supre, conserva um povo no espírito de sua instituição e insensivelmente substitui a força da autoridade pela do hábito. Refiro-me aos usos e costumes e, sobretudo, à opinião, essa parte desconhecida por nossos políticos, mas da qual depende o sucesso de todas as outras; parte de que se ocupa em segredo o grande Legislador, enquanto parece limitar-se a regulamentos particulares que não são senão o arco da abóbada, da qual os costumes, mais lentos para nascerem, formam por fim a chave indestrutível.". p.69. Apesar de discutir sobre a democracia, aristocracia ou monarquia, para Rousseau, o que caracteriza um bom governo, é a conservação e a prosperidade de seus membros; o número e sua povoação. Entretanto vai aqui algumas ressalvas sobre a democracia: " Creio, com efeito, poder estabelecer em princípio que, quando as funções do Governo são divididas por inúmeros tribunais, os menos numerosos adquirem, mais cedo ou mais tarde, a maior autoridade, quando mais não fosse, somente pela facilidade de resolver as questões, que naturalmente a tanto os leva...Acrescentemos que não há forma de governo tão sujeita às guerras civis e às agitações intestinais quanto a 26 forma democrática ou popular, porque não há outra que tenda tão forte e continuamente a mudar de forma, nem que exija mais vigilância e coragem para ser mantida na forma original. É sobretudo nessa constituição que o cidadão deve armar-se de força e constância, e ter presente no coração, ou seja, a liberdade...Se existisse um povo de deuses, governar-se-ia democraticamente. Governo tão perfeito não convém aos homens." p. 85 e 86. A vontade geral, para Rosal, é indestrutível e, ela deixando de existir, o povo tem o direito de insurgir contra o ditador. No seu país de Origem, Suíça, Rousseau teve a oportunidade de se defrontar com dois tipos de realidade: Em Genebra encontrava-se o modelo de cidade populosa e rica da Europa, e nas cidades do interior do país, era possível defrontar-se com comunidades rurais que viviam de forma frugal e pacífica. Daí Rousseau passa a se desencantar cada vez mais com Genebra e se apega ao modo de vida mais simples dos camponeses de certos cantões montanheses. Baseado nesses dois tipos de modelos, Rousseau entende que a vontade geral tem maior probabilidade de revelar-se por intermédio do maior número de representação, a rigor, nada vale a opinião isolada de cada um, que é o reflexo das diferenças individuais, mas a expressão, por cada um, do que todos têm de comum, que seria exatamente a vontade geral. Assim continua Rousseau: " Concluir-se-á daí que a vontade geral esteja aniquilada e corrompida? Não; ela é sempre constante, inalterável e pura, mas encontra-se subordinada a outras que a sobrepujam. Cada um, desligando seu interesse do interesse comum, bem sabe que não o pode isolar completamente; sua parte do mal público, porém, não lhe parece nada, em face do bem exclusivo de que pretende apropriar-se. Excetuado esse bem particular, ele deseja, tão fortemente quanto qualquer outro, o bem geral em seu próprio interesse. Mesmo quando vende seu voto a peso de dinheiro, não extingue em si a vontade geral - ilude-a . A falta que comete é mudar a natureza da questão e responder coisa diversa daquilo que se lhe pergunta, de modo que, em lugar de dizer, com seu voto, ‘é vantajoso para o Estado’, ele diz ‘ é vantajoso para tal homem ou tal partido que seja aprovada tal ou qual proposta’. Assim, a lei da ordem pública nas assembléias não está tanto em nelas manter a vontade geral, quanto em fazer com que sempre seja consultada e sempre responda." p.118. E continua: " Existe uma única lei que, pela sua natureza, exige consentimento unânime - é o pacto social, por ser a associação civil o mais voluntário dos atos deste mundo. Todo homem, tendo nascido livre e senhor de si mesmo, ninguém pode, a qualquer pretexto imaginável, sujeitá-lo sem o seu consentimento. Afirmar que um filho de escravo nasce escravo, é afirmar que não nasce homem...Fora desse contrato primitivo, e em conseqüência do próprio contrato, o voto dos mais numerosos sempre obriga os demais. Pergunta-se, porém, como o homem poder ser livre, e forçado a conformar-se com vontades que não a sua. Como os opositores serão livres e submetidos a leis que não consentiram? ...Respondo que a questão está mal proposta. O cidadão consente todas as leis, mesmo as aprovadas contra sua vontade e até aquelas que o punem quando ousa violar uma delas. A vontade constante de todos os membros do Estado é a vontade geral: por ela é que são cidadãos e livres. Quando se propõe uma lei na assembléia do povo, o que se lhes pergunta não é precisamente se aprovam ou rejeitam a proposta, mas se estão ou não de acordo com a vontade geral que é a deles" p. 120. 27 Finalizando este trabalho, há o objetivo de qualificar a obra no propósito de fixar bases para a formação do Estado moderno, o que, inclusive, Rousseau propõe, com clara distinção entre Estado e religião, mostrando que um não deve interferir no outro , ou seja, " Atualmente, quando não existe mais e não pode mais existir qualquer religião nacional exclusiva, devem-se tolerar todas aquelas que toleram as demais, contanto que seus dogmas em nada contrariem os deveres do cidadão. Mas, quem quer que diga: Fora da Igreja não há salvação - deve ser excluído do Estado a menos que o Estado seja a Igreja, e o príncipe, o pontífice. Tal dogma só serve para um Governo teocrático; em qualquer outro é pernicioso." p.145. BIBLIOGRAFIA: Rousseau, Jean-Jacques, 1712-1778. Do contrato social / Jean-Jacques Rousseau; tradução de Lourdes Santos Machado; introdução e notas de Paulo Arbousse-Bastide e Lourival Gomes Machado. - 2ª edição - São Paulo: Abril Cultural, 1978. (Os Pensadores) 28 PARTE 3. Fundadores da ciência sociológica Augusto Comte: Nascimento: 13/01/1798 - Montpellier, França Escola Politécnica: ingressa antes dos 15 anos; excluído em seguida Professor de Matemática aos 16 anos Freqüentou aulas na Faculdade de Medicina 1817 - conhece Saint-Simon e recebe suas influências 1826 - professor particular de Filosofia - começa a criar suas próprias idéias 1827 - grave crise mental provocada pelo estresse afasta-o de suas atividades por dois anos 1832 - nomeado repetidor de Matemática na Escola Politécnica 1837 - nomeado examinador de Matemática 1846 - conhece Clotilde de Vaux que modifica o rumo de suas idéias 1848 - perde os empregos e vive da ajuda de seus discípulos e funda a SOCIEDADE POSITIVISTA. 1857 - morre em Paris Obras principais: 1819 - Separação Geral entre as Opiniões e os Desejos 1820 - Apreciação Sumária das Generalidades do Passado Moderno 1825 - Considerações Filosóficas sobre as Ciências e os Cientistas 1826 - Considerações sobre o Poder Espiritual 1830/42 - Curso de Filosofia Positiva 1844 - Discurso sobre o Espírito Positivo 1851/54 - Sistema de Política Positiva ou Tratado de Sociologia instituindo a Religião da Humanidade 1852 - Catecismo Positivo 1855 - Apelo aos Conservadores 1877 - Cartas à John Stuart Mill Sec XIX apogeu da ciência e expansão da Europa nasce o enciclopedismo sociológico = fenômenos e fatos sociais estão totalmente previstos de forma uniforme e inflexível, independente da época, sociedade ou civilização defensores dessa idéia: Comte e Spencer Comte 1828 - Estuda a Ciência Social denominando-a de FÍSICA SOCIAL 29 1835 - Quetelét (Belga) publica ENSAIO DE FÍSICA SOCIAL - que estuda os fenômenos sociais estatísticamente 1839 - Comte cria o termo SOCIOLOGIA para não confundir com os conceitos de Quetelét A Sociologia (segundo Comte) a. Estudo de fatos: ciência que estuda metodicamente os fatos concretos e históricos da humanidade, independente das idéias ligadas ao estudo científico do homem como organismo Embora Comte tenha utilizado idéias do organicismo social e também leis biológicas em algumas explicações do social, ele se negou a aceitar a fundamentação da Sociologia na Biologia. "Em todos os fenômenos sociais percebemos a atuação das leis fisiológicas do indivíduo e, além disso, algo que modifica seus efeitos e que pertence à influência mútua dos indivíduos, singularmente complicada no caso da espécie humana pela influência de gerações sobre seus sucessores. Assim, é claro que nossa Ciência Social deve emanar da que se relaciona com a vida do indivíduo. Porém, não há motivo para supor, como fizeram alguns eminentes fisiólogos, que a Física Social é só um apêndice da Fisiologia. Os fenômenos de ambas não são idênticos, embora sejam homogêneos, e é da maior importância manter separadas as duas ciências. Como as condições sociais modificam a atuação das leis fisiológicas, a Física Social deve ter seu campo próprio de observação." b. Método de observação: ciência fundamentada no método de observação e nos princípios do Positivismo para dar uma visão real da sociedade. Essa observação deve ser sempre crítica e comparativa. c. Estática Social (ORDEM): teoria da ordem social estudo da natureza fundamental do grande organismo sociedade estudada independente de seu processo estudo da realidade social em cada grupo sem quebrar a harmonia do conjunto estudo das condições da vida social e da ordem social como se tudo fosse imóvel ciência fundada no método de observação e nos princípios do Positivismo para dar uma visão real da sociedade. Não a observação pura e simples, mas a observação para a comparação analisa as condições fundamentais de cada sociedade indica os aspectos essenciais da ordem social determinando o regime normal correspondente a cada um deles analisa cada elemento essencial do grande organismo levando em conta sua natureza e sua formação é pela estática social que a sociologia liga-se à biologia e às demais ciências consideradas preliminares 30 pela análise perfeita da estrutura social ela estabelece a condição de positividade racional que será necessária a dinâmica social estudada no "Sistema de Política Positiva" b. Dinâmica Social (PROGRESSO): teoria geral do progresso social estuda o movimento (evolução) necessário e contínuo da humanidade o progresso é o desenvolvimento gradual da ordem modificações sociais estudada no "Curso de Filosofia Positiva" ESTUDO DA ESTÁTICA SOCIAL = ORDEM O estudo da estática social deve ser iniciado com o entendimento do Consenso Social, que é a interdependência social ou interpenetração dos fenômenos sociais. Segundo Comte os fenômenos sociais só podem ser estudados em conjunto porque eles são fundamentalmente conexos. E é pelo Consenso Social que pode existir a Harmonia Social. A sociedade é composta de unidades chamadas de células sociais. Essas células são famílias e não indivíduos. A família, portanto, é a verdadeira unidade social por ser a associação mais espontânea que existe. Ela é a fonte espontânea da educação moral e constitui a base natural da organização política. A sociedade deve ser organizada com base no "organismo doméstico", que tem como características principais: subordinação - subordinação espontânea da mulher ao homem e dos filhos aos pais união - a família é possível graças a união de seus membros cooperação - a sociabilidade no meio familiar é possível graças à cooperação altruísmo - o sentimento familiar desenvolve o prazer de fazer pelo outro e para o outro Toda sociedade deve possuir uma ordem, proveniente dos instintos sociais do indivíduo e que se manifesta através da família. Essa ordem exige, para sua sobrevivência, de uma autoridade. Na família essa autoridade é o marido e na sociedade é o governo. Não há sociedade sem governo, nem governo sem sociedade. O governo deve manter uma intervenção "universal e contínua" na sociedade, de forma material, intelectual e moral, para evitar que o progresso a inviabilize. Segundo Comte, o progresso enfraquece a união e a cooperação, fragilizando a ordem. Essa é a intervenção do "conjunto sobre as partes". As forças sociais que determinam as estruturas sociais são a material, a intelectual e a moral. A organização social baseia-se na divisão do trabalho social e na combinação de esforços. 31 ESTUDO DA DINÂMICA SOCIAL = PROGRESSO Todo estado social é uma conseqüência do passado e uma preparação para o futuro. Não há espaço para quaisquer vontades superiores. As leis que regem o estado social são leis análogas às leis biológicas. E exatamente por essa analogia conclui-se que a humanidade caminha para a completa autonomia, o que ocorrerá quando for ultrapassada a sua etapa metafísica. Mas nada é eterno! A evolução da sociedade, da mesma forma que no indivíduo, leva-a para o inevitável caminho da decadência final. No início a humanidade assumiu a fase teológica ou fictícia, que foi uma fase provisória, mas o ponto de partida necessário para todo o processo cultural. A segunda fase é a metafísica ou abstrata, que é transitória, onde os agentes sobrenaturais são substituídos por força abstratas, entendidas como seres do mundo. A terceira fase é a positiva, científica ou real, que é a fase definitiva da humanidade, quando o homem descobre a impossibilidade de obter conhecimentos absolutos e desiste de indagar sobre a origem e a finalidade do universo, assim como sobre as causas íntimas dos fenômenos. O homem passa a se preocupar apenas em descobrir as leis efetivas que estabelecem as relações invariáveis de sucessão e semelhança. Estuda-se as leis a abandonase a pesquisa das causas. Problema fundamental do estado positivo: conciliação da ordem com o progresso, que é a condição necessária ao aparecimento do verdadeiro sistema político. Toda ordem estabelecida deverá ser compatível com o progresso, assim como todo progresso, para ser realizado, deverá permitir as consolidação da ordem. Estado Positivo significa o fracasso da Teologia e da Metafísica. Em seguida virá o domínio do Positivismo e da Sociologia, fazendo surgir a "Religião da Humanidade", com o predomínio do altruísmo e da harmonia social. Característica da Lei dos Três Estados: Estado Teológico - tudo tem origem no sobrenatural - época dos sacerdotes e militares - domínio da organização militar Estado Metafísico - tudo tem origem na razão, na natureza e em forças misteriosas| - época jurídica - prevalece a organização jurídica Estado Positivo - ciência substitui a razão, natureza e forças misteriosas 32 - época industrial - predomínio do intelectual, principalmente o sociólogo|- a economia se junta à sociologia para, juntas, guiarem os destinos da organização social CRÍTICA A COMTE Segundo Gurvith (Três capítulos da História da Sociologia: Augusto Comte, Karl Marx e Herbert Spencer), os maiores erros de Comte foram: 1. A separação entre a estática e a dinâmica social 2. O embasamento utópico da teoria sob a metafísica da ordem e do progresso Segundo Durkhéim (Regras do Método Sociológico), a lei dos três estados, fundamental em toda a filosofia positivista, traz três erros fundamentais: 1. É fruto de uma apreciação muito superficial sobre a história do gênero humano 2. Identifica o terceiro estado como definitivo para a humanidade, de uma forma totalmente arbitrária 3. Pressupõe a idéia de desenvolvimento linear da sociedade, o que só é concebível se supormos a existência de uma única sociedade. A “SANTÍSSIMA TRINDADE DA SOCIOLOGIA” Émile Durkheim Os Princípios de 1789 e a Sociologia O texto de Durkheim versa sobre um livro recém lançado do autor francês Ferneuil (Les Principes de 1789 et la science sociale, Paris, Hachette, 1889), que fala sobre a mudança de concepção da Revolução Francesa de 1789. A Revolução, antes vista como objeto de fé, é agora cada vez mais transformado em objeto de estudo da ciência. Procurar a causa dessa mudança é o desafio do livro, é não uma das mais fáceis, visto que os princípios de 89 são muito diversos: constituem acontecimento histórico, fato político e teoria científica da sociedade. Paradoxalmente, a revolução pode ser vista sob dois aspectos. Se for estudada de forma isolada, sem inseri-la no seu contexto histórico-social, irá se apresentar sob a forma de proposições abstratas, definições, teoremas, com a forma de uma ciência. Porém, novamente encaixada em seu contexto, esse ponto de vista se modifica, e o que vemos são homens de ação que desejavam reconstruir a sociedade, e não teóricos que buscavam uma ciência. Se mostra como uma "fé patriótica". Se olharmos pelo lado científico, deveremos aplicar um método de análise científica dos fatos, e