UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE DEPARTAMENTO DE FISIOTERAPIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM FISIOTERAPIA THAYSA DE OLIVEIRA LIMA SOUZA CARACTERIZAÇÃO DAS PROPRIEDADES BIOMECÂNICAS DO TRÍCEPS SURAL CORRELACIONADAS COM ATIVIDADE FUNCIONAL DE SALTO EM ESCOLARES COM SOBREPESO E OBESIDADE RECIFE 2011 THAYSA DE OLIVEIRA LIMA SOUZA CARACTERIZAÇÃO DAS PROPRIEDADES BIOMECÂNICAS DO TRÍCEPS SURAL CORRELACIONADAS COM ATIVIDADE FUNCIONAL DE SALTO EM ESCOLARES COM SOBREPESO E OBESIDADE Dissertação apresentada ao Programa de PósGraduação em Fisioterapia do Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal de Pernambuco, para obtenção do Grau de Mestre em Fisioterapia. Linha de Pesquisa: Fisioterapia: Desempenho físicofuncional e qualidade de vida. Orientadora: Profª Drª Karla Mônica Ferraz Co-orientador: Prof. Dr. Daniel Lambertz RECIFE 2011 Souza, Thaysa de Oliveira Lima Caracterização das propriedades biomecânicas do tríceps sural correlacionadas com atividade funcional de salto em escolares com sobrepeso e obesidade / Thaysa de Oliveira Lima Souza. – Recife: O Autor, 2011. 119 folhas: il., fig.; 30 cm. Orientador: Karla Mônica Ferraz Dissertação (mestrado) – Universidade Federal de Pernambuco. CCS. Fisioterapia, 2011. Inclui bibliografia, anexos e apêndices. 1. Músculos- propriedades mecânicas. 2. Salto vertical. 3. Criança. 4. Índice de massa corpórea. I. Ferraz, Karla Mônica. II.Título. 611.73 CDD (20.ed.) UFPE CCS2011-082 DEDICATÓRIA À Deus, pelo amor infinito. Aos meus pais, Flávio de Souza e Adalgisa Ma de Oliveira Lima, que me deram o alicerce da vida e me ensinaram as lições que não estão nos livros. AGRADECIMENTOS À Deus, por todas as oportunidades que tem dado à minha vida, por me suprir em todas as necessidades, pela força interior para superar as dificuldades, por mostrar o caminho nas horas incertas. Obrigada, meu Pai, por me dar saúde para prosseguir meu caminho na busca do conhecimento, pelas pessoas maravilhosas em meu caminho durante essa trajetória. Sou grata a Ti, por tudo. Aos meus pais, Flávio de Souza e Adalgisa Ma de Oliveira Lima, responsáveis pela formação de meus valores e caráter. Obrigada pelo incondicional esforço e dedicação para o meu crescimento pessoal e profissional. Tenho muito orgulho de ser sua filha. Ao meu irmão, Igor de Oliveira Lima Souza, pelas vezes em que lhe foi exigido paciência para entender o significado deste sonho. Aos meus pequenos, Artur Henrique Vieira e Ana Carolina Vieira (Tuzinho e Aninha), por me ensinarem o amor puro. Vocês fazem uma grande diferença em minha vida! Tataia ama muito. À minha tia e segunda mãe, Severina Ma Vieira, a qual amo muito, pela sua compreensão nas horas em que eu precisei me ausentar durante a elaboração deste trabalho. Aos meus queridos tios, Henrique José de Oliveira Lima e Débora Ma Thorpe Lima e primas, Rafaella Thorpe e Ramona Thorpe por acreditarem na minha capacidade, por todo o carinho e amor. Às amigas de infância, Vivianne Padilha e Paloma Velez, por conhecerem o significado desta etapa e por não me permitirem esquecer de que mesmo em momentos difíceis e controversos, a perseverança alcança seus frutos. Aos primos Artur de Castro (in memoriam) e Ana Cristina Vieira, pelo orgulho que sentem de mim. Aos colegas da primeira turma do Mestrado em Fisioterapia – UFPE (2009): Adriana Sarmento, Alana da Gama, Antônio Francisco, Dinalva Lacerda, Emanuela Vale, Jacqueline Barcelar, João Danyell, Leila Barbosa, Pedro Lima, Roberta Machado, Rodrigo Oliveira, Silvana Uchôa, Thales Sales, pelo conhecimento científico compartilhado e momentos de integração bastante produtivos. Aprendi muito com vocês. Às parceiras sempre presentes, Emanuela Vale e Leila Barbosa, pelo companheirismo, apoio e amizade. Compartilhamos momentos de angústia e vitórias. Uma grande surpresa que o destino guardou para mim. Aos meus orientadores, também responsáveis pela missão que aqui se cumpre, Karla Mônica Ferraz e Daniel Lambertz, pela confiança e incentivo. A construção do conhecimento não apenas se traduz nas páginas deste texto hoje entregue, mas na maturidade de toda uma vida a seguir. Aos companheiros de pesquisa, Luciana Chaves, Lauro Holanda, Mariana Dantas, Eveline Ramos, Carla Raquel, Danyelle Geber, João Vítor Paiva, pela amizade, competência, solidariedade e gentileza. A participação de vocês foi fundamental para a realização deste trabalho. Aos que compõem o Departamento de Fisioterapia da UFPE, por contribuírem para a minha formação. Às secretárias da pós-graduação, Niége Melo e Maria Carolina Henriques, sempre solícitas e disponíveis. Às crianças que participaram desta pesquisa, pois sem elas nenhuma dessas páginas estaria completa. Agradeço a toda minha família e aos meus amigos pela torcida, incentivos e orações. Obrigado por acreditarem no meu esforço. Isso é amor! Ainda que eu fale as línguas dos homens e dos anjos, se não tiver amor, serei como o bronze que soa ou como o címbalo que retine. Ainda que eu tenha o dom de profetizar e conheça todos os mistérios e toda a ciência; ainda que eu tenha tamanha fé, a ponto de transportar os montes, se não tiver amor, nada serei. O amor é paciente, é benigno. O amor jamais acaba. Agora, pois, permanecem a esperança, a fé e o amor; destes, o maior é o amor. (1° Coríntios 13) RESUMO RESUMO Introdução: A obesidade representa um dos mais importantes problemas de saúde pública, sendo o excesso de peso corporal um fator de risco que contribui para doenças em todo o mundo. Sujeitos obesos têm mudanças morfológicas e funcionais no músculo esquelético. Objetivo: Caracterizar as propriedades biomecânicas do músculo esquelético em crianças com excesso de peso e investigar a correlação entre estas propriedades e o desempenho no salto vertical. Materiais e Métodos: Realizou-se um estudo de corte transversal envolvendo 62 crianças (♂30/ ♀32) de 9 anos (104 a 112 meses), divididas em grupos com IMC normal (n=33) e com IMC alto (n=29), segundo os critérios de IMC escore-z conforme sugere a Organização Mundial de Saúde (2007). Com o Ergômetro de Tornozelo (Bio2M®), as propriedades contráteis e elásticas do tríceps sural foram avaliadas através da contração voluntária máxima (CVM), pico de torque (Pt), tempo de contração (CT), tempo de médio relaxamento (HRT), taxa de desenvolvimento de torque (dPt/dt), atraso eletromecânico (EMD), eficiência neuromuscular (NME), índice do déficit de ativação (IDA), índice de resistência musculotendínea (RIMT). O desempenho do salto vertical (SV) foi avaliado através da Plataforma de Força (EMG System do Brasil®). Resultados: O grupo com IMC alto apresentou maiores valores de CVM (p<0.001) e Pt (p=0.02), porém não houve diferença quando essas variáveis foram normalizadas com a área de secção transversa da panturrilha (CSA). Os grupos não apresentaram diferenças em CT e HRT (p>0.05). O grupo com IMC alto obteve maior dPt/dt (p=0.01) e menor EMD (p=0.019). Os valores de NME e IDA foram similares entre os grupos (p>0.05). RIMT não apresentou diferenças nos valores médios, porém há inclinações diferentes na relação MT Ratio-Torque entre sujeitos de cada grupo. O salto vertical foi menor no grupo com IMC alto, mesmo quando normalizado com CVM (p<0.001). Os grupos apresentaram positiva correlação entre RIMT e SV/CVM (p<0.05). Apenas o grupo com IMC alto mostrou correlação ente EMD e SV/CVM (r=0.44; p<0.05). Conclusão: As crianças com IMC alto apresentaram modificações nas propriedades neuromecânicas e menor desempenho no salto vertical, sugerindo um processo adaptativo. A oposta relação entre as propriedades mecânicas e o salto vertical afirma que este movimento em crianças deve ser entendido como uma atividade funcional, não somente um componente mecânico da função muscular. Palavras-chave: propriedades mecânicas, salto vertical, criança, índice de massa corpórea. __________________________________________________________________________________ ABSTRACT ABSTRACT Introduction: obesity represents a major public health problem as a risk factor that contributes to disease worldwide. Obese subjects have morphological and functional changes in skeletal muscle. Objective: to characterize the triceps surae neuromechanical properties in high Body Mass Index (BMI) prepubertal children and to investigate its influence on vertical jump performance. Methods: 62 children (♂30/ ♀32) of 9 years (104 to 112 months) were divided in normal (n=33) or high BMIgroup (n=29), according to z-score from World Health Organization (2007). Contractile and elastic properties of the triceps surae were evaluated using an Ankle Ergometer by maximal voluntary contraction (MVC), twitch torque (Pt), contraction time (CT), half relaxation time (HRT), rate of torque development (dPt/dt), electromechanical delay (EMD), neuromuscular efficiency (NME), activation deficit index (ADI), and musculotendinous stiffness ratio index (RIMT). Vertical jump performance (VJ) was evaluated with a force platform. Results: high BMI-group had increased MVC (p<0.001) and Pt (p=0.02), but no difference when normalized by cross sectional area (p>0.05). CT and HRT were not different (p>0.05). High BMIgroup had increased dP/dt (p=0.01) and lower EMD (p=0.019). NME, ADI and medium values of RIMT were not different, but the relation RIMT-torque had different slopes between groups. Vertical jump was lower in high BMI-group, even if normalized with MVC (p<0.001). There was a positive RIMT-VJ/MVC correlation in both groups (p<0.05). Only high BMI-group showed EMD-VJ/MVC correlation. Conclusion: high BMI children present modifications in neuromechanical properties and lower performance in vertical jump, suggesting an adaptation process. The opposite adjustment of the mechanical properties and vertical jump highlighted that movement in children should be seen as a functional activity, not only a mechanical component of muscle function. Key-words: mechanical properties, vertical jump, children, body mass índex __________________________________________________________________________________ LISTA DE ILUSTRAÇÕES LISTA DE ILUSTRAÇÕES Figura 1. Representação da estrutura do músculo estriado esquelético p.19 Figura 2. Representação da ultraestrutura do sarcômero: delimitado por duas linhas Z e formado por filamentos finos, grossos e proteína estrutural titina p.21 Figura 3. O deslizamento dos filamentos grossos produz encurtamento dos sarcômeros sem qualquer alteração no comprimento dos filamentos grossos ou finos. As faixas I e H são reduzidas p.22 Figura 4. Representação da sucessão de eventos do mecanismo de acoplamento excitação-contração p.23 Figura 5. Representação da sequência de eventos na contração muscular p.24 Figura 6. Representação do modelo de três componentes proposto por Hill (1938), modificado por Shorten (1987) p.27 Figura 7. Relação EMG-Força representando a contribuição dos fatores centrais e/ou periféricos no desenvolvimento da força p.30 Figura 8. Representação do traçado eletromiográfico (EMG) do abalo muscular do tríceps sural