Novas regiões: vinhos de altitude no sul do Brasil

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X Congresso Brasileiro de Viticultura e Enologia 137
Novas regiões: vinhos de altitude no sul do Brasil
Jean Pierre Rosier1
No Brasil os locais de climas mais amenos concentram-se na Região Sul do país onde os estados do Paraná, Santa
Catarina e Rio Grande do Sul destacam-se por apresentarem, aliados a latitude elevada, locais de altitude superiores
a 1.000 metros acima do nível do mar.
Algumas destas áreas, graças as suas condições climáticas particulares, tem recentemente sido cultivadas com
variedades de uvas Vitis vinifera, as quais atingem índices de maturação que permitem fornecer matéria prima para
a elaboração de vinhos diferenciados por sua intensa coloração, definição aromática e equilíbrio gustativo.
Em Santa Catarina, o desenvolvimento destes vinhedos nas localidades de Água Doce, Bom Retiro, Campos Novos,
Iomerê, São Joaquim e Tangará, vêm sendo acompanhados desde 1991 pelas equipes de pesquisa da EPAGRI das
Estações Experimentais de Videira e de São Joaquim.
As variedades que se encontram em maior quantidade são o Cabernet Sauvignon, Merlot e Chardonnay, cultivados
sobre os porta-enxertos Paulsen 1103 e SO4, correspondendo atualmente a aproximadamente 150 hectares de vinhedos
em altitude, conduzidos em espaldeiras e manjedouras, mas com perspectivas de dobrar está área em um futuro
próximo.
Experimentalmente estão sendo observados os comportamentos vitícolas e enológicos de viníferas de origem francesa,
espanhola, italiana e portuguesa.
Influência climática
A influência climática dada à altitude elevada, na latitude de 28o, proporciona um deslocamento de todo o ciclo
produtivo da videira a qual, em algumas variedades, inicia suas atividades vegetativas somente na segunda quinzena
do mês de outubro e finaliza sua maturação também na segunda quinzena do mês de abril.
Este deslocamento propicia a ocorrência de condições climáticas diferenciadas em relação ao restante do país nas
diferentes etapas do desenvolvimento das plantas. Nas regiões tradicionalmente produtoras no sul do país este ciclo
tem início no mês de setembro e normalmente finda no mês de fevereiro, quando as condições climáticas, principalmente
de altas temperaturas e pluviosidade, são tradicionalmente difíceis.
O deslocamento do ciclo vegetativo nas regiões de altitude se caracteriza por duas situações distintas em seus dois
extremos. Por um lado as baixas temperaturas noturnas retardam o início da brotação, (Figura 1) mas devido a
ocorrência de geadas tardias nos locais de altitude, podem muitas vezes, dependendo da localização do vinhedo e
da precocidade das variedades, serem um fator limitante à produção. No outro extremo do ciclo vegetativo, na
maturação, as temperaturas noturnas amenas retardam o amadurecimento dos frutos, reduzem o crescimento das
plantas e influenciam no metabolismo propiciando uma colheita em uma época onde historicamente os índices de
pluviosidade são bem menores que nos meses de vindima das regiões tradicionalmente produtoras (Figura 2), permitindo
com isso uma maturação, principalmente fenólica, mais completa.
0
C
Pinta
das bagas
Floração
Brotação
Vindima
Repouso Vegetativo
2,5
0,7
0,3
0,8
0
0
0,1
Dias de Geada
1,2
3,5
5,5
4,5
3,5
Fonte: Epagri. Estação
Experimental de São
Joaquim
Figura 1: Temperaturas médias mínimas e máximas (0C), e número de geadas, média de 30 anos, ocorridas em São
Joaquim durante o ciclo vegetativo da cultivar Cabernet Sauvignon.
1
Engenheiro Agrônomo. Dr. em Enologia. EPAGRI – Estação Experimental de Videira, Caixa Postal 21, 89560-000 Videira-SC. Email: [email protected]
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Brotação
Floração
Pinta
das bagas
Vindima
Repouso Vegetativo
Fonte: Epagri. Estação Experimental de São Joaquim
Figura 2: Precipitação em mm (média de 30 anos) em São Joaquim durante o ciclo vegetativo da cultivar Cabernet
Sauvignon
O deslocamento do ciclo vegetativo da videira graças às condições climáticas particulares é o responsável por uma
série de fenômenos metabólicos que por sua vez são responsáveis pela diferenciação dos vinhos destas regiões, a
principal delas diz respeito a composição fenólica das uvas e conseqüentemente dos vinhos.