percebamos que nem todos os seus fundamentos se afirmam como verdades teóricas. Mas apesar disso, os princípios de 1789 33 permanecem como fatos sociais e expressão do estado de espírito daquela época. Interessante notar o pensamento desenvolvido por Durkheim de que essas fórmulas (os princípios) são o resultado consciente de um processo inconsciente. As causas reais desse processo são desconhecidas por nós, devido à distância temporal e à complexidade do tema, o que nos leva a elaborar hipóteses e explicações para elas. Neste ponto o autor chega a fazer pequena comparação com a religião, que apesar de não ser explicada pela ciência, não pode ser considerada danosa para a sociedade. Temos então um problema. Nas palavras de Ferneuil transcritas por Durkheim : "A ciência bem poderá destruir os princípios de 1789, dever restrito dos contemporâneos continuará a ser o de recolher piedosamente a herança da Revolução estes tesouros incalculáveis de fé patriótica, de devoção à causa pública e de solidariedade nacional que nossos pais deixaram a exemplo de seus descendentes". Vale ressaltar que é sob a forma de cientista que Ferneuil analisa a revolução. No livro de Ferneuil não só os revolucionários são atingidos. Diz Durkheim que se abstrairmos o espírito em si dos princípios de 89 das circunstâncias de tempo e lugar, veremos que muitos dos moralistas franceses de sua época se assemelham a eles. Eles se defendem usando como argumento algo irrefutável: a idéia de que o homem verdadeiro não existe de forma abstrata; fazem parte de uma época e de um país. Esse conceito de indivíduo não tem mais que valor subjetivo. Esses moralistas (economistas por exemplo), defendem idéias que já tinham sido desenvolvidas por grandes pensadores, como Kant, Bastiat e Rousseau. Sabiam que o homem havia sido feito para a vida social, mas seria um ser pessoal e egoísta, que não se preocuparia com os outros. A sociedade seria um produto da opressão, mantida pelas força dos preconceitos e fadada a desaparecer. Ferneuil, segundo Durkheim, desmascara esse duplo erro, mostrando que a esfera da ação social se alarga a medida que as sociedades se desenvolvem, e desfazendo esse individualismo mesquinho. O último ponto de discussão é das idéias da revolução vistas como teoria de sociedade, que se tornaram célebres e delas depende grande parte da Europa, devido às transformações que ocorreram na estrutura de suas sociedades. Só quando conhecermos com precisão essas mudanças é que poderemos qualificar os princípios como fenômenos patológicos ou transformações realmente necessárias da consciência social. Mas essa já é uma questão mais voltada para a arte da política e a sociologia se separa cada vez mais da ciência política (segundo ele meio teórica, meio prática, meio arte, especulatória), buscando como as outras ciências estudar aquilo que foi (passado), formular leis e não se interessar pelo futuro. As dificuldades práticas só serão resolvidas através da prática e do cotidiano. Bibliografia de referência: 34 DURKHEIM, Emile – Os princípios de 1789 e a sociologia, in: A Ciência Social e a Ação, pp. 191 a 199, Livraria Bertrand Portugal - 1975. Preponderância Progressiva da Solidariedade Orgânica Historicamente, há uma tendência de que a solidariedade mecânica, que inicialmente é única ou quase, dê lugar à solidariedade orgânica, que se torna aos poucos preponderante. Desse modo, havendo mudança na maneira de consolidação dos homens, também mudará a estrutura da sociedade, havendo para cada tipo de solidariedade um tipo social diferente. Durkheim nomeia de horda o tipo ideal de sociedade onde coesão resultaria apenas de afinidades e semelhanças. Deve ser concebida como uma massa homogênea, com as partes todas iguais, que não se distinguiriam umas das outras, não havendo possibilidades de arranjos ou organização entre elas. Esse teria sido o germe de todos os tipos sociais. Não se observou até agora nenhuma sociedade com todas essas características, mas algumas sociedades inferiores, como as tribos indígenas da América do Norte, possuem uma organização social que se aproxima muito desse modelo. Nomeia de clã a horda que deixou de ser independente para se tornar membro de um grupo mais extenso. À essas sociedades formadas a base de clãs ele dá o nome de sociedades segmentares (segmentares por serem compostas pela repetição de agregados semelhantes entre si). Os clãs possuem uma natureza mista, ao mesmo tempo familiar e política. Familiar pelo fato de todos se considerarem parentes uns dos outros, o que faz com que se tornem consangüíneos (apesar de que não era necessário o laço sangüíneo para se fazer parte dessa família, o que fazia com que muito estrangeiros pudessem fazer parte do clã). Além disso, mantêm entre si responsabilidades coletivas, e desde que a propriedade individual surge, o direito de herança. Essas organizações comportam uma solidariedade mecânica, baseada nas semelhanças que possuem. Para que tal organização seja possível, é preciso ao mesmo tempo que os segmentos se pareçam, sem o que não seriam unidos, e se diferenciem, pois do contrário se perderiam uns nos outros e se diluiriam. Neste tipo social a religião penetra toda vida social, porque é composta de práticas e crenças comuns, que tiram da adesão unânime uma intensidade muito particular. Isto é possível devido ao fato dessa "massa social" ser formada de elementos homogêneos, ou seja, o tipo coletivo era aí muito desenvolvido e os tipos individuais rudimentares, sendo inevitável que toda a vida psíquica da sociedade adquirisse um caráter religioso. Daí deriva também o comunismo, muitas vezes assinalado nestes povos, como produto dessa coesão que absorve o individual dentro do grupo, a parte no todo. 35 O primeiro indício de divisão social do trabalho que pode surgir nessas sociedades é o aparecimento de um líder. Contudo, essa mudança não irá alterar a solidariedade mecânica vigente, pois o líder nada mais é que uma imagem do grupo. Devido ao caráter religioso dessas sociedades, esse líder estaria acima dos outros homens, e os homens, dependentes do tipo coletivo, se tornam dependentes desse chefe. A ação da consciência coletiva não se exerce mais de maneira difusa, mas por intermédio de um órgão definido. Muito diferente é a estruturadas sociedades onde a solidariedade orgânica é preponderante. Encontramos um sistema de órgãos diferentes, coordenamos e subordinados uns aos outros, cada qual com um papel diferente. Se colocam em torno de um órgão central, que diferentemente do caso anterior, os outros dependem dele mas ele também depende dos outros. Entre ele e os outros órgãos só há diferença de grau. Os indivíduos estão agrupados não mais segundo relações de descendência, mas segundo a natureza da atividade social a que se consagram. O meio natural não é mais o natal, mas sim o profissional, e o que fixa o indivíduo num local não é a consangüinidade, mas a função que ele desempenha. A história desses dois tipos mostra que um só progrediu de fato a medida que o outro regrediu. Podemos assim estabelecer uma hierarquia entre eles, pois via de regra quanto mais a forte a organização segmentar de clãs numa sociedade, maior seu grau de inferioridade. Através de uma evolução a lembrança da origem comum vai desaparecendo, e os segmentos não são mais agregados familiares, mas sim circunscrições territoriais, surgindo assim as aldeias, condados, províncias.. Os homens já não se prendem tanto a sua terra de origem, podendo circular entre as cidades que surgem. Os agregados parciais que fazem parte de agregados mais vastos vêm suas individualidades se tornarem cada vez menos distintas. A organização familiar e religiões locais tendem a desaparecer, enquanto a administração local perde sua autonomia. Ocorre a unificação das línguas e dialetos. Um povo é mais avançado quanto mais a divisão territorial tenha caráter superficial. Começam a surgir organizações profissionais. Inicialmente, cada localidade se dedicava a um tipo de atividade profissional, o que não se sustenta por muito tempo. O meio profissional não coincide mais com o meio territorial e familiar, um novo quadro substitui os outros. Devemos lembrar que esse tipo social também não se observa em seu estado de pureza absoluta, assim a solidariedade orgânica nunca se encontra sozinha. Resumindo, existem dois tipos de solidariedade, sendo que a cada qual se atribui um tipo social, e um deles regride regularmente a medida que o outro se desenvolve, sendo este último baseado na divisão social do trabalho. Isso demostra a importância da divisão do trabalho, pois assim como é ela que na 36 maioria das vezes torna coerente as sociedades nos meio das quais vivemos, é ela quem determina os traços constitutivos de sua estrutura, e tudo faz prever que no futuro seu papel aumentará ainda mais sob esse ponto de vista. Bibliografia de referência: DURKHEIM, Emile - Preponderância progressiva da solidariedade orgânica, in Coleção Grandes Cientistas Sociais, vol. 1, Ed. Ática, 7ª Edição, 1995, pp. 85 a 96. Regras Relativas à Distinção entre o Normal e o Patológico Através da observação podemos distinguir fatos de ordens muito diferentes: os que são como deveriam ser e os que deviam ser diferentes do que são. É bom lembrar que essa distinção não é entre bem e mal, visto que a ciência apenas observa a tenta explicar os fatos, não julgá-los. O que se busca é um critério objetivo que permita distinguir cientificamente, assim como para os indivíduos, a saúde, boa e desejável para a sociedade, e a doença, algo ruim e que deve ser evitado. Podemos dizer que , consistindo num desenvolvimento das forças vitais, é a saúde reconhecível pela perfeita adaptação do organismo ao meio ao qual pertence, tendo ele as possibilidades máximas de sobrevivência, será então a doença tudo o que perturba essa adaptação, diminuindo essas possibilidades. Devemos lembrar, no entanto que existem algumas exceções. A dor, no caso do corpo humano, também é geralmente ligada à doença, mas nem isso é verdadeiro. A fome, o parto são exemplos de fatos que podem ocasionar dor sem que serem sinal de doença. Podemos concluir que nem tudo que coloca a vida da sociedade em risco deixa de ser normal. Existem desajustes, contradições internas que não são necessariamente patológicas, pois fazem parte do processo de evolução daquela sociedade. Os conflitos e contestações são normais. Quando a crise se torna intensa, ameaçando as estruturas que sustentam a sociedade, aí se torna algo patológico (doença). Como medir se uma "doença" está ameaçando a saúde da sociedade ? Nas sociedades existem crises que fazem parte delas, como as doenças endêmicas, não ameaçam a sobrevivência do ser vivo (ex. gripe). Essas não são sinais de patologia, enquanto que as crises que ameaçam a estabilidade sim, como as epidemias que ameaçam a vida do ser biológico. Isso é muito mais difícil de se observar na sociedade que no corpo humano. Um fato social é normal para um tipo determinado considerado numa fase de seu desenvolvimento quando se produz na média das sociedades desta espécie, consideradas na fase correspondente de sua evolução. É portanto um fenômeno geral, estando presente em toda a sociedade, ou pelo menos em sua maioria. 37 O crime por exemplo, é um fenômeno normal, visto que é geral para todas as sociedades (não existe sociedade sem transgressores) e é até mesmo útil para se manter a coesão social. Ele se torna patológico quando atinge dimensões exageradas, ameaçando a sobrevivência da sociedade. Quando a coesão se torna muito fraca, a situação se torna anômica e se aproxima da ruptura, podendo se estabelecer um novo tipo de coesão. Podemos perceber que é muito complicado estabelecer com perfeição o limite entre o normal e o patológico. Mas é dever do homem de estado, assim como um médico prevenir a eclosão de doenças, e quando estas se declaram, procurar saná-las. Bibliografia de referência: DURKHEIM, Emile - Regras Relativa à Distinção entre o Normal e o Patológico, in: As Regras do Método Sociológico - pp.40 a 65 - 6ª Edição - Companhia Editora Nacional Suicídio: Definição do problema O suicídio se define quando há conhecimento da vítima do que irá resultar seu ato, seja qual for a razão que a tenha levado a agir desse modo. Muitos poderiam dizer que esse tipo de ato deve ser objeto de estudo apenas de ciências como sociologia, por ser individual e pessoal. Porém, a partir do momento em que essa morte (ou tentativa de) seja explicada por fatos acontecidos na história privada do indivíduo, ou quem sabe até mesmo do coletivo de uma forma geral, o suicídio passa a ser objeto de estudo também da sociologia. Pode se perceber através do quadro apresentado (pp.105) que os países estudados possuem, exceto quando em anos de acontecimentos excepcionais, uma taxa de suicídio tende a não variar. Percebem-se ondas e oscilações constantes, causadas pelos humores das sociedades. É possível até mesmo que se meça uma taxa de mortalidade-suicídio própria de cada sociedade, tomando-se a relação entre o número global de mortes voluntárias e a população total (todas as idades e sexos). Percebe-se, portanto, que essa taxa não só é constante como sua invariabilidade é menor que a de muitos outros fenômenos demográficos. Fica claro que a taxa de suicídios está conectada à muitas características de ordem social, solidárias umas às outras, e é exatamente essa relação o objeto de estudo da sociologia. Suicídio Egoísta O suicídio varia na razão inversa do grau de integração da sociedade 38 Baseando-se na afirmação anterior, pode se concluir que a sociedade não pode se desintegrar sem que na mesma medida o indivíduo seja desengajado da vida social, tornando seus fins preponderantes sobre os fins comuns. O ego pessoal se afirma demasiadamente face ao ego social. Podemos dar o nome de suicídio egoísta ao tipo particular que resulta de uma individualização desmesurada. Esse tipo de sentimento pode tanto acontecer num indivíduo isolado como em correntes sociais, que através de humores coletivos conduzem os povos à alegria ou à tristeza. O estado de doença da sociedade e o enfraquecimento do laço social de coesão se manifesta no indivíduo. Este tipo de suicídio seria maior entre homens que mulheres, visto que são mais dependentes da solidariedade social que as mulheres, mais acostumadas a solidão (por ficarem mais em casa que os maridos que trabalham na rua). O homem seria mais impregnado de sociabilidade, sendo um ser social mais complexo, dependendo sua moral de várias condições e se perturbando com mais facilidade. Suicídio Altruísta Existe também um tipo de suicídio que difere do anterior por características marcantes. Enquanto o anterior se devia ao intenso individualismo, estado onde o ego escapa do conjunto e não obedece senão a ele próprio, e outro que decorre do fato do indivíduo estar estreitamente sob a obediência do coletivo, onde o ego não se pertence, se confundido a outra coisa que não ele próprio, estando sua conduta fora de si mesmo no grupo ao qual pertence. A esse tipo de suicídio chamaremos de altruísta. Nesses casos o homem não se mata por se arrogar no direito de, mas porque se sente na obrigação de fazê-lo. Renuncia-se da própria vida porque existe algo maior que eles amam mais que a si mesmo. Podemos dividir essa categoria em 3 variedades: suicídio altruísta obrigatório (pressão do coletivo), suicídio altruísta facultativo e suicídio altruísta agudo (suicídio místico de mártires por exemplo, que quando não se matam se entregam voluntariamente para serem mortos). Esse tipo de suicídio pode ocorre tanto em sociedades contemporâneas ("desenvolvidas"), quanto nas sociedades primitivas Suicídio Anômico Os suicídios anômicos nada mais são que ascensões bruscas da curva de suicídios , em períodos em que a sociedade se vê perturbada, seja por crises dolorosas ou por transformações súbitas, mesmo que favoráveis. No caso das crises econômicas, faz-se necessário que se diminua o padrão de vida, ajustando- se a condição atual. No caso dos ricos isso se torna muito difícil, pois acostumados ao ímpeto de querer sempre mais, seguindo às suas paixões e desejos, é difícil frear esse movimento. Já nos países pobres, a pobreza protege contra o suicídio, porque é ela mesma um freio. Há maior 39 conformação com o que se pode ter, agindo com moderação e tendo