provocado pela onda M e os parâmetros a serem avaliados em função do tempo p.31 Figura 9. Representação do teste de abalo simples interpolado a 25% da contração voluntária máxima p.34 Figura 10. Representação da relação logarítmica entre a capacidade voluntária e involuntária de produção de força (DA x CVM) p.35 Figura 11. Representação do processo de seleção da amostra p.48 Figura 12. Plataforma de Força (EMG System do Brasil®) p.50 Figura 13. A: Diagrama de linhas representando as posições do membro para cima e para baixo durante as fases do salto; p.51 B: Representação da força de reação vertical sobre a plataforma durante as fases do salto p.51 Figura 14. Avaliação Biomecânica p.52 Figura 15. Posicionamento do sujeito no pedal ajustável e disposição dos eletrodos p.53 Figura 16. Representação da determinação do torque voluntário máximo p.54 __________________________________________________________________________________ LISTA DE ILUSTRAÇÕES Figura 17. Representação do cálculo do Índice do Déficit de Ativação (IDA) p.55 Figura 18. Representação do cálculo da resistência musculotendínea durante o Teste de Liberação Rápida p.56 Figura 19. Relação Resistência-Torque p.57 __________________________________________________________________________________ LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS +dPt/dt Taxa de desenvolvimento de torque -dPt/dt Taxa de relaxamento && DQ Aceleração angular DQ Deslocamento angular CAE Ciclo de alongamento-encurtamento CC Componente contrátil CEP Componente elástico em paralelo CES Componente elástico em série CMJ Countermovement Jump, salto com contramovimento CSA Cross Seccional Area, área de secção transversa CT Contraction Time, tempo de contração CVM Contração voluntária máxima DA Déficit de ativação DJ Drop Jump, salto de uma altura pré-determinada EMD Electromechanical Delay, atraso eletromecânico EMG Eletromiografia HRT Half Relaxion Time, tempo de médio relaxamento I Inércia IDA Índice do déficit de ativação IMC Índice de massa corpórea MET Equivalente metabólico MHC Myosin Heavy Chain, cadeia pesada de miosina MLC Myosin Light Chain, cadeia leve de miosina Mmáx Máxima resposta motora direta MT Musculotendíneo __________________________________________________________________________________ LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS NME Eficiência neuromuscular Pi Fosfato inorgânico Pt Pico de torque RIMT Índice de resistênica musculotendínea, MT stiffness Ratio Index SJ Squat Jump, salto a partir de uma posição de agachamento SV Salto vertical TA-EMG Atividade eletromiográfica do tibial anterior TI Twitch Interpolated, abalo simples interpolado TN Troponina TS-EMG Atividade eletromiográfica do tríceps sural TS-EMGCVM Atividade eletromiográfica durante a contração voluntária máxima __________________________________________________________________________________ SUMÁRIO SUMÁRIO RESUMO ABSTRACT LISTA DE ILUSTRAÇÕES LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS INTRODUÇÃO ................................................................................................................. 1. Fisiologia Muscular............................................................................................. 1.1. Estrutura do Músculo Estriado Esquelético .......................................................... 1.2. Mecanismo de Contração Muscular ..................................................................... 1.3. Classificação das Fibras Musculares..................................................................... 2. Propriedades Biomecânicas do Músculo Esquelético .................................... 2.1. Modelo de Mecânica Muscular ............................................................................. 2.1.1 Estudo do Componente Contrátil .......................................................................... - Produção de Força em condições voluntárias ........................................................... - Produção de Força em condições induzidas ............................................................. Resposta a um abalo muscular .............................................................................. Abalo Simples Interpolado ...................................................................................... 2.1. 2 Estudo do Componente Elástico .......................................................................... 2.2. Implicações Funcionais das Propriedades Elásticas ............................................ 3. Atividade Funcional de Salto ............................................................................. 3.1. Interação Salto-Resistência .................................................................................. 4. Considerações sobre Obesidade ...................................................................... 18 18 18 21 25 26 26 28 28 30 30 33 35 38 39 41 42 __________________________________________________________________________________ SUMÁRIO 5.1. Obesidade e Propriedades Biomecânicas do Músculo Esquelético ....................... 5. Objetivos do Estudo ........................................................................................... 6.1 Objetivo Geral .......................................................................................................... 6.2 Objetivos Específicos ............................................................................................... MATERIAIS E MÉTODOS ............................................................................................... 1. Local do Estudo .................................................................................................. 2. Período de Realização do Estudo ..................................................................... 3. Desenho do Estudo............................................................................................. 4. População do Estudo .......................................................................................... 5. Amostra .................................................................................................................. 5.1 Amostragem ................................................................................................................ 5.2 Critérios de Elegibilidade .......................................................................................... 5.3 Procedimentos para Seleção de Participantes ........................................................ 6. Procedimentos para Coleta de Dados .............................................................. 6.1 Avaliação Antropométrica ..................................................................................... 6.2 Avaliação da Atividade Física Habitual ................................................................. 6.3 Avaliação da Habilidade Funcional do Salto Vertical ............................................ 6.4 Avaliação Biomecânica ......................................................................................... 6.4.1 Contração Voluntária Máxima ............................................................................... 6.4.2 Onda M ................................................................................................................. 6.4.3 Twitch Interpolado - Técnica do Abalo Simples Interpolado ................................. 6.4.4 Teste de Liberação Rápida ................................................................................... 7. Análise Estatística .............................................................................................. 43 45 45 45 46 46 46 46 47 47 47 47 47 49 49 49 49 51 53 54 55 55 57 __________________________________________________________________________________ SUMÁRIO 8. Considerações éticas ......................................................................................... REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................ RESULTADOS ................................................................................................................. CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................. 58 59 77 111 LISTA DE APÊNDICES.............................................................................................. 113 APENDICE A - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido .................................. 113 APÊNDICE B – Protocolo de Avaliação Antropométrica e Biomecânica ................... 114 APÊNDICE C – Questionário de Avaliação do Nível de Atividade Física Habitual .... 115 LISTA DE ANEXOS.................................................................................................... 116 ANEXO I – Carta de aceite do Comitê de Ética em Pesquisa- UFPE ....................... 116 ANEXO II - Carta de Anuência para o desenvolvimento da Pesquisa ............... 117 ANEXO III - Autorização para o Desenvolvimento da Pesquisa ......................... 118 ANEXO IV – Comprovante de Submissão do Artigo de Resultados .................. 119 __________________________________________________________________________________ APRESENTAÇÃO GERAL APRESENTAÇÃO GERAL O músculo esquelético tem importante função no desempenho da atividade locomotora, uma vez que é gerador de força para manutenção da estabilidade articular e da postura. Além disso, reage constantemente a mudanças ambientais e pode reorganizar seu metabolismo em resposta a demandas funcionais. O entendimento dos aspectos do desempenho muscular pode elucidar as possíveis alterações nas características da cinética de contração, eficiência neuromuscular e propriedades elásticas em condições adversas, como no sobrepeso. O sobrepeso e em especial o aumento da obesidade juvenil são considerados atualmente um problema de saúde mundial, o que desperta particular interesse por conta do envolvimento de alterações metabólicas em diversas doenças e das repercussões na vida adulta. Além dos distúrbios metabólicos, destaca-se a ocorrência de possíveis modificações nas propriedades mecânicas do músculo esquelético. __________________________________________________________________________________ APRESENTAÇÃO GERAL A organização estrutural e funcional do músculo esquelético se reflete nas suas funções e consequentemente nas propriedades mecânicas. Dessa forma, o estudo das repercussões do sobrepeso ou obesidade infantil nas propriedades biomecânicas do músculo esquelético se mostra relevante. O reconhecimento e identificação do comportamento neuromuscular permitirão uma melhor caracterização da população infantil, detectando dificuldades e/ou atrasos e permitindo ações precoces caso haja alterações. A intervenção precoce previne o acúmulo de déficits em relação às habilidades mínimas necessárias para que as crianças possam adquirir novos comportamentos que lhe sejam exigidos. Neste sentido, a proposta do presente trabalho é caracterizar as propriedades biomecânicas do músculo esquelético em crianças com sobrepeso e obesidade e investigar a correlação entre estas propriedades e o desempenho no salto vertical. Segundo as normas do Programa de Pós-Graduação em Fisioterapia da UFPE, o trabalho de dissertação, aqui apresentado, foi estruturado da seguinte forma: 1. Capítulo de Introdução 2. Capítulo de Material e Métodos. 