UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS ESCOLA DE VETERINÁRIA E ZOOTECNIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIA ANIMAL Disciplina: SEMINÁRIOS APLICADOS FARMACOCINÉTICA: Conceitos básicos aplicados à medicina veterinária (Revisão de literatura) Líria Queiroz Luz Hirano Orientador: Prof. Dr. Juan Carlos Duque Moreno GOIÂNIA 2011 i LÍRIA QUEIROZ LUZ HIRANO FARMACOCINÉTICA: Conceitos básicos aplicados à medicina veterinária (Revisão de literatura) Seminário apresentado junto à Disciplina de Seminários Aplicados do Programa de PósGraduação em Ciência Animal da Escola de Veterinária e Zootecnia da Universidade Federal de Goiás. Nível: Doutorado Área de Concentração: Patologia, Clínica e Cirurgia Animal Linha de Pesquisa: Técnicas Cirúrgicas e Anestésicas, Patologia Clínica Cirúrgica e Cirurgia Experimental Orientador: Prof. Dr. Juan Carlos Duque Moreno - UFG Comitê de Orientação: Prof. Dr. André Luiz Quagliatto Santos – FAMEV/UFU Profª Drª Rosangela Gonçalves Peccini Machado – FCF/UNESP GOIÂNIA 2011 ii SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ............................................................................................ 1 2 REVISÃO DE LITERATURA ....................................................................... . 3 2.1 Noções gerais sobre farmacocinética ...................................................... . 3 2.2 Absorção .................................................................................................. 5 2.3 Disposição ................................................................................................ 7 2.3.1 Distribuição............................................................................................ 8 2.3.2 Eliminação ............................................................................................. 11 2.3.2.1 Metabolização .................................................................................... 11 2.3.2.2 Excreção ............................................................................................ 12 2.4 Técnicas analíticas aplicadas à farmacocinética ...................................... 14 2.5 Delineamento do perfil farmacocinético.................................................... 15 2.5.1 Tipos de cinética ................................................................................... 15 2.5.2 Representação gráfica .......................................................................... 17 2.5.3 Meia-vida ............................................................................................... 18 2.5.4 Concentração plasmática máxima e área sob a curva .......................... 19 2.5.5 Biodisponibilidade e dose efetiva .......................................................... 20 2.6 Particularidades farmacocinéticas na medicina veterinária ...................... 21 3 CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................ 24 REFERÊNCIAS .............................................................................................. 25 iii LISTA DE FIGURAS FIGURA 1 - Curva de decaimento de um fármaco no modelo monocompartimental de distribuição, em que o logaritmo natural da concentração (lnC) varia em função do tempo (t) ...................... 9 FIGURA 2 - Curva de decaimento de um fármaco com modelo tricompartimental de distribuição, na qual o logaritmo natural da concentração (lnC) varia em função do tempo (t). Os caracteres Kdπ, Kdβ e Kel representam as constantes de velocidade de distribuição rápida, lenta e de eliminação, respectivamente ........... 10 FIGURA 3 - Representação gráfica das fases de absorção, concentração sistêmica máxima (Cmax) e eliminação de um fármaco com modelo cinético de 1ª ordem ........................................................... 16 FIGURA 4 - Representação gráfica semi-logarítmica (esquerda) e cartesiana (direita) da concentração plasmática dos fármacos A (vermelho) e B (preto), em função do tempo ........................................................ 17 FIGURA 5 - Representação gráfica da concentração plasmática em função do tempo, da cetamina associada ao midazolam, administrada em cães hígidos. A área tracejada representa uma divisão do método trapezóide para o cálculo da área sob a curva ................................ 20 iv LISTA DE ABREVIATURAS AT quantidade de substância que resta a ser transportada ASC área sob a curva de concentração plasmática ASC1,2 área sob a curva de concentração plasmática entre uma e duas horas B biodisponibilidade C concentração plasmática inicial CE concentração plasmática efetiva Cl depuração Clh depuração hepática Clr depuração renal Cmax concentração plasmática máxima DE dose eficaz -dT quantidade transportada dt intervalo de tempo ELISA ensaio imunoenzimático EV extravascular fe fração do fármaco excretado inalterado na urina h hora IV intravascular K constante de velocidade Ka constante de velocidade de absorção Kd constante de velocidade de distribuição Kel constante de velocidade de eliminação L litro ln logaritmo natural lnC logaritmo natural da concentração mg miligrama µmol micromol min minuto mL mililitros n número de meias-vidas v pKa cologaritmo da constante de dissociação do fármaco PM peso molecular t tempo t1/2 meia-vida tmax tempo para atingir a concentração plasmática máxima v velocidade de transporte Vd volume aparente de distribuição 1 INTRODUÇÃO Frequentemente os profissionais da área da saúde se deparam com dúvidas acerca do emprego correto de termos farmacológicos. Dentre esses está a utilização da palavra fármaco ou droga, que de acordo com a portaria 344 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA, 