Plantas como Ingredientes e Aditivos Naturais em Queijo da Serra da Estrela Queijo da Serra da Estrela, uma das maravilhas da gastronomia Portuguesa O Queijo da Serra da Estrela é um dos embaixadores gastronómicos da Portugalidade no mundo e dos queijos mais apreciados a nível nacional. É produzido com os mesmos três ingredientes desde a sua génese, o leite das ovelhas das raças Churra Mondegueira ou Bordaleira da Serra da Estrela, sal e flores de cardo, para coagular as proteínas do leite e formar o queijo. É consumido de duas formas; amanteigado, com apenas um mês de maturação, e velho, onde devem passar quatro meses de cura até ao consumo. Em 1996, a UE atribuiu-lhe uma Designação de Origem Protegida (DOP), limitando o uso de ingredientes e processo de fabricação, protegendo o sabor, aroma, forma de apresentação, e demais particularidades. Plantas no queijo, porquê? alimentares. É com base nestas duas problemáticas que surge a investigação do grupo BioChemCore (www.esa.ipb.pt/biochemcore) do Centro de Investigação de Montanha da Escola Superior Agrária do Instituto Politécnico de Bragança, na procura de plantas como fontes de aditivos alimentares. Plantas: Aditivos e não só Equipa de investigadores Autores: Márcio Carocho, Amilcar L. Antonio, Isabel C.F.R. Ferreira Centro de Investigação de Montanha, Escola Superior Agrária, Instituto Politécnico de Bragança Aditivos alimentares, a problemática legislativa e a desconfiança dos consumidores! As plantas presentes na natureza podem ser uma fonte inesgotável de compostos benéficos para a humanidade. Desde alimentos, a fármacos, cosméticos e vestuário, entre muitas outras aplicações, as plantas têm sido cada vez mais importantes na sustentação da vida humana na terra. Há algumas décadas que as suas aplicações nos alimentos têm ganho notoriedade, por poderem ser utilizados como ingredientes, como aditivos, ou ainda como produtos funcionais, que acrescentam propriedades benéficas para o ser humano. Desde tempos imemoriais que o ser humano procura maneiras de conservar os alimentos para os poder consumir posteriormente. Inicialmente, o sal começou por ser a maneira de conservar carne. Entretanto, milhares de anos depois, os aditivos adicionados a alimentos passaram a ser a forma mais cómoda, segura e barata de conservar alimentos. Este tipo de conservação necessita de regulamentação, visto que alguns dos aditivos possuem propriedades nefastas quando ingeridos em excesso. Assim, os dois organismos mais importantes que aprovam, fiscalizam e regulamentam o uso de alimentos são a Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos (EFSA, na sigla em Inglês) e a FDA (Food and Drug Administration, na designação em Inglês). O primeiro tutela a regulamentação dentro da União Europeia (UE) e o segundo dentro dos Estados Unidos da América (EUA). Apesar de terem o mesmo objetivo, as políticas e metodologias de ambas as organizações variam. Assim, é possível comer um alimento em Veneza que seja incorporado com carmosina (corante) enquanto que esse mesmo alimento em Boston não é permitido. De forma inversa, nos EUA, é permitido adicionar sorbato de sódio (antimicrobiano) a alimentos e na Europa não. Se se juntar a estas diferenças legislativas, o facto de haver bastantes publicações científicas que alertam para a sobreexposição de aditivos alimentares na dieta e os riscos de doenças associadas ao seu consumo, obtémse a motivação perfeita para procurar novas fontes de aditivos V I VOZ DO CAMPO | AGROCIÊNCIA | JUNHO 2016 Medição de pH A utilização de plantas como fonte de aditivos é relativamente recente, pois nem todos os extratos ou moléculas derivadas de plantas são aprovadas para serem utilizadas, ainda que hajam casos onde já são permitidas. O extrato de rosmaninho (E392), por exemplo, já é usado na UE como antioxidante em alguns alimentos, por outro lado, os glicosídeos de esteviol (E960) já são usados como adoçantes. Existem mais aditivos naturais ou de origem natural que são permitidos, mas há ainda um longo caminho a percorrer para dar maior abertura à sua utilização. Uma grande vantagem da utilização de extratos de plantas são as suas capacidades de sinergia que podem exercer vários efeitos nos alimentos e/ou no consumidor. As sinergias podem ser estabelecidas com componentes dos alimentos, com outros aditivos naturais ou sintéticos e potenciar os seus efeitos. Os extratos de plantas têm também a vantagem de exercer várias atividades, nomeadamente antioxidante, impedindo a oxidação dos alimentos e ajudando a combater o stresse oxidativo nos consumidores; antimicrobiana, impedindo o desenvolvimento de contaminações nos alimentos, e quimiopreventiva, entre outras. Ao longo dos últimos anos, o grupo de investigação BioChemCore, tem conduzido investigação no sentido de