Serviço de Pediatria 1 ESCARLATINA E OUTRAS DOENÇAS

Propaganda
Serviço de Pediatria
ESCARLATINA E OUTRAS DOENÇAS EXANTEMÁTICAS FEBRIS NA CRIANÇA
O QUE SÃO DOENÇAS EXANTEMÁTICAS?
Os exantemas são situações frequentes em Pediatria, que constituem uma fonte de preocupação para os
pais, uma vez que podem ser a manifestação de várias doenças, de maior ou menor gravidade. Esclarecendo
melhor o conceito: os exantemas são um grupo de lesões cutâneas, que constituem áreas de pele
eritematosa e “inflamada”, podendo assumir diversos aspectos diferentes. Geralmente surgem sob a forma
de uma erupção generalizada, constituída por lesões cutâneas que aparecem isoladas no início da doença,
mas que podem confluir no seu decurso.
As doenças exantemáticas são doenças agudas, geralmente infecciosas (como a escarlatina, a rubéola, a
varicela, entre outras), sendo as suas manifestações cutâneas essenciais para o diagnóstico. São geralmente
doenças benignas, nas quais a criança apresenta um óptimo estado geral.
MAS NEM TODOS OS EXANTEMAS APRESENTAM AS MESMAS CARACTERISTICAS. QUAIS SÃO OS
TIPOS DE EXANTEMAS EXISTENTES?
Os exantemas podem ser localizados (afectando apenas 1 pequena área da pele) ou generalizados (atingindo
quase todo o corpo). As lesões cutâneas podem assumir vários aspectos, nomeadamente: as máculas (que
são “manchas” na pele sem relevo, bem delimitadas, avermelhadas), as pápulas (que são lesões circunscritas,
salientes, com cerca de 0,5 cm de diâmetro), os nódulos (que são semelhantes às pápulas, mas com maior
diâmetro), as vesículas (que são lesões elevadas e com conteúdo líquido, com menos de 1cm), as pústulas
(que são vesículas que contêm pus), as crostas (que resultam da secagem do conteúdo líquido da vesícula),
as petéquias (que são pequenas “manchas” hemorrágicas, punctiformes ou lenticulares, resultantes da
ruptura dos vasos capilares) e as sufusões (que constituem derrame sanguíneo em larga superfície no tecido
celular subcutâneo).
QUAIS SÃO AS CAUSAS DOS EXANTEMAS?
Os exantemas constituem os principais sinais de várias doenças infecciosas da criança (como a escarlatina, a
rubéola, a varicela, entre outras). Contudo, são também o sintoma principal de algumas doenças cutâneas
(como o eczema). Os exantemas podem ainda surgir no contexto de uma doença orgânica não infecciosa
como as doenças autoimunes (de que é exemplo o lúpus) e as doenças hematológicas (doenças do “sangue”,
em que podem surgir máculas de cor vermelha-arroxeada designadas por púrpura). Noutras circunstâncias
os exantemas podem ser a manifestação de uma situação alérgica, nomeadamente alergia a medicamentos,
geralmente designada como toxidermia.
COMO SE FAZ O DIAGNÓSTICO DESTAS SITUAÇÕES?
O médico faz o diagnóstico baseando-se no aspecto do exantema e sua distribuição pelo corpo, na presença
de sintomas e sinais acompanhantes, e no contexto epidemiológico em que o quadro clínico surgiu. Depois
de estabelecido o diagnóstico, a causa subjacente é tratada, se possível, assim como os sintomas associados.
O QUE É A ESCARLATINA?
É uma doença infecciosa aguda, mais frequente na infância, provocada por um determinado grupo de
bactérias, que corresponde a uma estirpe de Streptococcus do Grupo A de Lancefield, também conhecida
como Streptococcus pyogenes. Caracteriza-se pelo início súbito de febre, faringite, seguido de exantema que
confere à pele uma cor escarlate.
A ESCARLATINA É A ÚNICA DOENÇA PROVOCADA POR ESTAS BACTÉRIAS?
