Oncologia Agentes Estimuladores de Eritropoiese para Anemia Relacionada ao Câncer e ao seu Tratamento Dr. Luciano Paladini1 • Dr. Otávio Clark1 • Dra. Luciana Clark1 • Dr. Tobias Engel1 Dra. Bruna Pegoreti1 • Dr. Enéas Faleiros2 O problema da anemia relacionada ao câncer e ao seu tratamento A Dr. Otávio Clark nemia é uma condição largamente prevalente em pacientes com câncer. Em um amplo inventário conduzido na Europa, avaliando quase 15.000 pacientes portadores de câncer no ano de 2001, observou-se que 39% destes apresentavam níveis de hemoglobina abaixo de 12 g/dL e 10% de todos os pacientes avaliados apresentavam níveis abaixo de 10 g/dL. Nesse estudo, a prevalência de anemia variou de acordo com o tipo de neoplasia, sendo mais frequente em pacientes com linfomas/mieloma (prevalência de 53%) e neoplasias ginecológicas (prevalência de 49%) e menos frequente em pacientes com câncer de mama (prevalência de 30%) e neoplasias urogenitais (prevalência de 29%). O tratamento quimioterápico leva, ainda, a aumento da prevalência desta condição, com aumento da proporção de pacientes com diagnóstico de anemia para até 75% ao longo do tratamento. Há correlações fortemente positivas 1 - Médicos Oncologistas Clínicos da Evidências Soluções Científicas em Saúde. 2 - Médico Intensivista da Evidências Soluções Científicas em Saúde. 76 Prática Hospitalar • Ano XI • Nº 63 • Mai-Jun/2009 entre a presença de anemia e prejuízo às atividades diárias em pacientes com câncer. Estudos mostram que, embora em pacientes com câncer haja um pior desempenho nas medidas de qualidade de vida e fadiga em relação à população geral, em pacientes com câncer e anemia a avaliação destas medidas sofre prejuízo ainda maior, sendo o impacto negativo tão maior quanto maior o grau de anemia. Transfusões de hemácias para o tratamento de anemia relacionada ao câncer e ao seu tratamento Historicamente, o emprego de transfusões de hemácias era o tratamento de escolha para anemia relacionada ao câncer. Uma auditoria conduzida no Reino Unido, avaliando o padrão de prescrição transfusional para portadores de tumores sólidos sob tratamento quimioterápico, mostrou que, em pacientes com nível inicial de hemoglobina abaixo de 10 g/dL, a probabilidade de transfusão de hemácias em algum ponto do curso de seu tratamento foi de 70%. Em toda a população avaliada, a proporção de pacientes recebendo pelo menos uma transfusão de hemácias foi de 33% e a média de unidades de concentrado de hemácias transfundidas foi de 2,7 unidades por transfusão. Complicações potenciais associadas às hemotransfusões incluem transmissão de doenças infecciosas, reações transfusionais, aloimunização e sobrecarga de ferro – o risco de complicações infecciosas severas varia entre 1: 30.000 a 1:250.000 unidades de sangue transfundido para hepatite B, 1:30.000 a 1:150.000 para hepatite C e 1:250.000 a 1:1.000.000 para HIV. Agentes estimuladores de eritropoiese (ESA) para o tratamento da anemia relacionada ao câncer e ao seu tratamento: Redução da necessidade transfusional Uma revisão sistemática da literatura, através de uma metanálise cumulativa, demonstrou que desde o ano de 1995 já havia evidência científica suficiente para concluir que o uso de eritropoietina, em pacientes com anemia relacionada ao câncer e ao seu tratamento, levava à redução do número de pacientes necessitando de hemotransfusão, mostrando efeitos consistentes em anemia relacionada ou não ao tratamento, independentemente do regime quimioterápico empregado e do tipo de neoplasia (tumores sólidos ou hematológicos). Uma revisão sistemática da literatura, conduzida mais recentemente, reafirmou a redução da necessidade de hemotransfusões em pacientes com anemia relacionada ao câncer e ao seu tratamento, mostrando uma redução de risco de transfusões de 36% (RR=0,64; IC 95% 0,60 a 0,68) – em pacientes com nível inicial de hemoglobina < 10 g/dL, seria necessário tratar seis pacientes com ESA para se evitar a necessidade de transfusão em um paciente. Uma revisão sistemática da literatura com metanálise mostrou que o uso de eritropoietina leva a melhora significativa de várias medidas de qualidade de vida Agentes estimuladores de eritropoiese (ESA) para o tratamento da anemia relacionada ao câncer e ao seu tratamento: Impacto em Qualidade de Vida (QOL) Uma revisão sistemática da literatura com metanálise mostrou que o uso de eritropoietina leva a melhora significativa de várias medidas de qualidade de vida (QOL total do questionário CLAS, avaliação geral do instrumento FACT, subescalas do questionário SF-36), enquanto o grupo controle, que não recebeu eritropoietina alfa, evoluiu com piora nestas avaliações, ao longo do período de observação, nos estudos avaliados. Preocupações quanto à segurança dos agentes estimuladores de eritropoiese (ESA): O que dizem as agências regulatórias Em março/2007, a