notas contributivas sobre os princípios da filosofia do direito de hegel

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Revista de Direito das Faculdades Integradas de Jaú
Volume 3 – 2015
NOTAS CONTRIBUTIVAS SOBRE OS PRINCÍPIOS DA
FILOSOFIA DO DIREITO DE HEGEL
José Mauro Garboza Junior*
RESUMO
Este presente trabalho tem como por objetivo produzir algumas poucas notas que
sirvam de contribuição para o resgate do pensamento hegeliano de um modo geral, e
para o pensamento jurídico (brasileiro também) de modo específico. Com isso,
elencaram-se quatro observações que julgamos importantes, quais sejam: a) uma
breve introdução a respeito da vida do autor e sua localização na tradição filosófica;
b) um resumo da tentativa de se criar um “sistema” e, particularmente, uma “teoria
geral jurídica”; c) a possibilidade de interpretar as obras segundo certos tipos de
traduções (positivismo, não-positivismo e teoria crítica) que orientariam a leitura; d) e,
por fim, enquadrar seus temas dentro do que se poderia ser chamado de áreas de
concentração ou matérias jurídicas.
PALAVRAS-CHAVE
Filosofia do Direito. Georg Wilheim Friedrich Hegel. Princípios da Filosofia do Direito.
ABSTRACT
The presente essay has as main objective to produce a few notes as a contribution to
the rescue of the hegelian thought in general, and to the juridical thought (brazilian as
well) in a specific approach. Therewith, four points that we consider important were
listed, namely: a) a brief introduction about the autor-s life and his location in the
philosophical tradition; b) a summary of the attempt to create a “system”, and
particularly, a “general juridical theory”; c) the possibility to interpret the works
according certain variety of translations (positivism, non-positivism and critical theory)
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that guide further reading; d) and, ultimately, frame the subjects within what could be
called areas of concentration or legal matters.
KEYWORDS
Philosophy of Law. Georg Wilheim Friedrich Hegel. Principles of Philosophy of Right.
1. INTRODUÇÃO OU A LOCALIZAÇÃO NA TRADIÇÃO FILOSÓFICA
Este singelo trabalho tem como objetivos mostrar, mesmo que resumidamente, a
importância da contribuição que Hegel tem para os dias de hoje tanto de um ponto de
vista do Direito quanto da Filosofia em geral (em três pontos básicos). Trata-se aqui,
preliminarmente, de esclarecer que esse retorno ao filósofo se vale devido a sua
ampla carga teórico-crítica produzida nos anos de sua vida1. Portanto, essa introdução
tem como finalidade explanar o contexto e a sua alocação na tradição filosófica
tomando emprestados alguns marcos para a Filosofia do Direito.
No primeiro ponto busca-se discriminar as obras do próprio autor, sua organização,
seus comentadores “oficiais” e as obras nas quais o tema jurídico se encontram com
maior frequência2.
Na segunda parte tomamos emprestado uma reflexão que tem causado um grande
impacto para o pensamento jurídico brasileiro contemporâneo do professor Alysson
Mascaro acerca dos horizontes ou das formas de se ver o Direito por algumas
tradições jurídicas. É necessário trazer essa tese para o debate para, assim, esboçar
uma noção preliminar do porquê de alguns problemas na vida cotidiana da teoria
jurídica não são (e em certas vezes não podem ser) resolvidos.
1
Este texto é o início de um projeto de estudo que será aprofundado com muitos mais detalhes no
decorrer de nossas pesquisas. Traremos, portanto, apenas alguns dados bibliográficos e uma série de
pontos básicos que nos servirão como cláusulas de início de trabalho sem um rigor tão radical.
2 Apenas a título de citação, elencaremos algumas biografias do estudo de Hegel que poderão servir
como documento consultivo para um futuro aprofundamento: Hegel (1965) de Walter Kaufmann; Hegel,
a biography (2000) de Terry Pinkard; Hegel (1998) de Jacques D’Hondt; The Hegel myths and legends
(1996) de Jon Stewart.