1998), são sinônimos que designam qualquer substância ou matéria-prima que tenha finalidade medicamentosa ou sanitária. Entretanto, alguns farmacologistas contra indicam o emprego do termo droga, pois afirmam que esse é popularmente utilizado para determinar substâncias entorpecentes ou que causam dependência química (EDWARDS & LADER, 1994). Na literatura científica, ao abordar os compostos utilizados na terapia de pacientes, se preconiza a indicação da palavra fármaco ou princípio ativo, que corresponde à substância responsável pela ação terapêutica, com composição química e ação farmacológica conhecidas. Já o produto farmacêutico tecnicamente elaborado com finalidades profilática, curativa, paliativa ou para fins de diagnóstico é denominado como medicamento (ANVISA, 1998). Em relação ao termo dosagem, esse significa o ato de dosar ou quantificar determinada matéria e não deve ser empregado como sinônimo da palavra dose, que é de origem grega dósis e expressa a ação de dar ou o que pode ser dado. Na farmacologia, a posologia é utilizada para se referir à frequência de administração de um fármaco e à dose estabelecida (REZENDE, 2004). Determinar a posologia dos fármacos pelo método de tentativa e erro é uma prática antiga que, por vezes, produzia resultados indesejados, seja pela ineficácia clínica devido à quantificação insuficiente, ou pela ocorrência de intoxicações (DOKOUMETZIDIS & MACHERAS, 2006). Ao correlacionar a concentração orgânica dos princípios ativos em função do tempo, estudos farmacocinéticos permitiram o estabelecimento de doses seguras e elucidaram o comportamento dos diferentes fármacos no organismo animal (BANAKAR, 1992; GINSKI & POLLI, 1999). Observa-se um avanço nas pesquisas que visam substituir os métodos in vivo de determinação da absorção de fármacos por técnicas in vitro, esse 2 progresso ocorreu principalmente como reflexo do desenvolvimento na cultura de células e de sistemas acoplados de dissolução e permeação. Entretanto, os métodos in vitro requerem estudo e padronização para o cultivo celular, além de não reproduzirem adequadamente os mecanismos de transporte ativo das substâncias (SOUZA et al., 2007). Quatro processos fundamentais compõem o perfil farmacocinético no organismo: absorção, quando a via de administração é extravascular (EV), distribuição, biotransformação e excreção (RAMOS & SILVEIRA, 2001). A partir da compreensão desses eventos é possível estabelecer a relação cronológica da dose, forma farmacêutica, frequência, via de administração e a concentração sistêmica do fármaco, sendo que a farmacocinética clínica envolve a aplicação desses dados na terapia de pacientes (TOZER & ROWLAND, 2009). Apesar dos avanços no conhecimento global sobre farmacocinética e farmacodinâmica, alguns desafios remanescem no âmbito da medicina veterinária, principalmente em relação às diferenças entre espécies, raças, linhagens, sexo e idade. A ocorrência das particularidades inter e intra espécies se explica por diversas razões, como diferenças anatômicas, fisiológicas, comportamentais e até mesmo pelas variações genéticas (TOUTAIN et al., 2010). A necessidade de se estabelecer posologias ideais para a otimização da ação dos fármacos faz com que a farmacocinética seja uma ferramenta importante para a prática da medicina veterinária. Por meio da compreensão do comportamento das substâncias no organismo animal é possível promover terapias eficazes e prever a cinética de fármacos de constituição e metabolização semelhantes em diversas espécies. Para a utilização correta dos dados obtidos pelo estudo farmacocinético, os principais processos devem ser compreendidos. Esta revisão de literatura foi elaborada com o objetivo de discorrer acerca dos conceitos básicos da farmacocinética, abordando suas aplicações na rotina do médico veterinário. 3 2 REVISÃO DE LITERATURA 2.1 Noções gerais sobre farmacocinética A associação de pesquisas sobre a farmacodinâmica (que evidencia a magnitude dos efeitos dos fármacos no organismo) com dados farmacocinéticos, proporciona diversas vantagens. Dentre essas podem-se citar a compreensão dos motivos de ocorrência de efeitos inesperados, antecipação de dados sobre a metabolização e vias de transporte de substâncias semelhantes às que foram previamente estudadas, determinação da dose ideal para um paciente singular e a previsão de eventos que podem ocorrer devido à mudança da posologia (TOZER & ROWLAND, 2009). REZENDE (2003) define a janela terapêutica como os limites de concentração de um fármaco no organismo em que este exerça sua ação desejável, sendo que a segurança na utilização das substâncias é proporcional ao tamanho desse intervalo. Valores acima da margem superior aumentariam a probabilidade de ocorrência ou intensificariam os efeitos adversos, e abaixo do limite inferior não seriam suficientes para a obtenção da resposta pretendida. É o tamanho da janela terapêutica e a velocidade de eliminação que irão determinar a dose de manutenção e a frequência de administração dos medicamentos. Após definida a posologia ideal para atingir o intervalo de concentração sistêmica pré-estabelecido, poucos eventos inesperados são observados, entretanto, esses podem ocorrer devido a fatores como, por exemplo, a variabilidade genética (GOUVEIA, 2009). Atualmente, são utilizados estudos in vivo e in vitro que evidenciam o fato de que ao ser administrado, o princípio ativo migra do sítio de entrada para o local de ação e para outros tecidos, principalmente para os órgãos nos quais será eliminado, como o fígado e o rim. Raramente se consegue determinar a concentração do fármaco diretamente no sítio de ação, por