evsPUC GO ISSN 1983-781X Infecções secundárias em acidentes ofídicos: uma avaliação bibliográfica Secondary infeccions in snakebite accidents: a bibliographic evaluation Patrícia Regina Gomes Verissimo de Faria Silva1,2, Raquel Virgínia Rocha Vilela1, Ana Paula Possa1 1 Universidade Federal de Minas Gerais. Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais. Instituto Superior de Medicina. Alameda Ezequiel Dias, 275. CEP 30130-110 – Belo Horizonte – MG. 2 Pontifícia Universidade Católica de Goiás. Programa de Pós-Graduação em Ciências Ambientais e Saúde. Escola de Ciências Médicas, Farmacêuticas e Biomédicas. Avenida Universitária, 1440 – Setor Universitário. CEP 74605-010 – Goiânia – GO. , Goiânia, v. 43, n. 1, p. 17-26, jan./mar., 2016 Resumo: O presente trabalho trata de uma revisão bibliográfica exploratória e correlacional de casos publicados sobre acidentes ofídicos com infecções secundárias e análise microbiológica dos abscessos, bem como da microbiota oral das serpentes. As buscas foram realizadas nas bases de dados Scielo e PubMed. Como palavras-chave foram utilizadas: ofidismo, microbiota, infecções secundárias e abscessos. Os dados epidemiológicos oficiais foram obtidos a partir do sistema eletrônico do SINAN do Ministério da Saúde. A maior incidência de acidentes ofídicos é com serpentes do gênero Bothrops, com uma incidência entre 1 e 20% de infecções secundárias/abscessos. Os resultados indicaram 17 espécies de bactérias isoladas de abscessos derivados de infecções secundárias e 37 espécies identificadas de culturas com material da cavidade oral de serpentes venenosas e não venenosas. Comum a ambos (abscessos e cavidades orais das serpentes venenosas) encontram-se, por ordem de importância (ocorrência em abscessos): Morganella morganii, Escherichia coli, Staphylococcus aureus, Providencia sp., Enterobacter sp., Pseudomonas aeruginosa, Proteus sp. e Klebsiella sp. Existe uma tendência ao uso preferencial do Cloranfenicol como antibiótico de primeira escolha. Entretanto, o aparecimento de cepas resistentes sugere o procedimento de hemoculturas antibiograma, além da antibioticoterapia de amplo espectrol. Palavras-chave: Acidentes ofídicos. Abscessos. Bactérias. Microbiota oral. Abstract: The current study deals with an exploratory and correlational bibliographic review of published cases of snakebite accidents with secondary infections and microbiological analyses of the abscesses as well as the oral microbiota of the snakes. The searches were carried out on Scielo and PubMed databases. As key words, we used snakebite accidents, microbiota, secondary infections, and abscesses. The official epidemiological data were obtained through the SINAN electronic system of the Ministry of Health. The highest incidence of snakebite acidentes is with snakes of the genus Bothrops with an incidence between 1 and 20% of secondary infections/abscesses. The results indicated 17 species of bacteria isolated from abscesses derived from secondary infections and 37 species identified from material of the oral cavities of venomous and non-venomous snakes. Common to both (abscesses and oral cavities of venomous snakes) we found, in order of importance (occurrence in abscesses): Morganella morganii, Escherichia coli, Staphylococcus aureus, Providencia sp., Enterobacter sp., Pseudomonas aeruginosa, Proteus sp., and Klebsiella sp. There is a tendency towards the use of chloramphenicol as the antibiotic of first choice. However, the finding of multiresistant bacteria strains suggest the hemoculture procedure and antibiogram