Não, os Steptococcus pyogenes podem causar faringites agudas (infecção da “garganta”), amigdalites
(comummente designadas por “anginas”), infecções da pele (impétigo, erisipela), infecções disseminadas
para o sangue (septicemia), pneumonia, entre outras. O tipo mais frequente de infeção estreptocócica é a
faringite aguda. Assim, a mesma bactéria provoca doenças diferentes conforme o tipo de bactéria em causa,
o local onde se aloja e o indivíduo que infecta.
1
Serviço de Pediatria
A escarlatina geralmente surge apenas quando as bactérias libertam uma toxina (toxina eritrogénica), que é
responsável pelo aparecimento do exantema característico, em indivíduos que nunca tenham tido contacto
com essa toxina.
COMO SE TRANSMITE A DOENÇA?
Os seres humanos funcionam como reservatório natural destas bactérias. O modo de transmissão é por
contacto directo, através de gotículas de saliva e secreções nasais, expelidas pela respiração, tosse ou
espirros. A transmissão é favorecida pelo contacto próximo, pelo que é frequente ocorrer no domicílio e na
escola, podendo mesmo ocorrer surtos em creches. A transmissão da doença pode também fazer-se
indirectamente, através de objectos contaminados ou pelas mãos, e, em casos raros, pode ocorrer através
dos alimentos.
Alguns seres humanos são portadores crónicos destas bactérias, isto é, transportam a bactéria na “garganta”
ou no nariz, sem que esta lhe provoque doença, mas nestes casos raramente transmitem a doença.
APÓS O CONTACTO COM UM DOENTE, AO FIM DE QUANTO TEMPO SE MANIFESTA A DOENÇA?
Se houver contágio, a doença surge após um período de incubação, geralmente de 2 a 5 dias, mas que pode
ir até 7 dias.
EM QUE IDADE É MAIS FREQUENTE?
No recém-nascido, a doença estreptocócica é rara, provavelmente devido à presença de anticorpos
(“defesas”), transmitidos pela mãe durante a gravidez. Geralmente a infecção surge a partir dos 2 anos, e
afeta principalmente, as crianças em idade escolar.
OS ADULTOS TAMBÉM PODEM TER ESCARLATINA?
Sim, o Steptococcus pyogenes pode causar doença em pessoas de todas as idades, desde que nunca tenham
contactado com esse tipo específico de bactéria.
A infecção por esta bactéria leva o nosso organismo a produzir anticorpos protectores (“defesas”), logo
confere imunidade. Contudo existem vários serotipos (ou seja vários tipos diferentes) de Steptococcus
pyogenes. Assim sendo o contacto com outro serotipo desta bactéria pode provocar nova infecção. Logo é
frequente ocorrerem varias infecções estreptocócicas na infância e adolescência, pelo que na idade adulta já
adquirimos imunidade contra a maioria dos serotipos desta bactéria, tornando menos provável voltar a
contrair a doença.
EM QUE ALTURA DO ANO A DOENÇA É MAIS FREQUENTE?
A infecção estreptocócica ocorre principalmente no Inverno e início da Primavera, geralmente associada a
infecção respiratória alta (faringite e amigdalite).
QUAIS SÃO AS MANIFESTAÇÕES DA ESCARLATINA?
A doença geralmente inicia-se como uma faringite ou amigdalite aguda, manifestando-se com o
aparecimento súbito de febre alta, mal estar geral e dores de “garganta”. Às vezes, também surgem cefaleias
(“dores de cabeça”), sintomas gastrointestinais (diminuição do apetite, vómitos e dor abdominal) e
prostração. A febre é alta, podendo atingir os 40ºC nos dois primeiros dias, e diminui progressivamente,
normalizando a temperatura até ao 5º-10º dia. Os gânglio linfáticos estão aumentados a nível do pescoço e
por vezes dolorosos ao toque. A faringe apresenta-se eritematosa, com amígdalas hipertrofiadas (“grandes”),
geralmente cobertas por um exsudato amarelado (“pus”), hemorrágico (tingido de sangue). A língua
apresenta uma cobertura branca com pontos vermelhos, que corresponde a papilas linguais edemaciadas.
Após alguns dias essa cobertura destaca-se, as papilas linguais avermelhadas tornam-se proeminentes,
assemelhando-se a língua a uma framboesa.
