Boletim Informativo da Comissão Técnica da Unimed Cuiabá | Edição 25 | Novembro de 2010 O homem criou telescópios que vasculham galáxias a milhões de anos-luz da Terra. Também desenvolveu submarinos-robôs capazes de revelar o fundo dos oceanos, aonde a luz do Sol não chega. Mas, até bem pouco tempo, o homem ainda não havia conseguido inventar aparelhos que mostrassem com nitidez e amplitude a atividade no interior de seu próprio corpo. Esse desafio tecnológico começou a ser vencido em 1998, com o lançamento de tomógrafos computadorizados que registravam o organismo em funcionamento, a uma velocidade de quatro fotos por segundo. De lá para cá, essas máquinas foram aperfeiçoadas de tal forma que as de última geração literalmente filmam, a 32 quadros por segundo, grandes extensões dentro do corpo. São os multislices (multifatias, em inglês). Além dos tomógrafos existe uma série de equipamentos que ajudam os médicos a diagnosticar doenças e garantir a saúde e bem estar dos pacientes. Mas, até que ponto a tecnologia de exames radiológicos e laboratoriais interfere no diagnóstico e se torna uma saída para os parcos conhecimentos dos profissionais? Foto de Paulo Cézar Fanaia Exames Complementares* |1 Ajuda ou atrapalha? Exames são ferramentas de apoio ao diagnóstico médico desde a Grécia Antiga. Os gregos diagnosticavam o diabetes bebendo a própria urina, o gosto doce indicava resultado positivo. De lá para cá, muita coisa mudou no mundo, na medicina e nos pacientes. Hoje, é frequente o paciente sair do consultório soterrado por pedidos de exames após uma consulta que acontece de forma cada vez mais rápida, superficial e insatisfatória. Uma pesquisa realizada na Pontifícia Universidade Católica (PUC) de Campinas constatou a frustração com esse tipo de atendimento. Esperar pelo médico, especialmente se ele não justifica o atraso; passar por consultas muito rápidas e não entender a linguagem e a letra do profissional nas receitas. Essas são as principais queixas dos pacientes que participaram da pesquisa feita por Maria Rosana Ferrari Nassar, diretora da Faculdade de Relações Públicas da PUC de Campinas, para sua tese de doutorado. O estudo foi realizado nos sistemas público e privado de saúde da cidade paulista e incluiu duas universidades. A pesquisadora entrevistou aproximadamente 50 profissionais, entre diretores de faculdades de medicina e dos principais hospitais da cidade, coordenadores de programas de saúde, responsáveis pelos centros de saúde e proprietários de clínicas e consultórios. Ela ouviu também mais de 200 usuários desses serviços. A falta de comunicação eficaz entre médico e paciente é um dos principais problemas no atendimento, principalmente no setor privado. “Percebi que muitos embates ocorrem por falta de explicações”, diz Maria Rosana Ferrari Nassar. “Falta material gráfico e audiovisual; a informação amenizaria os conflitos”. Para ela, o corre-corre da rotina médica não é desculpa para as falhas no atendimento. “O médico tem de ter estrutura, pessoas treinadas para receber os pacientes. Consultórios de oncologistas, por exemplo, deveriam ter um psicólogo”, afirma. Em contrapartida, a pesquisadora acredita que o paciente devia criar o hábito de questionar. “Ele tem de saber que pode intervir, pode perguntar o porquê de um exame sem que o médico se sinta afrontado. Se não encontrar receptividade, o paciente deve procurar outro profissional, e não se submeter a médicos que não querem discutir os procedimentos adotados”, completa. Para que serve? Com o avanço tecnológico, os exames laboratoriais e de imagem estão cada vez mais precisos e detalhados, o que traz benefícios principalmente nos casos mais graves ou naqueles em que o diagnóstico é mais difícil. Tantos detalhes, porém, podem causar angústia desnecessária nos pacientes. Em alguns casos, os exames apontam pequenas alterações que não têm nenhuma consequência para a saúde daquele paciente, explica o médico Antonio