tests beyond the broad-spectrum antibiotic therapy. Keywords: Snakebite accidents. Abscesses. Bacteria. Oral microbiota. Autor correspondente: [email protected] Recebido: janeiro, 2016 | Aceito: fevereiro, 2016 | Publicado: outubro, 2016 Este artigo está licenciado com uma Licença Creative Commons. Atribuição Sem Derivações 4.0 CC BY-NC-ND. Silva, P. R. G. V. de F. et al. – Infecções secundárias em acidentes ... flora bucal das serpentes (constituída por grande núme- INTRODUÇÃO ro de bactérias anaeróbias e gram-negativas), existindo Os acidentes ofídicos representam sério proble- um maior risco quando o tempo entre o acidente e a ma de saúde pública nos países tropicais pela frequência soroterapia é dilatado4,12. Serpentes das famílias Co- com que ocorrem e pela morbi-mortalidade que ocasio- lubridae, Dipsadidae e Elapidae também demonstram nam. Dados oficiais do Ministério da Saúde indicam possuir uma microbiota oral variada, mas com o vene- uma média de 20.000 casos por ano para o país sendo no sem a ação proteolítica, diminuindo a possibilidade os mais graves os botrópicos, crotálicos e laquéticos . de infecções secundárias relevantes. Apesar de consti- 1,2 As serpentes do grupo botrópico (jararacas) são tuírem uma preocupação no tratamento de acidentados, responsáveis pelo maior número de acidentes ofídicos no essa microbiota varia com a espécie, idade, hábitos ali- país, sendo encontradas em todo o território nacional. As mentares e sazonalidade das espécies de serpentes13. atividades fisiopatológicas do veneno botrópico podem ser Sendo uma sequela importante, que deman- definidas como proteolítica, mais bem definida como in- da uma conduta médica baseada na antibioticoterapia flamatória aguda, coagulante e hemorrágica. As principais (profilática ou não), o presente trabalho visou um le- complicações são: a) infecções secundárias; b) abscesso; c) vantamento bibliográfico das descrições de análises necrose; d) choque; e e) insuficiência renal aguda (IRA) microbiológicas das infecções secundárias em aciden- . 1,3,4 Os acidentes com cascavéis (crotálicos) apresen- tes ofídicos no Brasil. tam o maior coeficiente de letalidade devido à frequência com que evolui para insuficiência renal aguda (IRA). MATERIAL E MÉTODOS As atividades fisiopatológicas do veneno crotálico podem ser definidas como neurotóxica, miotóxica e coa- 1. Abrangência do Estudo gulante. A principal complicação do acidente crotálico é a insuficiência renal aguda (IRA), com necrose tubular geralmente de instalação nas primeiras 48 horas . O presente trabalho trata de uma revisão bibliográfica exploratória e correlacional. O estudo com- 1,5,6 Os acidentes com surucucus (laquéticos) são ra- preendeu todos os casos publicados sobre acidentes ros. As atividades fisiopatológicas do veneno laquético ofídicos com infecções secundárias e análise microbio- podem ser definidas como coagulante, hemorrágica e lógica dos abscessos. inflamatória aguda. As manifestações do envenenamento são semelhantes às do acidente botrópico1,4,7. 2. Dados Bibliográficos baixa de acidentes, especialmente por possuírem hábi- As buscas foram realizadas nas bases de dados tos semifossoriais e não terem uma índole agressiva. Scielo (http://www.scielo.br) e PubMed (http://www.ncbi. As atividades fisiopatológicas do veneno elapídico po- nlm.nhi.gov/pubmed). Os critérios de busca para as bases dem ser definidas como neurotóxicas, apesar dos dados de dados não se limitaram ao ano de publicação, mas fo- experimentais demonstrarem um grande conjunto de ram feitas até o final de 2011. Como palavras-chave foram atividades farmacológicas que incluem efeitos miotó- utilizadas: ofidismo, microbiota, infecções secundárias e xicos, hemorrágicos e cardiovasculares abscessos. Os resultados foram refinados com buscas nas . 