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Seguindo o título deste trabalho, o ponto seguinte tentará indicar como é possível
unir a noção de Mascaro com o texto propriamente jurídico de Hegel a fim de servir
de roteiro para as leituras hegelianas e em que medida esses “encaixes” contribuem
para a teoria. Para tanto, estruturaremos os Princípios da Filosofia do Direito com
algumas esquemas para, futuramente, estabelecer alguns pontos de partida.
Sendo assim, é importante destacar os limites impostos nesse trabalho desde já,
vale dizer, a) o caráter transitório deste trabalho como uma primeira tentativa de
sistematizar noções que até então se encontram desamarradas para a teoria, b) a
relativa incapacidade de o autor dizer mais do que pode sem o devido tempo de
reflexão necessário a garantir uma coesão definitiva das propostas (trata-se de uma
aposta!), e c) unindo tudo com esse recente campo de pesquisa no Brasil (o resgate
de Hegel e a sua importância para o Direito são fenômenos muito recentes que não
contam com mais de 30 anos), contribuem para a deficiência deste escrito mas, por
outro lado, não quer dizer que não haja nada importante ou inutilizável aqui.
2. O “SISTEMA” HEGELIANO E OS PRÍNCIPIOS DA FILOSOFIA DO DIREITO
Ao longo de sua trajetória de produção intelectual, Hegel pode deixar como
documentos escritos de sua juventude, grandes obras que fizeram dele um dos
grandes filósofos da história e, ainda, um conjunto de manuscritos organizados por
ele e por seus alunos sobre suas aulas dedicados a diversos temas como Estética,
Filosofia da História, História da Filosofia, Filosofia da Religião, Teoria Jurídica e
outros mais.
Atualmente, o que temos como referência é a coleção organizada por E.
Modenhauer, e K. M. Michel em 20 volumes inicialmente feita nos anos de 1969-1971,
sistematizado a seguir:
1. Frühe Schriften (Primeiros Escritos)
2. Jenaer Schriften (Escritos de Jena)
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3. Phänomenologie des Geistes (Fenomenologia do Espírito)
4. Nürenberger und Heidelberger Schriften (Escritos de Nurenberg e Heidelberg)
5. Wissenschaft der Logik I (Ciência da Lógica I)
6. Wissenschaft der Logik II (Ciência da Lógica II)
7. Grundlinien der Philosophie des Rechts (Linhas Fundamentais da Filosofia do
Direito ou Princípios da Filosofia do Direito)
8. Enzyklopädie der philosophischen Wissenschaft I (Enciclopédia das Ciências
Filosóficas I)
9. Enzyklopädie der philosophischen Wissenschaft II (Enciclopédia das Ciências
Filosóficas II)
10. Enzyklopädie der philosophischen Wissenschaft III (Enciclopédia das Ciências
Filosóficas III)
11. Berliner Schriften 1818-1831 (Escritos de Berlim)
12. Vorlesungen über die Philosophie der Geschichte (Conferências sobre a
Filosofia da História)
13. Vorlesungen über die Ästhetik I (Conferências sobre a Estética I)
14. Vorlesungen über die Ästhetik II (Conferências sobre a Estética II)
15. Vorlesungen über die Ästhetik III (Conferências sobre a Estética III)
16. Vorlesungen über die Philosophie der Religion I (Conferências sobre a Filosofia
da Religião I)
17. Vorlesungen über die Philosophie der Religion II (Conferências sobre a
Filosofia da Religião II)
18. Vorlesungen über die Geschichte der Philosophie I (Conferências sobre a
História da Filosofia I)
19. Vorlesungen über die Geschichte der Philosophie II (Conferências sobre a
História da Filosofia II)
20. Vorlesungen über die Geschichte der Philosophie III (Conferências sobre a
História da Filosofia III).
Infelizmente, no Brasil, ainda não há a tradução integral das obras completas de
Hegel, mas tem-se visto um grande avanço com as traduções e demais formas de
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produção que levam o pensamento hegeliano em consideração, como, por exemplo,
a criação da Sociedade Hegel Brasil – SHB e sua Revista de Estudos Hegelianos,
alguns centros de estudos nas academias e certo resgate de suas leituras pelas várias
escolas de psicanálise pelo país.