3. Capítulo de Referências: contemplando as referências relativas aos capítulos de Introdução e Material e Métodos. 4. Capitulo de Resultados: apresentado sob a forma de um artigo original intitulado “MECHANICAL PROPERTIES AND VERTICAL JUMP PERFORMANCE IN CHILDREN WITH HIGH AND NORMAL BODY-MASS INDEX” 5. Considerações Finais 6. Apêndices 7. Anexos __________________________________________________________________________________ CAPÍTULO 1 CAPÍTULO 1 INTRODUÇÃO 1. FISIOLOGIA MUSCULAR 1.1 ESTRUTURA DO MÚSCULO ESTRIADO ESQUELÉTICO O músculo estriado esquelético é delimitado por um tecido conjuntivo denso – epimísio – que envolve o conjunto fascículos que constituem o músculo. Cada feixe de fibras é circundado por outra camada de tecido conjuntivo, o perimísio. Cada fibra muscular é envolvida pelo endomísio, que a separa das fibras vizinhas (Figura 1). Sob esta terceira camada de tecido, o sarcolema envolve o conteúdo celular da fibra. Nas extremidades do músculo, estes envoltórios unem-se às bainhas de tecido intramuscular para formar os tendões que conectam o músculo ao periósteo (MCCOMAS, 2001; MCCARDLE et al., 2008). Cada fibra muscular única multinucleada contém unidades funcionais menores localizadas paralelamente ao eixo longitudinal da fibra: miofibrilas, que se caracterizam por uma alternância entre faixas claras (I, isotrópicas) e escuras (A, anisotrópicas) ao longo de seu comprimento (Figura 1). Estas faixas estão ligadas à _______________________________________________________________________________18 CAPÍTULO 1 presença de miofilamentos (principalmente actina e miosina) que se sobrepõem, atribuindo um aspecto estriado à fibra muscular. A linha Z divide ao meio a faixa I e adere ao sarcolema, o que delimita o sarcômero e proporciona estabilidade à estrutura inteira (MCCARDLE et al., 2008). Os filamentos de actina e miosina dentro do sarcômero contribuem para a mecânica de contração muscular. Os sarcômeros distribuem-se em série e seus filamentos possuem uma configuração paralela dentro da fibra (MCCARDLE et al., 2008). Figura 1. Representação da estrutura do músculo estriado esquelético. Fonte: http://anatomia1apablovenegas.blogspot.com O filamento de miosina é composto por duas partes: cauda e cabeça. Esta molécula é constituída por duas cadeias pesadas (Myosin Heavy Chain, MHC) e quatro cadeias leves (Myosin Light Chain, MLC). É sobre a cabeça da miosina que atua a enzima Miosina ATPase. Os filamentos de actina são unidos por suas extremidades à linha Z pela a- Actinina e se estendem, paralelamente ao eixo da miofibrila, ao meio do sarcômero ao longo das faixas I e A (MCCOMAS, 2001). Estes filamentos são constituídos por duas cadeias (actina-F) dispostas em dupla hélice, por uma proteína globular (actina-G), pela tropomiosina, que se localiza no sulco da _______________________________________________________________________________19 CAPÍTULO 1 hélice da actina e bloqueia os sítios de ligação entre actina e miosina, e pela troponina (TN) que se instala sobre a tropomiosina (MCCARDLE et al., 2008). A troponina é composta por três proteínas: troponina T (TN-T) responsável pela fixação à tropomiosina; troponina I (TN-I) inibe a atividade da ATPase na cabeça da miosina; troponina C (TN-C) com seu sítio específico de ligação ao cálcio (Ca+2). Quando a TN-C está saturada de Ca+2, o efeito inibitório da TN-I é ativado (MCCARDLE et al., 2008). O centro da faixa A contém a zona H, uma zona clara pela ausência de filamentos de actina. A faixa M mantém a orientação dos filamentos de miosina dentro do sarcômero e divide ao meio a porção central da zona H, que delineia o centro do sarcômero e consiste nas estruturas protéicas que apóiam o arranjo dos filamentos de miosina (MCCOMAS, 2001; MCCARDLE et al., 2008). A manutenção estrutural destes filamentos contráteis durante o deslizamento das pontes cruzadas é fornecida por proteínas de suporte, p. ex., titina e nebulina. A titina é uma proteína filamentosa, ancorada nas linhas Z, estende-se ao centro do sarcômero longitudinalmente e liga-se à miosina (WANG e WRIGHT, 1988) (Figura 2). Segundo McComas (2001), cada par de fios de titina funciona como um estabilizador longitudinal para o filamento de miosina, mantendo-o no centro do sarcômero durante a contração e relaxamento. As fixações sobre os filamentos de miosina são feitas pelas proteínas C e H (SOTERIOU et al., 1993). A proteína C mantém os filamentos espessos em uma organização regular. A nebulina, também fixada à linha Z, coexiste com os filamentos de actina e controla o número de monômeros de actina - comprimento dos filamentos - e parte de sua inextensibilidade (KRUGER et al., 1991). _______________________________________________________________________________20 CAPÍTULO 1 Figura 2. Representação da ultraestrutura do sarcômero: delimitado por duas linhas Z e formado por filamentos finos, grossos e proteína estrutural titina. Fonte: WIDMAIER et al., 2004. Filamentos intermediários encontrados em músculos estriados esqueléticos são os filamentos de desmina, que ligam as linhas Z de sarcômeros adjacentes de uma mesma miofibrila assim como sarcômeros de miofibrilas adjacentes (MCCARDLE et al., 2008). São estes filamentos intermediários que, através de suas ligações transversais de uma linha Z a outra, mantêm todas as fibras organizadas dentro da fibra muscular (MCCOMAS, 2001). 1.2 MECANISMO DE CONTRAÇÃO MUSCULAR Durante a contração muscular, o comprimento dos filamentos de actina e miosina permanece constante. Ao contrário, a dimensão dos sarcômeros varia em função do deslizamento entre esses filamentos: o comprimento da faixa A se mantém inalterado, enquanto a faixa I e a zona H têm variação em seus tamanhos _______________________________________________________________________________21 CAPÍTULO 1 (Figura 3). Um certo número de eventos ocorre entre o momento em que o sarcolema, percorrido por um potencial de ação, é despolarizado e o encurtamento do sarcômero acontece. Figura 3. O deslizamento dos filamentos grossos produz encurtamento dos sarcômeros sem qualquer alteração no comprimento dos filamentos grossos ou finos. As faixas I e H são reduzidas. Fonte: WIDMAIER et al., 2004. O potencial de ação se propaga ao longo dos túbulos transversos do sarcolema e atinge a proximidades das cisternas terminais do retículo sarcoplasmático (Figura 4). Esta despolarização permite a abertura dos canais de Ca+2 e acarreta a liberação deste íon pelos sacos laterais do retículo sarcoplasmático. Ocorre um imediato aumento na concentração de Ca +2 intracelular, que se liga ao sítio específico na TN-C (Figura 5). Esta ligação modifica a conformação da molécula de tropomiosina, que desliza sobre a cadeia helicoidal da actina, liberando os sítios específicos para a ligação com as cabeças globulares da miosina. Ao mesmo tempo, a fixação do Ca+2 à TN-C permite a remoção do efeito inibitório exercido pela TN-I sobre a atividade ATPásica na cabeça da miosina. Esta _______________________________________________________________________________22 CAPÍTULO 1 atividade permite a hidrólise de ATP em ADP e Pi (fostato inorgânico) dependente de Mg+2, produzindo energia. A energia desta reação produz uma modificação do ângulo formado entre a cabeça de miosina e a actina e, portanto, um deslizamento dos filamentos de actina sobre os filamentos de miosina. A tração ao nível das extremidades de um filamento de actina ocorre em sentido oposto: um ciclo único encurta o sarcômero em cerca de 1% (MARIEB, 2005). Figura 4. Representação da sucessão de eventos do mecanismo de acoplamento excitação-contração. Fonte: WIDMAIER et al., 2004. _______________________________________________________________________________23 CAPÍTULO 1 O complexo actina-miosina permanece estável até que a presença de uma nova molécula de ATP permita a interrupção da ligação entre esses filamentos, o reposicionamento das cabeças de miosina e a formação de um novo complexo miosina-ATP. Se a concentração intracelular de Ca+2 for suficientemente elevada, o ciclo se repete (MCARDLE, 2008). Durante uma mesma contração, o ciclo se reproduz várias vezes em função da freqüência dos potenciais de ação emitidos pelo motoneurônio a. Quanto maior o número de ciclos, maior o encurtamento: um abalo muscular pode levar a cerca de 50% do encurtamento do músculo (MARIEB, 2005). O mecanismo de acoplamento excitação-contração termina quando a concentração intracelular de Ca+2 torna-se inferior a 1 µmol/L – concentração de repouso – e os sítios de ligação da TN-C são liberados. Os canais de Ca+2 do retículo sarcoplasmático se fecham pela ausência do potencial de ação e o Ca +2 citoplasmático é transportado ativamente para as cisternas reticulares (MCCOMAS, 2001) (Figura 5). Figura 5. Representação da sequência de eventos na contração muscular. Fonte: WIDMAIER et al., 2004. _______________________________________________________________________________24 CAPÍTULO 1 1.3. CLASSIFICAÇÃO DAS FIBRAS MUSCULARES As fibras musculares, presentes ao nascimento, diferenciam-se em músculos estriados esqueléticos devido a suas propriedades histológicas, histoquímicas e fisiológicas, i.e., segundo suas características moleculares, metabólicas, estruturais e contráteis (PETTE & SARON, 2001). Uma associação entre os estudos mecânicos e histológicos permite definir três grandes famílias de músculos: músculos ditos lentos, caracterizados pela cadeia pesada de miosina do tipo MHCI, constituídos por uma maior proporção de fibras tipo I com grande resistência à fadiga e muitas vezes utilizados para a manutenção postural; músculos rápidos, pouco resistentes à fadiga, constituídos em sua maioria por fibras musculares do tipo II e divididos em dois subgrupos correspondentes aos dois tipos de cadeia pesada de miosina – MHCIIa e MHCIIb; músculos mistos, compostos por proporções diferentes dos tipos principais de fibra (LUCAS et al., 2000; MCCOMAS, 2001; SOUTO MAIOR, 2008). Neste contexto, Lucas et al. (2000) ressaltam a existência de outras isoformas – MHCIIx - com características híbridas de modo a expressar mais de uma forma de MHC em diferentes combinações. Por exemplo, Bottinelli et al. (1994) mostrou que as fibras dos músculos plantares de ratos podem exprimir as isoformas I – IIa, IIa – IIx, IIx – IIb. Esta co-expressão pode representar até 85% das fibras dos músculos plantares (DI MASO et al., 2000). Tal polimorfismo pode favorecer o mecanismo de transição do perfil fenotípico da fibra quando ocorre uma modificação da demanda funcional (BALDWIN & HADAD, 2001; PETTE & SARON, 2001). Neste caso, segundo Pette e Saron (2000), o esquema geral das transições reversíveis das isoformas de MHC são as seguintes: MHCI ↔ MHCIIa ↔ MHCd/x ↔ MHCIIb. Assim, o polimorfismo pode ser uma característica das fibras com alto potencial adaptativo. A