Carlos Lopes, presidente da Sociedade Brasileira de Clínica Médica. “Mas a constatação dessas alterações pode ser suficiente para que o paciente fique preocupado, mesmo que o médico diga que não há motivo para isso”, resume. A cada 100 consultas realizadas por convênios 2| médicos que possuem clínicas e hospitais próprios, cerca de 90 registram a solicitação de exames, segundo a Associação Brasileira de Medicina de Grupo (Abramge). O número sobe quando o atendimento é feito pela rede credenciada: a proporção é de 1,5 exame para cada consulta. De todos esses exames, 70% apresentam resultados normais, afirma Antonio Carlos Lopes. “Há um certo exagero na realização de exames, especialmente dos complementares, como radiografia, ultra-sonografia, eletrocardiograma, eletroencefalograma, ressonância magnética e tomografia computadorizada”, conclui Wagner Barbosa de Castro, coordenador da Comissão Econômica da Abramge. Um bom acompanhamento do paciente requer alguns exames anuais. Mas os próprios médicos admitem que muitos diagnósticos podem ser feitos sem os resultados dos laboratórios. O problema, em alguns casos, é que isso é mais trabalhoso. “O excesso de pedidos de exames contraria os princípios da ética médica”, avalia Antonio Carlos Lopes. “A relação entre médico e paciente é de caráter humanístico: o médico tem o dever de resolver o problema de seu paciente, não importando se ele paga ou não pela consulta ou quanto paga”, diz o presidente da Sociedade Brasileira de Clínica Médica, referindo-se aos médicos que se dizem pressionados pelo sistema de saúde para fazer consultas cada vez mais rápidas. Conduta adequada Uma consulta normal prevê que o médico faça a anamnese e o exame clínico. São essas informações que levam o médico a elaborar o diagnóstico que, se necessário, será confirmado por exames laboratoriais. Por isso esses exames são chamados de complementares. “O exame complementar não pode tomar o lugar da relação entre médico e paciente nem do diagnóstico”, define Luiz Fernando Salinas, representante suplente do DF no Conselho Federal de Medicina e segundo-secretário do Conselho Regional de Medicina. Ele completa que “alguns médicos, porém, não querem perder tempo conversando ou justificam a falta de tempo para não examinar o paciente convenientemente e optam por pedir uma série de exames. Além disso, se baseiam em exames complementares para escapar de futuros questionamentos sobre diagnóstico ou evolução de doenças”. Para Salinas, a falta de tempo não é motivo para um exame imperfeito ou incompleto, “o Código de Ética Médica declara que o profissional deve aperfeiçoar ensinamentos e oferecer o melhor atendimento possível ao paciente e dispensar o tempo necessário para ouvir suas queixas e relatos”, pondera. Para tentar inibir os excessos, a Associação Médica Brasileira (AMB) e o Conselho Federal de Medicina (CFM) elaboram, desde 2002, as diretrizes clínicas para diferentes problemas de saúde. Esse documento define os chamados protocolos de investigação terapêutica, que nada mais são que o passo-a-passo do atendimento médico: o profissional deve fazer a anamnese e avaliar pessoalmente o paciente e só então solicitar exames, sempre começando pelos mais simples. Nenhum médico, porém, é obrigado a adotar esses protocolos. “São apenas diretrizes, não têm caráter de uma camisa de força. Os dados são consensuais, mas a autonomia da decisão é de cada médico”, analisa Luiz Fernando Salinas. O representante do DF no CFM completa que a medicina baseada em evidências trata o doente e não a doença já que o mesmo mal pode atacar pessoas de modos diferentes. Franqueza e coragem Os médicos costumam dividir em dois tipos básicos os pacientes que os procuram para consultas. Os primeiros são os que se dispõem a fazer todos os exames, mas respondem às perguntas de forma evasiva e jamais tomam a iniciativa de relatar detalhes que possam facilitar o diagnóstico. Outros pacientes detestam tirar sangue, mas