A LEGISLAÇÃO PORTUGUESA SOBRE AS PRESCRIÇÕES EM

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EM FOCO | Portugal 2030
A LEGISLAÇÃO
PORTUGUESA SOBRE
AS PRESCRIÇÕES
EM DEBATE
por José Caria
A Legislação Portuguesa sobre as Prescrições foi o tema central
de mais um debate do Ciclo Portugal 2030, promovido pela
Revista FRONTLINE, que reuniu duas reputadas personalidades
do meio judiciário, no passado dia 15 de maio, no hotel Tiara
Park Atlantic, em Lisboa.
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Portugal 2030 | EM FOCO
Rogério Alves
O
advogado Rogério Alves e o jurista Fernando Negrão foram os dois oradores convidados para mais um debate do
Ciclo Portugal 2030, promovido pela Revista FRONTLINE, com o objetivo trazer para
o espaço público novas ideias, novas abordagens, mas também novas preocupações
sobre o que se espera num futuro próximo.
Nos últimos anos a Banca em Portugal
tem estado na mira das autoridades judiciais. Casos como o do Banco Português
de Negócios ou do Banco Comercial Português são referências, muitas vezes mais
pelo mediatismo de que foram alvo do que
Fernando Negrão
propriamente pelas investigações em curso.
Mas estas também foram abaladas pelas notícias da prescrição de muitos dos alegados
crimes que estariam sob a alçada das autoridades para serem julgados.
Para os cidadãos, o juízo mais fácil sempre foi
o de que a justiça não é igual para todos, e a
verdade é que os políticos de todos os quadrantes mobilizaram esforços para promover
novas alterações legislativas no sistema judicial.
Mas afinal, o que está mal no regime das
prescrições em Portugal? Temos uma legislação desadequada? Há falta de vontade política para resolver a situação? Foi neste con-
texto de análise que os dois oradores convidados foram muito explícitos: não há falta
de vontade política, nem tão-pouco Portugal
tem legislação desadequada nesta matéria.
Para ambos, o instituto da prescrição deve
ser intocável, mas existem de facto outros
problemas que, esses sim, podem conduzir a
situações de algumas prescrições que envolveram várias instituições bancárias.
Para Rogério Alves, um dos grandes problemas reside na maneira como ainda se julga em
Portugal: “Para mim, o problema não é de lei.
O que aconteceu neste caso mais recente que
pôs o país à beira de um ataque de nervos é o
termos dois tipos de infrações que são muito
distintas: os crimes – que são as infrações mais
graves – e as contraordenações. E é de contraordenações que falamos. Quando estamos
perante uma contraordenação de gravidade e
sobretudo quando são processos que envolvem, por exemplo, instituições bancárias, os
quais têm uma documentação vastíssima, que
obrigam ao escrutínio de contratos e operações bancárias de grande complexidade, mecanismos que são pouco conhecidos dos magistrados e que são julgados pelo mesmo tribunal
que julga aquilo que se chamaria dantes as
‘bagatelas penais’, gera-se aqui uma disfunção
e, portanto, o que acontece é que nós estamos
a utilizar o modelo X, que não é propriamente
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o mais adequado para os caos B, C e D. Não
tem a ver com os juízes, tem a ver com o sistema.Ainda assim estamos a falar de prazos de
prescrição de oito anos. Ora é preciso pensar
se estes oito anos são ou não um período suficiente para se julgar infrações.”
Para o ex-bastonário da Ordem dos Advogados a conclusão é óbvia: é suficiente. Não
existe nem um problema de legislação, nem
de vontade política. “Não diria que há falta de
vontade política. A classe política tem andado
muito a reboque destes acontecimentos. Basta ver o que, recentemente, em 2013, tinham
mexido nos prazos das prescrições do Código
Penal, no entanto ‘bastou’ que tivesse vindo a
público que factos praticados em 2005 tinham
prescrito, para que o Parlamento imediatamente se movimentasse para alterar a lei. Não
há falta de vontade política, o que há é uma
incapacidade de se julgar, dentro de prazos que
já são largos, aquilo que devia ser julgado nesse
prazo. E, por outro lado, há uma certa dificuldade em compreender as causas das coisas e
por isso atribuímos as culpas a quem não tem
culpa. E as causas estão na maneira como ainda
se julga em Portugal, naquilo que ainda se leva
a um juiz, no enorme volume de papéis que
poderia ser dispensado e devia ser tratado
antes do julgamento, como se faz, por exemplo, nos EUA ou em Inglaterra.Temos de julgar
num modelo de século XXI. Claro que se a
prescrição tivesse um prazo de 100 anos, nada
prescreveria. Mas então teríamos de assumir
na nossa cultura jurídica que acabávamos com
a prescrição, o que teria danos colaterais gravíssimos, porque não é por acaso que ela está
consignada na lei.”