transição do perfil fenotípico é conhecida como sendo afetada pela inervação/atividade neuromuscular, carga ou descarga mecânica, alteração no perfil hormonal, tipo de treinamento, envelhecimento. A importância do papel da inervação para o estabelecimento do perfil fenotípico de músculos específicos tem sido enfatizada por experimentos com _______________________________________________________________________________25 CAPÍTULO 1 reinervação cruzada (WOLPAW & CARP, 2006; KAWANO et al., 2007; MAGGS et al., 2008). Considerando os efeitos da imobilização e microgravidade, houve diferenças na velocidade de encurtamento dos músculos avaliados (EDGERTON et al., 1995; GOUBEL, 1997; FITTS, 2000; KUBO et al., 2000; MULDER et al., 2007; CORNACHIONE et al., 2010). Estudos afirmam que a sobrecarga mecânica altera a força e a morfologia muscular, com um aumento das fibras resistentes à fadiga (ADAMS, 2000; PETTE & SARON, 2001; THORLUND et al., 2010). Outros estudos sugerem que a obesidade está relacionada com uma maior proporção de fibras tipo IIB, em função de modificações na capacidade oxidativa do músculo (KELLEY et al., 2002; TANNER et al., 2002). Staron et al. (2000) afirmaram que diferenças hormonais, principalmente em relação à testosterona, pode contribuir para diferenças nas concentração das isoformas de MCH. No que se refere ao treinamento, as adaptações ocorrem de forma diferente em treinos de endurance (GOUBEL & MARINI, 1997; BUCHANAN & MARSH, 2001; GROSSET et al., 2009; DUFFELL, 2010), força (OCHALA et al.,2005; ANDERSEN & AAGAARD, 2010) e treino pliométrico (POUSSON et al., 1991; ALMEIDA-SILVEIRA et al., 1994; GROSSET et al., 2009; FOURÉ, et al., 2011). 2. PROPRIEDADES BIOMECÂNICAS DO MÚSCULO ESQUELÉTICO 2.1 MODELO DE MECÂNICA MUSCULAR Uma das representações das propriedades mecânicas do músculo esquelético utiliza o modelo proposto por AV Hill (1938). Este modelo aborda o músculo esquelético caracterizado por propriedades contráteis, mas também por propriedades elásticas. Hill (1938; 1950) estabeleceu três elementos constitutivos básicos da estrutura muscular: componente contrátil (CC); componente elástico em série (CES); componente elástico em paralelo (CEP) (Figura 6). _______________________________________________________________________________26 CAPÍTULO 1 Figura 6. Representação do modelo de três componentes proposto por Hill (1938), modificado por Shorten (1987). Fonte: SHORTEN, 1987. O CC representa tanto as relações dinâmicas entre a força e a velocidade de encurtamento muscular quanto as propriedades estáticas entre força e comprimento Este componente, composto pelo complexo actina-miosina, é responsável por converter energia química em mecânica, sendo, portanto, a fonte geradora de força ativa (UGRINOWISTCH, 1998; ENOKA, 2000). Em série com o CC, o CES é responsável pela transmissão da força de contração à periferia e é dividido em duas porções: fração ativa, representada pelas pontes entre actina e miosina e miofibrilas (HUXLEY e SIMMONS, 1971); fração passiva, localizada nos tendões e tecido conjuntivo (SHORTEN, 1987). Esta heterogeneidade do CES leva a uma relação não-linear de tensão-extensão. Além disso, o grau de resistência do CES tem uma relação linear e crescente com o aumento dos níveis de torque (LAMBERTZ et al., 2003b). O CEP reflete a elasticidade passiva do músculo quando não é ativado pelas forças contráteis (HOROWITS, 1992). É composto pelo sarcolema, tecidos conectivos e proteínas estruturais: desmina (BORIEK, 2001); titina (TSKHOVREBOVA & TRINICK, 2002). A titina é participa da integridade estrutural do sarcômero e da produção de força passiva quando os sarcômeros são alongados _______________________________________________________________________________27 CAPÍTULO 1 (MCCOMAS, 2001). Além disso, embora localizada no CEP, presume-se que ela também desempenha um papel quando o músculo é contraído (HERZOG, 2000). Cada um destes componentes pode ser caracterizado do ponto de vista mecânico. Estes métodos de trabalho, focando CC e o CES sob condições voluntárias e induzidas, são abordados a seguir. 2.1. 1 ESTUDO DO COMPONENTE CONTRÁTIL - PRODUÇÃO DE FORÇA EM CONDIÇÕES VOLUNTÁRIAS A força desenvolvida pelo músculo é conhecida como sendo proporcional ao número de sarcômeros arranjados em paralelo e assim sua fisiológica área de secção transversa (cross-sectional área, CSA) (IKAI & FUKUNAGA, 1968). A força é um dos mais importantes índices de performance física (FOLLAND & WILLIAMS, 2006; GROSSET et al., 2008). Estudos estão freqüentemente focados nas mudanças na força isométrica voluntária máxima em crianças (PӒӒSUKE et al., 2000; LAMBERTZ et al., 2003b; PAIVA et al., 2008; 2009). A medição da ativação muscular é fundamental para quantificar a função muscular com aplicabilidade em fins clínicos e de pesquisa (FOLLAND & WILLIAMS, 2006). A contração voluntária máxima (CVM) depende da ativação alcançada durante determinadas séries de contração voluntária máxima, do nível de coordenação intra a intermuscular do sujeito, além de fatores psicológicos e motivacionais subjetivos (LAMBERTZ et al., 2003a; FOLLAND & WILLIAMS, 2006; GROSSET et al., 2008; HORSTMAN, 2009). Neste contexto, a literatura retrata diferenças no desenvolvimento da força dos músculos recíprocos de crianças influenciados pela capacidade de ativação muscular (KANEHISA & YATA, 1995; LAMBERTZ et al., 2003a; GROSSET et al., 2008). Além disso, diferenças no controle motor contribuem para os mais baixos torques encontrados em crianças mais novas (LAMBERTZ et al., 2003b; GROSSET et al., 2008). Conforme discutido anteriormente, a força desenvolvida por um músculo depende do nível de ativação. Assim, a eletromiografia (EMG), que mede o nível de _______________________________________________________________________________28 CAPÍTULO 1 excitação, pode ser usada para avaliar a capacidade do músculo de desenvolver força, ou seja, permite a estimativa do início do recrutamento das unidades motoras, além da identificação do recrutamento completo dessas unidades (MADELEINE et al., 2001; AKATAKI et al., 2004; HAYASHIBE et al., 2009). Independente do tipo de relação EMG - Força, é possível, avaliar a contribuição relativa dos fatores centrais e periféricos envolvidos nos ganhos de força isométrica (Figura 7). Assim, de acordo com o modelo proposto por Moritani e De Vries (1979), observou-se ganhos de força após um período de treinamento estão relacionados: 1. exclusivamente ao mecanismo central quando a inclinação da relação não é afetada, mas o nível máximo de EMG é maior. Os ganhos de força são devido à melhora do comando nervoso. 2. ao músculo, puramente periférica, a inclinação da relação diminui sem alteração do EMG máx. Os ganhos de força são devido à hipertrofia muscular. 3. fatores centrais como periféricos, quando a inclinação da relação diminui e aumenta EMG max. Os ganhos de força são causados pela melhora do comando nervoso e hipertrofia muscular. Assim, a inclinação da relação EMG-Força pode fornecer um informações acerca da eficiência neuromuscular. _______________________________________________________________________________29 CAPÍTULO 1 Figura 7. Relação EMG- Força representando a contribuição dos fatores centrais e/ou periféricos no desenvolvimento da força. 1. Modificações dos fatores centrais. 2. Modificações dos fatores periféricos. 3. Modificações dos fatores centrais e periféricos. Fonte: Modificado de Moritani & De Vries, 1979. - PRODUÇÃO DE FORÇA EM CONDIÇÕES INDUZIDAS RESPOSTA A UM ABALO MUSCULAR Segundo a literatura, é possível alcançar mais altos torques com a eletroestimulação do que com a contração voluntária (IKAI & FUKUNAGA, 1970). Assim, para obtenção das características contráteis de forma induzida, utiliza-se a onda M - resposta motora direta -, que é a expressão eletromiográfica da contração muscular provocada pela estimulação elétrica do músculo (MORA et al., 2003; TUCKER & TÜRKER, 2007). Através de técnicas de estimulação elétrica, é possível quantificar as propriedades contráteis independente da vontade ou habilidade do indivíduo (GROSSET et al., 2005). A resposta motora máxima direta é obtida com o aumento da intensidade de estimulação até o ponto em que a amplitude da resposta M não se altera, o que corresponde à ativação total do músculo (HWANG, 2002). Segundo Klass et al. (2004), tal estimulação traduz medidas do potencial de ação muscular, transmissão neuromuscular, excitação do sarcolema. Além disso, a medida da capacidade total _______________________________________________________________________________30 CAPÍTULO 1 de ativação é utilizada como um fator de normalização da atividade muscular (LAMBERTZ et al., 2001). Dentre os parâmetros que podem ser avaliados pela estimulação máxima do nervo motor, encontram-se: I. a latência, i.e., atraso eletromecânico (electromechanical delay, EMD), que diz respeito ao início da onda M, o atraso entre a excitação das fibras musculares e o desenvolvimento de uma tensão; II. a amplitude máxima, ou seja, o pico de torque (Pt); III. o tempo de contração (contraction time, CT), que é o intervalo de tempo entre o início e o máximo de contração; IV. o tempo de médio relaxamento (half relaxion time, HRT), tempo necessário para haver uma queda de 50% da tensão máxima; V. a taxa de desenvolvimento da força/torque (+dPt/dt) e a taxa de relaxamento (-dPt/dt). (GROSSET et al., 2005) (Figura 8). Figura 8. Representação do traçado eletromiográfico (EMG) do abalo muscular do tríceps sural provocado pela onda M e os parâmetros a serem avaliados em função do tempo. Os pontos 1, 2, 3, 4, 5 e 6 permitem o cálculo do atraso eletromecânico (EMD), taxa de desenvolvimento de torque (dPt/dt), tempo de contração (CT), pico de torque e tempo de médio relaxamento (HRT). Fonte: GROSSET et al., 2005. O tempo de contração tem relação inversa com a velocidade de encurtamento dos sarcômeros, ou com a velocidade de hidrólise do ATP, que pode estar relacionado com a concentração de Ca+2 disponível, ou seja, a densidade deste _______________________________________________________________________________31 CAPÍTULO 1 íon das cisternas do retículo sarcoplasmático. O tempo de contração também representa a soma das atuações das unidades motoras que são ativadas pelo estímulo elétrico. Uma mudança no tempo de contração pode indicar uma mudança de população das unidades motoras que participam deste tempo. Quanto mais um músculo é rico em unidades motoras rápidas, o tempo será curto (RICE et al., 1988; FOEHRING et al., 1988). O tempo de médio relaxamento representa a velocidade com que o Ca+2 é captado pelo retículo sarcoplasmático. Ele determina o ritmo de redução da força quando não há mais potencial de ação. A relação +dPt/dt representa a cinética de liberação de Ca+2 intracelular (ASHLEY et al., 1993; HARRIDGE et al., 1996; PATEL et al., 1996; MCDONALD et al., 1997). Ao contrário, a relação -dPt/dt representa a cinética de recaptação de Ca+2 intracelular pelas cisternas do retículo sarcoplasmático. Zee e Voigt (2001) afirmam