No que diz respeito ao “sistema hegeliano”, vários autores entram em divergência.
Paulo Meneses (2006, p. 21), por exemplo, afirma-o indicando algumas características
e advertências, ele o define como
um sistema que vive em estreita unidade com o método que o constrói,
uma lógica que é uma metafísica, um discurso que pensa por verbos
e não por substantivos, um resultado que só tem sentido junto ao
processo que a ele conduziu, a conclusão que é o fundamento de tudo
– são algumas das características da filosofia hegeliana que
constituem dificuldades árduas para quem dela se aproxima.
Redyson (2011) também admite a possibilidade de um sistema de acordo com
Paulo Meneses. Por outro lado, o professor Carlos Pérez Soto (2015) defende que em
Hegel não há propriamente um sistema e o que houve, na verdade, foi uma tentativa
de organizar um sistema que nunca saiu do papel, essa ideia de sistema, segundo
ele, foi um projeto de toda a vida de Hegel que não se concretizou.
Independentemente de haver ou não um sistema rígido criado por Hegel, seu
legado é inegável e sua construção teórica, ainda hoje, é de se admirar (ainda mais
levando em conta que o autor passou por altos e baixos em sua vida que de certo
modo o impediram de levar a cabo sua intenção final). Fiquemos portanto com o que
nos interessa: o texto do Princípios da Filosofia do Direito1.
Dando uma ligeira passada de olhos nos textos hegelianos, percebe-se que cada
obra tem elos e indicações de várias outras, devido a isso não é tão simples ler a
teoria do direito simplesmente por ela mesma. Para fins de didatismo de caráter
resumido, o que será tentado é simplesmente estabelecer os Princípios como obra
1
O Princípios da Filosofia do Direito tem como verdadeiro título Fundamentos da filosofia do direito
natural e ciência política em compêndio (Grundlinien der Philosophie des Rechts oder Naturrechts uns
Staatswissenschaft im Grundrisse em alemão). Na verdade, essa obra é a continuidade da segunda
seção da Filosofia do Espírito no terceiro volume da Enciclopédia das Ciências Filosóficas (REDYSON,
2011, p. 74-75).
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principal para o jurista que se interessa em mergulhar profundamente nas terras
hegelianas.
Estabelecido como marco para a filosofia do direito, passaremos a colorir os modos
de leituras dele. A pergunta aqui seria: é possível ler o Princípios de uma ou várias
maneiras? Se sim, o que isso implica?
3. HORIZONTES DE SUA INTERPRETAÇÃO
Diante da breve apresentação do Princípios da Filosofia do Direito, tentaremos
aqui cruzar uma leitura de uma das teses do jurista brasileiro Alysson Mascaro sobre
uma possível classificação da Filosofia do Direito, o que ele chama de grandes blocos,
ou preocupações, métodos ou horizontes da jusfilosofia com as possíveis aberturas
que a obra jurídica hegeliana tem.