maior consciência dos seus limites, nada lhes excitando a inveja. É essa incessante busca por mais e mais, que já se tornou marca de distinção moral baseada na doutrina do progresso que leva a essa falta de controle e limites, estando desregrada a atividade dos homens que nos momentos de crise levam a esse terceiro tipo de suicídio. Falta ao homem a marca do coletivo em suas paixões individuais, deixando-as assim sem freio para as regular. (Podemos então fazer um paralelo entre o suicídio egoísta e o anômico, visto que em ambos há ausência de afirmação do coletivo). Esse tipo de suicídio está presente nas principalmente nas sociedades de atividades econômicas desenvolvidas, como comércio e indústria. Bibliografia de referência: DURKHEIM, Emile - Suicídio: definição do problema, Suicídio Altruísta, Suicídio Egoísta, Suicídio Anômico, in Coleção Grandes Cientistas Sociais, pp. 103 a 122, 7ª Edição, 1995, Ed. Ática. Max Weber Suas teorias não se identificam com nenhuma corrente de pensamento da época nem se encontram perfeitamente sistematizadas em uma grande obra. Seu pensamento é uma síntese da tradição científica e filosófica da Alemanha moderna resgatando o melhor da metodologia e dos conceitos já formulados para propor uma ciência social em que os múltiplos fatores se encontram relacionados e se explicam reciprocamente. Sociologia Compreensiva Max Weber é o maior representante da chamada Sociologia Compreensiva. - Sociologia Compreensiva: só se tem acesso aos fenômenos socioculturais por meio de procedimentos metodológicos diversos daqueles usados nas Ciências Físico-Naturais e na Matemática. - Cultura: a “compreensão” é o único meio de ingresso no reino da cultura. - Compreensão: captação interpretativa do sentido ou conexão de sentido. - Conhecimento Sociológico: O conhecimento sociológico é o conhecimento da compreensão, isto é, de dentro para fora. Esse sentido pode estar concebido ou na ação particular, ou no pensado de modo aproximado, ou no construído cientificamente pelo método tipológico quando se elabora um tipo ideal puro de um fenômeno freqüente. Método Tipológico 40 Max Weber foi o pioneiro do "método tipológico”, pela análise da ação social e dos estudos sobre Sociologia da Religião. - Método tipológico: construção de um arquétipo de ação social, levando em consideração ações históricas que, em sua pureza, não existe na realidade. - Método dos tipos ideais: classificar e comparar fatos sociais produzidos em uma mesma sociedade, em sociedades do mesmo tipo ou em sociedades de tipos diferentes, para descobrir seus traços comuns, de modo a estabelecer os tipos ideais puros das ações sociais, com suas regularidades, tendências, fatores e efeitos sociais. - Ideal puro: abstração, construída pela ciência, tendo por base fatos individuais que ocorrem na realidade social, levando em conta seus caracteres fundamentais, tornados típicos pela generalização (regra geral do acontecer). A utilização desses “tipos ideais” alargou os horizontes da sociologia. Sociologia: “Ciência que pretende entender, interpretando-a, a ação social, para dessa maneira explicá-la causalmente.” Ação Social Ação Social: ação que se dirige a outros indivíduos. “É ação em que o sentido subjetivo do sujeito ou sujeitos está referido à conduta de outros, orientando-se por esta em seu desenvolvimento”. Sentido: elemento interno, imaterial, da ação, deve ser pesquisado em primeiro lugar. Pode ser o “sentido médio de uma massa de casos” ou então o construído pela inteligência e generalizado em um tipo ideal com atores ideais. Não deve ser confundido com o sentido objetivamente justo ou com o sentido verdadeiro, metafisicamente fundado. - Captação do Sentido da Ação: para a Sociologia captar esse sentido da ação, segundo Weber, o sociólogo deve reviver ou reconstruir, em sua mente, a ação social dos outros, só assim alcançando a sua compreensão. Ações da vida social - Ação tradicional: processa-se de acordo com as tradições seculares, com usos e costumes sagrados. - Ação carismática: inova e inobserva tradições. Funda-se na crença de ser seu autor dotado de poderes sobre-humanos e sobrenaturais que agem, livremente, sem fazer caso de normas estabelecidas ou de tradições, estabelecendo novas normas e criando tradições. - Ação afetiva: orientada pelas emoções e sentimentos. 41 - Ação social racional: causal ou logicamente compatível com os fins propostos. Ação Política A finalidade ideal da ação política é a instituição é a perpetuação do poder. Para a instituição e a perpetuação do poder a ação política exerce três tipos de dominação que precisam ser legitimados. Essa legitimação é realizada das seguintes formas: Tipos ideais de dominação: - Dominação carismática: legitimada pela fé e pelas qualidades sobrenaturais do chefe - Dominação tradicional: legitimada pela crença sacrossanta na tradição - Dominação legal: legitimada pelas leis a partir dos costumes e tornado possível pela burocracia, trazendo a especialização e a organização racional e legal das funções Determinismo Econômico (Marx) X Determinismo Recíproco (Weber) Max Weber critica o determinismo econômico de Karl Marx, preferindo a interação da estrutura econômica com as formas de consciência social. Ele procura demonstrar que em algumas sociedades a superestrutura ideológica está subordinada a sistemas econômicos enquanto que em outras ocorre o inverso, ou seja: o determinismo é recíproco. O capitalismo, segundo Weber, é um sistema econômico possibilitado pela posição religiosa protestante, quando foi criada uma ética partidária da livre interpretação dos textos sagrados, liberando o lucro e o juro do conceito pecaminoso difundido pela ética católica. Dualismo Racionalismo – Irracionalismo A Sociologia Weberiana caracteriza-se por um dualismo racionalismo – irracionalismo. - Racionalismo: rotina social; estabilidade; tradição; legalidade; continuidade; espírito científico e pragmático do ocidente, sacrificando a espontaneidade da vida aos cálculos e à seleção dos meios, para serem atingidos fins previamente escolhidos. - Irracionalismo: crenças; mitos; sentimentos; ação carismática. 42 A Probabilidade Weber procurou mostrar que existe um coeficiente de indeterminação ou imprevisibilidade no processo social, usando os conceitos de probabilidade. Ela desempenha o papel da causalidade e da lei em outros sistemas sociológicos. Dados certos elementos há probabilidade, e não certeza, de que o processo social desenvolver-se-á de determinada maneira. Ou seja: no reino do social não há certezas, mas probabilidades. Burocracia Os principais elementos da estrutura burocrática são: 1) Atividades normais = deveres formais: todas as atividades normais necessárias às organizações transformam-se em deveres totalmente formais, exigindo a cada dia uma especialização maior assim como a maior responsabilidade de cada elemento na execução da sua tarefa. 2) Organização hierárquica de cargos: todos os cargos são organizados de acordo com princípios hierárquicos, aparecendo diferentes níveis de "status" e diferenciação de "papéis". Todos os cargos trazem junto um determinado grau de responsabilidade e de autoridade. Cada elemento assume a responsabilidade, perante seus superiores hierárquicos, pelas suas ações e decisões e também pelas de seus subordinados. A autoridade de cada um se restringe às funções para as quais foi designado. 3) Definição de responsabilidade e de formas de interação: A responsabilidade de cada membro e a própria interação entre eles é prédeterminada por normas e regras que visam tornar o serviço burocrático necessariamente simples e rotineiro. Isso assegura a realização uniforme de todas as tarefas independente do número de funcionários nela contidos. 4) Cargos = subsistemas abertos: os cargos, nas organizações burocráticas, passam a ser subsistemas abertos tecnicamente, eliminando a antiga figura do "imprescindível e insubstituível". Em contrapartida houve a necessidade de proteção do funcionário contra arbitrariedades, o que passou a ser feito pelas legislações trabalhistas. 5) Eficiência da Burocracia: tecnicamente as organizações burocráticas realmente puras tendem a alcançar um alto grau de eficiência, o que pode ser exemplificado pelas: - Organizações militares - Organizações religiosas - Organizações hospitalares Karl Marx Marx não foi apenas um filósofo e economista, cujas teorias influenciaram todo o pensamento moderno, mas também um homem de ação. Sua militância 43 ajudou a criar um socialismo científico, que serve como base para a grande maioria dos movimentos operários de hoje. Karl Heinrich Marx Nasceu em Trier, Alemanha, 5 de maio de 1818 Casou com Jenny Von Westphalen (1843) Morre em Londres , 14 de março de 1883 Obras principais: Miséria da Filosofia (1847) Contribuição à Crítica da Economia Política (1859) - e-book disponível grátis A Ideologia Alemã (1845) - e-book disponível grátis Manifesto Comunista (1847) - e-book disponível grátis O Capital (1867-94) Filho de uma família judia de classe média que aderiu ao cristianismo, Marx estudou em Berlim, doutorando-se em filosofia do Direito com uma tese sobre os materialistas gregos. Após colaborar com os jovens hegelianos como redator chefe da Gazeta Renana, viu-se obrigado a abandonar o cargo; seus artigos irritaram as autoridades devido ao radicalismo. Seguindo para Paris, trava conhecimentos em 1844 com Engels, que o inicia no socialismo. Depois de romper com os hegelianos e de um breve namoro com Feuerbach, parte para Bruxelas, onde mantém contato com organizações clandestinas de trabalhadores. Ao voltar à França, em 1848, ano de revolução, redige com Engels o Manifesto Comunista, primeiro esboço da teoria revolucionária que mais tarde seria chamada de Marxismo. A Europa vivia um clima de revolução. Marx volta então para a a Alemanha, onde funda a Nova Gazeta Renana, o primeiro diário socialista que se conhece. Derrotada a revolução e fechado o jornal, Marx busca exílio: primeiro Paris; depois Londres. Na Inglaterra dedica-se aos estudos históricos e econômicos, tornando-se um frequentador assíduo do British Museum. Em 1864, situado entre os fundadores da I Internacional dos Trabalhadores, encontra feroz oposição dos anarquistas, liderados por Bakunin. Após mais de vinte anos de estudos e preparação, publica em 1867 o primeiro volume de O Capital (Das Kapital), obra na qual resume todas as suas teorias. Mas não consegue terminar o segundo e terceiro volumes, completados após sua morte por Engels. Com o fim da I Internacional, Marx ainda reúne forças para organizar o Partido Social Alemão, mas falece após prolongada doença em Londres, antes de ver o partido conquistar suas primeiras vitórias. Marx e as relações entre Capital e Trabalho 44 Hegel (“pai” do idealismo absoluto) Marx ( materialismo histórico) Marx = neo-hegeliano, ou seja, ao mesmo tempo em que aceitava as atitudes e métodos fundamentais de Hegel, procurou eliminar todas as interpretações conservadoras de sua filosofia. Elaborou, junto com Engels, a sua idéia sociológica, em: 1) Crítica à Economia Política (1895) 2) A Ideologia Alemã 3) Manifesto Comunista Os estudos que resultaram nesses trabalhos foram fruto de um longo trabalho bastante polêmico iniciado em Paris (1843 a 1844) e terminando com polêmicas que teve com Ruge, Bauer e Proudhon. Proudhon publicou em 1847 a “Filosofia da Miséria”, o que fez Marx responder com “A Miséria da Filosofia”. Crítica à Economia Política Marx apresenta os alicerces da sua Sociologia Econômica, expondo os princípios do Determinismo Econômico. Determinismo Econômico Idéias básicas do Determinismo Econômico lançadas por Marx na Crítica à Economia Política: - É na Economia Política que se encontra a Anatomia da Sociedade Civil. - Na “Produção Social” os homens estabelecem relações independentes de sua vontade, necessárias, determinadas. - Estas relações de produção correspondem a certa etapa do desenvolvimento de sua força material de produção. - O conjunto destas relações de produção constitui a estrutura econômica da sociedade, a base real sobre a qual se erguem as superestruturas jurídica e política e às quais correspondem as formas sociais e determinadas de consciência. - O modo de produção da vida material determina o caráter geral do processo social, político e intelectual da vida. - Não é a consciência dos homens que determina a sua existência mas, ao contrário, sua existência social determina sua consciência. - Em certa etapa de seu desenvolvimento as forças materiais de produção da sociedade entram em conflito (contradição) com as relações de produção existentes ou, em termos jurídicos, com as relações de propriedade dentro das quais haviam estado agindo antes. 45 - Estas relações tornam-se, então, obstáculos para as forças produtivas, nascendo, nesse momento uma época de revolução social. - A mudança da base econômica, gerada pela transformação material das condições econômicas de produção, provocam revoluções jurídicas, políticas, religiosas, artísticas e filosóficas, que são as formas ideológicas que servem aos homens não só para tomar consciência deste conflito, como também para explicá-lo. - Da mesma forma que é impossível julgar um indivíduo pelo que ele pensa de si mesmo, não se pode julgar tal período de transformação pela própria consciência. - Este conflito só pode ser julgado pelas contradições da vida material , pela luta entre as forças produtivas da sociedade e pelas relações de produção que lhe correspondem. - Por outro lado jamais aparecem novas relações de produção superiores às antigas antes que as condições materiais de sua existência se tenham desenvolvido completamente no seio da velha sociedade. - Portanto a humanidade só cria problemas que pode resolver; desde o momento em que, considerando as coisas mais de perto, se percebe que o problema só surge quando já existem, ou então estão em formação, as condições materiais para a sua solução. - As relações burguesas de produção representam a última forma antagônica do processo de produção da sociedade. Este antagonismo não significa antagonismo individual, mas conflito que decorre das condições de vida social dos indivíduos. E ao mesmo tempo, as forças produtivas que se desenvolvem no seio da sociedade burguesa criam as condições materiais indispensáveis à solução desse antagonismo. Com esta fase do processo social encerra-se a pré-história da sociedade humana. Manifesto Comunista Marx e Engels apresentam a teoria da Dinâmica Social, sob a forma da teoria da Luta de Classes (mais ligada a Engels do que a Marx). Dinâmica Social Marx se preocupa mais com a dinâmica social do que com a estática. Segundo ele, o fator fundamental do desenvolvimento social vem mais das relações de produção e das condições de existência material do que do pensamento ou da consciência humana. Tais relações de produção são relações sociais fundamentais muitas vezes camufladas por aparências ideológicas. 