1,8,9,10 A grande maioria dos acidentes por serpentes seguintes áreas: Toxicon ou toxinologia ou toxinology ou não venenosas (famílias Colubridae e Dipsadidae) é medicina tropical ou Infectology ou infectologia ou veno- destituída de importância por causarem apenas feri- mous animals ou animais venenosos. mentos superficiais da pele, com um quadro sintomatológico que envolve dor local, edema e eritema, po- 3. DADOS COMPARATIVOS dendo acarretar, tardiamente, infecções secundárias . 11 Abscessos, celulite e erisipela que aparecem na 3.1. Ministério da Saúde região das picadas por serpentes resultam de condições propícias ao crescimento de microrganismos, provoca- Nas avaliações comparativas foram utilizados dos em função da ação inflamatória aguda local e da os dados oficiais da Unidade Técnica de Zoonoses por , Goiânia, v. 43, n. 1, p. 17-26, jan./mar., 2016 As cobras-corais possuem uma casuística muito 18 Silva, P. R. G. V. de F. et al. – Infecções secundárias em acidentes ... Roedores e Agravos Estratégicos (URA), através do RESULTADOS Grupo de Trabalho de Animais Peçonhentos, do Ministério da Saúde (DF). 3.2. Dados Epidemiológicos Oficiais 1. Ofidismo No período de 2008 a 2010, foram registrados 87.383 acidentes ofídicos no Brasil. Desse total, 63.873 Os dados epidemiológicos oficiais foram obti- (73,10%) acidentes foram causados por serpentes bo- dos a partir do sistema eletrônico do SINAN (Sistema tropóides (Bothrocophias e Bothrops), 6.671 (7,63%) de Informação de Agravos de Notificação) do Ministé- por Crotalus, 2.841 por Lachesis (3,25%), 625 por Mi- rio da Saúde. crurus (0,72%) e3.435 (3,93%) por serpentes não peçonhentas. Um total de 9.938 acidentes (11,37%) não , Goiânia, v. 43, n. 1, p. 17-26, jan./mar., 2016 teve o agente causal indicado14 (Figura 1). 19 Figura 1. Acidentes com serpentes peçonhentas no Brasil, no período de 2008 a 2010. Nesse período, foram caracterizados entre 1 e 2. Infecções secundárias 20% dos acidentes botrópicos com evolução para abscessos, com o indicativo de bactérias Gram-negativas, A Tabela 1 resume 17 microrganismos isolados Gram-positivas, anaeróbicas e cocos Gram-negativos de abscessos de acidentados com serpentes peçonhen- (mais raros). Nos demais casos com serpentes do gêne- tas do Brasil e de ocorrência no norte da América do ro Crotalus, Lachesis e não venenosas não houve rela- Sul15,16,17,18,19,20,21,22. tos de abscessos ou infecções secundárias. Silva, P. R. G. V. de F. et al. – Infecções secundárias em acidentes ... Tabela 1. Bactérias isoladas de abscessos de acidentados com serpentes venenosas no Brasil MICRORGANISMO SERPENTES Bothrops Crotalus Tabela 2. Bactérias isoladas da cavidade oral de serpentes venenosas do Brasil MICRORGANISMO Bothrops SERPENTES Crotalus Lachesis Micrurus Bactérias G+ Ae Staphylococcus aureus x Staphylococcus epidermidis x Streptococcus grupo D x x Bacillus subtilis x Citrobacter sp. x Corynebacterium sp. x Enterococcus faecalis x x x Staphylococcus aureus Staphylococcus epidermidis Streptococcus grupo D Alcaligenes sp. x Bactérias G+ An Providencia sp. x Actinomyces sp. Providencia rettgeri x x x x Pseudomonas sp. x Clostridium sp. Clostridium bifermentatus Clostridium butylicum x x x x x x x x x x x Bactérias G+ An Clostridium sp. Bactérias G- Ae Bactérias G- Na x x x x x Aeromonas hydrophila x