É recorrente nos trabalhos de Mascaro uma orientação de algumas visões de
mundo jurídico, tais visões permitiriam ao jurista trabalhar com algumas formas de
pensamento que levassem em conta ou desconsiderassem alguns elementos. Em
suas palavras:
Tenho proposto nos últimos anos, em especial no livro Filosofia do
direito, que se pode enquadrar a leitura da filosofia do direito e da
filosofia política contemporânea a partir de três grandes horizontes: o
liberal, o existencial-decisionista e o crítico, que podem ser lidos,
especificamente para o campo do direito, como o juspositivismo, o não
juspositivismo e o marxismo. No campo do liberalismo e do
juspositivismo, sua derradeira manifestação é de caráter ético, como
no caso dos pensamentos de Rawls e Habermas. No campo do não
juspositivismo, fundado numa percepção do poder existencialdecisionista, são Heidegger, Gadamer, Schmitt e Foucault seus
grandes teóricos. O terceiro grande campo, o da crítica, é o do
marxismo (MASCARO, 2011, p. 13).1
1
Essa tese é recorrente nos trabalhos de Mascaro, em uma entrevista concedida ele resume tais
horizontes da seguinte maneira: “Podem-se descortinar três grandes horizontes da filosofia do direito
contemporâneo, tudo isso a depender de como se considera o fenômeno jurídico a partir de sua
vinculação estrita ao Estado. Uma primeira grande corrente da filosofia do direito pode-se considerar
juspositivista. Ela se limita aos problemas atinentes ao direito estatal. Uma segunda grande corrente
da filosofia do compreende o fenômeno jurídico de modo alargado. Pode-se chamar essa visão, com
uma certa vênia, de caminho existencialista da filosofia do direito. Uma terceira grande corrente precede
à crítica do fenômeno jurídico, não parcialmente, mas pela totalidade. Nesse grande campo está o
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A tríade de horizontes positivista-não-positivista-crítico exprime exatamente
três campos de investigação do jurista na contemporaneidade. No primeiro há o
interesse de se analisar somente o Direito Positivo, o direito posto como emanação
de um poder central estatal criador de legislações que impõem a ordem (ordenamento
jurídico) de modo obrigatório. Para o positivista, os fatos existem somente se
revestidos eles forem de juridicidade, ou seja, o mundo do positivista é o mundo da
norma (como um exemplo muito explicativo de Mascaro, é o caso do jurista que olha
para o Código Civil como um conjunto de normas e fatos que lhe interessam com um
grau de organização extraordinário!).
Alargando um pouco mais esse espectro está a escolha por ver o horizonte
não-positivista (ou existencialista). Nesse espaço não há somente normas e a
produção delas, mas há um recuo do observador. Tal mudança de ponto de vista
permite ao jurista não-positivista perceber as estruturas que fundam uma ordem
normativa e a constante relação de forças dentro de qualquer realidade social. Há,
assim, normas, fatos e decisões sobre os dois primeiros.
Por fim, chegamos ao terceiro e mais alto horizonte possível para a
investigação do fenômeno jurídico. Aqui, continua-se com as características dos dois
primeiros horizontes adicionado um toque investigativo-radical (pesquisar até as
raízes) recuperando o sentido mais elementar da palavra crítica. É possível, de agora
em diante, analisar as normas, os fatos, as estruturas de relação de poder inerente a
elas e construir um sistema de investigação da conjuntura denunciando suas
limitações e suas possibilidades revolucionárias (de abertura para uma mudança
realmente social que altere as coordenadas de nosso tempo).
Essa imagem de três círculos concêntricos dada por Mascaro nos ajudar a
perceber como os juristas (e os diversos “tipos” deles) se organizam em torno de suas
práticas profissionais e teóricas. É evidente que são formas diferentes de visualização
e que cada uma não é pior ou melhor que as outras, ou que de uma é possível saltar
para a outra como um progresso determinado pela história; são caminhos diferentes,
marxismo.” Disponível em: http://revistacult.uol.com.br/home/2010/03/a-filosofia-do-direito-e-seushorizontes/ .
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com facilidades e dificuldades próprias e que, em última instância, estão
desconectados uns dos outros.
Mas, afinal, que isso tem a ver com a obra hegeliana? É aqui que a leitura
cruzada pode ajudar a pensar esse retorno a Hegel...
Isso se daria com a possibilidade do texto hegeliano ser interpretado de várias
formas, cada qual com um horizonte ou um caminho da Filosofia do Direito. Sendo
assim, pode-se dizer que há três juristas hegelianos: a) um primeiro que tenta ver os
fatos e inseri-los no interior do ordenamento normativo positivando-os e elevando-os
ao status de fatos jurídico (ou juridicamente relevantes), isto é, por via de um Hegel
do dever-ser ou Positivista; b) um segundo que está um passo atrás em relação ao
positivista, e essa distância o permite analisar as construções (discursivas,
ideológicas, normativas) que estão subentendidas no Direito, chamaremos de um
Hegel Observador; e, c) um terceiro que leva em consideração a totalidade social e
que é capaz de fazer um balanço investigativo entre a situação atual das coisas e as
possibilidades de mudança, pode-se chamar de Hegel Crítica ou Materialista1.