agência regulatória norte-americana FDA determinou a adição de Black-box, à bula dos ESA com registro naquele mercado, alertando sobre o potencial risco de crescimento tumoral e de eventos tromboembólicos associados ao uso destes agentes. Uma revisão sistemática da literatura com metanálise, recentemente publicada, reforçou estas preocupações, concluindo que o uso de ESA se associa a maior risco de tromboembolismo e mortalidade em relação ao não uso destes agentes em pacientes com anemia relacionada ao câncer e ao seu tratamento. Finalmente, em junho/2008, a agência regulatória européia EMEA recomendou uma atualização, nas informações de produtos contendo epoetina, com uma nova advertência sobre seu uso, afirmando que “... hemotransfusões devem ser o método preferencial para a correção de anemia...” em pacientes com câncer e com “... expectativa de vida razoavelmente longa...”, dada a existência de dados de novos estudos associando o uso destes agentes a maior risco de progressão tumoral, eventos tromboembólicos e mortalidade. Preocupações quanto à segurança dos agentes estimuladores de eritropoiese (ESA): O que dizem as evidências Todos os estudos que demonstraram maior mortalidade relacionada aos ESA tiveram, como objetivo terapêutico, alvo de hemoglobina ou acima de 13 g/dL, ou acima de 14 g/dL ou acima de 15 g/dL e muitos destes estudos tiveram ainda, como critério de inclusão, pacientes com hemoglobina inicial acima de 12 g/dL; assim, podemos dizer que tais estudos tiveram como objetivo não a correção da anemia, mas a manutenção de hemoglobina em níveis normais. De fato, uma revisão sistemática da literatura com metanálise, correlacionando os efeitos dos ESA a diferentes níveis de hemoglobina quando do início do tratamento com estes agentes, mostrou que, em estudos em que o uso de ESA era iniciado em pacientes com níveis iniciais de hemoglobina ≤ 10 g/dL ou com níveis iniciais entre 10 g/dL e 12 g/dL, não houve aumento de mortalidade (RR= 1,01; IC 95% 0,89 a 1,15 nos estudos com Hb inicial ≤ 10 g/ dL e RR= 0,98; IC 95% 0,82 a 1,16 nos estudos com Hb inicial entre 10 g/dL Prática Hospitalar • Ano XI • Nº 63 • Mai-Jun/2009 77 Oncologia e 12 g/dL) sendo que sua efetividade, em redução da necessidade transfusional, foi observada em ambos os grupos. Diretrizes clínicas sobre agentes estimuladores de eritropoiese (ESA) para anemia relacionada ao câncer ou ao seu tratamento A diretriz clínica do EORTC (European Organization for Research and Treatment of Cancer) recomenda o tratamento com ESA em pacientes com anemia relacionada ao câncer ou ao seu tratamento e com hemoglobina abaixo de 11 g/ dL, dependendo de sintomas, e com alvo de hemoglobina entre 12 g/dL e 13 g/dL. A ESMO (European Society of Medical Oncology), em diretriz clínica, recomenda o uso de ESA em pacientes com anemia relacionada ao tratamento do câncer e hemoglobina entre 9 g/dL e 11 g/dL, não especificando o nível alvo de hemoglobina. A diretriz clínica do NCCN (National Comprehensive Cancer Network – EUA) recomenda o emprego de ESA em pacientes com anemia sintomática relacionada ao tratamento do câncer, com hemoglobina abaixo de 11 g/dL, não excedendo o limite de 12 g/dL, sendo que, para anemia relacionada a síndrome mielodisplásica, há recomendações específicas. A diretriz clínica da ASCO (American Society of Clinical Oncology) recomenda o uso de ESA para pacientes com anemia relacionada à quimioterapia e para síndrome mielodisplásica de baixo risco com hemoglobina abaixo de 10 g/ dL ou em pacientes com hemoglobina inicial abaixo de 12 g/dL associada a condições clínicas especiais (ex.: diminuição de reserva cardiopulmonar, coronariopatia), sendo considerados o alvo do tratamento níveis de hemoglobina de até 12 g/dL. CONCLUSÕES • Anemia é uma condição altamen- O emprego de ESA para pacientes com câncer e anemia (hemoglobina abaixo de 11g/dL) relacionada ao seu tratamento, não excedendo o limite de 12 g/dL, pode ser recomendado com segurança te prevalente em pacientes com câncer. • Anemia impacta negativamente a qualidade de vida dos pacientes com câncer. • O uso de ESA, em pacientes com anemia relacionada ao câncer e ao seu tratamento, diminui as necessidades transfusionais. • O uso de ESA, em pacientes com anemia relacionada ao câncer e ao seu tratamento, leva a melhora nas medidas de qualidade de vida. • Estudos em que o objetivo do tratamento com ESA era a profilaxia de anemia mostraram, consistentemente, maior risco de eventos tromboembólicos e mortalidade; entretanto, nos estudos em que o intuito era correção de anemia, tal efeito deletério não foi observado. • O emprego de ESA para pacientes com câncer e anemia (hemoglobina abaixo de 11g/dL) relacionada ao seu tratamento, não excedendo o limite de 12 g/dL, pode ser recomendado com segurança. t REFERÊNCIAS 1. 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