Clostridium cadaveris Bacteroides sp. x Clostridium glycolicum Enterobacter sp. x Clostridium hastiforme x Enterobacter aglomerans x Clostridium limosus x Escherichia coli x Clostridium novyi x x x Klebsiella sp. x Clostridium sporogenes x x x Morganella morganii x Bactérias G- Ae Proteus mirabilis x Acinetobacter sp. Proteus vulgaris x Alcaligenes sp. x Providencia sp. x x x Providencia rettgeri x Pseudomonas sp. x x x x Legenda: G+ Ae = bactérias Gram positivas aeróbias; G+ An = bactérias Gram positivas anaeróbias; G- Ae = bactérias Gram negativas aeróbias; G- Na = bactérias Gram negativas anaeróbias. x Salmonella sp. x x Bactérias G- An Edwardsiella tarda A Tabela 2 lista 36 espécies de bactérias isoladas da cavidade oral de serpentes contidas no Brasil e três espécies comuns com o norte da América do Sul (Bothrops asper, Crotalus durissus e Lachesis muta)23,2 . 4,25,26,27,28,29,30,31,32,33,34,35,36,37 x Pseudomonas aeruginosa Serratia sp. 3. Microbiota oral das serpentes x x Enterobacter sp. x Enterobacter aglomerans x Escherichia coli x x x Klebsiella sp. x x x Moraxella sp. x Morganella morganii x Proteus sp. x Proteus mirabilis Proteus vulgaris x x x x x x x x Shigella sp. Yersinia enterocolitica x x Cocos G+ Micrococcus sp. x x x Legenda: G+ Ae = bactérias Gram positivas aeróbias; G+ An = bactérias Gram positivas anaeróbias; G- Ae = bactérias Gram negativas aeróbias; G- Na = bactérias Gram negativas anaeróbias; Cocos G+ = cocos Gram positivos , Goiânia, v. 43, n. 1, p. 17-26, jan./mar., 2016 Bactérias G+ Ae 20 Silva, P. R. G. V. de F. et al. – Infecções secundárias em acidentes ... A Tabela 3 lista o pouco que se sabe da micro- nectes murinus) e quatro da família Colubridae (Mas- biota oral de serpentes não venenosas brasileiras, com tigodryas bifossatus, Phalotris mertensi, Philodryas duas espécies da família Boidae (Boa constrictor e Eu- nattereri e Xenodon merremii). Tabela 3. Bactérias isoladas da cavidade oral de serpentes não venenosas do Brasil SERPENTES MICRORGANISMO Boa constrictor Eunectes murinus Mastigodryas bifossatus Phalotris mertensi Philodryas nattereri Xenodon merremii Bactérias G+ Ae Bacillus subtilis x Staphylococcus coagulase negativo x x Bactérias G+ An Sarcina sp. x Bactérias G- Ae Bulkoderia sp. x Bactérias G- An Proteus sp. x autores procedem com um amplo estudo de antibiograma DISCUSSÃO com a indicação do uso profilático de Cloranfenicol, por Relatos da microbiota variada nos abscessos dos acidentes botrópicos no Brasil passaram a ser documen- Em outro estudo18 é descrita a flora bacteriana como o Hospital Vital Brazil (Instituto Butantan, SP) e o oral de serpentes Bothrops jararaca do Estado de São Hospital de Doenças Tropicais do Estado de Goiás (Se- Paulo, indicando como mais frequentes Streptococcus cretaria de Estado da Saúde, GO) . Entretanto, essa do grupo D, Enterobacter sp., Providencia rettgeri, prática nunca fez parte da rotina desses hospitais, sendo Providencia sp., Escherichia coli, Morganella morga- difícil se estabelecer correlações temporais. nii e Clostridium sp. Os autores chamam a atenção para Os dados obtidos nesse estudo (Tabela 1) , Goiânia, v. 43, n. 1, p. 17-26, jan./mar., 2016 aeróbicas e anaeróbicas encontradas. tados em estudos de casos em hospitais de referência 17,21 21 ser conhecidamente ativo contra a maioria das bactérias correspondem aos relatos mais comuns e incluem três a possível ligação entre as infecções secundárias e a microbiota oral dessas serpentes. bactérias Gram-positivas (aeróbicas), uma Gram-posi- Em outro estudo19 foram avaliados os