46 Estática Social A Estática Social é caracterizada pelo pensamento e consciência humana, formando a ideologia. A ideologia, forma de alienação humana, impede que o homem reconheça que é explorado, bem como que conheça a sua real situação social e as suas origens. A ideologia cria uma falsa consciência. Ideologia subordinada às relações de produção A ideologia engloba todos os produtos do pensamento e representações humanas (ciência, arte, filosofia, direito, moral, etc), formando a capa superior da sociedade - superestrutura ideológica - mas produzida pela infra-estrutura econômica, ou seja, pelas condições de existência material, isto é, pelas relações de produção. Contradição e Conflito na Teoria Sociológica Marxista Contradição: entre as fases econômicas do desenvolvimento social, entre as ordens econômicas ou entre a infra-estrutura e a superestrutura ideológica, bem como pela luta de classes. Segundo Marx, a história de todas as sociedades existentes até agora é a história da luta de classes, entre operários e patrões, entre capitalistas e trabalhadores, entre chefes e servos, etc. Influência de Hegel em Marx Baseado no pensamento de Hegel, Marx diz que: “A contradição é a fonte de toda a vida. Só na medida em que encerra em si uma contradição é que uma coisa se move, tem vida e atividade. Só o choque entre o positivo e o negativo permite o processo de desenvolvimento e o eleva a uma fase mais elevada.” Naturalmente Marx substitui, do pensamento de Hegel, o espírito ou a idéia, que são os elementos básicos de sua dialética, pelas relações de produção, pelos sistemas econômicos, pelas classes sociais, ou seja, pelas condições materiais de existência. Crítica a Marx Muitos pensadores criticam Marx em seu monismo econômico, alertando que existem outros fatores que inteferem no fenômeno social, como o geográfico, o demográfico, o biológico, o religioso e outros. Max Weber, ao estudar a influência da ética protestante sobre o capitalismo, mostra que do tipo de sociedade depende a predominância do fator econômico, ou seja, o determinismo econômico apontado por Marx nem sempre é verdadeiro. Por isso e;le cria o termo determinismo recíproco, mostrando que há momentos ou sociedades em que esse determinismo é invertido. Uma personagem "picante": Rosa Luxemburgo 47 Nasceu em Zamosc, Polônia, em 1871 Não conheceu Karl Marx. Quando Marx morreu, Rosa tinha 12 anos Influenciada por Georgy Plekhanov e Pavel Axelrod, figuras decisivas do socialismo russo Perseguia a libertação do proletariado como tarefa internacional Fundou o Partido Social Democrata, depois Partido Comunista na Polônia Participou da Fundação do Partido Comunista Alemão (1918) Casou com Gustav Lübeck Fuzilada em Berlim, em 15 de janeiro de 1919 Obras: Reforma Social ou Revolução? (1889) Greve Geral: Partido e Sindicatos (1906) A Acumulação do Capital (1913) A Crise da Social Democracia (1916) 48 PARTE 4. Temas para análise sociológica: Racionalidade: (Estudo sobre o texto de Erhard Friedberg, in Raymond Boudon, Tratado de Sociologia, Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1995) O texto trata de como analisar e explicar os comportamentos dos grupos e dos indivíduos. Para que essa análise seja possível é necessário o acompanhamento da ação humana, e isso é feito por meio de quadros de referência. Esses quadros são preparados, estudados e alterados pelos analistas do comportamento humano e social com base em diversas técnicas, entre elas as de observação, pesquisa de campo, e outras. Devido as mais diversas mudanças no meio social, entre elas as mudanças de hábitos e costumes provocados ou pelo progresso científico e tecnológico como pelas influências inter-culturais, esses quadros analíticos evoluem. Constata-se hoje que houve, pelo menos, duas evoluções distintas nesses quadros de referência, ambas complementares: 1ª - motivação: maior importância passa a ser dada a descoberta e análise dos elementos que trazem motivação ao indivíduo. Essa linha de raciocínio nos leva a entender que a motivação do ser humano não é mais considerada tão previsível como antes, já que ele passa a ser entendido como realmente é, ou seja, um agente complexo e com reações emocionais muito diversificadas, muitas vezes consideradas irracionais. Esse comportamento imprevisível mostra que, para sua motivação, há que se atender às suas necessidades psicológicas e à estrutura de sua personalidade. 2ª - racionalidade: a noção clássica de racionalidade do comportamento humano passa a ser relativisada, ou seja, passamos a entender no Ser Humano uma racionalidade relativa, racionalidade limitada ou até irracionalidade. Do homem manipulado ao homem complexo: As teorias clássicas nunca consideraram o comportamento humano como um problema. Os comportamentos negativos que eram verificados e que se pretendia corrigir eram sempre considerados resultado de estruturas de trabalho mal concebidas e mal concretizadas. Nunca se entendia um mal comportamento como fruto da irracionalidade humana no trabalho. Todos os problemas eram imputados à aplicação deficiente de preceitos da ciência da organização, ciência essa que estava sendo construída. 49 Essa ciência organizacional criou o postulado homo economicus, que procurava provar que os comportamentos humanos eram completamente previsíveis. Segundo esse postulado cada agente era sempre racional, ou seja, sempre procurava alcançar o máximo de ganhos materiais possível. Quando a experiência prática desse postulado foi realizada nas fábricas da Western Electric em Hawthorne, mostrou resultados exatamente contrários! A partir daí começou-se a verificar que o comportamento humano nas organizações é muito mais complexo do que se imaginava, provocando um novo tema para reflexão e estudo. Essas experiências foram organizadas com a finalidade de controlar um estudo clássico sobre a influência de certas condições materiais de conforto na produtividade dos operários (no caso, as condições de iluminação). Tinha-se como certo de que os resultados mostrariam claramente que a melhora nas condições de conforto material repercutiriam positivamente na produtividade dos operários, de acordo com a hipótese do homo economicus. Os resultados, inexplicavelmente, foram totalmente contrários, levando os responsáveis a imaginar que teria havido algum erro de cálculo. Para verificar onde estava o erro, decidiu-se realizar outra série de experiências. Numa oficina destinada à montagem de pequenos circuitos elétricos a serem integrados em aparelhos eletrodomésticos, escolheu-se um pequeno grupo de voluntários. Esse pequeno grupo deixou a oficina tradicional e foi trabalhar numa oficina separada, sob as ordens de supervisores especiais: trata-se do relay-assembly-test-room. Em seguida, nessa oficina separada, introduziram-se variações no regime de trabalho desse grupo-teste (tempo de descanso, modo de remuneração, duração do trabalho etc.) durante treze períodos, durante os quais foi sendo registrado, cuidadosamente, todos os dados que pudessem fornecer informações sobre o "moral" e sobre a produtividade. No aspecto moral considerou-se o ambiente, as relações interpessoais, a satisfação individual etc.. No aspecto produtividade considerou-se a eficácia do trabalho desenvolvido. Os resultados foram idênticos ao anterior, mostrando que não houve qualquer erro de cálculo! Os resultados dessa experiência e da anterior revelaram que, assim que o grupo selecionado iniciou seu trabalho na nova oficina houve um aumento, tanto no aspecto "moral" como no aspecto produtividade, totalmente independente de qualquer variação das suas condições de trabalho, que foram sendo modificadas nos treze diferentes períodos. E mais: mesmo quando as condições de trabalho voltaram as mesmas do início, a partir do décimo terceiro período, os aspectos produtividade e moral continuaram basicamente em alta, sem sofrer qualquer queda significativa. Numa ótica clássica, onde as reações comportamentais do indivíduo são consideradas previsíveis e perfeitamente racionais, esses resultados eram inexplicáveis. Mas foi graças a uma análise secundária procurando-se observar as implicações das condições humanas e sociais em que a experiência tinha sido realizada (estilo de vigilância participativa, possibilidades de interação entre operários etc.) que se descobriram as explicações para tais resultados, que inicialmente pareciam uma contradição. Chegou-se a conclusão de que 50 existe uma importância muito grande dos sentimentos, dos fatores afetivos e dos fatores psicológicos no comportamento humano nas organizações. Essa descoberta, que pode ser banal hoje em dia, foi considerada, na época, uma grande inovação, cujo alcance foi considerável! Correspondia a um notável enriquecimento da visão do homem no trabalho: o indivíduo não é movido unicamente pelo apetite de ganho. Ele é igualmente motivado por sua afetividade e por suas necessidades psicológicas mais ou menos conscientes. Não é apenas a mão que o move, mas também o coração. Essa descoberta veio, portanto, dar origem a uma importante corrente de investigação e de ação: o movimento das relações humanas. A forma experimental do movimento das relações humanas procurava explorar essas novas motivações sentimentais ainda desconhecidas e examinar as suas conseqüências para o funcionamento das organizações. Esse estudo inspirou e estimulou, direta ou indiretamente, toda uma série de investigações experimentais de orientação antropológica (estudo dos caracteres físicos dos grupos humanos) e por assim dizer etnológica (estudo dos aspectos culturais) que passaram a ser os pontos altos da sociologia industrial, da sociologia ou psicossociologia do trabalho e da sociologia da burocracia tanto nos Estados Unidos como na Europa. Os resultados, agora clássicos, desses trabalhos, vieram renovar por completo nossos conhecimentos. As análises que fazemos da vida concreta nas organizações tanto nas bases como no topo, das práticas e da eficácia das relações hierárquicas e de autoridade, assim como da realidade das interações informais que se estabelecem e se ocultam por trás das estruturas formais são a partir de então profundamente diferentes... Na prática o movimento procurava utilizar os conhecimentos acumulados para melhorar os resultados de conjunto das organizações, alterando a qualidade das relações humanas, principalmente por meio de uma direção mais participativa e de programas de formação extensiva de seus funcionários. Entretanto, as contribuições dadas no plano conceitual e intelectual, principalmente em termos de raciocínio organizacional, acabaram por se revelar decepcionantes. A verdade é que o raciocínio organizacional permanece prisioneiro da visão tayloriana de um indivíduo passivo no trabalho, respondendo de forma estereotipada (inalterável) aos estímulos a que é submetido. A única diferença que se verifica é que acrescentou-se estímulos afetivos aos estímulos econômicos anteriormente entendidos. A introdução da afetividade no raciocínio trouxe uma considerável complexidade nesse estudo. Foi desenvolvido, então, o postulado de uma "natureza humana", com propriedades e necessidades inventariáveis, previsíveis e, logo, influenciáveis também. Por causa desses postulados essa corrente de estudos foi muitas vezes acusada por sindicatos e por estudiosos de apresentar uma característica conservadora e também manipuladora. Isso também explica as razões de ter caído na psicologização do estudo das organizações, característica dos trabalhos de toda uma corrente de investigação que, extremamente influente, sobretudo nos meios da gestão e nas business-schools, conheceu seu apogeu durante os anos 60. 51 De acordo com a leitura motivacional de Maslow, esses autores imputam aos membros de uma organização uma série de necessidades psicológicas que estes procuram satisfazer mediante sua participação na organização. Essas necessidades são hierarquizadas e variam em função das etapas de desenvolvimento individual e social. Todavia, num determinado momento, são relativamente estáveis e uniformes. As dificuldades e os conflitos organizacionais têm sua origem numa falta de compatibilidade entre essas necessidades e as oportunidades e restrições impostas pelas estruturas organizacionais, ambas tratadas como variáveis independentes. O caráter redutor e indevidamente normativo do raciocínio que leva a postular para os indivíduos, e consequentemente para as organizações, um modelo ideal e único de saúde psicológica não escapou a esses autores. Daí que Argyris, perante comportamentos de apatia que não correspondem ao esquema teórico do homem que procura realizar-se, se veja reduzido a pôr em prática uma espécie de marxismo ao avesso e a falar de necessidades "recalcadas" ou "reprimidas". Outros autores atenuaram consideravelmente o esquema explicativo, introduzindo a noção de "homem complexo". Esta noção tem o mérito de aceitar a multiplicidade das motivações que caracterizam as situações reais e, ao mesmo tempo, de restituir de certo modo aos indivíduos sua autonomia face às suas próprias necessidades: voltam a ser ativos e, logo, fundamentalmente imprevisíveis. Paradoxalmente, porém, marca o fim da tentativa de basear uma explicação do funcionamento das organizações numa abordagem puramente psicológica. Da racionalidade onisciente à racionalidade oportunista A abordagem psicológica do comportamento humano nas organizações abortou devido aos impasses das explicações anteriores. O estudo empírico da tomada de decisão nas e pelas organizações, ao possibilitar a substituição do modelo clássico da racionalidade onisciente pelo modelo empírico da racionalidade limitada ou relativa, vieram exigir a inversão do modo de raciocínio empregado e renovaram por completo nossa visão do funcionamento das organizações. Essa verdadeira desconstrução de todas as premissas do modelo clássico da racionalidade, umas após outras, é o resultado dos trabalhos de um grande número de autores que para isso contribuíram. É, contudo, a Herbert Simon e ao grupo que ele animou no Carnegie Institute of Technology que cabe o mérito de ter fixado as bases decisivas para renovar por completo nosso raciocínio sobre a racionalidade, ao propor o conceito de racionalidade limitada. O ponto de partida de Simon é duplo: Por um lado, o sentimento de que a teoria das organizações só tem utilidade e justificação caso se admita que a racionalidade humana está sujeita a limitações e que essas limitações estão elas próprias dependentes do contexto organizacional em que se situa um determinado responsável por decisões. 52 Por outro lado, uma profunda insatisfação com o que considerava ser a tendência irracionalista das ciências do comportamento de então.. Em sua opinião elas satisfaziam-se com demasiada facilidade com a demonstração de que os comportamentos humanos não correspondem de modo algum às hipóteses de racionalidade perfeita, em lugar de procurarem saber por que esses comportamentos aparentemente irracionais talvez não o sejam. Daí sua convicção de que uma teoria da ação administrativa deve ser construída sobre uma teoria da escolha racional, já que o comportamento humano nas organizações, mais do que em qualquer outro lugar, deve ser considerado como "desejado de forma racional". O modelo da racionalidade onisciente (Simon fala, a propósito, de racionalidade objetiva) repousa sobre três premissas essenciais. Neste modelo, considera-se que o decisor: - Detém todas as informações e uma capacidade ilimitada para seu tratamento; - Procura a solução ótima entre todas as opções possíveis; - Tem uma idéia clara quanto às suas preferências, que são consideradas consolidadas de uma vez por todas, estáveis, coerentes e hierarquizadas. São as duas primeiras premissas que constituem o alvo das críticas e das propostas de Simon. Em uma série de publicações ele argumenta que toda e qualquer opção é sempre feita sob pressão e que a racionalidade humana é limitada por duas grandes coações de certo modo irredutíveis. Por um lado, a informação de um decisor é sempre incompleta porque o conhecimento das conseqüências das diferentes possibilidades de ação e do seu valor no futuro é sempre fragmentário e, devido a razões de toda ordem (falta de tempo, falta de imaginação, falta de atenção), apenas um pequeno número das soluções possíveis é realmente ponderado. Por outro lado, nenhum decisor está apto a otimizar suas soluções, uma vez que a complexidade dos processos mentais que uma verdadeira otimização implica supera, e muito, as capacidades de tratamento da informação e de raciocínio do ser humano. Em lugar do raciocínio sinóptico (reduzido) postulado pelo modelo de racionalidade onisciente, o decisor põe em prática um raciocínio seqüencial no qual, a partir de uma idéia mais ou menos precisa do que seria uma solução aceitável, examina uma a uma as opções que se lhe oferecem e dirige sua escolha à primeira que corresponde essa idéia. Segundo as palavras de Simon, não otimiza, contenta-se com uma solução satisfatória. A noção de racionalidade limitada significa uma completa renovação do modo de raciocínio empregado. Em vez de criticar o decisor por não se comportar segundo os padrões do modelo clássico e de procurar induzi-lo a conformar-se mais com esse modelo, deve-se estudar e compreender o comportamento do decisor a partir de uma investigação e de uma reflexão em duas direções: 53 A primeira tem a ver com as condições contextuais ou, se quisermos, organizacionais e sociais da tomada de decisão, isto é, com a estruturação do campo de ação, de que as características, as regras, os equilibrios de poder e os sistemas de alianças condicionam a percepção e, por conseguinte, a racionalidade dos decisores. A forma como concentram a atenção e os esforços