que durante a estimulação elétrica apenas o tríceps sural é ativado, o que elimina a influência de outros grupamentos musculares. Considerando este grupamento muscular, o twitch – abalo muscular provocado pela estimulação do nervo motor - foi usado para comparar as propriedades contráteis dos músculos esqueléticos entre crianças e adolescentes (DAVIES et al., 1983), entre escolares pré e pós-púberes e adultos (DAVIES, 1985; PӒӒSUKE et al., 2000) e entre pré-púberes de uma faixa etária restrita 7 aos 11 anos (GROSSET et al., 2005; PAIVA et al., 2009). O atraso eletromecânico é definido como o intervalo entre o início da atividade eletromiográfica e o início do desenvolvimento da força (MORA et al., 2003; MURAOKA et al., 2004). O EMD é influenciado por diferentes estruturas de mecanismos, entre eles, o tempo necessário para: propagação do potencial de ação na membrana muscular; processo de acoplamento excitação-contração; estiramento do CES pelo elemento contrátil (CAVANAGH & KOMI, 1979). O tempo para este último fator é considerado como de grande influência sobre o EMD. O tempo necessário para o alongamento do CES pelo CC está relacionado com a taxa de desenvolvimento da força de contração e, portanto, a miotipologia (CAVANAGH & KOMI, 1979). A avaliação do atraso eletromecânico pode, portanto, fornecer _______________________________________________________________________________32 CAPÍTULO 1 informações indiretas sobre as mudanças na elasticidade musculotendínea (WINTER & BROOKES, 1991). Norman e Komi (1979) referem que o EMD é diferente no bíceps e tríceps braquial, o que é atribuído a uma diferente composição em tipos de fibra. Segundo Grosset et al. (2008), as fibras lentas são mais rígidas e apresentam menor EMD, menor velocidade de transmissão de força à periferia, ao contrário das fibras rápidas, mais complacentes. Dessa forma, observa-se que o EMD e a rigidez/resistência apresentam adaptações em direções opostas. Além disso, o EMD é método para avaliação da elasticidade musculotendínea de forma induzida (WINTER & BROOKES, 1991; GROSSET et al., 2008; 2009). O EMD informa principalmente acerca da transmissão de força através elementos elásticos com maior ou menor complacência do que sobre o processo de acoplamento excitação-contração (CAVANAGH & KOMI, 1979). Assim, o tempo para alongar a unidade musculotendínea é considerado uma parte essencial dos valores de EMD (CAVANAGH & KOMI, 1979). Os valores de EMD foram diferentes em relação ao gênero em sujeitos adultos (WINTER & BROOKES, 1991); diferente em relação ao comprimento muscular no qual foi mensurado (MURO & NAGATA, 1985 apud GROSSET et al., 2005) e considerando e estado de estabilidade do tornozelo (MORA et al., 2003). Em cada caso, as diferenças nos valores do EMD foram interpretadas em termos de mudanças na rigidez musculotendínea. Apenas no estudo de Grosset et al. (2005) foi encontrada a utilização do EMD em crianças utilizando o tríceps sural. Antes disso, Akai e Aoki (1996) estudaram o EMD em flexores do cotovelo em condições estáticas e dinâmicas. Para Grosset et al. (2005), os altos valores de EMD encontrados em pré-adolescentes e suas mudanças relacionadas à idade indicam um aumento na rigidez musculotendínea relacionada à idade. ABALO SIMPLES INTERPOLADO _______________________________________________________________________________33 CAPÍTULO 1 Considerando as mudanças na capacidade de ativação e as condições subjetivas do sujeito avaliado, discutidas anteriormente, Shield & Zhou (2004) defendem a aplicação de um estímulo elétrico em adição à CVM para mensurar o drive central do músculo durante a CVM, o que permite uma acurada determinação da força voluntária máxima. A técnica do abalo simples interpolado (twitch interpolated, TI) envolve a comparação da capacidade de ativação numa contração voluntária máxima ou submáxima e quando esta é sobreposta por um estímulo elétrico supramáximo (DOWLING et al., 1994; ALLEN et al., 1995; BEHM et al., 1996), ou seja, esta técnica permite estudar o grau de ativação da unidade motora durante o esforço voluntário (TAYLOR, 2009; HORSTMAN, 2009). Folland e Williams (2006) ressaltam que a fração de contração que aparece sobreposta à contração voluntária indica a proporção de músculo não ativado (Figura 9). A força produzida pela estimulação elétrica em cima da força voluntária é chamada de força de abalo interpolada. Além disso, esta força de abalo diminui à medida que aumenta a ativação muscular voluntária (SUTER & HERZOG, 2001). A proporção de músculo não ativado é identificada como o déficit de ativação (DA) (SHIELD & ZHOU, 2004; TODD et al., 2003; OSKOUEI et al., 2003). O percentual do DA tem uma relação logarítmica com o nível de contração voluntária e a inclinação desta relação é definida como índice do déficit de ativação (IDA) (GROSSET et al., 2008) (Figura 10). CVM Figura 9. Representação do teste de abalo simples interpolado a 25% da contração voluntária máxima. Desenvolvimento do torque numa flexão plantar sob condições isométricas, registro da atividade eletromiográfica do tríceps sural (TS-EMG) e do tibial anterior (TA-EMG). A seta indica a porção do músculo ativada involuntariamente. Fonte: GROSSET et al., 2008. _______________________________________________________________________________34 CAPÍTULO 1 Torque (% CVM) Figura 10. Representação da relação logarítmica entre a capacidade voluntária e involuntária de produção de força (DA x CVM). Fonte: GROSSET et al., 2008. O abalo simples interpolado é considerado um parâmetro para estimar a capacidade de força em pacientes com dificuldade na geração de força, assim como esclarecer sobre a contribuição neural em casos de diminuição da força muscular (TAYLOR, 2008; HORSTMAN, 2009). O TI evidenciou diferenças no padrão de ativação em pacientes com lesão musculoesquelética (HURLEY et al., 1994; SUTER et al., 1998), com alterações no controle motor do movimento (HORSTMAN, 2009). Em crianças, Grosset et al. (2008) evidenciaram as diferenças nos padrões de ativação na faixa etária de 7 a 11 anos e sua comparação com indivíduos adultos (Figura 10). 2.1.2 ESTUDO DO COMPONENTE ELÁSTICO As propriedades elásticas do músculo esquelético estão relacionadas à rigidez ou complacência de estruturas tendíneas e/ou musculotendíneas dependendo do nível de observação, i.e., músculos isolados (em modelos de experimentação animal) ou grupamentos musculares. _______________________________________________________________________________35 CAPÍTULO 1 A estruturas tendíneas – tendão e aponeurose – têm sido mostradas como sendo o maior componente do CES, com grande influência no desempenho mecânico do músculo (KUBO et al., 1999). De fato, informações sobre as propriedades deste componente são essenciais para o mecanismo do desempenho humano e função muscular (CAVAGNA, 1977; KUBO et al., 1999; ZEE & VOIGHT, 2001). Em experimentos com fibra muscular em preparação de músculo isolado, Bosco et al. (1982) e Barros et al. (2004) mostraram que o músculo solear, rico em fibras lentas, apresentam características elásticas diferentes do músculo extensor longo dos dedos (EDL), rico em fibras rápidos. Tem sido mostrado por Toursel et al. (1999) que as fibras lentas apresentam menor complacência que as fibras rápidas. Além disso, o treinamento pode mudar as propriedades elásticas do músculo esquelético, além de induzir o fenômeno de transição do tipo de fibra muscular. Neste sentido, Goubel e Marini (1987) observaram um aumento na resistência do CES muscular, que foi associado ao relativo aumento de fibras lentas no músculo isolado. Após período de treino pliométrico, uma evolução mecânica oposta foi encontrada no músculo sóleo, i.e., uma diminuição na rigidez e um aumento de fibras rápidas (POUSSON et al., 1991; ALMEIDA-SILVEIRA et al., 1996). Este último resultado também ressalta que a hiperatividade geralmente leva a um aumento na rigidez de estruturas colágenas (WOO et al., 1982), enquanto a hipoatividade mostra uma evolução oposta (ALMEIDA-SILVEIRA et al., 2000). O fato de que a porção passiva também pode mostrar uma adaptação ao treinamento foi observada por Kovanen et al. (1980). Dessa forma, o ajuste do CES pode ocorrer devido a respostas adaptativas de sua fração ativa e passiva. Em condições de hipoatividade, utilizando um modelo de microgravidade simulada, Canon e Goubel (1995) relataram uma baixa rigidez do CES no músculo sóleo, o que, posteriormente, confirmou-se nos estudos de Toursel et al. (1999) para fibras musculares e para Almeida-Silveira et al. (2000) no tendão isolado. Além disso, Toscano et al. (2008) registraram um aumento na rigidez no músculo isolado após um período de desnutrição pré-natal, o que não foi concordante com o concomitante aumento das fibras rápidas. Diferentes grupos musculares têm sido abordados no estudo das propriedades elásticas, com enfoques diversos. Os flexores de cotovelo, por _______________________________________________________________________________36 CAPÍTULO 1 exemplo, foram avaliados em patologias que afetavam a capacidade de marcha, como a Distrofia Muscular de Duchenne (CORNU et al., 1998; 2001). Em outros casos, considerando a função de sustentação do corpo e outras atividades físicas, o grupo muscular tríceps sural tem sido largamente utilizado. Entre os estudos existentes utilizando este grupamento, encontra-se o efeito a longo prazo da hipogravidade por vôo espacial (LAMBERTZ et al., 2001), diferenças de respostas musculares relacionadas a idade em crianças (LAMBERTZ et al., 2003b; GROSSET et al., 2005; PAIVA et al., 2009), mudanças da força de contração relacionadas ao estado nutricional (PAIVA et al., 2008). Analisando as adaptações após um período de hipoatividade, corroborando com os estudos em animais, Kubo et al. (2004) encontraram uma diminuição da rigidez tendínea após um período de restrição ao leito. Por outro lado, os achados Lambertz et al. (2001) revelaram uma diminuição da rigidez musculoarticular sob condições passivas, porém um aumento na rigidez musculotendínea como efeitos da microgravidade sob condições ativas. Estes últimos autores sugerem um mecanismo adaptativo, p. ex. mudanças no drive neural, para contrabalançar os diferentes ajustes de rigidez das estruturas ativa e passiva. Ao analisar condições de hiperatividade, os estudos com modelos animais e os realizados em humanos demonstram evolução oposta: após um período de treino pliométrico, Almeida-Silveira et al. (1996) relataram uma diminuição da rigidez do CES no sóleo de ratos, enquanto Pousson et al. (1990) referiram um aumento na resistência em músculo de humanos. Em paralelo, ressalta-se que as propriedades elásticas se adaptam de forma diferente a depender do tipo de atividade e da estrutura analisada. Em 2001, Kubo et al. fizeram alusão a um aumento na rigidez tendínea após treino isométrico, ao contrário do estudo de Ochala et al. (2005), que evidenciou uma diminuição da resistência musculotendínea após o treino de força. No estudo de Kubo et al. (2007b), estruturas