Tomemos como exemplo um trecho do §33 dos Princípios da Filosofia do
Direito (HEGEL, 1997, p. 35), nele Hegel diz:
33 – Segundo as fases do desenvolvimento da ideia da vontade livre em
si e para si, a vontade é:
a) Imediata. O seu conceito é portanto abstrato: a personalidade; e a sua
existência empírica é uma coisa exterior imediata, é o domínio do
direito abstrato ou formal;
b) A vontade que da existência exterior regressa a si é aquela
determinada como individualidade subjetiva em face do universal
(sendo este em parte, como bem, interior, e em parte, como mundo
dado, exterior), sendo estes dois aspectos da ideia obtidos apenas um
por intermédio do outro; é a ideia dividida na sua existência particular,
o direito da vontade subjetiva em face do direito do universo e do
direito da ideia que só em si existe ainda, é o domínio da moralidade
subjetiva;
c) Unidade e verdade destes dois fatores abstratos: a pensada ideia do
Bem realizada na vontade refletida sobre si e no mundo exterior,
embora a liberdade como substância exista não só como real e
1
Essa é uma das teses que estamos construindo e defendendo levando em conta alguns autores
hegelianos tanto de uma tradição fortemente influenciada por Kant quanto por uma vertente marxista.
Muitos autores tentam, com seus próprios instrumentos, construir diversas leituras da obra hegeliana.
Um dos livros que temos como referência para esse debate político que enfatiza a dimensão crítica
materialista de Hegel é The Hegel Variations de Fredric Jameson.
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necessária mas ainda como vontade subjetiva. É a ideia na sua
existência universal em si e para si, é a moralidade objetiva.
Apesar do difícil vocabulário, a finalidade do §33 é explanar o que poderia ser
considerado Direito para Hegel (ou, como ele próprio defende, a Filosofia do Espírito
Objetivo): um conjunto de relações que partem de situações mais simples para as
mais complexas sem uma supressão da “fase anterior”, ou seja, a Vontade Imediata
(a) não dá lugar a Moralidade Subjetiva (b), mas ela é o início de um movimento de
parte dela própria (a) e que cria um excesso que deve ser “posto para fora de si
mesmo”, para outro lugar, outro campo (para a moralidade subjetiva). A esses
movimentos de extrusão e preservação contínuos damos o nome de suprassunção1.
Ora, a partir do que poderia ser o Direito (Espírito Objetivo), tem-se exatamente os
modos de leituras dos juristas proposto por Mascaro. Passemos brevemente a eles:
1. De acordo com o enunciado acima, é possível perceber esse Espírito Objetivo
como um ponto em que o dever ser e o ser se convergem, ou seja, de que aquilo de
Hegel está falando é a descrição fidedigna. A intenção última do positivismo é tachar
o fato como inserido nas relações jurídicas, marca-lo e inscrevê-lo na visão de mundo
para que o mundo real e o mundo jurídico sejam apenas e tão somente um só.
2. A segunda leitura possível intenta, primeiro, descrever os fatos e o que, em
seguida, deveriam ser os procedimentos para que eles se realizem. A descrição do
mundo passa por um filtro e a função aconselhadora ou programática tem um papel
fundamental. Pode-se dizer que esse Espírito Objetivo hegeliano ainda não era
efetivamente o existente na época e que Hegel estava fazendo um exercício teórico
de elencar alguns fundamentos que deveriam emergir num pleno contraste com as
ideias absolutistas e pré-constitucionais de uma agremiação de estados do século
XVIII que viriam ser a Alemanha.