caracterizar plantas e cogumelos do nordeste transmontano e não só, a nível das suas bioatividades e moléculas de interesse alimentar e terapêutico. Desse modo, tendo o conhecimento das plantas que melhor podem ser usadas pelas várias indústrias, tem-se candidatado a vários projetos nacionais e internacionais. Um destes projetos, o PlantLact, financiado pelo PRODER, pretendeu utilizar várias plantas como fonte de aditivos naturais e ingredientes bioativos em produtos lácteos. As plantas selecionadas foram as flores de castanheiro, folhas de cidreira e manjericão. As flores de castanheiro foram escolhidas por poderem ser subprodutos da produção de castanha e pela sua grande capacidade antimicrobiana. As folhas de cidreira pelo seu consumo como infusões e decocções, bem como o sabor suave que conferem. Finalmente, as folhas de manjericão foram selecionadas pela sua atividade antioxidante, e por serem utilizadas como ingrediente e especiaria na cozinha mediterrânica. A incorporação dos queijos teve lugar na queijaria Queijos Casa Matias, que era parceira no projeto de investigação, aquando da sua elaboração. Depois da incorporação, os queijos seguiram os tramites normais. A incorporação foi feita tanto com as plantas secas, como com as suas decocções, de modo a verificar quais seriam os métodos de incorporação mais eficazes. As análises foram feitas aos dois tipos de queijo; amanteigado e velho. É importante ressalvar que os queijos analisados, apesar de terem os mesmos ingredientes e serem produzidos da mesma forma que o Queijo da Serra da Estrela, não podem ter essa designação após a incorporação, dado que as diretivas de DOP não permitem estas incorporações, ainda que sejam benéficas para a sua conservação ou para o consumidor. Medição de cor Efeitos, benefícios e conclusões A incorporação dos queijos foi um sucesso a vários níveis. No que toca à conservação, houve uma preservação de ácidos gordos insaturados ao longo do tempo, conhecidos pelos seus efeitos benéficos na saúde. Também as proteínas foram conservadas pelos extratos, impedindo a proteólise, que é a degradação proteica, e que pode levar à alteração de sabor. As incorporações com flor de castanheiro resultaram numa maior perda de humidade ao longo do tempo, o que pode reduzir o tempo de maturação do queijo velho. A nível de atividade antimicrobiana, os queijos incorporados não apresentaram nenhum tipo de contaminação, enquanto que alguns queijos dos lotes controlo apresentaram contaminações por fungos. As excelentes propriedades antioxidantes das plantas também foram conferidas aos queijos, atuando em duas frentes: por um lado, diminuíram a oxidação das gorduras, ou seja, a rancificação de ácidos gordos, e por outro, ao serem ingeridas pelos consumidores, podem contribuir para o aumento de antioxidantes no corpo, aspeto benéfico a nível do combate ao stresse oxidativo. No que toca ao sabor, especialmente os queijos com cidreira e manjericão suavizaram o sabor intenso do queijo, dando- lhe um leve sabor aromático, o que pode ser atrativo para consumidores que não apreciam essa intensidade. Finalmente, a nível de aspeto exterior, as plantas incorporadas deram outras cores e tonalidades aos queijos, que, a nível de marketing poderá ser um incentivo à industria agroalimentar. Ficou provado que a utilização de algumas plantas pode ser empregue na indústria alimentar sob várias formas, tanto para conservar, como para conferir bioatividades a alimentos tradicionais, podendo ainda ajudar a torná-los mais apelativos para quem os consome. E o que falta para este produto estar no mercado? Pormenor do queijo incorporando plantas Flor castanheiro Castanea sativa Cidreira Melissa officinalis Manjericão Ocimum basilicum Queijo em cura Já estão disponíveis para o consumidor alguns queijos que incorporam plantas, estando estas entre as consideradas de uso culinário ou alimentar, autorizadas por tal pelas entidades reguladoras. As plantas que foram testadas, e que revelaram resultados promissores, têm todo um caminho a percorrer, que se iniciou com este trabalhos de pesquisa e inovação, até poder vir a estar disponível no mercado. E que passa por diversas fases, designadamente a autorização regulamentar da utilização destes extractos naturais, necessária apesar da validação científica, e a sua validação comercial ou industrial, que permita dar o último passo, para apresentação de um produto que tem por base os ingredientes de um queijo de excelência, o Queijo tipo Serra da Estrela. Deste modo poderá vir a estar no mercado mais um produto alimentar inovador, que acrescente mais-valias a todo um setor produtivo, com relevância regional mas também nacional, dado o reconhecimento dentro e fora de fronteiras deste produto. VOZ DO CAMPO | AGROCIÊNCIA | JUNHO 2016 VII Medição de cor