O exantema surge no 2º dia de doença. Este exantema caracteriza-se pela presença de pápulas punctiformes
dispersas, de cor vermelho-brilhante, que clareiam à compressão. A pele fica com uma aparência escarlate e
é áspera ao tacto, tipo “lixa”. O exantema surge inicialmente em torno do pescoço e depois generaliza-se
para o tronco e membros (braços e pernas), tornando-se particularmente mais intenso nas pregas dos
2
Serviço de Pediatria
cotovelos, axilas e virilhas. A face geralmente não é atingida, mas por vezes pode ter eritema nas regiões
malares (ou seja as “bochechas” ficam avermelhadas), com palidez peribucal (em torno da boca).
Geralmente o exantema e a febre desaparecem ao fim de 3-4 dias, dando origem a uma descamação da
pele, que começa na face e depois progride para o tronco em direcção às pernas. Esta descamação tem um
aspecto semelhante à descamação provocada pelas queimaduras solares ligeiras. Por vezes a descamação
ocorre em placas em torno do bordo livre das unhas (pontas das unhas), nas palmas das mãos e plantas dos
pés.
COMO SE FAZ O DIAGNÓSTICO DA ESCARLATINA?
O diagnóstico não é difícil quando o quadro clínico é típico. Contudo, as formas leves, com achados
faríngeos pouco evidentes, podem assemelhar-se a outras doenças exantemáticas. O diagnóstico pode ser
confirmado através da identificação desta bactéria na faringe do doente. Esta identificação pode ser
efectuada através da colheita de exsudado da faringe e/ou amígdalas, utilizando uma zaragatoa esterilizada,
(que se assemelha a uma cotonete). O material colhido pode ser enviado para cultura, que nos permite
identificar especificamente a bactéria responsável pela doença, e quais os antibiótico a que é sensível. Para
termos um resultado rápido, em cerca de 30 minutos, podemos fazer a pesquisa através do teste rápido para
estreptococcus, que identifica a presença da bactéria, mas não identifica o seu serotipo nem a sua
sensibilidade aos antibióticos.
A ESCARLATINA PODE TER COMPLICAÇÕES?
As complicações podem ser precoces ou tardias.
As complicações precoces resultam da extensão da doença a outros locais do organismo e ocorrem durante
a primeira semana: linfadenite cervical (infecção dos gânglios do pescoço), otite, sinusite, pneumonia,
meningite, entre outras.
As complicações tardias podem ocorrer 1 a 3 semanas depois. São a febre reumática (lesão das válvulas do
coração) e a glomerulonefrite aguda (lesão do rim), complicações potencialmente graves, se a infecção não
for tratada correcta e atempadamente. A sua incidência não tem relação com a gravidade da infecção inicial.
QUAL É O TRATAMENTO?
As crianças com escarlatina ou faringite estreptocócica, em geral melhoram ao fim de 2 semanas, mesmo
sem tratamento. Contudo, o tratamento antibiótico permite reduzir a duração dos sintomas e evitar o
aparecimento de complicações. Por outro lado, previne a propagação da infecção para o ouvido e seios
perinasais, e impede o contágio de outras pessoas. O antibiótico recomendado é a penicilina, a qual é
administrada através da injecção intramuscular, na nádega, em dose única, uma vez que não existe nenhuma
formulação farmacêutica no nosso país que permita a administração oral. Como alternativa utiliza-se a
amoxicilina, por via oral, sendo essencial que o tratamento seja efectuado durante 10 dias, mesmo que
ocorra previamente a resolução dos sintomas. Nos doentes com alergia pode-se utilizar a eritromicina, por
via oral, também durante 10 dias.
QUE OUTROS CUIDADOS SE DEVE TER COM A CRIANÇA COM ESCARLATINA?
A febre e os sintomas dolorosos devem ser controlados com paracetamol, em doses adaptadas ao peso da
criança. Recomenda-se uma dieta ligeira de acordo com o apetite e a idade da criança, com alimentos
líquidos ou pastosos, como bebidas frescas (leite ou iogurte). É importante que a criança ingira muitos
líquidos. A humidificação do ambiente também pode ajudar a reduzir a dor de “garganta”.
A CRIANÇA COM ESCARLATINA PODE IR À ESCOLA?