3. Já a terceira leitura trabalharia com duas velocidades ao mesmo tempo. Na
medida em que ela tentaria descrever a situação e oferecesse um conjunto de
1
É importante aqui enfatizar o problema de tradução da palavra suprassunção muito bem evidenciado
por Paulo Meneses (2006, p. 10): “ [...] parece necessário explicar mais uma vez nossa tradução de
aufheben e Aufhebung. Devido à ausência total nas línguas latinas de termos equivalentes, que
significassem ao mesmo tempo suprimir e conservar, adotaram-se os que Labarrière introduziu
(sursumer, sursomption) e que escrevemos como suprassumir, suprassunção.
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medidas que poderiam tornar um novo modelo possível, estaria embutida outra
questão: essa medida cria uma zona de desconforto para a totalidade. Para deixar em
linhas bem claras, ao mesmo tempo em que é construída uma ideia de totalidade
social
como
ponto
de
partida
teórico-investigativo,
a
dimensão
prática
sintomaticamente denuncia as mazelas desse campo no mundo real e concreto. É
uma leitura que define as fronteiras entre o teórico e o prático sem uma tentativa de
fundi-las numa única visão.
Estabelecidas e demarcadas tais leituras, assumimos que esta última é uma forma
de pensamento mais acabada e refinada por se tratar de um emaranhado complexo
que permite a interlocução total entre os demais ramos da Filosofia geral sem,
contudo, perder-se da dimensão prática.
Em seguida, veremos como elas poderiam ser aplicadas aos Princípios da
Filosofia do Direito de modo sistemático no próximo tópico.
4. ESTRUTURA E ÁREAS DE CONCENTRAÇÃO
Após descrever os filtros positivista, não-positivista e crítico, é possível passar
agora para a análise da estrutura da obra mais especificamente1.
O livro é composto por 360 parágrafos, alguns seguidos de notas explicativas feitas
pelo próprio autor, e formado por quatro partes: a) Introdução (dos §§ 1º-33); b) O
Direito Abstrato (dos §§ 34-104); c) A Moralidade Subjetiva (dos §§ 105-141); d) A
Moralidade Objetiva (dos §§ 142-360).
Na Introdução está contida o plano da obra e a abertura para o debate acerca do
objetivo da Filosofia do Direito. O § 1º diz que “O objeto da ciência filosófica do direito
1
Algumas referências aqui valem a pena serem citadas: A Estrutura Lógica dos Poderes do Estado na
Filosofia do Direito de G. W. F. Hegel de Gonzalo Humberto Tinajeros Arce, trata-se da tese de
mestrado defendida em 2010 pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS; O Conceito
de Sociedade Civil em Hegel e o Princípio da Liberdade Subjetiva de Tarcílio Ciotta, trata-se da tese
de doutorado defendida em 2007 na Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP; Explicación
Sucinta de la Filosofía del Derecho de Hegel (1992) de Carla Cordua; Dialéctica y Derecho: el proyecto
ético-político hegeliano (1983) de Jorge Eugenio Dotti e La Idea de Sociedad Civil em Hegel (1995) de
Raul Hernández Vega.
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é a ideia do direito, quer dizer, o conceito do direito e a sua realização” (HEGEL, 1997,
p. 1), isto é, a Ideia do Direito (justiça, igualdade) e também sua forma procedimental
de produção de normas. Trazendo para o debate contemporâneo, pode-se dizer que
o positivismo trata claramente deste assunto, tanto na sua vertente formal (a Teoria
Pura do Direito de Kelsen), ética (O Conceito de Direito de Hart) e o neopositivismo
(Conceito e Validade do Direito de Alexy e Direito e Democracia de Habermas); os
não-positivistas tratam da desconstrução da ideia e das relações normogenéticas.
Podem elas ser existencialistas (Verdade e Método de Gadamer, Ser e Tempo de
Heidegger), desconstrucionistas (Microfísica do Poder de Foucault e Força-de-lei de
Derrida) ou decisionistas (O Conceito do Político de Schmitt).
O § 3º descreve o que Hegel entende por direito positivo (de acordo com os
horizontes jurídicos, a ênfase e a recepção deste trecho devem mudar) pelo “caráter
formal de ser válido num Estado, validade legal que serve de princípio ao seu estudo:
a ciência positiva do direito” e quanto ao conteúdo (HEGEL, 1997, p. 4).