isso são utilizadas amostras alternativas, dentre as quais se destaca o plasma sanguíneo. Pela ampla utilização da amostra plasmática no delineamento do perfil farmacocinético 4 das substâncias, esta será considerada como a base amostral nesta revisão (STORPIRTIS & CONSIGLIERI, 1995). Praticamente todos os fluidos orgânicos podem ser utilizados para análise farmacocinética, como é o caso do plasma, sangue, soro, leite e a urina. Em relação à amostra sorológica, sua obtenção inclui a etapa de coagulação sanguínea, o que pode envolver processos de hemólise e alterar os resultados. Já o sangue total possui grande quantidade de células e proteínas que também dificultam a predição da concentração específica do princípio ativo (TOZER & ROWLAND, 2009). De modo geral, consideram-se dois sítios de administração dos princípios ativos na farmacocinética. Na via intravascular (IV), a aplicação da substância é realizada diretamente no sangue arterial ou venoso. Já o acesso EV, inclui as demais vias (intramuscular, oral, pulmonar, subcutânea, entre outras), nas quais após a introdução sistêmica, é necessário que o fármaco seja absorvido para que atinja o local de medida (TOZER & ROWLAND, 2009). A quantificação total do fármaco é composta pelos valores da fração ligada a proteínas e a livre, contudo, sabe-se que somente a última é farmacologicamente ativa. Esse fato ocorre porque apenas a porção não ligada do princípio ativo é capaz de atravessar as membranas biológicas, se distribuir pelo organismo e alcançar os receptores nos quais deve exercer sua atividade farmacológica (TOZER & ROWLAND, 2009). Assim, frequentemente as amostras são submetidas a técnicas para a determinação específica da fração livre do fármaco, como a ultrafiltração e a diálise (QUEIROZ et al., 2001). Em condições normais, a relação percentual entre a fração do fármaco ligada a proteínas e a livre é fixa, por isso, quando esse valor foi previamente estimado, é possível quantificar qualquer uma dessas frações. Entretanto, em situações como na presença de outra substância que desloca as ligações do fármaco com proteínas plasmáticas, hipoproteinemia, gravidez e doenças hepáticas e renais, a determinação da fração livre é fundamental (TOZER & ROWLAND, 2009). A indústria farmacêutica preconiza a produção de formulações compostas por fármacos essencialmente puros e utiliza técnicas analíticas 5 específicas para a determinação de seus perfis farmacocinéticos, de modo a assegurar a eficácia terapêutica, segurança do paciente e a facilidade no processo de reprodução do produto. Além disso, os métodos analíticos empregados devem especificar a substância em questão de modo a diferenciá-la de seus metabólitos, que podem ou não ter propriedades semelhantes ao fármaco original (TOZER & ROWLAND, 2009). Recomendações acerca da pureza dos fármacos são indicadas, inclusive, para isômeros ópticos, como é o caso do agente anestésico cetamina, um esteroisômero comercializado principalmente na forma de racemato, com concentrações equivalentes dos dois enantiômeros puros R(-) e S(+). Em acordo com as indicações, trabalhos experimentais e ensaios clínicos demonstraram vantagens na utilização do composto puro de cetamina S(+), com relatos do dobro da potência anestésica e analgésica desse enantiômero, quando comparado à forma racêmica e à cetamina R(-), em ratos (PROESCHOLDT et al., 2001) e ovelhas (STRUMPER et al., 2004). 2.2 Absorção TOZER & ROWLAND (2009) definem a absorção como o processo no qual um fármaco deixa seu local de administração e alcança o fluxo sanguíneo e pode ser avaliado por quatro parâmetros farmacocinéticos obtidos a partir da construção de uma curva da concentração do fármaco pelo tempo: constante de velocidade de absorção (ka), concentração plasmática máxima (Cmax), tempo para atingir a concentração plasmática máxima (tmax) e área sob a curva de concentração plasmática pelo tempo (ASC) (BOROUJERDI, 2002). Esse evento atrasa e reduz a Cmax do princípio ativo, pois a velocidade de alteração da concentração de uma substância administrada EV será influenciada pelas velocidades de absorção e de eliminação (BOROUJERDI, 2002). A maior parte dos fatores que influenciam a amplitude e a velocidade de absorção dos fármacos ocorre na via oral, que, além de ser a base para o estudo 6 farmacocinético de substâncias administradas pela via EV, é a mais utilizada na clínica veterinária (TOZER & ROWLAND, 2009). Dentre os fatores de variabilidade destacam-se os aspectos fisiológicos como o tempo de esvaziamento gástrico e de trânsito intestinal, pois a presença de alimento atrasa a taxa de passagem e ainda pode alterar a biodisponibilidade (B) pela ocorrência de ligações entre o fármaco e os compostos alimentares (AULTON, 1996; MACHERAS & ARGYRAKIS, 1997). Outras fontes de variações são a extensão da área da superfície de contato, a atividade enzimática e a microbiota presente (ROUGE et al., 1996). Após a administração oral, a passagem da substância pelo trato digestório pode acarretar perda, principalmente pelo efeito de primeira passagem, que envolve vários fatores como a decomposição e metabolização enzimática do fármaco no lúmen gastrointestinal ou mesmo pelo metabolismo hepático, antes de sua absorção e ação farmacológica sistêmica. Nos casos em que essa perda é muito extensa observa-se que o medicamento necessita de doses orais bastante superiores às intravenosas para alcançar o mesmo efeito terapêutico (TOZER & ROWLAND, 2009). O transporte de fármacos para o interior da membrana intestinal pode ocorrer por mecanismos ativos, via transportadores, ou de forma passiva através dos enterócitos (transcelular) ou de