Prescrição é fundamental
Já Fernando Negrão, para quem o instituto da
prescrição é fundamental, começou a sua intervenção relembrando alguns dos regimes
de prescrição existentes: “Para nos situarmos, é importante olhar para os vários regimes de prescrição que existem. Por exemplo, nos países anglo-saxónicos, designadamente Estados Unidos, a prescrição não existe.
Portanto o Ministério Público pode perseguir
os agentes e continuar a fazer as investigações
criminais durante 30, 40 anos, o tempo que for
preciso. Desde que surjam indícios, avançam
para a investigação. Por outro lado, na Alemanha existem prazos de prescrição, à exceção
de um crime, que é o crime de homicídio. Depois existem outros sistemas em que o prazo
de prescrição está na lei substantiva ou na lei
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adjetiva. Em Portugal está na lei substantiva, o
que quer dizer que os legisladores nacionais
quiseram dar um toque de grande importância
ao instituto da prescrição. E na minha opinião
muito bem, porque o instituto da prescrição é
fundamental e é da maior importância.”
E foi neste contexto que deixou, desde logo,
um aviso muito sério:“Para além de tudo o que
é matéria jurídica, se eventualmente alguém tiver a ideia de acabar com o instituto da prescrição, o Poder Político lava as suas mãos da
necessidade e da obrigação que tem de dotar
os tribunais de meios para realizar as suas funções. E quanto mais longos forem os prazos de
prescrição, mais fácil será ao Poder Político e
ao Poder Executivo dizer que os meios estão
dados e os tribunais têm tempo para averiguar
e julgar as infrações que estão em causa.”
Para o jurista, hoje, resulta claro que em Portugal nunca houve grandes problemas por causa do instituto da prescrição, a não ser neste
último caso que envolveu ex-administradores
de um banco, mas que considerou que teve a
ver com três circunstâncias que se conjugaram
num momento em que o país vive uma crise
profunda: “era a Banca que estava em causa,
eram personagens ilustres que estavam em
causa e foi muito dinheiro que o Estado deixou
de arrecadar”.
Mas é também aqui, segundo Fernando Negrão,
que é preciso olhar para as duas variantes que
estão envolvidas, a administrativa e a judicial.
A variante administrativa, com as autoridades
que têm competência para o efeito, viu-se confrontada com um trabalho muito moroso face
à prática de contraordenações de grande complexidade, sendo que aqui houve uma circunstância que foi o facto de as organizações que
estavam a ser alvo de um processo administrativo levarem demasiado tempo a fornecerem a
documentação exigida e de onde não resulta
qualquer consequência legal. Se a experiência
nos ensinou alguma coisa, defendeu o jurista,
“temos já duas coisas para fazer. A primeira
será criar a figura do crime de desobediência, e
em segundo lugar criar um prazo de suspensão
do prazo de prescrição. Em suma, mexer no
prazo de prescrição não; mexer naquilo que é
o funcionamento, o decorrer e as implicações
dos prazos de prescrição, aí sim”.
Neste sentido, Fernando Negrão referiu ainda as iniciativas legislativas agora apresentadas, tanto pelo PS, como pela coligação PSD/
CDS, que vão todas no sentido de manter os
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20 anos a possibilidade de recorrer diminuiu
drasticamente e os recursos que suspendem
decisões são raríssimos. O país empenhou-se
nos últimos 40 anos a fazer o que é errado, que
foi cortar direitos às pessoas e não a investir
na operacionalização dos tribunais. Esta opção
é má e falhou”.
prazos de prescrição e insistir nas alterações
às suspensões, às interrupções e ao recomeço da contagem dos prazos de prescrição.