absces- tiva (anaeróbica), quatro Gram-negativas (Aeróbicas) sos causados por acidentes com serpentes do gênero e nove Gram-negativas (anaeróbicas). Bothrops (jararacas) indicando os microrganismos de Bactérias anaeróbias, enterobactérias e Strepto- maior frequência, em ordem decrescente: Morganella coccus do grupo D foram isolados de abscessos de aci- morganii, Providencia rettgeri, Enterobacter sp., Es- dentes humanos com serpentes do gênero Bothrops (jara- cherichia coli, Streptococcus do grupo D e Bacteroi- racas) . Em um estudo mais abrangente realizou-se o des sp. Na complementação de antibiograma, todas as isolamento e caracterização bacteriana do material de 99 espécies se demonstraram sensíveis ao Cloranfenicol, abscessos de acidentes causados por serpentes do gênero Ampicilina e Penicilina G. Os anaeróbios foram sensí- Bothrops em Goiás, entre 1984 e 1988. Dos 15 micror- veis ao Cloranfenicol e Tetraciclina. 16,17 21 ganismos isolados prevaleceram Morganella morganii, Em três casos de infecções secundárias e abs- Escherichia coli e Providencia sp, com 44,4%, 20,2% e cessos em acidentes causados por Bothrops moojeni 13,1% das amostras, respectivamente. Nesse trabalho, os (jararaca) houve o isolamento de Aeromonas hydrophi- la (bactéria Gram-negativa), e reforçam o uso de Clo- além de Escherichia coli, Providencia sp., Klebsiella ranfenicol para o tratamento dessas infecções20. sp., Pseudomonas sp., e Micrococcus sp. (cocos Gram-­ Um caso raro de infecção secundária em um positivos). Os autores ainda reforçam a importância acidente por Crotalus durissus terrificus (cascavel) dessa microbiota nas infecções secundárias e abscessos foi relatado no Brasil Central, com a identificação de nos acidentes com serpentes do gênero Bothrops (jara- Escherichia coli e Staphylococcus aureus . Apesar racas), Lachesis (surucucus) e, possivelmente, Crota- de ter sido um caso leve e facilmente tratado, de- lus (cascavéis)15,27. 22 monstra a importância de estudos anteriores15 para a Na descrição da microbiota oral de Crotalus possibilidade de infecções secundárias e abscessos durissus terrificus (cascavel), houve a prevalência de com acidentes envolvendo serpentes de outros gê- Pseudomonas aeruginosa, Proteus vulgaris e Morga- neros além de Bothrops (jararacas) e Lachesis (su- nella morganii e, com menor frequência, Escherichia rucucus). coli, Salmonella sp., Edwardsiella tarda, Corynebacte- Em um caso de acidente com Bothrops na Costa rium sp. e Streptococcus alfa-hemolíticos41. Esse traba- Rica, houve o isolamento de Staphylococcus coagulase lho faz uma boa correlação entre outros relatos15,22 com negativo. Sem o procedimento de antibiograma, admi- respeito a possibilidade do envolvimento de serpentes nistram Vancomicina no tratamento do abscesso . Crotalus (cascavéis) em infecções secundárias. 38 Em um estudo recente , foram descritos 297 Em um estudo abrangente13 foi descrita a mi- casos de acidentes humanos com serpentes não vene- crobiota oral de dez espécies de serpentes venenosas nosas (Philodryas patagoniensis – cobra-cipó) com e não venenosas, a saber: Bothrops alternatus (uru- 1% de infecções secundárias leves. Entretanto, não foi tu), Bothrops pauloensis (jararaca), Crotalus durissus possível a identificação dos microrganismos possivel- (cascavel), Micrurus frontalis (coral verdadeira), Boa mente envolvidos. constrictor (jiboia), Eunectes murinus (sucuri), Mas- 39 Estudos iniciais sobre a microbiota oral de ser- tigodryas bifossatus (jaracuçu-do-brejo), Phalotris pentes foram realizados em diversos continentes, com