nos diferentes problemas limita, de fato, todos os seus conhecimentos e possibilidades de busca de soluções, estrutura a emergência das opções ou possibilidades de ação ou, em termos mais gerais, provoca ou impede os contatos entre os problemas, as soluções e as situações de decisão. A segunda refere-se aos critérios de decisão, ou se quisermos, das preferências que os decisores utilizam, consciente ou inconscientemente, para escolherem entre as opções que se lhes oferecerem. Situadas fora da formulação inicial de Simon, essas preferências e as condições e processos de sua emergência, de seu desenvolvimento e de sua mudança têm estado no centro de uma série de reflexões que aos poucos foram esvaziando de conteúdo a terceira premissa do modelo clássico. Retomando, aprofundando e estendendo as conclusões de Festinger sobre a dissonância cognitiva, esses trabalhos mostram que as preferências de um decisor num determinado momento não são precisas, coerentes e unívocas mas, ao contrário, múltiplas, fluidas, ambíguas e contraditórias, que não precedem necessariamente a ação e que podem também ser-lhe posteriores, que não são estáveis e independentes das condições de escolha mas, ao contrário, adaptativa e sujeitas a modificações endógenas (interiores), isto é, produzidas pela própria situação de escolha, e que não são intangíveis mas, ao contrário, estão submetidas a manipulações voluntárias ou involuntárias conscientes ou inconscientes por parte dos decisores. Daí resulta a necessidade de afrouxar os laços entre o comportamento de um indivíduo e suas preferências, representações e propósitos. Os dois não estão ligados nem de forma estreita ou cerrada (podem coexistir gamas de comportamento relativamente variadas com um mesmo conjunto de preferências) nem de forma unívoca (as preferências num momento podem induzir a opções do mesmo modo que as opções podem induzir preferências). Em outros termos, deve-se não só aceitar uma visão menos intencional e linear da ação humana, mas também reformular as concepções normativas da decisão nessa conformidade. Convém sublinhar o alcance heurístico do que podemos designar por uma verdadeira desconstrução da noção de preferência. Estendendo e completando a noção simoniana de racionalidade limitada que, na verdade, implicitamente a invocava, chama a atenção para a natureza essencialmente contingente e oportunista do comportamento humano. Sendo sempre o produto simultâneo de um efeito de disposição e de um efeito de posição, não pode ser pensado isoladamente das pressões e das oportunidades que os contextos de ação fornecem aos indivíduos. Desse modo, permite que nos libertemos do que D. Wrong designou como uma concepção hipersocializada do homem, que procura no passado dos indivíduos e em suas experiências marcantes de socialização a explicação dos seus comportamentos presentes. Aqui, as características do contexto de ação presente tornam-se tão importantes quanto 54 o passado para compreender os comportamentos, e os indivíduos recuperam um mínimo de distância e de autonomia face a seus valores, normas e experiências. Ao mesmo tempo, ela permite relativizar o papel das intenções e do cálculo nos comportamentos humanos. Só raramente os indivíduos têm preferências ou objetivos claros. Sobretudo, nem sempre têm tempo para calcularem suas atitudes em função dessas preferências. São levados a tomar medidas necessárias para se protegerem, o que pode obrigá-los a reconsiderar as finalidades de sua atuação no meio do percurso, ou a inventar ou descobrir outras, a "racionalizarem" sua ação. É, portanto, ilusório considerar comportamento humano sempre refletido, isto é, mediatizado através de um cálculo a partir de objetivos previamente fixados. Basta analisar tal comportamento como ativo, ou seja, como uma escolha efetuada sob pressão dentre um conjunto de oportunidade presentes num dado contexto, ou até como uma adaptação ativa e razoável às oportunidades e pressões existentes num determinado contexto. Ao tornar passíveis de uma análise racional todos os comportamentos humanos, sem tecer juízos prévios sobre a origem, a substância ou o conteúdo de sua racionalidade, esta visão abrangente da racionalidade permite estabelecer um utilitarismo metodológico, isto é, um método de análise das organizações e da ação organizada que recorre à hipótese de uma racionalidade utilitária ou "estratégica" dos comportamentos para descobrir, através dos desvios dessa racionalidade, os elementos racionais e irracionais (afetivos, ideológicos, culturais, etc.) da estrutura do campo, ou seja, as características do jogo ou dos jogos em que os indivíduos estão envolvidos. Poder: 1. Conceito de Poder Entendemos o poder como a capacidade de dominar, desde que se consiga resultados visados (pretendidos) após a realização de ações eficazes perante a natureza ou o ser humano, considerando o ser humano como nós mesmos ou os outros. Tomamos como medida de poder a relação entre os resultados obtidos e os desejos específicos do ator. "O poder de uma pessoa consiste nos meios presentes de obtenção de um bem aparente no futuro" (Hobbes, em Leviatã, capítulo X) "Poder é a capacidade de certas pessoas produzirem os efeitos pretendidos e previstos sobre outrem" (Dennis Wrong, 1980, p.2) 2. Interesses fundamentais envolvidos com o poder a) Poder e ação surgem estreitamente associados 55 - poder como capacidade de alterar o curso de eventos - poder como capacidade transformadora inerente à ação humana b) Poder é a aptidão para produzir resultados - poder como capacidade de executar e realizar c) Poder é uma capacidade duradoura independente de eventos ou do seu exercício. 3. Relações de poder entre indivíduos e grupos a) Capacidade de efetuar (poder de...) b) Capacidade de afetar (poder sobre...) Para atingir seus objetivos alguns atores são levados a utilizar outras pessoas ou as suas energias e aptidões como meios para alcançar o poder, caracterizando, nesses casos, a necessária ligação do "poder de" ao "poder sobre". 4. Relação clássica entre poder e intenção A regulação social espontânea faz parte de um jogo de interação informal e natural da sociedade e, portanto, fora do domínio da ação do poder. Quando não há intenção normalmente não se configura o poder. A intenção normalmente define o poder. Essa intenção que define o poder visa tipo de resultados, mais do que resultados específicos. As ações empreendidas visando a realização da intenção podem trazer conseqüências não pretendidas. Se essas conseqüências, embora nãopretendidas, tenham sido previstas pelos autores ou ainda, se elas não interferem na realização da intenção, continua configurado o poder. 5. Relação paradoxal de poder não declarado Situação: "A" não declara sua intenção e não existe uma ordem estabelecida. "B" se comporta de forma a satisfazer as espectativas afetivas de "A". Análise: Configurou-se a "regra das reações antecipadas", ou seja: "B" evita desagradar expectativas de "A ", mesmo que essas expectativas não sejam declaradas. 6. Poder é relação de atributo ou relação de preferência? 56 a) Relação de atributo: É quando o poder é algo detido pelo ator social, da ordem da substância, com características bem definidas e permanentes. b) Relação de preferência: É quando o poder se configura sobre uma determinada pessoa ou grupo, não existindo sobre outras. 7. Formas de poder a) Poder manifesto: Poder manifesto é o poder que está evidenciado pelo exercício do domínio e da influência. b) Poder latente: Considera-se poder latente a capacidade de dominar e influenciar. 8. Extensão do poder a) Campo do poder: Campo do poder é a esfera mais ou menos vasta da atividade de "B" sob a influência de "A". b) Intensidade: Intensidade é o grau de obediência de "B" em relação a "A". 9. Poder e Conflito "Poder significa a possibilidade de fazer triunfar no seio de uma relação social a sua própria vontade mesmo contra resistências, qualquer que seja a base em que se baseia tal possibilidade" (Weber) Essa resistência pode ocorrer ou não, ou seja, pode existir ou não um conflito decorrente do exercício do poder. "O conselho é uma espécie de prescrição em que a razão pela qual obedecemos resulta totalmente da própria coisa que é prescrita. Ao passo que a ordem é uma prescrição em que a razão para obedecer resulta totalmente da vontade daquele que ordena." (Hobbes, em Leviatã) 57 A lei é do âmbito da ordem. A ordem nos obriga. O conselho nos sugere. 10. Persuasão racional X Poder Se "B" para obedecer a "A" pergunta: "Quais os argumentos perante os quais devo render-me?", está configurada a persuasão racional. Se, no entanto, "B" pergunta: "A quem devo obedecer?", está configurada a relação de poder. 11. Caráter específico do poder e seu jogo de correspondências a) Sanção positiva: - de situação: incitação, moeda. - de intenção: persuasão, influência O poder da sanção positiva se configura quando "A" procura obter de "B" o comportamento desejado por meio de promessas de recompensas ou recompensas efetivas. Nesse caso a recompensa precisa constituir a arma de "A" para induzir a obediência de "B", diferentemente da reciprocidade ou troca econômica existente no modelo de mercado. b) Sanção negativa: - de situação: coerção, poder. - de intenção: ativação de compromissos e compromissos generalizados. O poder da sanção negativa caracteriza-se pelo meio generalizado de coerção, como por exemplo quando uma unidade social "A" consegue a sujeição, à sua estratégia própria, de uma unidade social "B" ou mais, reduzindo a sua independência por meio de sanções situacionais negativas a título de ameaça. "O poder não é redutível ao uso da força, ainda que essa seja o último recurso do poder." (François Bourricaud). Aprofundamento: A questão do poder sob o ponto de vista de Maquiavel O Príncipe - RESENHA O autor inicia com uma breve dedicatória do livro ao "Magnífico Lourenço de Médici". Em seguida, começa a tratar de um assunto se estende por grande parte da obra: os principados. Vale ressaltar a definição de Estado segundo Maquiavel:"...todos os governos que tiveram e têm autoridade sobre os homens...e são ou repúblicas ou principados..."(cap. I).Em seguida, o autor 58 propõe-se a examiná-los com profundidade, de acordo com suas características, inicialmente os hereditários e os mistos. Sobre estes, é interessante ressaltar de sua análise que estes são os menos tangíveis de dominação por parte de um usurpador qualquer e também os de maior capacidade de conservação de poder, devido a força existente no comando de um príncipe de uma linhagem de comando já tradicional. A respeito dos principados mistos, pode-se dizer que sejam um desdobramento, uma continuação, de um Estado já existente, "...Estados, que conquistados, são anexados a um Estado antigo..."(cap. III, número 3).Sobre estes, Maquiavel tem por ponto central a forma de controle, que pode ser fácil ou problemática. Nesse caso, aponta algumas soluções, tais como: eliminação da linhagem de nobres que os dominava e não alteração da organização de leis e impostos preexistente, instalação de colônias ou a mudança do novo dominador para o local conquistado. Mas deve ficar bem claro que o ponto central de apoio a um novo Estado dominante é que os povos dominados (e também seus vizinhos) o apoiem. Aliás, na questão das leis, o autor dedica um capítulo da obra para tratar apenas desse assunto, apontando a maneira com que se deve governar as cidades ou principados que, antes da conquista, tinham leis próprias. A partir daqui, o autor inicia a utilização de diversos exemplos para ilustrar as características que propõe a descrever a partir daqui. Neste caso dos principados mistos, um nome bastante comentado é o de Luís XII. Maquiavel, a seguir, ilustra o porquê do reino de Dario, ocupado por Alexandre o Grande, não se revoltou contra seus sucessores após sua morte, contrastando este caso com territórios ocupados pela França. A grande explicação reside na forma de organização da monarquia: no reino de Dario, existe apenas uma figura central e de maior importância no poder, o príncipe, e todos os outros são servos; já nos reinos governados pela França, "...O rei...é posto em meio a uma multidão de senhores de linhagem antiga, reconhecidos e amados pelos súditos..."(cap. IV, no. 3), o que não cria uma figura central forte e, cujo poder, não possa ser contestado. Retomando o assunto dos principados, este agora são diferenciados pela forma com que foram conquistados, contrastando "Os principados conquistados com as próprias armas e qualidades pessoais"(cap. VI) e "Os principados conquistados com as armas e virtudes de outrem"(cap. VII).No primeiro, cita os exemplos de Moisés, Teseu, entre outros, que por virtude própria tornaram-se príncipes. Já no segundo, o autor transcorre a respeito de César Borgia, filho do papa Alexandre VI, cujas conquistas foram impulsionadas pelo poder da posição de seu pai e, depois, por alianças com pessoas de punho mais firme que ele, como Remirro de Orco. Já em "Dos que conquistaram o principado com malvadez"(cap. VIII), é tratado o fato de se atingir o principado através de "...atos maus ou nefandos..."(no. 1).Vale destacar a forma que Maquiavel propõe da maneira como devem discorrer as injúrias ao povo, segundo ele "...todas de uma só vez, para que, durando pouco tempo, marquem menos..."(no. 8).Também é interessante a maneira com que os benefícios ao povo devem ser proporcionados:"...pouco a pouco, para serem melhor saboreados..."(no. 8). 59 Por fim, tem-se os principados civil e eclesiástico. O principado civil é aquele em que um cidadão comum torna-se príncipe de sua pátria pelo favor de compatrícios. Segundo Maquiavel, "...se chega a este principado graças ao favor do povo ou dos nobres"(cap. IX, no. 1).Partindo desse princípio, denotase que, para a chegada do cidadão comum ao principado é necessário conquistar a simpatia de uma destas facções, que o levará a atingir seus objetivos. Já os principados eclesiásticos são mantidos pelas tradições da religião e tem uma força tão grande que mantém seu próprio príncipe no governo, independente da sua maneira de viver ou comportamento. O autor afirma que "...somente estes principados são seguros e felizes..."(cap. XI, no. 1) devido às condições que o domínio religioso oferece a estes príncipes, Estados e súditos: os príncipes detém o Estado, mas não o defendem, pois não há risco deste lhe ser tirado; e os súditos, mesmo não sendo governados, não se importam e nem pensam numa separação de seu príncipe. Entre as explicações destes principados, o autor discorre a respeito da forma "Como medir as forças de todos os principados", que trata basicamente de um assunto: a partir de que momento a força de um príncipe é tão grande a ponto de não precisar da ajuda de outros para se defender. Depois da discussão a respeito dos principados, o autor entra em uma parte que pode ser considerada intermediária na obra. Discorre sobre as milícias e exércitos, os quais afirma serem as bases principais de sustentação do poder, ao lado de boas leis, e ambos têm uma forte ligação entre si. A respeito dos tipos de milícias, podem ser de quatro tipos: próprias, mercenárias, auxiliares ou mistas. As mercenárias e auxiliares são de nenhuma utilidade e transmitem grande perigo, devido ao vínculo praticamente ausente com os que defendem. Deve-se sempre fugir destas milícias pois a verdadeira vitória só é saboreada se conquistada com as próprias armas, sem levar em conta o prestígio alcançado entre os soldados e súditos desta maneira. Sobre os deveres do príncipe para com seus exércitos, Maquiavel afirma que a arte da guerra deve ser sempre exercitada, tanto com ações como mentalmente, para que o Estado esteja sempre preparado para uma emergência inesperada e, também, para que seus soldados o estimem e possam ser de confiança. Depois da discussão das milícias, Maquiavel inicia a terceira e última parte de sua obra: a discussão sobre como devem ser as características da personalidade dos príncipes, inicialmente pelas quais são louvados ou vituperados. Da leitura do texto, se conclui que os príncipes não devem tentar reunir todas as qualidades consideradas boas, pois a sensibilidade humana não permite que sejam todas distintas e acrescentem muito a opinião dos súditos a seu respeito, mas se concentrar em absorver aquelas que lhe garantam a manutenção do Estado. Mas a questão a qual o autor mais se atém é que o príncipe deve evitar de todas as maneiras adquirir duas delas: o ódio e o desprezo de seus súditos. Dentre as qualidades apontadas estão a generosidade, que deve se balanceada pela parcimônia, a economia. O príncipe deve ser generoso, mas não muito, pois pode-se adquirir má fama entre aqueles que não forem beneficiados por esta generosidade, além de atentar para o detalhe de que geralmente, quando alguém ganha, outros perdem, e isso pode gerar o ódio ao 60 príncipe, o que deve ser evitado a qualquer custo. Tão antagônicas quanto as características apontadas acima estão a crueldade e a piedade. Aliás, as considerações a este respeito tornaram fizeram boa parte da fama de Maquiavel, com suas afirmações em relação a ser temido ou amado. Ele afirma que, na impossibilidade de reunir ambas características, ou de ter que renunciar a um deles, é melhor ser temido, pois trair a alguém a quem se teme é bem mais difícil do que a quem se ama. No entanto, ao passo que não se conquista o amor, deve-se evitar o ódio, respeitando os bens e as mulheres dos súditos. Um ponto de destaque é no que diz respeito a postura do príncipe para com seus exércitos: não deve se importar com a fama de cruel para com eles pois "...Sem esta fama, nunca se mantém um exército unido nem disposto a qualquer combate..."