suas junções (paracelular) (BALIMANE et al., 2000). De acordo com KATSURA & INUI (2003) há várias famílias de transportadores de fármacos que promovem a absorção, das quais se podem ressaltar os responsáveis pelo transporte de di e tripeptídeos e antibióticos βlactâmicos, os transportadores de ácido monocarboxílico que atuam na permeação de ácido lático e ácido salicílico, os transportadores de ânions e íons orgânicos e os que atuam no transporte de nucleosídeos purínicos e pirimidínicos. A passagem passiva de substâncias pelas membranas está diretamente relacionada ao pH, à capacidade de dissociação do fármaco, representada pelo seu cologaritmo (pKa) e ao coeficiente de lipossolubilidade. Isso ocorre porque a maioria dos fármacos são ácidos ou bases orgânicas fracas que se dissociam nos líquidos corporais de acordo com o pH do meio e o pKa. Após a dissociação, a forma não dissociada dos compostos, que possui carga 7 neutra e é lipossolúvel, migra através das membranas, a favor de um gradiente de concentração até atingir o estado de equilíbrio entre os meios (FERNANDES 1994). Além disso, o tamanho das partículas também afeta a extensão e a velocidade de absorção de um fármaco sempre que este é transportado passivamente (DESESSO & JACOBSON, 2001). Em relação às formas farmacêuticas sólidas, administradas por via oral, essas sofrem influência da velocidade e extensão de desintegração e dissolução dos compostos para que posteriormente possam ser transportadas (AULTON, 1996). Há também os transportadores de efluxo, que funcionam como barreira à absorção uma vez que carreiam os fármacos da membrana intestinal de volta para o lúmen (KATSURA & INUI, 2003). Dentre os transportadores já conhecidos, muitos pertencem à superfamília que utiliza a energia proveniente do ATP para secretar fármacos contra um gradiente de concentração. A mais importante dessas proteínas, identificada no intestino é a glicoproteína-P, devido à sua ampla seletividade e significativa expressão entérica, além disso, esta representa o produto da expressão do gene de multiresistência a fármacos (JULIANO & LING, 1976). 2.3 Disposição A disposição pode ser definida como todo processo cinético que ocorre com o fármaco após sua absorção sistêmica, quando a administração ocorre por via EV ou após a aplicação, nos casos em que a introdução foi IV. Pode-se dividila em dois eventos cinéticos distintos, a distribuição e a eliminação (TOZER & ROWLAND, 2009). 8 2.3.1 Distribuição Após a administração IV ou a absorção, o fármaco se distribui de maneira reversível, do fluxo sanguíneo para outros tecidos, que são denominados na farmacocinética de compartimentos. A velocidade de transporte das substâncias para esses locais varia conforme a constante de velocidade de distribuição (Kd) e sofre interferência de fatores fisiológicos como a perfusão sanguínea e características da membrana, assim como das propriedades físicoquímicas do fármaco. Quanto maior a afinidade e extensão de ligação do fármaco às proteínas plasmáticas, por exemplo, menor será seu acesso a outros compartimentos do organismo (WINTER, 2009). Para quantificar o processo de distribuição de um fármaco, deve-se calcular seu volume aparente de distribuição (Vd) que é definido como a relação entre a concentração plasmática inicial (C) de uma substância, logo após sua distribuição e a dose total (DOSE) administrada (WINTER, 2009). Quando o Vd é alto significa que a concentração sanguínea está diluída em função da distribuição do fármaco, provavelmente muito lipossolúvel, para outros compartimentos. Se por outro lado a substância demonstra Vd baixo é porque a quantidade no sangue permaneceu alta, o que caracteriza um fármaco hidrossolúvel (FERNANDES, 1994). O valor de Vd, geralmente expresso em litros (L), pode ser calculado a partir da seguinte equação (TOZER & ROWLAND, 2009): Vd = Dose C FERNANDES (1994) afirma que o Vd influencia na determinação do número de compartimentos para o perfil farmacocinético das substâncias. O compartimento central é composto pelos órgãos de alta perfusão sanguínea como o coração e os pulmões. Em seguida, de acordo com a capacidade de dispersão dos fármacos, que depende de fatores como a lipossolubulidade, ligação às proteínas plasmáticas, tamanho da molécula e pKa, esses penetrarão nos compartimentos periféricos, ou seja, órgãos de menor perfusão sanguínea como a gordura e os músculos. 9 Assim, o Vd total é a somatória dos Vds de distribuição central e periférico. Em associação com a concentração alvo, o Vd pode ser utilizado para calcular a dose de ataque e a quantidade do fármaco no organismo em qualquer momento, e para estimar a viabilidade de se utilizar as técnicas de hemoperfusão ou hemodiálise na remoção de fármacos do organismo (BOROUJERDI, 2002). De acordo com a distribuição entre compartimentos, pode-se classificar a cinética do fármaco em três modelos. O modelo monocompartimental (Figura 1) é definido sempre que após a administração de uma substância, sua concentração inicial declinar de acordo com a constante de velocidade de eliminação (Kel), pois ao possuir características hidrossolúveis marcantes, não há passagem do princípio ativo para outros compartimentos (TOZER & ROWLAND, 2009). Fármaco FIGURA 1 - Curva de decaimento de um fármaco no modelo monocompartimental de distribuição, em que o logaritmo natural da concentração (lnC) varia em função do tempo (t) (FERNANDES, 1994) Em se tratando de um único compartimento, a distribuição do fármaco seguirá uma equação uniexponencial que ao ser transposta para uma escala 10 semi-logarítmica de concentração, formará uma reta o que indica que há apenas uma meia-vida (t1/2) de decaimento (FERNANDES, 1994). Os modelos bi e tricompartimental possuem gráficos semelhantes, entretanto, no primeiro, o fármaco é administrado diretamente no sangue ou compartimento central e a partir desses locais, há a distribuição também para o compartimento periférico, com duas meias-vidas distintas em uma equação biexponencial. Em relação ao modelo tricompartimental (Figura 2), após a aplicação do fármaco, ocorre uma fase inicial de distribuição rápida e posteriormente, uma de distribuição lenta, seguindo-se à fase de eliminação, com uma equação triexponencial. Após serem colocadas na forma logarítmica, as equações de ambos os modelos passam a ser de 1º grau (FERNANDES, 1994). Kd Kel Kd Fármaco FIGURA 2 - Curva de decaimento de um fármaco com modelo tricompartimental de distribuição, na qual o logaritmo natural da concentração (lnC) varia em função do tempo (t). Os caracteres Kdπ, Kdβ e Kel representam as constantes de velocidade de distribuição rápida, lenta e de eliminação, respectivamente (FERNANDES, 1994) 11 2.3.2 Eliminação A perda irreversível do fármaco do fluxo sanguíneo é denominada como eliminação e há dois processos que definem essa etapa cinética. No caso da metabolização, ou biotransformação, ocorre a conversão de uma espécie química em outra, já a excreção consiste na supressão irreversível do fármaco inalterado do organismo (TOZER & ROWLAND, 2009). Os parâmetros farmacocinéticos relacionados ao processo de eliminação são a Kel e a depuração, ou clearance (Cl) (WINTER, 2009). Depuração é um termo indicativo da capacidade do organismo remover completamente uma determinada substância de um volume específico de sangue na unidade de tempo, representada ml/min ou L/h (TOUTAIN et al., 2010). A Cl é calculada a partir da dose administrada e de ASC, que de acordo com TOZER & ROWLAND (2009) é dada por: Cl = Dose ASC A Cl total é avaliada pela somatória da sua ocorrência em todos os locais do organismo, como fígado, rim, bile e outros. 2.3.2.1 Metabolização O metabolismo pode originar produtos farmacologicamente ativos, inativos ou mesmo potencialmente tóxicos, os quais, de maneira geral, são mais facilmente eliminados pelo organismo por possuir maior hidrossolubilidade. No processo de metabolização o fármaco é submetido a reações químicas, geralmente mediadas por enzimas, e convertido em um ou mais metabólitos diferentes do original, que também podem ser metabolizados. As reações mais comuns do metabolismo de fármacos são classificadas como de fase I e de fase II (WINTER, 2009). 12 As reações de fase I englobam a oxidação, redução ou hidrólise e originam metabólitos mais polares do que os fármacos originais. Na oxidação observam-se os processos de dealquilação, hidroxilação, N oxidação e N hidroxilação, formação de sulfóxido, desaminação, dessulfuração e passagem do radical -SH para –SOH. Na hidrólise de ésteres e amidas ocorre o rompimento da ligação éster, com formação de ácido e álcool. Já na etapa de redução há azorredução ou nitrorredução (FERNANDES, 1994). A maior polarização do metabólito resultante da fase I nem sempre é suficiente para garantir sua excreção. Portanto, na fase II do metabolismo, esses compostos são submetidos a reações de conjugação com pequenas moléculas endógenas de alta polaridade e formam assim, conjugados altamente hidrossolúveis que são excretados principalmente pela urina. Dentre os processos que englobam a fase II estão a glicuroconjugação, acetilação, conjugação com glicina e com sulfato e a O-, S- e N- metilação (FERNANDES, 1994). O fígado é o principal e algumas vezes o único sítio de metabolização de fármacos, todavia também pode ocorrer biotransformação em outros locais como nos rins, pele, pulmões, sangue e trato gastrointestinal. O complexo enzimático CYP450 é o principal responsável pelo metabolismo de fármacos no organismo, mais propriamente pelas reações de oxidação da fase I (CUMMINS et al., 2001). Segundo NELSON et al. (1996), as enzimas do citocromo P450 são classificadas de acordo com sua relação evolutiva. São conhecidas 18 famílias e 43 sub-famílias no homem, das quais apenas as famílias 1, 2 e 3 parecem estar envolvidas na biotransformação de fármacos (CUMMINS et al., 2001). A família CYP3A consiste em quatro sub-famílias, dentre as quais, a CYP3A4 é a principal para o metabolismo hepático e mais abundante no fígado e no intestino humanos e equivale à derivação CYP3A12 no cão (SHIMADA et al., 1994). 2.3.2.2 Excreção Na maioria das espécies, substâncias com peso molecular (PM) inferior a 300 mg/mol são eliminadas por depuração renal, principalmente por filtração 13 glomerular, já as superiores a 600 mg/mol são tipicamente excretadas pela bile. Para fármacos com PM entre 300 e 600 mg/mol, a forma de eliminação varia largamente entre as espécies que, em geral, são classificadas em três grupos de acordo com a eficiência na excreção biliar. Coelhos, porquinhos-da-índia e o homem são pouco eficientes na excreção de substâncias via bile, em contraposição estão os ratos, cães e as galinhas que possuem essa via de eliminação altamente desenvolvida. O grupo intermediário é composto pelos gatos e os ovinos (TOUTAIN et al., 2010). Para garantir alta depuração pela bile, o fármaco deve ser polar, apresentar secreção ativa e ter peso molecular (PM) superior a 350 g/mol. O fármaco, juntamente com a bile, é transferido via ducto biliar para o intestino delgado onde pode ser reabsorvido e completar o ciclo entero-hepático, entretanto, se permanecer no ambiente intestinal, será eliminado juntamente com as fezes (TOZER & ROWLAND, 2009). Não há diferenças anatômicas e fisiológicas importantes entre as espécies