tendíneas aumentaram a sua rigidez após um treino com pesos, mas não variou após o treino pliométrico. Em contraste, a resistência articular aumentou após este treino, sem alterações com o treino de _______________________________________________________________________________37 CAPÍTULO 1 força. Gosset et al. (2009) observaram um aumento na rigidez musculotendínea do tríceps sural após um treino de endurance, porém uma diminuição após o treino pliométrico, o que concorda com uma mudança da tipologia de fibras. Treino de endurance privilegia um aumento em fibras lentas, menos complacentes, e treino pliometrico um aumento em fibras rápidas, mais complacentes. A maturação fisiológica que acompanha o crescimento e desenvolvimento é igualmente responsável por modificações nas propriedades elásticas do músculo. Em crianças saudáveis, a rigidez tendínea de extensores do joelho (KUBO et al., 2001) e o índice de rigidez musculotendínea de flexores plantares diminui com o crescimento (LAMBERTZ et al., 2003b; PAIVA et al., 2009). Entretanto, esta evolução não foi observada por Cornu e Goubel (2001) em flexores do cotovelo. Lambertz et al. (2003 a, b) propuseram mudanças na capacidade de ativação muscular como fatores que influenciam na avaliação das propriedades elásticas. Além disso, considera-se o efeito da maturação dos tecidos elásticos (LAMBERTZ et al., 2003b), assim como um diferente comportamento entre as porções ativa e passiva em termos de rigidez musculotendínea (CORNU et al., 1997). Grosset et al. (2010) demonstraram que a imobilização afeta este processo. Em crianças imobilizadas, houve um aumento na resistência do complexo musculoarticular do tornozelo. Em associação com os dados da literatura que ratificam a diminuição da resistência com o desuso em condições passivas (LAMBERTZ et al., 2001; KUBO et al., 2004), concluiu-se que este aumento da rigidez do complexo musculoarticular indica um expressivo aumento na rigidez de estruturas envolvidas em condições ativas, i.e., a parte contrátil do CES, mas que também mostraram que o desuso pela hipoatividade ou imobilização pode mostrar opostas/ diferentes adaptações. 2.2 IMPLICAÇÕES FUNCIONAIS DAS PROPRIEDADES ELÁSTICAS O termo “stiffness” é definido como a resistência de um objeto ou corpo a mudanças de comprimento (BRUGHELLI & CRONIN, 2008). A depender da estrutura analisada e do método de quantificação, pode-se identificar diferentes tipos _______________________________________________________________________________38 CAPÍTULO 1 de stiffness: tendíneo, musculotendíneo – que envolve os elementos ativos e passivos do CES – e musculoarticular. Este último envolve não apenas as propriedades elásticas do CES, mas também estruturas passivas, incluindo pele, ligamentos e superfícies articulares (LAMBERTZ et al., 2001; RABITA et al., 2008). Ao se considerar o sistema musculoesquelético, o grau de resistência ou rigidez das estruturas governa a mecânica de interação com o ambiente externo. Segundo Lambertz et al. (2001), por exemplo em condições de desuso, ocorre um aumento na resistência articular diminui a amplitude de movimento e altera a performance neuromuscular, o que torna o movimento normal mais difícil. Os estudos acerca da rigidez dessas estruturas servem como mais um parâmetro de avaliação do desempenho físico, grau de estabilidade entre estruturas, além de ser mais uma variável de medida para a funcionalidade. Nesse sentido, na manutenção do equilíbrio na postura ereta, a resistência passiva das estruturas musculotendíneas atua no sentido contrário da força gravitacional, a qual tem a tendência de provocar uma queda do corpo para frente. A literatura retrata que a contribuição deste momento de força restaurador da postura – a resistência passiva, sem participação direta do sistema nervoso – seja de 65 a 90% da força gravitacional (LORAM & LAKIE, 2002; CASADIO et al., 2005). Dessa forma, a influência das propriedades elásticas está presente em muitas atividades diárias, como correr, andar, saltar. Nestas atividades, aproveita-se a capacidade elástica inerente aos CES, pois utilizam o ciclo de alongamentoencurtamento (CAE) (RABITA et al., 2008). Este componente da função muscular será discutido a seguir, assim como o salto vertical escolhido como parâmetro para verificar como é influenciado pela resistência musculotendínea nesta atividade. 3. ATIVIDADE FUNCIONAL DE SALTO Dentre os métodos utilizados para verificar a influência das propriedades elásticas nas atividades funcionais, encontra-se a avaliação do salto vertical. Este componente, como citado anteriormente, utiliza o CAE, o qual é um componente _______________________________________________________________________________39 CAPÍTULO 1 fisiológico que tem como função aumentar a eficiência mecânica do movimento: ocorre acúmulo de energia potencial elástica durante ações musculares excêntricas, a qual é liberada na fase concêntrica subseqüente (CAVAGNA, 1977; UGRINOWITSCH, 1998; KOMI, 2000; ISHIKAWA et al., 2006; RABITA et al., 2008). Segundo Farley e Morgenroth (1998), durante a ação muscular excêntrica, produz-se um trabalho negativo, o qual tem parte da sua energia mecânica absorvida e armazenada sob a forma de energia potencial elástica nos CES. Quando ocorre a passagem da fase excêntrica para a concêntrica, os músculos podem utilizar parte desta energia rapidamente, aumentando a geração de força na fase subseqüente, com menor gasto metabólico e maior eficiência mecânica (KUBO et al., 1999). Porém, se a passagem de uma fase para outra for lenta, a energia potencial elástica será dissipada sob a forma de calor, não sendo convertida em energia cinética (CAVAGNA, 1977; GOUBEL, 1997). Verificou-se que a capacidade de geração de força pode aumentar em 20% com a participação do CAE. Além disso, Komi (1986) afirmou que, em duas atividades idênticas, em que uma delas utiliza o CAE, o consumo de oxigênio será menor naquela que utilizar CAE. De acordo com Souto Maior (2008), além da influência do grau de resistência das estruturas no desempenho do salto vertical, outros embasamentos fisiológicos podem ser encontrados como explicação para diferenças nos padrões de salto em diferentes sujeitos, tais como o padrão de recrutamento de unidades motoras e o reflexo miotático originado da ativação de estruturas proprioceptiva quando do estiramento. Assim, o CAE é regulado pela quantidade do padrão de ativação nervosa, pela energia elástica armazenada e pelo equilíbrio entre os fatores nervosos facilitadores e inibidores da contração muscular (BOBBERT, 2001; HOF et al., 2002; SOUTO MAIOR, 2008). Dentre as diferentes técnicas de execução do salto vertical, estudos destinados a quantificar a contribuição da energia potencial elástica no desempenho do músculo partiram da comparação da resposta motora observada em diferentes técnicas de execução do salto, entre elas: o salto a partir de uma posição de agachamento (squat jump, SJ); salto de uma altura pré-determinada (drop jump, DJ); _______________________________________________________________________________40 CAPÍTULO 1 saltitamentos (Hopping) e salto com contramovimento (countermovement jump, CMJ) (KUBO et al., 1999; 2005; 2007a; BOJSEN-MØLLER et al., 2005; RABITA et al., 2008; SOUTO MAIOR, 2008). Este último tipo de salto, utilizado no presente estudo, é caracterizado por um agachamento a partir da posição ereta – fase excêntrica -, em que o indivíduo executa o mais rápido possível a transição para a fase concêntrica. Ao se considerar o fato das fibras musculares trabalharem na relação força-velocidade, durante o contramovimento ocorre o rápido recolhimento do tendão e as fibras musculares trabalham em uma mínima velocidade de encurtamento. Isto o que sugere que a elasticidade tendínea representa o mais importante componente em exercícios com o CAE (KUBO et al., 2007a). 3.1 INTERAÇÃO SALTO-RESISTÊNCIA Um melhor entendimento acerca da real influência das propriedades elásticas – resistência ou complacência - em movimentos que utilizam o CAE pode explicar os diferentes desempenhos encontrados na literatura, pois este tópico ainda está aberto a discussões. Entre os estudos com a proposta de investigar a correlação entre as propriedades elásticas e o desempenho no CAE, influências opostas foram registradas: Walshe & Wilson (1997) e Kubo et al. (1999) registraram uma correlação negativa entre as propriedades elásticas de estruturas tendíneas do vasto lateral e o desempenho no salto com ou sem contra-movimento. Recentemente, Grosset et al. (2008) relataram que uma diminuição do índice de resistência musculotendínea do tríceps sural conduz a um melhor desempenho no salto vertical. Por outro lado, Bojsen-Moller et al. (2005) e Burguess et al. (2007) apresentaram uma correlação positiva entre a rigidez tendínea do vasto lateral com o salto e Anderson e Pandy (1993), Voigt et al. (1995) e Arampatizis (2001) consideram que um nível de resistência ideal seria benéfico para o movimento. _______________________________________________________________________________41 CAPÍTULO 1 No presente estudo, considera-se o estado de sobrepeso e obesidade como outro fator que influencia no desempenho do salto vertical, pois uma baixa performance seria também justificada pelo movimento de maior massa contra gravidade (RIDDIFORD-HARLAND et al., 2006; SARTORIO et al., 2006). De acordo com Fricke et al. (2006), a força exercida pelos membros inferiores em um CMJ é uma função exponencial dos parâmetros de massa corporal. Então, o salto será considerado relativizado com a capacidade de produção de força, ou seja, como uma variável independente da condição de aumento de peso. Para tanto, as variáveis relacionadas ao desempenho do salto foram normalizadas com a contração voluntária máxima. Desta forma, consegue-se eliminar a influência do excesso de peso nesta variável e aborda-se a atividade de salto como o produto da interação entre as propriedades elásticas, capacidade de ativação e produção de força. 