(cap. XVII, no. 4).Quanto a palavra do príncipe, afirma que este deve procurar mantê-la mas, quanto isto não for possível, deve-se usar artifícios para "...confundir a mente dos homens..."(cap. XVIII, no. 1) pois estes, "...No final, superaram os que sempre agiram com lealdade". Segundo Maquiavel, o "...príncipe prudente não pode, nem deve, manter a palavra dada, quando lhe for prejudicial"(cap. XVIII, no. 3). O capítulo mais extenso da obra discute "Como evitar o desprezo e o ódio". O ódio surge quando se perdem bens e honra, pois assim os súditos passam a viver insatisfeitos. Já o desprezo surge quando o príncipe é considerado volúvel, superficial, efeminado, pusilânime, indeciso, características que ele deve evitar a qualquer custo. Em suas atitudes devem ser vistas boas qualidades como coragem, força e certeza, para que nunca tenha que voltar atrás em uma decisão.Com isso, o príncipe adquire boa reputação, e o surgimento de uma conspiração contra sua pessoa torna-se difícil pela admiração de seus súditos por ele. Refletindo sobre isso, também se faz necessário destacar a necessidade de se agradar tanto ao povo como aos nobres, como já foi dito anteriormente no assunto dos principados, porque conspirações podem surgir de qualquer um dos lados. E para isso, não são necessárias apenas boas ações, mas também as más, pois para agradar um grupo podem ser necessárias ações corruptas, negativas, benéficas partindose do princípio de agradar os súditos. E, para finalizar a discussão à respeito das características do príncipe, Maquiavel trata das atitudes que este deve proceder para ser admirado, entre eles grandes realizações e exemplos raros, além de grandes demonstrações de política interna e externa e de amizade ou inimizade verdadeiras. Encerrada esta discussão, Maquiavel escreve mais diversas considerações, que poderiam ser considerados apêndices, a respeito de diversos assuntos que cercam o príncipe. Entre eles, estão considerações sobre a utilidade de fortalezas e outras coisas cotidianas, secretários, aduladores, influências da fortuna sobre os homens e à respeito da Itália. No que diz respeito às fortificações, deve construí-las e armar parte de seus súditos para sua própria segurança, caso tenha medo de seu povo, mas em caso contrário, deve abandoná-las. Sobre os secretários, são de difícil escolha. Os de melhor caráter são os que pensam sobretudo no príncipe, sem procurar útil para si próprio em todas as ações que comete. Aduladores:"...Os homens...com dificuldade, defendem-se desta peste..."(cap. XXIII, no. 1).Evita-se as adulações fazendo com que os homens compreendam que não se ofende ao 61 príncipe se dizerem a verdade à respeito do que lhes for perguntado. No tocante da fortuna, se ela "...muda e os homens obstinam-se em suas atitudes, estes terão sucesso enquanto os dois elementos estiverem de acordo e, quando discordarem, eles fracassarão..." (cap. XXV, no. 9).Maquiavel, sobre a Itália, escreve dois capítulos de sua obra: "Porque os príncipes da Itália perderam seus Estados" e "Exortação para retomar a Itália e libertá-la dos bárbaros", que expõem motivos e soluções para questões de sua pátria, a partir de tudo que discutiu-se no livro. Bibliografia: MAQUIAVEL, Nicolau, "O PRÍNCIPE", Coleção Leitura, Editora Paz e Terra, RJ, 1996. Economia e Sociologia , uma síntese possível: A Sociedade Justa John Kenneth Galbraith Neste livro, Galbraith procura mostrar que é possível a formação de uma sociedade mais justa, com maior preocupação social. Desde o prefácio, escrito especialmente para a edição brasileira, procura deixar claro que essas metas da "sociedade justa" são gerais e universais, não sendo peculiares a uma ou outra nação. Procura também durante todo o livro mostrar que seus propósitos são alcançáveis e possíveis, e não perfeitos e utópicos. É necessário levar em consideração características humanas que são imutáveis, com as quais será conviver na sociedade justa. Fazendo uma análise mais detalhada de cada um dos capítulos, será possível descrever com mais precisão o caminho que deve ser trilhado rumo à essa sociedade. A Sociedade Justa Neste capítulo procura-se descrever a sociedade justa, e mostrar alguns de seus empecilhos. "Na sociedade justa, todos os cidadãos devem desfrutar de liberdade pessoal, de bem-estar básico, de igualdade racial e ética, da oportunidade de uma vida gratificante." (Galbraith, pg. 4). Insiste em dizer que apesar de parecerem utópicos, são propósitos plausíveis de serem aplicados. Não se pode descartar alguma características humanas, que deverão ser respeitadas nessa sociedade, como a motivação pela busca de dinheiro que impele os homens, mas existem também outras características que não podem ser aceitas, como o fato de as posições privilegiadas estarem sempre justificações políticas, ideologias e doutrinas econômicas e sociais que levem em conta apenas seus interesses, deixando de lado medidas para o bem estar social geral, alegando serem ações politicamente inviáveis. 62 O Cenário Mais Amplo Procura mostrar que houve uma mudança na dicotomia que dominava o cenário econômico a tempos atrás: Capital versus Trabalho. Hoje nas nações mais avançadas encontramos um outro tipo de relação. Por um lado os ricos, confortáveis em suas posições, e por outro lado os menos afortunados e os pobres. Essa atual dialética acaba por tornar a competição desigual entre os dois lados, pois os ricos têm influência e dinheiro e votam, enquanto que os pobres muitas vezes não votam e acaba se criando uma democracia dos afortunados (Neste ponto cabe ressaltar que afirmação sobre a questão do voto não pode ser aplicada num país como o Brasil, onde todos, até mesmo analfabetos podem, e são obrigados a votar). Neste ponto entra o Estado, que se para os pobres pode ser fundamental para seu bem estar, é quase sempre visto como um ônus pelos ricos, salvo quando alguma medida governamental vem de encontro com algum de seus interesses. Também neste capítulo se discute a eterna rivalidade entre grupos políticos, que querem acreditar serem os responsáveis pelas mudanças, através de suas decisões e atos políticos. Segundo Galbraith, a história seria a responsável pelas mudanças, e devido a isso essas mudanças não poderiam ser revertidas. A economia, política e sociedade se acomodariam às tendências históricas. A Era do Julgamento Prático Na sociedade atual, a economia é sempre definida em termos ideológicos: liberalismo, capitalismo e socialismo. Na sociedade justa, no lugar dessa fórmula ampla de identificação ideológica, deve haver uma decisão específica ao caso particular a ser resolvido. As decisões devem ser tomadas com base nos méritos sociais e econômicos do caso específico. A isso denominou julgamento prático. Em alguns casos, haverá necessidade de maior intervenção do Estado (muitas vezes será melhor até para as empresas privadas), outras o mercado poderá fluir com mais liberdade. Não há necessidade de uma regra geral para todos os casos. Há uma tendência atual para que esse julgamento prático ocorra, e isso deve continuar. O Fundamento Social Em termos gerais, a sociedade justa deve garantir a todos o acesso a uma vida gratificante, lhes garantindo oportunidade econômica para ascensão. Para isso é preciso um crescimento da economia, criando empregos para todos. Ninguém deve ser deixado de fora sem renda. 63 A estagnação e recessão levam à privação, trazendo conseqüências sociais danosas, como o crime, as drogas e a violência. Mesmo assim, a sociedade justa deve ter ciência de que a estagnação e recessão podem ocorrer, e nesse caso cabe ao Estado o dever de amparar os privados, com a ajuda de uma assistência social mais extensa. É preciso aceitar que no sistema econômico moderno as oportunidades não são iguais para todos, e a motivação para busca de recompensa financeira também não. Deve-se respeitar essa liberdade. No entanto, a sociedade justa não pode defender fontes de renda que tenham custo social, seja praticando atividades ilícitas, enganando o consumidor, prejudicando a saúde pública ou agredindo o meio ambiente. Ainda no que se refere à renda, a sociedade justa defende que o Estado aplique uma tributação progressiva, o que teria um papel estabilizador, assegurando que a renda se transforme em demanda por bens produzidos. Deve haver também nesta sociedade uma busca pela paz mundial, cooperando com as outras nações para esse fim. A Economia Justa A sociedade justa enfrentara uma tendência cíclica da economia. Períodos de crescimento de estabilidade e crescimento econômico, onde há criação de empregos, maior poder de compra e maior demanda, o que leva a inflação. Alternando-se com o quadro anterior, temos os períodos de recessão, causando desemprego. A sociedade que estamos buscando deverá assegurar o emprego, buscando a economia estabilizada, mesmo que com isso tenha que enfrentar a inflação. Para isso, poderá utilizar 3 linhas de ações: diminuição dos impostos - o que levará ao aumento da renda do consumidor para ser gasta – redução das taxas de juros – encorajando empréstimos e investimentos na produção – e intervenção direta do Estado para criar emprego – sendo essa a ação mais substantiva e eficaz. Inflação A dificuldade de manutenção de uma economia crescente também se deve ao fato de que para os dominantes, a inflação é um perigo maior que o desemprego, pois ela afeta suas rendas e o desemprego não os afeta diretamente. Preferem a estagnação e o desemprego ao crescimento, que traz o risco de inflação. Preços estáveis são o objetivo dominante. Isso não pode ser aceito pela sociedade justa. Ela não pode esperar reconciliar emprego e preços estáveis, mas deve minimizar esse conflito. Como necessário, a aumento dos preços deve ser aceito, pois é socialmente preferível à estabilidade fundada no desemprego generalizado. O Estado deve tentar minimizar os efeitos negativos de ambos. O segurodesemprego, por exemplo, deve ser generoso. Como a inflação é inevitável, 64 deve-se adotar a indexação geral da renda fixa, principalmente em relação ao salário mínimo. O Déficit Neste capítulo Galbraith sustenta a tese que não há uma real necessidade de um orçamento equilibrado, caso os gastos públicos tenham por objetivo melhorar o futuro bem estar e crescimento econômico ou sirvam para esse fim. Neste caso empréstimos são legítimos e até mesmo desejáveis. Aqui se enquadram gastos com obras de melhoria da infra estrutura, com saúde, programas de ajuda a viciados, e principalmente investimentos na educação. Esses investimentos terão retorno futuro. A política econômica da sociedade justa buscará gastos públicos em equilíbrio com o crescimento econômico e o bem estar futuro. A Distribuição da Renda e do Poder Devemos observar que a sociedade justa não busca a igualdade na distribuição da renda, pois considera a natureza humana e o caráter motivador do atual sistema econômico. A moderna economia de mercado distribui e renda de forma muito desigual. Muita renda advêm com nenhuma justificação social, sem nenhum serviço econômico. A sociedade que estamos buscando deverá tomar medidas que assegurem a honestidade nas transações financeiras. Deve-se abolir as atuais concessões fiscais feitas aos mais afortunados, e adotar (como já foi dito) um sistema de tributação progressiva. A distribuição de renda também deriva da distribuição do poder, enquanto que o poder muitas vezes também pode ser fruto da distribuição da renda. Como resposta a isso, deve haver uma proteção pública dos que não têm poder. Os trabalhadores, devem ter direito de se associarem e afirmarem sua autoridade, através de sindicatos. O Estado deve fornecer provisões, como o seguro-desemprego, seguro-saúde e um salário mínimo socialmente digno. O Papel Decisivo da Educação Hoje em dia nas nações mais desenvolvidas não há mais dúvida da importância da educação para o desenvolvimento econômico. A educação é economicamente essencial. Na sociedade justa, a educação será encarada, além de como um fator positivo economicamente, como tendo um papel social e político maior. O sistema de classes será impossível de ser eliminado, e sem educação as classes inferiores serão facilmente manipuladas e dominadas pela classe dominante. 65 A educação seria então essencial para a tornar possível a democracia, fazendo com as pessoas não sejam facilmente dominadas e exijam participação política. Na sociedade justa a educação não pode ser restrita aos quem tem poder aquisitivo – como ocorre hoje em dia devido ao preço de uma boa educação – mas um direito de todos, que num sentido mais amplo devem ter direito aos prazeres que a educação proporciona. Regulamentação: Os Princípios Básicos Há duas tendências em conflito no que se refere à regulamentação. Alguns defendem o funcionamento autônomo e automotivado do sistema, enquanto outro vêem a necessidade de intervenção. Segundo Galbraith, 4 fatores forçam à intervenção: necessidade de proteção do planeta; proteção dos vulneráveis; propensão da economia de produzir e vender produtos deficientes ou prejudiciais e a incorporação pelo sistema de tendências autodestrutivas. Apesar da economia ter se modificado com atual globalização, e necessidades como a de leis antitrustes ter desaparecido, ainda necessitamos de regras de conduta impostas pelo Estado para que as empresas possam seguir. Devem haver regras para proteger o meio ambiente, o trabalhador, evitar negociações ilícitas e especulações. Meio Ambiente Há um conflito entre as exigências econômicas atuais : a motivação econômica básica de suprir os bens de consumo serviços requeridos e a necessidade de assegurar o bem estar geral do meio ambiente nos dias de hoje e no futuro, estão freqüentemente em conflito. A sociedade justa terá de levar em conta a importância de ambas, e tentar concilia-las do melhor modo possível. A principal exigência é a conscientização esclarecida dos cidadãos. O Estado deve intervir, financiando um grupo que se preocupe com o meio ambiente. As empresas devem respeitar limitações impostas pela natureza, e a comunidade deve ser protegida. Imigração Os países mais avançados são alvo de uma constante imigração de indivíduos vindos de países mais pobres, que buscam uma condição melhor de vida nesses países. Essa mão de obra imigrante é absorvida pelo mercado, e lhe é de grande importância. Esses trabalhadores geralmente ficam com os empregos que exigem menor qualificação. O emprego da massa popular, que a população desses países não se dispõe a fazer, mas apesar disso reclama do fato dos imigrantes terem ocupados esses cargos, roubando emprego da população 66 local. A verdade é que a economia desses países depende dessa mão de obra imigrante. Uma característica básica da sociedade justa é a possibilidade de ascensão social. Com isso haverá uma necessidade constante de preenchimento do vácuo na base, e para isso deve ser estimulada a imigração, não só desse tipo de mão de obra, mas também dos segmentos superiores, de talentos diversos. No entanto, essa imigração deve estar de acordo com a disponibilidade de emprego, para que não haja um excesso de imigrantes sem emprego. Outro fator muito importante é que não deve haver discriminação dessas pessoas sob nenhum aspecto (cultural, racial ou étnico). O Poder Militar Autônomo Nas sociedades privadas, tanto instituições privadas como públicas estão sujeitas ao processo democrático. No entanto, a instituição militar vem ultimamente fugindo dessa regra. Cada vez mais ela tem um autocontrole, de seus atos e finanças, sem uma maior fiscalização dos poderes legislativo e executivo. Isso faz com que o exército venham adquirindo cada vez mais poder, e eles próprios podem decidir sobre quais projetos irão trabalhar. A sociedade justa não concede autoridade ao poder militar, para que haja o risco de verbas serem destinadas a projetos de próprio interesse, ou até mesmo prejudiciais ao público maior. O poder militar deve ser subordinado ao controlo democrático. A Síndrome Burocrática A sociedade justa há de se deparar com um mundo mais interligado. Deve portanto reconhecer e apoiar forças internacionais maiores a que o país está sujeito. E economia globalizada leva a um intercâmbio de produtos, serviços e até de empresas transnacionais. As instituições financeiras como o Banco Mundial e o Fundo Monetário devem se voltar aos países pobres, pois são eles os mais necessitados, e deve haver maior preocupação com os problemas sociais desses países. A relação entre países mais avançados e países pobres não pode ser mais de caráter colonialista. Os Pobres do Planeta I: A História Formadora Neste capítulo descreve a história do colonialismo mundial, mostrando que de uma forma geral, as colônias do passado são os países pobre do presente. Mostra que o colonialismo na maioria das vezes acabou de forma pacífica, pois não tinha mais condições nem motivos para se sustentar. Diz que logo após essa mudança, diziam que surgia um novo tipo de imperialismo, das empresas transnacionais, mas um tempo depois percebeu-se que elas não tinham tanto poder como se pensava. Segundo Galbraith não há hoje em dia um imperialismo forte das potências mundiais, como havia até tempos atrás na época da guerra fria, onde países como EUA e URSS dominavam países que pertenciam a seus blocos.