não se acanham em listar tintim por tintim as reações capazes de esclarecer os problemas que os levaram ao consultório. Esse que fala de tudo, até mesmo dos conflitos em casa e do medo de perder o emprego, é o melhor. “O diagnóstico depende muito do relato do paciente”, diz Antonio Carlos Lopes, presidente da Sociedade Brasileira de Clínica Médica. Pesquisa divulgada no British Medical Journal mostra que dependendo da precisão das respostas do paciente há 80% da chance de o médi- |3 co acertar o diagnóstico com apenas uma consulta. “Quanto mais cedo o médico tiver o diagnóstico certo, melhor”, constata João Toniolo Neto, ex-presidente da Sociedade Brasileira de Geriatria. “Quem não confiar no profissional a ponto de relatar a ele todos os seus problemas deve mudar de médico”, diz a empresária Berenice Brandão. Dois anos atrás, ela teve a coragem de contar a seu clínico geral que os negócios em sua empresa não iam bem. Assim, não precisou fazer uma bateria de exames que seriam pedidos para avaliar o estado de seu coração. Exigência dos pacientes Os médicos, porém, não são os únicos responsáveis pelos pedidos excessivos de exames. Alguns pacientes não concordam com o diagnóstico e, mesmo depois de uma consulta longa e cuidadosa, exigem a realização de exames. “Existem pacientes que padecem de um transtorno, apresentam sua queixa e o médico não encontra nada. Nesses casos, o paciente sai da consulta furioso”, revela Antonio Carlos Lopes. A divulgação das novidades médicas pode gerar uma ansiedade que também leva o paciente a sugerir exames complementares. Para o psicanalista Armando Colognesi, essa ansiedade está relacionada à ausência de contato com o médico: “O exame substitui o contato, e o médico vai perdendo a escuta, o escrutínio, a investigação”. Segundo ele, a curiosidade pelos exames diminui quando o médico cuida do doente, não da doença. Sem uma relação de confiança com o médico, porém, o paciente sente-se fragilizado e tende a fantasiar. “Ele acredita que o exame vai descobrir tudo que o médico não descobre”, explica Colognesi. O presidente da Sociedade Brasileira de Clínica Médica, Antonio Carlos Lopes, acredita que essa atitude decorra também da perda de carisma do médico. “O paciente inseguro solicita vários exames porque não confia no médico. O médico inseguro faz o pedido porque não realiza um bom exame clínico”. Luiz Fernando Salinas acrescenta que o médico não é obrigado a ter conhecimento de todos os exames existentes no mercado, já que a quantidade de informações é enorme, contudo deve conhecer as doenças e como diagnosticá-las. “O paciente deve ter em mente que nem sempre o exame mais caro e de última geração é o mais eficaz. O diagnóstico de enxaqueca, por exemplo, é clínico e não laboratorial. Tomografias, ressonâncias magnéticas pouco contribuem para o tratamento que deve ser prescrito segundo critérios investigativos de anamnese do paciente”, ensina. EXPEDIENTE * Publicado pela Associação Médica de Brasília 4| Boletim Informativo da Comissão Técnica da Unimed Cuiabá Conselho de Administração Presidente João Bosco de Almeida Duarte Vice-presidente Rubens Carlos de Oliveira Júnior Diretor Financeiro Douglas Alberto de Arruda Gomes Diretor Secretário Renato de Melo Diretora de Mercado Kátia Gomes Bezerra de Oliveira Comissão Técnica Augusto César Régis de Oliveira Gilson Márcio da Costa Jazon Baracat de Lima Osvanio Salomão Pimenta Salim Joandat Salim Salvino Teodoro Ribeiro Comitê Educativo Elton Hugo Fábio Liberali Weissheimer Lílian Sanchez Comissão de Defesa Cooperativista Ademir Capistrano Miguel Angel Claros Paz Vivaldo Naves Conselho Fiscal Eloar Vicenzi Laerte Basso Júnior Maria Auxiliadora da Cruz Produção Pau e Prosa Comunicação Edição: Luiz Fernando Vieira Direção de arte: Felipe Nascimento e Fernanda Martins [email protected] (65) 3664 3300 www.unimedcuiaba.com.br [email protected] PABX: (65) 3612-3100 SAC 24 horas 0800-6473008 para surdos 0800-6473110