Ainda na primeira parte, está o § 33 já visto no tópico acima dos campos que serão
tratados durante as etapas seguintes.
A partir do desenvolvimento da Ideia de Direito, chegaríamos na segunda parte da
obra, o Direito Abstrato. É aqui que se faz necessário a postulação de certos direitos
que seriam o ponto de partida tanto para um plano ético quanto para um plano social.
O Direito Abstrato ou os direitos abstratos poderiam ser alocados na discussão do que
poderia ser os direitos fundamentais para as teorias mais modernas, além de serem
a base de qualquer construção de condutas éticas (personalidades) e de uma
constituição bem definida. Na seara mais positiva esses pontos (direitos
fundamentais, direitos inerentes) teriam de ser levados em consideração, para a
construção existencial-histórica a formação e a conquista desses modos de direitos
ganham importância. Para a teoria crítica, o Direito Abstrato estaria em pleno acordo
com o que ultimamente vem se chamando de forma social jurídica, isto é, os valores
da sociedade moderna burguesa (liberdade, igualdade, propriedade). Esta última, no
Brasil, vem ganhando um espaço de extremo valor principalmente por parte da crítica
marxista feita por inúmeros novos juristas que pretendem denunciar as contradições
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do jurídico e suas estreitas limitações no que diz respeito à liberdade com vistas a
emancipação humana do indivíduo.
Na Moralidade Subjetiva está implícito um debate sociológico (no campo positivo
estaria aí o Direito Financeiro, Previdenciário e ramos do direito que tratam de temas
socialmente relevantes sem uma presença tão forte do Estado) das formas nas quais
as sociedades civis juridicamente formadas estão inseridas. Se tais sociedades se
regem pelo mercado e produzem concentrações de renda causando certos danos
sociais gerais e exclusão social, se há uma crise de representação do indivíduo na
sociedade do mercado existe, se há maneiras ou não de conter esses desvios com a
finalidade de se criar uma ética mais humana... Essas questões podem ser
visualizadas por toda essa terceira parte potencializadamente, ainda, pois Hegel tem
uma visão muito pessimista (é uma leitura possível, também) do mercado, chamada
por ele de sistema de carências.
A última parte também se faz presente não só no Direito como nas ciências
humanas em geral por ser um debate fervoroso pelas vias da Teoria do Estado.
Listando brevemente algumas matérias: a) todos os ramos do Direito que dizem
respeito ao Estado como sujeito, isto é, Direito Administrativo, Previdenciário,
Tributário, Eleitoral; b) a questão da constituição do Estado, suas funções (legislativa,
judiciária, executiva); c) a representatividade dos indivíduos nos Estados; d) a
soberania estatal e sua relações com as demais nações (o Direito Internacional como
ramo do direito positivo).
É importante destacar a sensibilidade das passagens de uma parte para a outra
presentes sempre ao final de cada seção da obra (vale dizer, nos §§ 33, 104, 141,
181, 256) e, como esses parágrafos estão de acordo com toda a filosofia hegeliana.
De uma forma ou de outra, é possível perceber que os temas no Princípios da
Filosofia do Direito continuam atuais e seguirão sendo por muito tempo. Praticamente
toda questão, jurídica ou não, transformou-se em impasses em processo de
desenvolvimentos por uma quantidade de Escolas do pensamento que se aproveitam
para marcar uma distância em relação a Hegel, sempre tendo-o como parâmetro
mesmo que tal tradição o negue totalmente (mesmo sem ser intencional, essa
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distância marcada diz, de certo modo, qual é a importância do filósofo alemão para os
dias atuais).
Esperamos que, como esboços, essas notas podem contribuir para o estudo
sistemático de Hegel e que, ao mesmo por uma única vez, o jurista se depare com
essa obra e entenda a atualidade de seus postulados para que, ele mesmo, possa
fazer seu próprio cálculo de distância em relação a ela.