de mamíferos em relação à função renal, contudo variações são encontradas em relação à capacidade de concentração e o pH urinário. A capacidade de concentração da urina é relativamente baixa em suínos, na razão de 3:1 de plasma, já em gatos é de 10:1, o que faz com que esses felídeos sejam propensos para formar cálculos de oxalato de cálcio (HOUSTON et al. 1985). Os rins são a principal via de excreção dos fármacos no organismo e os mecanismos envolvidos na eliminação renal são a filtração glomerular, secreção tubular ativa e a difusão passiva (WINTER, 2009). Relacionadas ao processo de eliminação, a Kel e a Cl podem se alterar na presença da insuficiência renal, em caso de fármacos excretados fundamentalmente pelos rins, com consequências sobre a t1/2 da substância. A taxa de excreção renal é facilmente determinada mediante a quantificação da fração excretada inalterada do fármaco na urina (fe). A partir dessa variável há suporte para reajustar a posologia de medicamentos em pacientes com diferentes graus de alteração na função renal. Os valores de fe situam-se entre 0, para fármacos que não sofrem excreção renal, e 1, como é o 14 caso da gentamicina, que possui excreção unicamente pelos rins. A fe pode ser estimada a partir de (TOZER & ROWLAND, 2009): fe = quantidade total excretada na urina DOSE Em relação à depuração renal (Clr), pode-se determiná-la em L/h ou ml/min, por meio de fe e de Cl (TOZER & ROWLAND, 2009): Clr = fe Cl A partir da determinação de fe, consegue-se também obter a depuração hepática (Clh) em L/h ou mL/min (TOZER & ROWLAND, 2009): Clh = (1-fe) x Cl 2.4 Técnicas analíticas aplicadas à farmacocinética Dentre as técnicas utilizadas em estudos farmacocinéticos com animais pode-se destacar a cromatografia líquida ou gasosa. Esses processos consistem na separação de componentes de misturas moleculares através de duas fases imiscíveis, uma delas deslocando-se (fase móvel) em relação à outra, que permanece estacionária e se constitui por um meio líquido, sólido ou gelatinizado. Dentre os tipos de cromatografias, destaca-se a cromatografia líquida de alta eficiência, por sua precisão e rapidez nos resultados (SILVA, 2010). A partir da ionização da amostra e de sua posterior filtração, a espectometria fornece informações estruturais e moleculares dos solutos avaliados. Outra vantagem é a sensibilidade do espectômetro, que permite obter dados quantitativos em análise vestigial, com elevada precisão e exatidão. 15 Atualmente, utiliza-se com frequência a associação desse método com as cromatografias (SILVA, 2010). Pela importância da farmacocinética na medicina veterinária, estão sendo realizados estudos acerca da validação de novos métodos bioanalíticos para a detecção e quantificação precisa de compostos. Um exemplo é a técnica de ensaio imunoenzimático (ELISA), utilizada de forma rotineira na determinação de fármacos em exames antidoping e avaliada por SOARES et al. (2007), na quantificação de cafeína em plasma equino. Os autores compararam os resultados do teste ELISA com os obtidos na croamtografia gasosa e relataram coeficiente de correlação superior a 0,95. 2.5 Delineamento do perfil farmacocinético Previamente à realização de um estudo farmacocinético, alguns fatores devem ser determinados, como a via e frequência de administração do fármaco, tipo de amostras e intervalo de tempo em que serão colhidas, método analítico, espécie animal e inclusão ou exclusão de critérios adicionais, como por exemplo, a aplicação concomitante de outra substância ou avaliação de indivíduos enfermos (URSO et al., 2002). 2.5.1 Tipos de cinética Para a maioria dos fármacos, observa-se que os eventos de absorção e eliminação se manifestam de acordo com a chamada cinética de primeira ordem. Esse perfil cinético se caracteriza pelo fato de que a velocidade de transporte (v) das substâncias, expressa em mg/min ou ml/min, é dependente da quantidade que resta para ser transportada (A) e de uma constante de velocidade (K) (FERNANDES, 1994): 16 v=KxA FIGURA 3 - Representação gráfica das fases de absorção, concentração sistêmica máxima (Cmax) e eliminação de um fármaco com modelo cinético de 1ª ordem No caso da cinética de primeira ordem para um fármaco administrado EV, por exemplo, à medida que o princípio ativo é absorvido do sítio de administração (fase de absorção), a velocidade de absorção diminui, e simultaneamente, eleva-se a velocidade de eliminação devido ao aumento da concentração da substância no fluxo sanguíneo. No momento em que essas duas variáveis se igualam ocorre o platô ou Cmax e quando a velocidade de eliminação excede a de absorção, observa-se um declínio na concentração plasmática (fase de eliminação) (TOZER & ROWLAND, 2009). O comportamento dos fármacos também pode ocorrer com base na cinética de ordem zero, de forma que a velocidade de transporte da substância permaneça de forma constante, independente da quantidade que resta a ser absorvida. Do ponto de vista clínico, fármacos com absorção e eliminação do tipo cinética de ordem zero são mais difíceis de serem utilizados, pois a ocorrência de efeitos adversos por intoxicação ou mesmo devido à perda de eficácia são mais comuns e imprevisíveis (YACUBIAN, 2004). 