Durante o curto período de incubação da doença e na fase aguda, a criança pode facilmente transmitir a
doença aos colegas da escola, assim como aos familiares próximos. A terapêutica correcta erradica o
estreptococo da orofaringe em cerca de 24h. Assim, propõe-se que as crianças não vão à escola até
completarem 48 horas de tratamento com antibiótico, correctamente.
Em circunstâncias especiais, os contactos mais íntimos da criança poderão ter indicação para fazer
tratamento antibiótico profilático, nomeadamente quando têm antecedentes de febre reumática,
glomerulonefrite aguda, ou quando são pessoas que manipulam alimentos.
3
Serviço de Pediatria
QUANDO HÁ VÁRIOS CASOS NA ESCOLA, O QUE SE DEVE FAZER ÀS CRIANÇAS SEM QUEIXAS?
Quando surgem vários casos de escarlatina numa escola, devemos considerar a possibilidade de existir um
portador crónico que está transmitir a infecção a várias crianças. Deste modo, deve-se pesquisar a presença
da bactéria no nariz e na “garganta” das pessoas com contacto íntimo com os meninos doentes, para
identificar e tratar o possível portador.
Quando há um surto de escarlatina (vários casos em simultâneo), os doentes devem também fazer a cultura
do exsudado nasofaríngeo para confirmar a erradicação do estreptococo após o tratamento.
QUAL É O PROGNÓSTICO DA DOENÇA?
O prognóstico é óptimo quando ocorre o diagnóstico correcto da doença e o tratamento antibiótico
atempado, prevenindo o aparecimento de complicações.
SABEMOS QUE EXISTEM OUTRAS DOENÇAS EXANTEMÁTICAS NA CRIANÇA POTENCIALMENTE
GRAVES. QUANDO É QUE OS PAIS DEVEM LEVAR OS MENINOS COM EXANTEMA AO MÉDICO?
Como já foi referido a maioria das doenças exantemáticas são benignas. Contudo, quando a criança tem um
exantema febril deve ser sempre avaliada pelo médico, para que este posso identificar a causa da doença,
sua gravidade e qual o tratamento indicado. As causas de exantema mais temidas são a meningite e as
doenças hemorrágicas, sendo essencial a observação urgente da criança. Os pais devem estar atentos aos
sintomas da criança. Quando esta tiver vómitos, “dores de cabeça”, fotofobia (aversão à luz), dor com a
flexão cervical (ou seja, ao tentar dobrar a cabeça para a frente), petéquias (lesões cutâneas que não clareiam
à compressão), e tiver uma aparência “doente” pode ter uma meningite pelo que deve recorrer ao serviço de
urgência pediátrico de imediato! Por outro lado, se a criança apresentar apenas o exantema purpúrico (com
petéquias), pode ter uma doença hemorrágica pelo que deve também recorrer à urgência de pediatria.
RESUMINDO
◊ Existem vários tipos de doenças exantemáticas febris na criança, geralmente sem gravidade.
◊ A escarlatina é uma forma de infecção estreptocócica que se caracteriza por febre alta, faringite, lesões
cutâneas contínuas, de cor escarlate, que conferem à pele uma textura de lixa, língua em framboesa.
◊ Ocorre mais frequentemente na criança a partir dos 2 anos de idade e na idade escolar, sobretudo no
Inverno e princípio da Primavera.
◊ O diagnóstico é fácil quando a presentação é típica.
◊ Quando a doença é tratada correcta e atempadamente com antibiótico, os sintomas resolvem-se com
brevidade, elimina-se o contágio de outras pessoas, e previne-se o aparecimento das complicações
potenciais desta infecção.
◊ A criança não precisa de ficar isolada, podendo regressar à escola 48 h após ter iniciado o tratamento
com penicilina.
◊ Algumas doenças graves manifestam-se com lesões cutâneas, mas nesses casos a criança apresenta-se
com mau-estado geral e outros sintomas que podem alertar os pais para a gravidade da situação. Nessas
situações é essencial que os meninos sejam observados pelo pediatra com brevidade.
Dra Rute Barreto
Dr Helder Gonçalves
Serviço de Pediatria do Hospital do Espírito Santo de Évora – E.P.E.
4
Download