(Neste ponto não posso deixar de fazer uma nota 67 pessoal discordando do autor, pois os EUA exercem um imperialismo de cunho cultural muito forte nos dias atuais, talvez tão dominador como o colonialismo à moda antiga) A sociedade justa deve levar em conta essa herança de colonialismo quando for exercer sua política externa e se relacionar com os países pobres. Os Pobres do Planeta II: O Que a Sociedade Justa Deve Fazer A sociedade justa deve ter consciência da pobreza que assola outros países e usar de compaixão, fazendo o que tiver ao seu alcance para ajuda-los, até mesmo com ajuda financeira. De sumária importância para que esses países venham a ter um progresso, é o estabelecimento de uma política estável e a educação geral das massas. Além disso, não se deve descuidar totalmente da agricultura, como se fez em vários lugares, achando que progresso está nas cidades. Segundo ele, deve-se intervir em outros países não só em casos de guerras entre nações, mas também em conflitos internos, se esses estiverem ameaçando a população. Para que não seja necessária a atuação direta de um país (como fez os EUA no Kuwait), surge aqui o papel da ONU, de lutar pela paz mundial. Ajudando esses países, não só estará exercendo compaixão, como também beneficiando a si próprio, pois todos os povos têm mais segurança se o mundo está em paz. O Contexto Político O último capítulo procura reforçar mais uma vez a idéia de que seria possível a implantação da sociedade justa. Concorda que os atuais afluentes dificultariam sua execução e eles são a realidade política e continuarão sendo. Mais ele tem uma visão muito otimista. "Que se forme uma coalizão dos preocupados, dos compassivos e dos que agora estão fora do sistema político e uma perspectiva brilhante e totalmente exeqüível se descortinará para a sociedade justa. Os afluentes continuariam sendo afluentes, os que desfrutam de bem-estar continuariam com seu bemestar, mas os pobres fariam parte do sistema político. Suas necessidades seriam ouvidas, assim como os demais objetivos da sociedade justa. Os candidatos aos cargos públicos escutariam. Os votos estariam ali e seriam procurados. Como agora com a rede de segurança, a saúde pública, o meio ambiente e, especialmente, o poder militar, a sociedade justa falha quando a democracia falha. Com uma verdadeira democracia, a sociedade justa seria bem sucedida, teria até um aspecto de inevitabilidade". John Kenneth Galbraith Bibliografia de referência: 68 GALBRAITH, John Kenneth – A Sociedade Justa, Uma Perspectiva Humana 1° Reimpressão, Ed. Campus 69 PARTE 5. INTRODUÇÃO À SOCIOLOGIA DA ORGANIZAÇÃO Eficiência e Eficácia Organizacional Parecendo sinônimos os termos eficiência e eficácia apresentam diferenças fundamentais. Fomos preparados para a eficiência, já que toda a vida nos ensinam a fazer muito bem todas as coisas que temos para fazer. Mas o grande problema está exatamente aí! O sistema nos ensina a cumprir de forma eficientíssima tudo aquilo que já foi determinado por outros e que faz parte do processo tradicional da vida, da empresa ou seja lá de que processo for. E a eficiência continua a ser exigida! Sair fora da linha previamente traçada pode ser considerado, pelos guardiões do sistema, uma ineficiência inaceitável. Fica, então, muito difícil criar algo diferente e inovador. A busca incansável pela eficiência, dessa forma, inibe qualquer incentivo à criatividade. E sem criatividade podemos estar caminhando para trás, perdendo terreno para o concorrente e cavando a sepultura de nossa instituição! Há que se atentar para o detalhe importantíssimo de que a eficiência é positiva e deve ser sempre buscada em todas as áreas de atividade mas, quando desatrelada da eficácia, pode servir apenas para gerar custos! O que será, então, a eficácia? Pode-se definir a eficácia como o "fazer bem, as coisas certas" e, acrescentando mais um ponto: "no momento adequado". A eficácia é mensurada pelos resultados realmente alcançados. Eficiência é cavar, com perfeição técnica, um poço artesiano. Eficácia é encontrar a água. Uma ação, portanto, pode ser eficiente mas ineficaz, como muitas organizações tradicionais que, devido ao medo do novo e acomodados aos processos tradicionais, procuram apenas tornar seus funcionários cada vez mais especializados, cumprindo rigorosamente todos os passos de sua função, sem qualquer margem de erro ou afastamento do padrão. Todas as empresas, entretanto, tem hoje acesso à eficiência, já que a informática e a robótica permitem o acesso rápido e facilitado a todo conhecimento necessário ao exercício de qualquer atividade. O que a robótica e a informática ainda estão aquém do Ser Humano é quanto ao raciocínio muitas vezes ilógico e irracional que nos leva a criar resultados mais positivos com menos investimento. Isso é eficácia! Há algum tempo que procuramos manter nossas instituições nos níveis dos ISOS, dos 5 Ss, da Re-engenharia, e de mais tantos quantos forem os índices de medidas de eficiência e perfeição administrativa. Essas instituições primam pela padronização, pela ausência total de erros, pela busca incessante do detalhe e pela tolerância zero de enganos e incorreções! Esses resultados podem significar o sucesso da empresa? Certamente uma empresa que esteja se preocupando com a perfeição de suas ações tem quase tudo para ter sucesso. Mas é muito importante que lembremos desse ligeiro mas definitivo detalhe: quase tudo! O sucesso está no alcance dos objetivos e na manutenção do próprio sucesso! E para que isso 70 seja possível, a eficiência das ações não é suficiente. Todas elas tem que estar atreladas a resultados reais, mesmo que, para isso, seja necessário alterar um pouco os processos padrões considerados de eficiência comprovada. Isso é eficácia. Então uma organização pode ser eficiente mas, devido a sua ineficácia, fracassar. O inverso, entretanto, é mais difícil, embora possível, já que organizações ineficientes dificilmente conseguem alcançar bons níveis de eficácia e, portanto, mais facilmente ainda estarão fora do mercado. Alguns componentes são importantes para a medida da eficácia, entre eles o conceito de input e output de energia e as vantagens em relação ao ambiente externo. O primeiro, o quociente de output sobre o input de energia, considera como output a produção, enquanto input seria o custo. Essa energia a que nos referimos aí não significa apenas energia real, como vapor, eletricidade, combustão, mas também dinheiro, mão-de-obra, suprimentos, material, informação etc... O segundo componente citado são as vantagens em relação ao ambiente externo. É nesse momento que entra o lucro, a conquista de parcela de mercado, o crescimento da organização, a rentabilidade dos negócios, ou seja, tudo o que virá garantir a poder de sua sobrevivência no mercado. Quando se procura a perfeição estudando a empresa como um sistema isolado, muito facilmente damos "de cara" com situações difíceis de enfrentamento, principalmente ao constatarmos a resposta negativa do público externo. Empresas são subsistemas convivendo lado a lado com outros subsistemas, todos dentro de um sistema maior que é a sociedade. Todos sofrem influências de todos, principalmente do ambiente externo. O problema da integração: (Estudo sobre o texto de Erhard Friedberg, in Raymond Boudon, Tratado de Sociologia, Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1995) A história da teoria da decisão é a história de uma complexificação crescente de noções simples. Da idéia simples de uma escolha racional entre opções estabelecidas em função de preferências claras, unívocas e estáveis, passa-se a fórmulas muito mais complexas e relativas, que levam em consideração as limitações da racionalidade de cada um, assim como o caráter elaborado e contingente tanto das preferências como das opções. Na medida em que as concepções da racionalidade e do comportamento humano têm repercussões diretas sobre a forma como se pode conceber a existência das organizações, isto é, a agregação e a coordenação dos comportamentos de seus membros, não surpreende que se assista a uma evolução ou a uma complexificação equiparáveis quando se passa ao problema da integração organizacional. De certo modo o problema não existe de início. A organização é encarada como um todo unificado e coerente, inteiramente estruturado por propósitos predeterminados e estabelecidos em definitivo, ao serviço dos quais ela se encontra e em relação aos quais ela é, por assim dizer, totalmente 71 transparente. Numa visão puramente instrumental, considera-se que sua integração é assegurada por seus fins, que encarnam a racionalidade do conjunto. No final, ao contrário, o problema encontra-se no cerne da reflexão sobre o fato organizacional. Pois, nesse ínterim, assistiu-se à relativização e à explosão da própria noção da organização que é agora visada como um conjunto no qual se opõe e se confronta toda uma multiplicidade de racionalidades, cuja convergência nata tem de espontâneo, sendo o resultado da construção de uma ordem. Em última análise, a organização nessa perspectiva não é mais do que uma arena política ou um mercado no qual se trocam comportamentos e se perseguem estratégias de poder específicas e cujas características (fins, estruturas, regras de jogo, "cultura") são, por sua vez, o mero produto dessas permutas e desses confrontos. Vamos tentar traçar esta evolução nos dois planos complementares e paralelos em que pode ser lida. Numa primeira fase, veremos o modo como uma visão demasiado coerente e coesa da organização foi sendo aos poucos relativizada e substituída. Numa segunda etapa, procuraremos apresentar, e eventualmente criticar, algumas concepções através das quais a integração organizacional foi sendo sucessivamente pensada. A relativização da coerência organizacional Ao ressaltar a multiplicidade das motivações dos membros de uma organização ou a "recalcitrância" dos meios humanos, os estudos empíricos sobre o trabalho e a burocracia resultantes da corrente das relações humanas foram os primeiros a enfatizar, ainda que implicitamente, os limites e o caráter redutor da concepção unitária e instrumental das organizações e, logo, a natureza problemática da noção de objetivos ou de fins organizacionais. Não só os fins e as motivações múltiplas, variáveis e eventualmente contraditórias dos membros de uma organização entram em concorrência e em conflito com a racionalidade econômica, como seus fins, sua estrutura e suas regras formais são supostos exprimir não só os propósitos oficiais e sobretudo reais de uma organização em mudança ao longo do tempo, como também o encontro dos dois produtos dos resultados não pretendidos e "disfuncionais", isto é, contrários à eficácia desejada e pressuposta. Forçoso era, portanto, reconhecer que as organizações não eram esse instrumento passivo e transparente a serviço de objetivos que lhes eram exteriores e anteriores. As finalidades de uma organização, sejam oficiais ou latentes, declaradas ou reais, como seus imperativos funcionais de sobrevivência e de adaptação, não bastam para subsumir seu funcionamento e para explicar seu comportamento. Este depende do modo como uma organização consegue motivar seus membros a participar, isto é, a aceitar os fins da organização e a contribuir para sua realização, ou ainda do modo como ela obtém e legitima o "cumprimento" por parte de seus membros. 72 Outros trabalhos vão mais além, e atingem de certo modo essa relativização ou, como se prefira, essa banalização dos fins organizacionais. Alguns sociólogos, como Cyert e March, sustentam que apenas os indivíduos, e não as organizações, podem ter objetivos, e que os fins de uma organização devem ser entendidos, desde logo, como o produto de um compromisso no seio de uma coligação dominante, capaz de impor suas preferências aos demais participantes e de obter sua colaboração. Já outros (Gouldner, Burns, Stalker e Crozier) revelam, por seu turno, que a estrutura formal de uma organização (suas regras, sua racionalidade, seus objetivos) pode e deve ser entendida como uma resposta aos problemas colocados pela gestão do controle hierárquico, do poder e da dependência. Em resumo, em lugar de considerar as estruturas e os fins de uma organização como a expressão de uma racionalidade exterior e superior aos processos organizacionais, esses autores (e muitos outros depois deles) colocam-nos no mesmo plano, isto é, entram com eles no jogo, considerando-os um produto desses processos. Os propósitos organizacionais passam de uma variável exógena a uma variávle endógena e, por conseguinte, confrontam-se com os mesmos limites da racionalidade que caracterizam o comportamento humano em geral. Chega-se assim a uma visão muito mais complexa e conflitual ou, se preferirmos, muito menos coerente, da organização. A organização não é aqui um conjunto de engrenagens e de mecanismos organizados e postos em movimento unicamente pela racionalidade. Também não é um conjunto natural, cujas necessidades ou imperativos funcionais de sobrevivência e de adaptação assegurariam como que por milagre os ajustes necessários entre os elementos constitutivos. Não possui nem personalidade nem objetivos próprios. Não é mais que um universo de permuta e de conflito, um instrumento de cooperação entre interesses conflituais, uma arena onde se tomam decisões, um contexto onde se entrechocam, se confrontam e se ajustam racionalidades e comportamentos múltiplos e eventualmente contraditórios, um entrelaçamento de contratos, uma estrutura de jogos, cujas características e regras formais e informais canalizam e regularizam simultaneamente as estratégias de poder dos diferentes participantes, e de que constituem elas próprias o sucesso e o resultado. A coesão, a coerência e a integração deste conjunto - estrutura, arena - são, por outro lado, precárias e fracas. São precárias porque estão constantemente ameaçadas de erosão, quando não de implosão, pelas estratégias de poder dos participantes. Efetivamente cada participante, na medida em que sua capacidade de negociação com os outros está ligada à incerteza que ele controla face a eles, isto é, em última análise, à imprevisibilidade (pelo menos potencial) de seu comportamento, procurará proteger, ou até aumentar, sua margem de manobra passoal ou, visto de outro modo, reduzir a interdependência funcional que o liga aos outros. E tal como sublinha a nova vaga de economistas teóricos da intermediação com a noção de "moral hazard" (risco moral), as organizações são extremamente vulneráveis às tendências de seus membros de tirarem partido das assimetrias de informações existentes a seu favor a fim de construírem nichos próprios e se protegerem contra os controles da organização. 