2.5.2 Representação gráfica 17 Na representação gráfica da concentração plasmática do fármaco pelo tempo, os dois principais métodos utilizados são o papel milimetrado (cartesiano), no qual a disposição das variáveis forma uma curva, e a forma semi-logarítmica (Figura 3). Dentre as duas formas, a mais empregada é a representação semilogarítmica, na qual apenas os dados da ordenada são dispostos em escala de logaritmos. Esse método facilita prever as concentrações em diferentes tempos uma vez que o decaimento da concentração se dá de forma linear (TOZER & ROWLAND, 2009). De acordo com URSO et al. (2002), a utilização da plotagem semilogarítmica se justifica pela ampliação da escala de concentrações, permitindo-se um melhor esboço dos dados, mesmo quando há faixas variadas de magnitude. Adicionalmente, a linearização da curva de concentração do fármaco pelo tempo auxilia na compreensão dos resultados e na determinação do modelo farmacocinético. FIGURA 4 – Representação gráfica semi-logarítmica (esquerda) e cartesiana (direita) da concentração plasmática dos fármacos A (vermelho) e B (preto), em função do tempo (TOZER & ROWLAND, 2009) 2.5.3 Meia-vida 18 Para se estabelecer os intervalos e o período total de avaliação farmacocinética deve-se levar em conta a escala de tempo dos eventos cinéticos. Geralmente, realiza-se o acompanhamento da concentração sistêmica do fármaco por meio da sua meia-vida, que é o tempo decorrido para que a concentração do princípio ativo seja reduzida à metade (BARCELLOS et al., 2009). A t1/2 é um parâmetro expresso em unidade de tempo (min, h, dias, semanas, etc), utilizado para expressar a evolução cronológica dos eventos farmacocinéticos. A partir do gráfico da curva de concentração plasmática pelo tempo é possível estimar-se a t1/2 de um fármaco e o número de t1/2s presentes em seu perfil farmacocinético, que variam de acordo com a via de administração e número de compartimentos de sua distribuição (TOZER & ROWLAND, 2009). Contudo, dentre as diferentes t1/2s do fármaco, a principal é a de eliminação, representada pela reta linear terminal de decaimento, conforme ilustrado na fase de eliminação da Figura 2 (URSO et al., 2002). Por meio das diferentes t1/2s expressas pelo fármaco, é possível determinar-se suas respectivas constantes de velocidade (Ka, Kd e Kel), uma vez que esses parâmetros são estabelecidos pela equação (TOZER & ROWLAND, 2009): k = 0,693 t1/2 Em que k é expressa na unidade de h-1 e representa as constantes de velocidade em geral. Já o número 0,693 é o logaritmo natural (ln) de 2, obtido por meio da integração da equação de v, elaborada a partir da derivada da quantidade já transportada (-dT) em um pequeno intervalo de tempo (dt) (TOZER & ROWLAND, 2009): velocidade de transporte = - dT = K x A dt 19 Após estimar a t1/2 de um fármaco, é possível determinar o número de meias-vidas (n) que ocorreram em um determinado tempo e assim, estimar a fração que ainda resta a ser transportada AT, em mg ou µmol (TOZER & ROWLAND, 2009): AT = (1/2)n Geralmente, atribui-se que 10% da dose seja o percentual remanescente quando praticamente todo o fármaco foi removido do organismo e assim, esse tempo seria de 3,32 meias-vidas após atingir Cmax (TOZER & ROWLAND, 2009). 2.5.4 Concentração plasmática máxima e área sob a curva A Cmax do fármaco é estimada a partir da curva de concentração pelo tempo e varia de acordo com a via de administração, dose utilizada, tempo decorrido do início da exposição, sua distribuição e eliminação. De acordo com a obtenção das curvas de concentração plasmática do princípio ativo em função do tempo, é possível obter dados fundamentais para a análise farmacocinética, dentre as variáveis destacam-se a Cmax, tmax e ASC, que é a medida da exposição sistêmica total (TOZER & ROWLAND, 2009). Em geral, a ASC, com unidade convencional em mg.h/L, é obtida por meio do método trapezoidal, no qual a concentração total do fármaco é dividida em partes de acordo com os tempos avaliados. Cada área dividida é calculada a partir da concentração média multiplicada pelo seu intervalo de tempo e a somatória de todas as áreas individuais determina a ASC total, que é medida a partir do tempo zero ao infinito, representado pelo limite no qual a área é insignificante (TOZER & ROWLAND, 2009). Como exemplo, no caso da Figura 5, a área do intervalo de tempo entre t1 e t2 (ASC1,2) seria calculada conforme a equação: 20 ASC1,2 = (C2 – C1) x (t2 – t1) 2 C C1 1C 2 C2 t 1 t 2 FIGURA 5 - Representação gráfica da concentração plasmática em função do tempo, da cetamina associada ao midazolam, administrada em cães hígidos. A área tracejada representa uma divisão do método trapezóide para o cálculo da área sob a curva (Adaptado de AMORIM et al., 2008) 2.5.5 Biodisponibilidade e dose efetiva A partir das características de migração dos fármacos pode-se determinar sua B, que é o primeiro dos muitos fatores que determinam a relação entre sua dose e a intensidade de ação. De acordo com RANG et al. (2004), a biodisponibilidade é a proporção da substância que permanece no fluxo sanguíneo em uma aplicação IV ou que alcança a circulação sistêmica após a administração EV. Seu valor é obtido por meio da equação (TOZER & ROWLAND, 2009): B = Cl x ASC Dose 21 TOUTAIN et al. (2010) citam que a partir da estimativa de Cl, B e da concentração plasmática efetiva (CE) de um fármaco é possível pressupor sua dose eficaz (DE), em mg, para determinada espécie, de acordo com a equação: DE = Cl x CE B 2.6 Particularidades farmacocinéticas na medicina veterinária Na clínica veterinária a variedade de espécies atendidas e, consequentemente, os diferentes padrões farmacodinâmicos e farmacocinéticos desencadeiam a necessidade de se elaborar métodos seguros para a elaboração de posologias específicas para cada grupo. Na extrapolação alométrica, uma das técnicas mais utilizadas, se obtêm a dose e a frequência de administração desejadas a partir do peso metabólico do paciente e de dados conhecidos de outras espécies. Não obstante, esse método somente é válido para fármacos previamente adequados para outras