CONCLUSÃO
A partir do que foi exposto nessas breves considerações, podemos deixar
concluídos certos elementos que deveriam ser aceitos tanto como constatações
simples quanto pontos de partidas para estudos posteriores em nível de profundidade
mais radical. Para facilitar a assimilação, elencaremos nos parágrafos seguintes o que
seria interessante, para o filósofo e para o jurista, destacar:
1. Quanto ao estudo de Hegel e a sua recuperação: é imprescindível
assumirmos que o pensador, no Brasil e no mundo, é pouco
estudado, visto a grandeza de desvios e comentários críticos
desproporcionais (acusando-o de totalitarista ou monarquista, por
exemplo). Tal fato se deve também pela sua recente redescoberta.
2. Quanto à sua importância de suas obras: devido ao grande volume
de suas obras e seus conteúdos riquíssimos, é importante assumir
uma posição clara de que Hegel é um denominador comum para
o pensamento jurídico, pois, com ele, abre-se um leque de autores
que vão desde conservadores, passando pelos progressistas, até
os mais revolucionários radicais. De alguma forma, dizemos: é
preciso voltar a Hegel!
3. Quanto aos desafios: diante dos dois problemas colocados acima,
percebe-se que o século XXI impõe, para nosso tempo, a urgência
de atualização frente à novos problemas que estão cotidianamente
aparecendo, como as mudanças nos meios de comunicação (e de
maneira mais ampla nos circuitos de micropoderes [direito
abstrato]; a soberania dos estados; as mudanças estruturais
subjetivas e coletivas [moralidade objetiva] – o indivíduo, a família
e a sociedade civil; e, a mudança de uma postura ética –
[moralidade subjetiva]).
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Volume 3 – 2015
A partir da tentativa de sistematização exposta acima, podemos afirmar (e
concluir apenas momentaneamente) que é perfeitamente possível e provável que
cada espécie de leitura hegeliana comparada com as grandes correntes da filosofia
do direito está de acordo (respeitando, obviamente, seus capacidades e limites). Levar
em consideração o recente material de estudo ultimamente feito sobre seus
desdobramentos para o campo jurídico é digno de destaque. Ainda falta uma
consolidação que exprima claramente as suas influências no Brasil.
Para finalizar, é preciso pontuar também que esse engajamento de tentar criar
algo novo (um estudo de Hegel no Brasil que sirva realmente para que o ordenamento
jurídico possa ser entendido nas velocidades positivista, não-positivista e crítica) é um
risco que devemos assumir sem o receio das falhas. É nesse momento que é preciso
defender a tão simbolista passagem de Hegel (1995, p. 28) em suas lições sobre a
filosofia da história de que “nada de grande acontece no mundo sem paixão”.
REFERÊNCIAS
HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. Filosofia da história. Brasília: UNB, 1995.
__________. Princípios da filosofia do direito. tradução Orlando Vitorino. – São
Paulo: Martins Fontes, 1997. (Clássicos)
MASCARO, Alysson Leandro. Filosofia do Direito. – 4. ed. – São Paulo: Atlas, 2014.
MASCARO, Alysson Leandro. Prefácio. In: ZIZEK, Slavoj. Em defesa das causas
perdidas. Tradução Maria Beatriz de Medina. – São Paulo: Boitempo, 2011. p. 1117.
MENESES, Paulo. Abordagens hegelianas. Rio de Janeiro: Vieira & Lent, 2006.
REDYSON, Deyve. 10 lições sobre Hegel. Petrópolis, RJ: Vozes, 2011. (Coleção 10
Lições)
SOTO, Carlos Pérez. Hegel en el horizonte político. Ciudad de México: Hypathia
Editorial, 2015. (Colección Cuestiones)
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Graduando em Direito pela Universidade Estadual do Norte do Paraná – UENP, graduando em
Ciências Sociais pela Universidade Metropolitana de Santos – UNIMES e coordenador do coletivo
Círculo de Estudos da Ideia e da Ideologia – CEII – www.ideiaeideologia.com . Para quaisquer dúvidas,
críticas ou sugestões entrem em contato: [email protected] .
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