4. CONSIDERAÇÕES SOBRE OBESIDADE A obesidade representa um dos mais importantes problemas de saúde pública, sendo o excesso de peso corporal o sexto fator de risco que contribui para doenças em todo o mundo (WHO, 2002). Cerca de 110 milhões de crianças são classificadas atualmente como em estado de sobrepeso ou obesidade (CALI & CAPRIO, 2008). Estudos comprovam que os países em desenvolvimento, nos quais peso e crescimento eram os principais problemas de saúde nas crianças, estão passando por uma transição nutricional: sobrepeso e obesidade estão se tornando predominantes como conseqüência de um ambiente caracterizado por alimentos ricos em calorias, mais acessíveis, associados ao estilo de vida sedentário (UAUY et al., 2001). Da mesma forma, apesar do histórico ligado à desnutrição, o Brasil revela tendências de aumento na obesidade infantil (ABRANTES, 2002; BATISTA-FILHO & RISSIN, 2003). Além da melhoria das condições de saúde e de alimentação da população, a relação entre o estado nutricional precoce e suas repercussões na vida adulta pode ter influência nessa nova tendência (HALES & OZANNE, 2003). Sabe_______________________________________________________________________________42 CAPÍTULO 1 se que os desvios nutricionais adquirem maior gravidade quando ocorrem em crianças mais jovens. Se ocorrerem durante o período crítico do desenvolvimento, problemas nutricionais podem alterar o padrão dos eventos celulares, com conseqüências deletérias para a aquisição de padrões fisiológicos maduros do organismo (RESNICK et al., 1979; NOBACK e EISENMAN, 1981; SAYER & COOPER, 2005). Evidências epidemiológicas indicam que a desordens nutricionais durante os períodos fetal e infância predispõem o indivíduo adulto a doenças como diabetes tipo II, hipertensão e hiperlipidemia (HALES & BARKER, 1992; HARRIS et al., 2006). Além disso, evidências científicas têm revelado que a aterosclerose e a hipertensão arterial são processos patológicos iniciados na infância, e nesta faixa etária são formados os hábitos alimentares e de atividade física (WANG e LOBSTEIN, 2006; STURM, 2007). Assim, a obesidade está associada com problemas de saúde não apenas na faixa etária pediátrica, mas também é um fator de risco precoce para morbi-mortalidade na vida adulta (WEISS et al., 2004; DANIELS, 2006; HARRIS et al., 2006). 4.1 OBESIDADE E PROPRIEDADES BIOMECÂNICAS DO MÚSCULO ESQUELÉTICO Além das modificações metabólicas e cardiovasculares, o excesso de peso envolve a sobrecarga do sistema musculoesquelético, sujeitando-o a cargas funcionais progressivas devido a influências combinadas da massa corporal e transporte contra a gravidade durante a realização das atividades da vida diária, físicas e de lazer (SCHOENAU, 2005). Em adultos obesos e com diabetes, têm sido relatadas alterações morfofuncionais no músculo esquelético, como a progressão da resistência à insulina (HITTEL et al., 2009). Em crianças e adolescentes com grave resistência à insulina, houve deposição aumentada de lipídios nos compartimentos visceral e muscular (SINHA et al., 2002; CALI e CAPRIO, 2008). _______________________________________________________________________________43 CAPÍTULO 1 Uma provável explicação para a suposta tendência de acumular lipídios no meio intramuscular pode ser uma alteração no número e função da mitocôndria dentro do miócito (KELLEY et al., 2002). Simoneau et al. (1995) afirmam que a função mitocondrial danificada contribui para a redução na função oxidativa, com redução na taxa de produção de ATP e de fostatos inorgânicos, o que pode refletir numa menor proporção de fibras musculares tipo I em relação às fibras tipo II (PERTESEN et al., 2004; CALI & CAPRIO, 2008). A tendência a acumular lipídios no tecido muscular pode ser geneticamente determinada, mas também influenciada por uma dieta rica em gorduras – induzindo ao aumento do nível de ácidos graxos circulantes -, além da inatividade física (GRAF et al., 2004; CALI & CAPRIO, 2008). Dessa forma, em indivíduos sedentários, com ingestão de excesso de energia associada a uma capacidade reduzida para oxidar gorduras, há maior propensão ao armazenamento de gordura em geral, especificamente no músculo esquelético (CALI & CAPRIO, 2008; MILJKOVIC-GACIC et al., 2008). Essa deposição influenciaria a organização estrutural e funcional do músculo, modificando as propriedades contráteis e elásticas das estruturas musculotendíneas. Tendo em vista que o sistema muscular esquelético reage constantemente à demanda funcional e pode alterar temporariamente o seu metabolismo em resposta à perturbação de curto prazo ou reorganizar características metabólicas e funcionais para estabelecer adaptações a longo prazo (NOBLE et al., 2004), infere-se que a provável deposição de lipídios no tecido muscular e o excesso de peso alterariam as propriedades biomecânicas do músculo. Neste sentido, Lazzer et al. (2009) afirmam que os músculos dos membros inferiores estão submetidos a uma sobrecarga diária e a obesidade infantil é capaz de interferir no trofismo da massa muscular. Entretanto, não se sabe em que componentes musculoesqueléticos as crianças obesas seriam capazes de se adaptar à sobrecarga muscular, ou responder a intervenções que objetivem a redução da massa corporal ou a melhoria de suas capacidades motoras. _______________________________________________________________________________44 CAPÍTULO 1 5. OBJETIVOS DO ESTUDO 5.1 OBJETIVO GERAL Caracterizar as propriedades biomecânicas do músculo esquelético de escolares, em estados de sobrepeso ou obesidade, assim como de escolares na mesma faixa etária com IMC classificado como normal, e investigar a correlação entre essas propriedades e o desempenho no salto vertical. 5.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS · Realizar avaliação antropométrica para classificação dos escolares em grupos com IMC normal e alto. · Investigar o nível de atividade física habitual da amostra. · Avaliar as propriedades biomecânicas do músculo esquelético. · Avaliar a influência do sobrepeso e obesidade nas propriedades contráteis e elásticas do músculo esquelético. · Avaliar o desempenho no salto vertical. · Investigar a influência do excesso de peso no desempenho do salto vertical e verificar a influência da biomecânica do grupo muscular tríceps sural nesta atividade. _______________________________________________________________________________45 CAPÍTULO 2 CAPÍTULO 2 MATERIAIS E MÉTODOS 1. LOCAL DO ESTUDO O estudo foi desenvolvido no Departamento de Nutrição - Laboratório de Biomecânica, Campus Recife; no Núcleo de Educação Física e Ciências do Esporte, Campus Vitória, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e na clínica de fisioterapia Fisio & Pilates em Boa Viagem, Recife – Pernambuco. 2. PERÍODO DE REALIZAÇÃO DO ESTUDO A coleta de dados foi realizada entre os meses de abril e setembro de 2010. 3. DESENHO DO ESTUDO Trata-se de um estudo analítico de corte transversal. _______________________________________________________________________________46 CAPÍTULO 2 4. POPULAÇÃO DO ESTUDO Os participantes foram provenientes das Escolas Municipais Oswaldo Lima Filho; João XXIII; Faculdade da Criança; Aglaíres; Professora Mariana Amália; Projeto Novo Caminhar e do Programa de Fortalecimento Familiar e Comunitário – Aldeias Infantis - no Centro Social Engenho do Meio. 5. AMOSTRA 5.1 AMOSTRAGEM O processo de amostragem foi por conveniência com escolares oriundos dos locais mencionados, de acordo com os critérios de eligibilidade. 5.2 CRITÉRIOS DE ELIGIBILIDADE Foram incluídos na pesquisa escolares com idade de 9 anos (104 a 108 meses), de ambos os gêneros, divididos em grupos com IMC normal (escore-z entre -1 e +1 DP) e IMC alto (escore-z > +1 DP). Participaram do estudo crianças sem déficits sensoriais, histórico de patologias neuromusculoesqueléticas ou cirurgias traumato-ortopédicas prévias. Os critérios de exclusão foram a não compreensão ou não aceitação dos comandos verbais e instrumentos dos testes, assim como apresentação de qualquer condição clínica que impedisse a realização da avaliação. Crianças que, mesmo com IMC normal, apresentassem déficit nos índices peso/idade e/ou altura/idade (escore-z <-2 DP) foram excluídas da amostra. 5.3 PROCEDIMENTOS PARA SELEÇÃO DE PARTICIPANTES _______________________________________________________________________________47 CAPÍTULO 2 Os pesquisadores tiveram acesso às listas nas instituições com nomes e datas de nascimento das crianças. A seguir, foram selecionados os possíveis participantes segundo a faixa etária pretendida. Os pais ou responsáveis foram informados deste estudo através de reuniões nas instituições das quais as crianças fazem parte e então eram informados acerca do conteúdo da pesquisa e sobre a possibilidade dos filhos participarem da pesquisa. Após compreenderem e assinarem o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (APÊNDICE A), a criança era avaliada para verificar a adequação aos critérios de inclusão. A figura 11 representa o fluxograma do processo de seleção da amostra. Crianças avaliadas para eligibilidade (n=157) Crianças recrutadas para avaliação (n=89) INCLUÍDAS (n=62) EXCLUÍDAS (n=68) 1. INELEGÍVEIS - Déficit altura/idade ou peso/idade (n=13) - IMC baixo (n=8) - Não autorizadas (n=39) 2. ELEGÍVEIS MAS NÃO RECRUTADAS - Condição clínica adversa (n=1) - Recusa em participar (n=3) - Desistência da autorização (n=4) PERDAS (n=27) - Incapaz de realizar os testes (n=12) - Recusa ao protocolo de avaliação (n=15) - Grupo IMC normal (n=33) - Grupo IMC alto (n=29) Figura 11. Representação do processo de seleção da amostra. _______________________________________________________________________________48 CAPÍTULO 2 6. PROCEDIMENTOS PARA COLETA DE DADOS 6.1 AVALIAÇÃO ANTROPOMÉTRICA Os escolares foram classificados em grupos com IMC normal e alto segundo os valores de IMC escore Z (WHO, 2007). Além disso, foram avaliados quanto aos dados antropométricos: peso, altura, comprimento da perna e do pé (PAIVA et al., 2009), dobra cutânea da panturrilha (ELBERG et al., 2004; FREITASJÚNIOR et al., 2008) e circunferência da panturrilha (TONSON et al., 2008) (APÊNDICE B). 6.2 AVALIAÇÃO DA ATIVIDADE FÍSICA HABITUAL Tendo em vista que as propriedades elásticas e contráteis do músculo esquelético possuem capacidade de adaptação segundo a demanda funcional (CORNU et al., 1997; LAMBERTZ et al., 2001), pretendeu-se avaliar crianças com o mesmo nível de atividade física habitual. A avaliação do nível de atividade física habitual foi baseada no questionário desenvolvido por Godin e Shepard (1985) (APÊNDICE C), que permite estimar as atividades realizadas numa semana em equivalente metabólico (MET). As crianças foram questionadas acerca do número de vezes em que passavam 15 minutos em atividades classificadas como leves (3 METs), moderadas (5 METs) ou intensa (9 METs) em uma semana típica. O escore total foi obtido pela multiplicação da freqüência de cada categoria de acordo com os valores de METs e os produtos foram somados (SCERPELLA et al., 2002) 6.3 AVALIAÇÃO DA HABILIDADE FUNCIONAL DO SALTO VERTICAL A análise do salto vertical foi realizada com a Plataforma de Força (EMG System do Brasil®), composta por duas superfícies rígidas de formato retangular, separadas por quatro células de carga, que têm sua resistência elétrica variando com a deformação mecânica (Figura 12). Os transdutores de pressão da plataforma medem a força de reação do solo. Desta forma, é possível se calcular a altura obtida _______________________________________________________________________________49 CAPÍTULO 2 no salto vertical durante o tempo correspondente a metade da fase de vôo, i.e., tempo de subida. O registro e análise dos saltos foram feitos com o software BIOMEC 4000 (EMG System do Brasil®) e a freqüência utilizada para aquisição dos dados foi de 500Hz, com um ganho de 600 no amplificador. Figura 12. Plataforma de Força (EMG System do Brasil®). Fonte: Dados da pesquisa. O desempenho no salto vertical foi avaliado através do salto partindo da posição de pé com um contra movimento preliminar (CMJ) (Figura 13). Conforme descrito por Cruz (2003), o indivíduo foi posicionado de pé, mãos na cintura, parado no centro da Plataforma de Força (EMG System do Brasil®). Ao comando do examinador, o indivíduo flexionava as pernas e imediatamente as estendia (DURWARD et al., 2001; KUBO et al., 2007b) -, buscando atingir o máximo de altura; após a queda, o indivíduo reequilibrava-se dentro do limites da plataforma e voltava a ficar na posição estática até que o controlador do teste o autorizasse a sair da posição. O sujeito era inicialmente familiarizado com o tipo de salto e depois eram feitas três aquisições. Após a análise, o salto que atingiu a maior altura foi tomado como o desempenho do indivíduo (FOURÉ et al, 2010; KUBO et al., 2007b). _______________________________________________________________________________50 CAPÍTULO 2 A B Figura 13. A: Diagrama de linhas representando as posições do membro para cima e para baixo durante as fases do salto; B: Representação da força de reação vertical sobre a plataforma durante as fases do salto. Fonte: Cruz, 2003. 