E continuando o seu raciocínio, levantou outro
problema, concretamente, o que vale a prova
produzida na parte administrativa quando se
passa para o plano judicial: “é preciso ter em
conta que o nosso processo penal obedece ao
princípio do acusatório, o que significa que é
obrigatória a intervenção do Ministério Público. Sendo que o próprio diploma diz que o
envio do processo do Ministério Público para
o juiz equivale a dedução de acusação. E num
processo-crime tem que haver uma acusação.
É aqui que eu, como jurista, discordo frontalmente da proposta do Partido Socialista, que
vai no sentido de que a prova produzida na
fase administrativa tenha validade plena na fase
judicial. Porque estamos a falar de autoridades
completamente diferentes, e se confundirmos
as duas coisas, uma delas terá que deixar de
existir. Portanto, aqui sim, o investimento nos
tribunais tem de ser maior, nomeadamente na
sua especialização e na formação de juízes”.
Retomar a temática
Rogério Alves acabou por retomar a temática.
Clarificando que não fazia juízos de valor sobre
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Diabolização da justiça
Outro tema que surgiu em cima da mesa de
debate foi o da diabolização da justiça para
o cidadão comum, resultante talvez de uma
exacerbada mediatização da mesma, facto
este que, para Fernando Negrão, encerra uma
contradição curiosa quando nos confrontamos com algumas evidências estatísticas:
“só uma parte muito pouco significativa da
população portuguesa teve contacto ou tem
com o sistema de justiça, diria cerca de 30%,
sendo que, nestes que tiveram contacto, a
opinião sobre a justiça é positiva. Mas depois
juntamos os outros que nunca tiveram contacto com o sistema de justiça, e aí a opinião
é profundamente negativa, o que quer dizer
que quem veiculou a perceção da imagem do
que é a justiça lhe deu uma imagem negativa.
E tudo isto tem só a ver com a sociedade espetáculo em que nós vivemos. Agora, eu acho
que o problema da justiça resulta em grande
parte do isolamento das autoridades judiciárias em Portugal e da falta de uma cultura
judiciária. Por exemplo, nas escolas ninguém
explica a organização política e administrativa
do Estado, o que traduz um problema de educação cívica. Depois há também o problema
de velocidade do sistema face à velocidade da
comunicação social. Mas eu diria que o problema decisivo é efetivamente a organização
da magistratura, tanto do Ministério Público
como da magistratura judicial”.
Mas a mensagem mais convicta dos dois
oradores ficou bem expressa nas duas horas
de debate dedicadas ao tema: as prescrições
não são um problema do sistema judicial
português, as prescrições não são um problema da vida judiciária portuguesa, apenas
se tornaram um problema mediático por
causa de um caso concreto. Mas também
ficou um alerta preocupante para o futuro
quanto ao facto de os nossos jovens não saberem hoje o que é um Estado de Direito,
nem terem plena consciência da importância decisiva dos Direitos, Liberdades e Garantias nas suas vidas.
os políticos, acabou por considerar que a referida proposta do Partido Socialista era uma proposta algo aberrante porque esbate o essencial
do Estado de Direito que é: os julgamentos são
feitos pelos tribunais. Mas o problema é que a
sociedade, hoje, que vive com uma opinião pública que é um bocadinho sanguinária, nega aos
tribunais aquilo que eles precisam – serenidade,
rigor, isenção e profundidade –, o que, segundo
o advogado, nos remete para outro problema,
o do encurtamento do segredo de justiça, que
foi uma conquista de 2007: “é importante que
as pessoas percebam onde está a causa das
coisas e nestes últimos processos mediáticos
que temos tido, neste choque anafilático que as
prescrições provocaram no país, era bom que
as pessoas fossem ver o que se passou, onde
estão as tais manobras dilatórias, onde estão os
tais atrasos e que houvesse uma transparente
radiografia do processo. Para se discutir é preciso conhecer. Choca que em processos destes pessoas sejam acusadas sem serem sequer
ouvidas, o que é algo que pensávamos todos
que já estaria proscrito numa sã mentalidade
de Estado de Direito. Por outro lado, é importante destacar que, contrariamente ao que as
pessoas pensam e à imagem que muitas vezes
é passada pela comunicação social, nos últimos Um agradecimento especial:
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