73 As organizações são frágeis porque profundamente marcadas pela ambigüidade dos vínculos causais, dos acontecimentos, das seqüências meios/fins e das significações. Num artigo recente, que resume seus trabalhos sobre o assunto, March falou de uma ambigüidade quadrimensional. Em primeiro lugar, e não voltaremos a ela porque já a abordamos, a ambigüidade da preferência dos atores. Em seguida, o que March designa por ambigüidade das pertinências que perturbam e invertem as relações pretensamente claras e unívocas que ligam as atividades às políticas, as soluções aos problemas, os meios aos fins, as ações de uma parte da organização às de uma outra parte. Depois, a ambigüidade da história, ou seja, do significado a atribuir aos acontecimentos passados, que perturba o perfeito desenvolvimento dos ciclos de aprendizagem individuais e coletivos e que se manifesta sobretudo na existência de ciclos de aprendizagem incompletos em que, por exemplo, acontecimentos imprevistos e eventualmente contrários às expectativas não provocam as ações corretivas que seriam de esperar, mas pelo contrário, reforçam a orientação inicial. Finalmente, aquilo a que March chama "ambiugüidade de interpretações", que sublinha o caráter muitas vezes gratuito, mais do que estreitamente orientado para um fim, dos comportamentos nas organizações: as informações e a comunicação não servem unicamente para resolver problemas ou para tomar decisões, servem também para conversar, para comunicar sem outro objetivo, para construir uma imagem de si próprio e dos outros. Para a análise e a compreensão das organizações, convém por conseguinte adotar uma perspectiva mais flexível e mais maleável das relações causa / efeito nas organizações de modo a não superestimar sua coesão, sua coerência e sua finalidade. Elas acomodam em seu seio uma multiplicidade de racionalidades, de interesses, de problemas e de soluções cuja ocorência nem sempre é intencional ou pretendida, e dois quais gerem a coexistência através da segmentação, da compartimentação, da desconexão de certos elementos ou eventos relativamente a outros, através da redundância e do supérfluo organizacional. Em suma e sem pretender extrapolar inadvertidamente dos esquemas de análise a princípio elaborados para explicar o funcionamento particularmente inconseqüente das organizações educativas (em especial universitárias) cujo interesse essencial é de ordem heurística, todas as organizações comportam elementos de uma "anarquia organizada" (Cohen, March e Olsen, 1972) e são todas elas, em função de algumas de suas características, "sistemas com uma ligação frágil" (Weick, 1976). O contrato, a norma, a permuta e o poder: Reflexão sobre a integração organizacional Mas, por mais que as organizações se esforcem por ser anárquicas, incoerentes e livres em seu seio, não deixam por isso de ser instrumentos de cooperação e de ação coletiva, isto é, capazes de impor um mínimo de ordem, de previsibilidade e de regularidade ao turbilhão das estratégias de poder, individuais e coletivas, que se manifestam em seu interior. Por mais que essa ordem se esforce por ser incompleta, fragmentária e muito menos racional do 74 que uma estrita visão utilitarista desejaria, e consequentemente minada pelo oportunismo inerente ao comportamenti humano, ela não deixa de existir. E deve ser explicada quanto a seus mecanismos de criação e de subsistência, sob pena de escamotear por completo a existência das organizações enquanto construções autônomas, que fazem apelo a modelos tão inadequados como o do mercado (as estruturas organizacionais são o produto de um ajustamento recíproco de comportamentos, de algum modo natural e espontâneo) ou do domínio universal (as estruturas organizacionais refletem sem qualquer refração as estruturas de domínio da sociedade global, para um exemplo caricatural). Têm sido utilizadas sucessivamente, embora também paralelamente, três concepções, que não se excluem entre si, para pensar o problema: - o contrato - a norma e a socialização - a troca de poder Vamos tentar expô-las sucintamente, uma de cada vez. O Contrato: A primeira, inspirada na "Teoria do Equilíbrio da Organização" (Barnard, 1983; Simon, 1947), baseia-se na noção de contrato que, implícita ou explicitamente, vem sancionar e estabilizar um equilíbrio aceitável entre as contribuições solicitadas e as retribuições fornecidas pela organização. Em sua formulação clássica ese esquema parte do princípio de que cada participante vai tentar obter da organização uma retribuição pelo menos equivalente à contribuição que considera oferecer. A negociação entre esse participante e a organização vai, portanto, inscrever-se sempre nessa equação fundamental. E ele aceitará estabilizar seus comportamentos e fazer o que a organização espera dele enquanto esta for "solvente", isto é, capaz de proporcionar as retribuições esperadas. Essa concepção, cuja formulação pode se tornar mais complexa, precisando e refinando os diferentes termos em que repousa, tem tido um grande impacto e tem sido objeto de muitas elaborações, esclarecimentos, comentários e críticas. Todavia, sua sedutora simplicidade só é igualada, de fato, por sua natureza simultaneamente trivial e tautológica. Trivial, porque indubitavelmente cobre uma parte da verdade, sem que sejamos verdadeiramente capazes de especificar mais o propósito e ainda que a observação demonstre que ela subestima o oportunismo do comportamento dos membros de uma organização que se define não tanto em função de um balanço entre aquilo que deram e aquilo que receberam, mas sobretudo em função das oportunidades que detectam numa determinada situação e de sua capacidade de tirar partido delas. Seu comportamento não é redutível, portanto, aos termos de um balanço efetuado no momento de sua entrada e que não sofreria qualquer alteração posterior. Permanece livre e inventivo, ou 75 seja, potencialmente imprevisível durante todo o tempo que pertencer à organização. Tautológica.porque claramente estabelece como resolvido aquilo que se trata justamente de explicar. Pressupõe a existência de um princípio unificador, suscetível de hierarquizar o conjunto das contribuições e das retribuições. Pressupõe sibretudo a existência de uma estrutura alicerçada sobre esse princípio e com a qual a negociação e o contrato possam ser estabelecidos, sem que essa estrutura seja, por sua vez, porblematizada quanto às condições de sua emergência, de sua manutenção e de sua transformação. Muito embora permita chamar a atenção para a importância dos problemas de motivação nas organizações, o modo de raciocínio que lhe subjaz revela-se inadequado a uma verdadeira colocação do problema da integração organizacional. A Norma: Pode-se dirigir críticas semelhantes à segunda concepção que, a partir de uma perspectiva estrutural-funcionalista, analisou as organizações como sistemas de funções apoiadas e articuladas num conjunto de normas e de valores integrativos. Vemos perfeitamente como, numa perspectiva estreita de socialização, os indivíduos podem ser moldados por normas que definem suas funções, sendo tais normas apoiadas na existência de valores integrativos. E, como é óbvio, seus comportamentos irão ressenrtir-se disso e remeterão, em parte, a essa realidade. No entanto, não se reduzem a ela. Um quadro conceitual tão restritivo escamoteia, de fato, as capacidades de resistência dos infivíduos que, tanto numa organização como na sociedade global, conseguem - e todas as análises o demonstram - jogar com suas funções e transformá-las de modo a furtarem-se, ao menos em parte, às pressões dos papéis que desempenham e às expectativas de seus parceiros. É certo que existem diferenças consideráveis, neste domínio, entre indivíduos e entre organizações. Mas todos parecem aptos a jogar e jogam, efetivamente com a função que desempenham, tirando partido de suas ambigüidades, incoerências e contradições. A tendência atual para o estudo da Sociologia das Organizações: Antes de qualquer comentário sobre o estudo sociológico das organizações, é interessante considerarmos o significado de ORGANIZAÇÃO. Uma organização pode ser uma empresa de administração pública, uma empresa industrial, comercial ou de serviços, uma associação de bairro, de empregados, de membros ou de clientes, um partido político ou qualquer outro tipo de grupo. Para que esse grupo seja considerado uma organização ele deve estar devidamente formalizado (oficialmente ou não) e hierarquizado para assegurar a cooperação e a coordenação de seus membros no cumprimento de determinados fins. Cada organização dessas, que são objetos sociais, tem características e modos de funcionamento diferentes das outras, podendo ser classificadas das 76 formas mais variadas, a depender dos seus objetivos, das tecnologias utilizadas e dos mecanismos de autoridade e coordenação postos em prática. Entre as formas de se estabelecer tais classificações estão: a natureza das tecnologias postas em prática em seu seio; as características do ambiente a que se encontram expostas; o critério do principal beneficiário das suas atividades; a natureza do principal mecanismo de implicação ou, se preferirmos, de motivação dos seus membros ou ainda, numa perspectiva estrutural-funcionalista, na função principal que desempenham num sistema social global. Sem entrar numa discussão detalhada dos defeitos e lacunas desse sistema classificatório, o grande problema existente está na aceitação da organização como ela é, procurando-se encontrar uma forma de classificá-la em sua particularidade, como se essa característica fosse uma situação natural, ao invés de fazer com que essa diferença se constitua o próprio objeto de estudo digno de investigação, ou seja: Por que ela é diferente? Por que seu comportamento assim como o comportamento de seus funcionários difere das demais organizações? Devemos evitar desviar a atenção do que se constitui um problema comum em todas as organizações. Elas, enquanto forem vistas como estruturas de ação coletiva, têm de resolver esses problemas comuns, mesmo que estejam em contextos e pressões diferenciadas. O problema principal é o de sua sobrevivência como conjuntos organizados. Muito diferente de um "dado natural" as diferenças devem ser encaradas como "problemas" a serem analisados. Os "atores" estão dentro das organizações. As organizações dependem da cooperação desses atores. Eles mantêm um certo grau de autonomia e perseguem interesses que nem sempre são convergentes. A convergência desses interesses pode definir o sucesso de uma organização tradicional mas, ao mesmo tempo, pode estagnar a criatividade necessária a uma organização moderna, condenando-a a uma morte lenta mas irreversível, por não conseguir superar as atuais formas de concorrência. A divergência de interesses pode ser o elemento pernicioso que trará o fracasso da organização ou, se bem trabalhado, pode vir a ser o impulso criativo que trará para essa organização o sucesso total. A interrogação crucial das ciências da organização está nesses processos de organização. De início acreditava-se numa idéia puramente instrumental das organizações como objeto social. Hoje entende-se que para encontrar mecanismos que assegurem a cooperação e a ação coletiva das pessoas que constituem a organização, há que se redirecionar todos os estudos sobre o próprio homem, sabendo-se de sua complexidade emocional muito diferente do homo economicus entendido até então. A reflexão organizacional hoje necessita da convergência de um grande número de disciplinas, cada uma delas trazendo sua própria contribuição. A psicologia e a psicologia social trazem elementos para a análise das relações recíprocas e complexas entre os indivíduos e as organizações, levando em consideração o seu desenvolvimento psicológico, a sua socialização, a estrutura da organização e o seu funcionamento. A economia e as ciências de gerenciamento organizacional têm como propósito realizar uma análise do impacto das organizações e de suas dinâmicas internas, sobre as decisões de alocação de recursos das firmas e dos empresários e a compreensão das diferenças entre os comportamentos 77 realmente observáveis dos responsáveis por decisões e as teorias normativas da firma e da decisão. A ciência política procura por em evidência as lógicas do funcionamento das grandes burocracias administrativas e procura compreender suas incidências sobre a elaboração e sobre a execução das políticas e da ação públicas. A sociologia se interroga sobre os mecanismos sociais que permitem, simultaneamente, a criação e a manutenção das formas particulares da vida coletiva, que são as organizações e, sobretudo, as grandes organizações burocráticas, e que pretende explorar o seu impacto na vida social. A reflexão sobre as organizações apoia-se em perspectivas teóricas e metodológicas muito diferentes. Tanto encontramos atitudes tecnicistas e positivistas, como também encontramos atitudes compreensivas ou interpretativas. Algumas atitudes são puramente formais, constituídas de puro cálculo e de formação de modelos a partir de experiências laboratoriais. Outras são puramente descritivas de âmbito classificatório, com abordagens empíricoanalíticas, procurando compreender e explicar os fenômenos observados. Outras são atitudes prescritivas que têm como objetivo orientar os praticantes fornecendo-lhes preceitos quanto à correta organização e as melhores formas de realizá-la. O resultado desses estudos e investigações é tão extenso quanto eclético! É evidente que esse resultado é muito rico nas organizações produtivas e/ou utilitárias (fábricas, administrações públicas e privadas, organizações de serviços). Mas tais estudos são realizados também nas demais organizações, como os diferentes tipos de associações sem fins lucrativos (partidos políticos, sindicatos, seitas, missões, Cruz Vermelha etc.) e, inclusive, em organizações ditas totalitárias porque internam os seus membros (prisões e hospitais psiquiátricos). Podemos analisar a evolução da reflexão sobre as organizações em quatro domínios ou sobre quatro temas que, numa perspectiva acionista das organizações, surgem como questões centrais. Primeiro: A questão do status do ator e de sua ação: qualquer organização é composta por agentes humanos cujo comportamento é necessário compreender e explicar. Numa primeira fase, tentaremos compreender de que modo o pensamento organizacional tem visado e abordado atualmente a análise do comportamento humano nas organizações e quais as conseqüências que daí resultam para nossa compreensão das organizações. Segundo: O problema da integração organizacional, isto é, a análise e a explicação dos mecanismos através dos quais se obtém esse mínimo de cooperação e de previsibilidade dos comportamentos, sem os quais nenhuma estrutura de ação coletiva poderia subsistir. A questão que aqui se coloca é a de saber de que modo, com que esquemas de referência e com que esquemas de interpretação, a coerência e a coesão organizacionais podem ser analisadas e explicadas. Terceiro: O problema das fronteiras de uma organização: uma organização, enquanto fenômeno de ordem localizado, cria um interior e um exterior que estão em interação. Trata-se de compreender aqui o modo como essa relação entre uma organização e o respectivo contexto foi estabelecida e analisada. Quarto: Os efeitos organizacionais, ou seja, da autonomia do edifício organizacional e das dinâmicas endógenas a que se dá origem e que não são redutíveis aos dados do ambiente. Procuraremos expor o modo como essa 78 autonomia e as dinâmicas endógenas se manifestam como têm sido analisadas e as conseqüências que daí advém para a compreensão das organizações. 79