6.4 AVALIAÇÃO BIOMECÂNICA A análise das propriedades mecânicas musculares foi realizada com o Ergômetro de Tornozelo (Bio2M®) (LAMBERTZ et al., 2008). Trata-se de um aparelho composto por uma cadeira de assento ajustável às características antropométricas do indivíduo a ser avaliado e um pedal com ajuste rotacional (Figura 14). O ergômetro proporciona a mensuração da força isométrica durante a flexão plantar em condição estática e das propriedades elásticas da unidade músculotendão. A unidade diretora do ergômetro é conectada ao computador portátil equipado com o software ACQ dados para interpretação e registro dos dados, que foram posteriormente analisados com o software ERGO ANALYSIS 2.0. Além disso, o ergômetro é conectado a um osciloscópio, eletromiógrafo, eletroestimulador. _______________________________________________________________________________51 CAPÍTULO 2 Figura 14. Avaliação Biomecânica. Fonte: Dados da pesquisa. O sujeito a ser avaliado foi posicionado no assento ajustável de modo que as articulações do joelho e tornozelo fossem posicionadas nas angulações de 120° e 90° respectivamente (Goniômetro Carci®), de modo a obter o ângulo de melhor torque do tornozelo e minimizar a influência de outros músculos. O osciloscópio proporciona o retorno visual durante o protocolo, assim como a interatividade entre sujeito e avaliador. Para o registro eletromiográfico, foram utilizados eletrodos de superfície (Ag-AgCl, 3M®) (10 mm em diâmetro) em cada parte do tríceps sural, i.e., músculo sóleo, gastrocnêmios medial e lateral. A impedância da pele foi reduzida menos de 10kΩ, com a utilização de álcool, gaze e esponja para esfoliação. Os eletrodos foram posicionados no ventre de cada músculo, com uma distância de 2 cm entre os pólos. O eletrodo referência foi colocado ao redor da tíbia (Figuras 14 e 15). O sinal eletromiográfico foi amplificado entre 2000 ou 12000 e foi utilizado um filtro passa-banda (20-500Hz). Após aquisição, o processamento do sinal foi feito com o filtro passa-banda de ordem 6 Butterworth (80-300Hz). Isto foi necessário devido ao inevitável ruído da _______________________________________________________________________________52 CAPÍTULO 2 rede (60Hz), mesmo com a utilização de uma bateria de 12V de corrente direta como fonte de alimentação do amplificador EMG, em função de um aterramento insuficiente. Os estímulos elétricos eram obtidos por uma fonte de corrente contínua, com 1ms de duração de pulso e intensidade (mA) regulada para se obter a máxima resposta direta do sujeito. Os estímulos eram aplicados no nervo tibial posterior, com o cátodo colocado na fossa poplítea e o ânodo na coxa, próximo à linha suprapatelar (Figura 15). A máxima resposta direta foi utilizada para normalizar o registro eletromiográfico, eliminando diferentes influências da pele e a impedância sob os eletrodos de superfície. Figura 15. Posicionamento do sujeito no pedal ajustável e disposição dos eletrodos. Fonte: Dados da pesquisa. 6.4.1 CONTRAÇÃO VOLUNTÁRIA MÁXIMA A força absoluta para a contração voluntária máxima foi determinada através da flexão plantar sob condições isométricas, enquanto se solicitava à criança a desenvolver sua máxima contração contra o pedal imóvel. Foram realizados três _______________________________________________________________________________53 CAPÍTULO 2 registros em cada teste. Durante o teste, a criança pôde acompanhar a evolução da sua contração através da tela do osciloscópio, interagindo com o teste e sendo incentivada e observada pelos avaliadores (Figura 16). A CVM de cada avaliação foi definida com a maior contração dos três registros obtidos. A CVM foi então convertida para torque máximo, multiplicado pelos valores da força com o braço de alavanca correspondente. O braço de alavanca é a distância entre o eixo de rotação do pedal e a força do transdutor, o qual é conectado perpendicularmente à ventosa eletromagnética do pedal. Figura 16. Representação da determinação do torque voluntário máximo. 6.4.2 ONDA M Trata-se da máxima resposta motora direta, obtida através da aplicação de estímulos elétricos no nervo tibial posterior. A intensidade do estímulo era ajustada gradativamente, gerando uma série de respostas (onda M) do tríceps sural. A intensidade do estímulo capaz de ter provocado a maior resposta de contração é registrada, realizando-se cinco estímulos. Através dos abalos musculares, é possível a avaliação do pico de torque (Pt), tempo de contração (contraction time, CT), tempo de médio relaxamento (half relaxion time, HRT), taxa de desenvolvimento de torque (dPt/dt) e atraso eletromecânico (electromechanical delay, EMD) (GROSSET et al., 2005) (Figura 9). _______________________________________________________________________________54 CAPÍTULO 2 6.4.3 TWITCH INTERPOLADO – TÉCNICA DO ABALO SIMPLES INTERPOLADO Para a realização deste teste, o indivíduo é solicitado a manter uma contração isométrica submáxima (proporções de 25%, 35%, 50%, 75% e 100% da CVM) e em seguida é submetido a uma eletroestimulação simples supramáxima – com intensidade 20% maior que a referente à onda M - do nervo tibial posterior que é superposta ao nível de contração voluntária (Figura 17) (SHIELD & ZHOU, 2004; GROSSET et al., 2008). Em seguida, calcula-se o DA e o IDA (ver item 2.1.1, p.3334). Figura 17. Representação do cálculo do Índice do Déficit de Ativação (IDA). Fonte: Dados da pesquisa. 6.4.4 TESTE DE LIBERAÇÃO RÁPIDA As propriedades elásticas do complexo musculotendíneo foram avaliadas pela técnica de liberação rápida do pedal durante uma contração isométrica (GOUBEL & PERTUZON, 1973). Foram realizados quatro registros de contração submáxima nas proporções de 25%, 35%, 50% e 75% da CVM. A resistência _______________________________________________________________________________55 CAPÍTULO 2 musculotendínea foi calculada como a razão entre as variações na aceleração && ) e deslocamento angular (DQ) , multiplicado pelo valor da inércia (I), angular ( DQ && / DQ × I (TOGNELLA et al., 1997; LAMBERTZ et al., expresso pela fórmula: S = DQ 2001; 2008) (Figura 18). As características do componente elástico em série são mensuradas no início do movimento de liberação rápida, i.e., quando os elementos elásticos estão supostamente recolhidos e antes de alguma mudança reflexa ou atividade muscular (ANGEL et al., 1965). Figura 18. Representação do cálculo da resistência musculotendínea durante o Teste de Liberação Rápida. Fonte: LAMBERTZ et al., 2008. A resistência musculotendínea está relacionada com o torque isométrico correspondente, calculada nos 200ms anteriores ao movimento de liberação rápida. A inclinação da relação linear resistência-torque foi obtida e definida como o índice de resistência do complexo musculotendíneo (RIMT) e utilizada para atestar mudanças na resistência musculotendínea independente do nível de torque solicitado e evitar as contribuições da CVM e CSA (LAMBERTZ et al., 2001) (Figura 19). _______________________________________________________________________________56 CAPÍTULO 2 Figura 19. Relação Resistência- Torque. Fonte: Dados da pesquisa. A atividade do tríceps sural foi expressa como uma média do registro eletromiográfico (TS-EMG), calculado como a razão entre a área e a duração do sinal durante torque isométrico 500ms imediatamente antes do teste liberação rápida (LAMBERTZ et al., 2003). Para fins de comparação entre os sujeitos, o TS-EMG foi normalizado com a respectiva atividade eletromiográfica durante a contração voluntária máxima (TS-EMGCVM). Foi construída uma relação TS-EMG/EMGCVM – Torque para atestar mudanças na capacidade de ativação nas crianças. Então, para expressar o output da força, por input elétrico, com inverso da inclinação desta relação obtém-se o índice de eficiência neuromuscular (NME), que pode ser máximo ou submáximo. Da mesma forma, a atividade do tibial anterior (TA-EMG) foi registrada, de forma a se obter o índice de coativação (LAMBERTZ et al., 2003). 7. ANÁLISE ESTATÍSTICA O teste ANOVA two-way foi usado para verificar diferenças no IMC em relação ao gênero, incluindo a interação entre ambos. Como não foram observadas _______________________________________________________________________________57 CAPÍTULO 2 diferenças entre os gêneros, os dados biomecânicos, antropométricos e de atividade física foram agrupados e analisados estatisticamente através teste paramétrico tStudent para amostras independentes ou do teste de Mann-Whitney, dependendo se os dados apresentaram uma distribuição normal ou não (Sigma Stat, USA). A análise estatística também incluiu a análise da regressão linear para testar a relação MT stiffness ratio– torque. As melhores análises de regressão foram utilizadas para indicar a correlação da relação entre RIMT ou EMD – VJ/MVC. Para tais análises, utilizou-se o programa estatístico Sigma Stat. Foi adotado o nível de p< 0.05 para indicar significância estatística. Os valores estão apresentados como média ou mediana (P25/P75) ± EPM e média ± DP nas figuras. 8. CONSIDERAÇÕES ÉTICAS Esta pesquisa obteve aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Pernambuco, segundo as normas e diretrizes regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos – resolução CNS 196/96, CAAE – 0345.0.172.000-08 (ANEXO I). A participação no estudo foi voluntária e os responsáveis por cada escolar serão informados do conteúdo da pesquisa e de detalhes metodológicos, através do termo de Consentimento Livre e Esclarecido, conforme descrito no item 5.4 (APÊNDICE A), conforme resolução 196/96 do CONEP, o qual foi assinado pelo pesquisador e familiar. _______________________________________________________________________________58 CAPÍTULO 3 CAPÍTULO 3 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABRANTES, M.M.; LAMONOUNIER, J.A.; COLOSIMO, E.A. Overweight and obesity prevalence among children and adolescents from Northeast and Southeast regions of Brazil. 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