Estas observações encontram apoio na seguinte teoria:
Variações hormonais
As variações das quantidades de hormônios existentes nas plantas durante o ciclo vegetativo são responsáveis pela
indução do início ou do término das diferentes fases do desenvolvimento, e estas regem o comportamento das plantas
em relação a produção e a armazenagem dos diversos compostos que compõem a complexidade da matéria prima
dos vinhos.
A ocorrência de baixas temperaturas noturnas, que provocam uma alteração hormonal é que determinam a parada
de crescimento vegetativo e o início da maturação com seus conseqüentes acúmulos de açúcar e de substâncias
fenólicas assim como de alguns precursores de aroma.
O período que antecede o fenômeno de pinta das bagas caracteriza-se por uma redução da concentração dos hormônios
do crescimento, como as auxinas, e é a partir desta fase que inicia o surgimento do ácido abcísico (AbA) denominado
de hormônio do estresse determinante da coloração das bagas.
Caso este fenômeno ocorra paralelamente ao crescimento dos ramos, seja pela ocorrência de temperaturas elevadas,
indisponibilidade hídrica e de nitrogênio no solo, a pinta das bagas ocorre mais tardiamente, e conseqüentemente o
período de maturação é reduzido, e neste caso, produz uma matéria prima de menor qualidade.
No caso dos vinhedos de altitude, para a cultivar Cabernet Sauvignon, constatou-se uma redução drástica do crescimento
vegetativo a partir do mês de março.
Metabolismo fenólico
A síntese de compostos fenólicos esta intimamente ligada ao metabolismo dos açúcares e ao metabolismo do
nitrogênio. O açúcar é de importância vital no acúmulo de compostos fenólicos pois sem esta fonte de energia
disponível a formação de compostos fenólicos é reduzida.
Depois da mudança de cor das bagas, que marca o início da maturação, ocorrem novamente profundas mudanças
metabólicas e a principal delas é a redução da via da glicólise e conseqüentemente da produção de ácido málico.
É a partir deste momento que a célula vai armazenar açúcar e não consumí-lo.
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Durante o desenvolvimento da planta, uma vez que os açúcares se encontram em fase de armazenagem podem
ocorrer vias metabólicas alternativas para o acúmulo dos compostos fenólicos.
A glicólise, via piruvato, é uma delas e é responsável também pelas principais funções vitais da planta como respiração,
formação de ácidos e desenvolvimento vegetativo, portanto uma via de metabolismo que se caracteriza pela multiplicidade
de funções logo por uma repartição vital da energia.
Uma outra via metabólica bastante conhecida é a via das pentoses, nesta biossíntese encontra-se um aminoácido
denominado fenilalanina, que comandado pela concentração hormonal direciona a energia para o acúmulo de proteína
e portanto ao crescimento vegetativo.
Quando ocorre uma variação das taxas hormonais o metabolismo, pela via das pentoses, faz com que a fenilalanina
desta vez contribua para a formação da fenilalanina-amonialiase (PAL) que é a enzima ligada ao aparecimento da
coloração durante a pinta das bagas. A ação desta enzima participa do deslocamento da via metabólica, que antes
proporcionava o crescimento, para via ácido cinâmico direcionar a energia para dois pontos distintos e importantíssimos:
A formação de lignina para reserva da planta e para o chalcone, precursor comum dos taninos, flavonóides e
antocianidinas, que sem a concorrência do crescimento vegetativo, recebem sua cota de energia de forma redobrada,
via glicólise e via pentose.
A via das pentoses, também conhecida como via shiquimica, que passa pela fenilalanina permite verificar a concorrência
por este aminoácido que é solicitado para a proteossíntese durante o crescimento da planta ou para a formação
fenólica via chalcone. (Figura 3).
Portanto, para que ocorra síntese dos compostos fenólicos, tem-se uma concorrência entre os compostos primários
indispensáveis a vida celular e os secundários que só aparecem em quantidades maiores se as células reduzirem sua
atividade metabólica.
Sempre que ocorrer redução do crescimento vegetativo, graças ao desequilíbrio hormonal, ocorre o favorecimento
de acúmulo de compostos fenólicos. Se a planta crescer ao mesmo tempo em que amadurecerem os frutos este
acúmulo é reduzido.
Figura 4: vias de biossíntese dos compostos fenólicos estabelecidas a partir dos dados de LaVollay et Newman (1977).