espécies, além de não prever diferenças individuais causadas por fatores extra metabólicos como a variabilidade genética, a idade e o sexo (RIVIERE et al.,1997). A maior variabilidade genética dos cães em relação aos gatos é diretamente proporcional ao tempo de domesticação desses animais. Há atualmente mais de 400 raças caninas no mundo, número relacionado, principalmente à criação e seleção de linhagens pelo homem (RIVIERE & PAPICH, 2009). Tal seletividade também desencadeou o aparecimento de diversidades em animais de laboratório, como exemplo, PAULSON et al. (1999) citam a ocorrência de disparidades na depuração do anti-inflamatório celecoxibe em cães da raça beagle de diferentes linhagens laboratoriais e correlacionam tal fato principalmente à variabilidade genética devido a programas de reprodução laboratoriais. Dentro de uma mesma classe observam-se fortes similaridades entre seus representantes, porém dentre as diferenças marcantes entre os mamíferos 22 está o conteúdo e atividade das isoformas do CYP450. Um exemplo é que os cães possuem o dobro da quantidade desse citocromo quando comparado aos ratos, mas a atividade enzimática nos roedores é superior àquela dos caninos (BARIRIAN et al., 2006). Na prática clínica, casos de óbito por intoxicação podem ocorrer em cavalos expostos à monensina, um coccidiostático ionóforo administrado em aves. Uma provável razão para essa alta suscetibilidade é a relativa incapacidade dos equinos em desmetilar compostos que não são substratos do citocromo CYP2D (NEBBIA et al., 2001). Variações anatômicas denotam diferenças nos perfis farmacocinéticos dos princípios ativos. A presença do sistema porta-renal em aves e répteis faz com que o sangue da região caudal ou inferior do organismo seja drenado diretamente para os rins, o que pode diminuir a biodisponibilidade dos fármacos pelo efeito de primeira passagem. Por isso, a administração de fármacos nesses animais deve ser realizada nos músculos da parte anterior ou superior do corpo (RIVIERE & PAPICH, 2009). Há grande proximidade do perfil farmacocinético entre as espécies em relação à via subcutânea, entretanto os gatos possuem predisposição em desenvolver sarcomas induzidos por vacinas, devido à formação de reações fibrogranulomatosas locais. Esses eventos estão relacionados a transformações malignas das células fibroblásticas associadas a uma reação inflamatória persistente (SÉGUIN, 2002). As diferenças farmacocinéticas entre espécies de animais também estão associadas a seu comportamento. Na Suécia, foi relatada alta incidência de colite em éguas que praticavam coprofagia das fezes de seus potros, quando esses eram medicados com eritromicina para o tratamento contra Rodococcus equi (BAVERUD et al., 1998). Em um estudo sobre a biodisponibilidade da selamectina, um ectoparasiticida tópico, SARASOLA et al. (2002) observaram 4,4% de biodisponibilidade em cães, enquanto que nos gatos, essa foi de 74%. Os autores relacionaram a diferença principalmente ao hábito dos felinos em realizam 23 a lambedura individual, o que provocou a ingestão do fármaco depositado na pele. Análogos da prostaglandina são utilizados na indução do parto em animais por até três dias. Nos suínos, a progesterona produzida pelo corpo lúteo é necessária para manter a gravidez, já no caso de ovinos, este hormônio originado pela placenta é suficiente para estabelecer a prenhez por até dois meses, o que explica a possibilidade da utilização de substâncias que suprimem a liberação de progesterona pelo corpo lúteo para provocar abortos em porcas, mas que não funcionam em ovinos em um período menor que 55 dias (TOUTAIN et al., 2010). Foram realizados estudos sobre as diferenças de biodisponibilidade de 43 fármacos com variações físico-químicas e farmacológicas entre o homem e o cão. Observou-se que a correlação dessa variável era insignificante para as duas espécies, o que indica que informações farmacocinéticas obtidas em um grupo não devem ser aplicadas ao outro (CHIOU et al. 2000). 24 3 CONSIDERAÇÕES FINAIS A farmacocinética clínica é uma ferramenta importante na clínica veterinária para auxiliar no alcance da posologia ideal, além de possibilitar a compreensão da ocorrência de variações entre as espécies. Mediante a elaboração de uma curva de concentração sistêmica de um fármaco pelo tempo, é possível definir dados importantes como sua t1/2, Cmax e tmax. Análises de fluidos orgânicos como a urina permitem estimar o tipo predominante de excreção das substâncias e o tempo em que estas são eliminadas. Adicionalmente, o emprego da farmacocinética na área de produção é importante, por exemplo, para garantir a qualidade do leite em animais que estão sendo medicados. Visto a gama de aplicações da farmacocinética em medicina veterinária, vários são os estudos acerca de novos métodos analíticos para a detecção e quantificação de fármacos. Atualmente, as principais técnicas empregadas são a cromatografia, gasosa e líquida, e a espectometria, mas processos como o teste elisa possuem grande potencial para esse fim. Sabe-se que a ocorrência de variações inter e intra espécie se justifica por vários fatores como a história de domesticação, comportamento, genética, variações fisiológicas e anatômicas, dentre outras. Por isso, o desenvolvimento de técnicas farmacológicas que possibilitam o entendimento dos mecanismos e causas dessas diferenças é essencial para a segurança na determinação de posologias em grupos pouco estudados ou mesmo no emprego de novos fármacos na medicina veterinária. 25 REFERÊNCIAS 1. BRASIL. Leis etc. Portaria SVS/MS n. 344, de 12 de maio de 1998. 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