As uvas
As uvas da cultivar Cabernet Sauvignon cultivadas nos climas de altitude apresentaram como características marcantes
e diferenciadas a maturação fenólica completa.
A avaliação organoléptica destas uvas, em meados do mês de abril, apresentou bagas com coloração intensa, pequena
adstringência e taninos macios ao serem mastigadas as cascas. Observou-se também, com notoriedade, a ocorrência
de tonalidade escura nas sementes em sua totalidade, o que pode ser considerado como uma das características
da maturação completa dos taninos.
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Análises cromatográficas destes elementos estão em fase de execução em trabalho conjunto entre Epagri-EEV e
Embrapa-CNPUV.
Os mostos
Os mostos obtidos destas uvas apresentam uma composição em ácidos orgânicos com acidez total média de
125 meq/l e elevados teores de ácido málico (6 g/l) que se diferencia dos mostos tradicionalmente encontrados nas
regiões onde o período de maturação ocorre em temperaturas mais elevadas.
A pequena degradação do ácido málico durante as baixas temperaturas colaboram de forma minoritária para o
incremento do acúmulo de açúcar já que esta pode chegar a ser deficiente em alguns anos. A gluconeogênese via
síntese das hexoses pode ocorrer nos dois sentidos tanto glucose-piruvato-malato como malato-piruvato-glucose.
A presença de ácido málico em quantidade elevada no mosto é explicável em parte pela reduzida degradação deste
ácido nas temperaturas amenas em que ocorre a maturação nos climas de altitude.
O acúmulo de açúcar das uvas obtidas nos locais de altitude podem ser consideradas como normais se comparáveis
com os demais locais de produção de uva do sul do Brasil.
Apesar do início antecipado da pinta das bagas, em relação ao término do ciclo e as baixas precipitações nos meses
de colheita (90 mm em abril) o acúmulo de açúcares fica em torno de 18 a 22 o Babo. Estes teores relativamente
pouco elevados podem ser considerados normais para este tipo de clima, uma vez que as baixas temperaturas no
final do período de maturação não estimulam a produção de açúcar pela via das hexoses, favorecendo a via das
pentoses na produção de compostos fenólicos.
Os vinhos
Os vinhos obtidos até agora são predominantemente oriundos de microvinificações experimentais e de vinificações
semi-industriais de 3.500 litros, e os primeiros produzidos datam da safra de 1998.
Estes produtos se caracterizam por apresentarem teor alcoólico elevado, 11,5 o GL, acidez total média 80 meq/l,
apresentarem coloração de boa intensidade, com valores de 1,4 a 3,6 vezes mais antocianinas considerando-se o
somatório cianidina, malvidina e delfinidina se comparados com vinhos provenientes de uvas produzidas a 650 m
de altitude. Estes vinhos apresentam expressão aromática intensa que salienta a tipicidade varietal, com participação
de aromas herbáceos quase nula, o que também os diferencia dos tradicionalmente produzidos no Brasil.
Entre as principais características gustativas dos vinhos observa-se a maciez dos taninos, mesmo em vinhos jovens,
o equilíbrio gustativo dado ao equilíbrio das funções álcool–ácido que graças a importante participação do ácido lático,
proveniente da fermentação malolática do expressivo teor de ácido málico dos mostos, empresta aos vinhos características
de untuosidade e amplitude em boca.
Os riscos e as vantagens
O pioneirismo de uma atividade em uma região traz consigo riscos decorrentes do desconhecimento de alguns fatores
que no futuro podem vir a influenciar na produção.
O plantio de uvas nas regiões de altitude deve ser uma realização muito bem avaliada pelos produtores visto as
dificuldades observadas em alguns casos no preparo do solo. A escolha do local de implantação do vinhedo pode
ser de importância vital pois a possibilidade de ocorrência de geadas tardias podem ser a causa de inviabilização total
do projeto.
A falta de mão-de-obra especializada e a inexistência de um pólo de produção também são fatores a serem considerados.
Porém as novas regiões não trazem consigo vícios herdados do conhecimento empírico e estão mais receptivas as
inovações tecnológicas como a utilização de sistemas de condução de alta eficiência e cobertura plástica nos vinhedos.
A ausência de pragas tradicionais e a menor quantidade de inóculo de doenças aliados as boas condições climáticas
e aos resultados animadores até agora obtidos somados ao espírito empreendedor de alguns empresários, sem dúvida
são as grandes propulsoras da expansão destas áreas.
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