mertensi (cobra vermelha), Philodryas nattereri (cobra serpentes venenosas e não venenosas, indicando uma cipó) e Xenodon merremii (boipeva). Foram identifi- grande variedade de microrganismos. Destes desta- cadas as bactérias Actinomyces sp., Bulkolderia sp., cam-se espécies Gram-positivas aeróbicas (Staphylo- Moraxella sp., Proteus sp., Sarcina sp., Bacillus subti- coccus sp., Streptococcus sp., Citrobacter sp.), Gram-­ lis, Staphylococcus aureus, Staphylococcus coagulase negativas aeróbicas (Stenotrophomonas maltophilia), negativo e Yersinia enterocolitica. Gram-positivas anaeróbicas (Clostridium sp., Serratia Outros autores38 descreveram a microbiota sp.), Gram-negativas aeróbicas (Acinetobacter sp., oral de diversas serpentes não venenosas, incluindo es- Providencia sp., Pseudomonas sp., Salmnella sp.) e pécies brasileiras, alertando também para a flora bacte- Gram-negativas anaeróbicas (Edwardsiella sp., En- riana das espécies com infecções orais, corroborando, terobacter sp., Klebsiella sp., Proteus sp. e Shigella em parte, o achado de outros autores29,31,32 como possí- sp.). Todas essas espécies com grande potencial de veis complicantes em infecções secundárias. participação direta nas sequelas de infecções secun- A correlação entre a microbiota oral das serpen- dárias e abscessos nos acidentes ofídicos com huma- tes venenosas (especialmente as do gênero Bothrops) nos . e as bactérias encontradas nas infecções secundárias Nesse estudo, ambos os resultados (serpentes e abscessos é clara. Entretanto, a diversidade bacte- venenosas e não venenosas; Tabelas 2 e 3) corroboram riana das serpentes (37 espécies) é muito superior à aspectos inespecíficos, mas variáveis com os hábitos encontrada em infecções secundárias e abscessos (17 alimentares, saúde geral e oral, bem como tamanho espécies), o que implica em um grande potencial para a (idade) dos animais contribuição nesse tipo de sequela. 23,24,25,26,27,28,29,30,31,32,33,34,35,36,37 . 28,40,41 Alguns trabalhos já indicavam a correlação da Nesse sentido, em um estudo de 10 anos na Chi- microbiota da cavidade oral e veneno de serpentes da na, foram apresentados dados extremamente semelhan- América Central e Sul, corroborando os achados ante- tes, com bactérias isoladas de abscessos aqui listadas riores, com a identificação de oito espécies de Proteus, somente como da microbiota normal das serpentes43. , Goiânia, v. 43, n. 1, p. 17-26, jan./mar., 2016 Silva, P. R. G. V. de F. et al. – Infecções secundárias em acidentes ... 22 Silva, P. R. G. V. de F. et al. – Infecções secundárias em acidentes ... Essa correlação só pode ser indiretamente de hemocultura (concomitante com a antibioticotera- estendida a microbiota descrita das serpentes não ve- pia) visando um melhor conhecimento das bactérias nenosas (Tabela 3), a partir das espécies isoladas de envolvidas e a possibilidade de se encontrar cepas re- abscessos com serpentes venenosas. Trata-se de uma sistentes aos medicamentos de uso protocolar. possibilidade de infecções secundárias. Como demons- Como um exemplo desse fato, observou-se um trado nos casos confirmados de infecções secundárias caso de abscesso onde a bactéria isolada (Morganella em acidentes com Philodryas patagoniensis, não foi morganii) apresentou uma sensibilidade somente a an- possível a identificação do agente causal . tibióticos de 3ª e 4ª gerações de cefalosporinas46. 38 Comum a ambos (abscessos e cavidades orais Como resultado de recomendações da Organi- das serpentes venenosas) encontram-se, por ordem de zação Mundial da Saúde (OMS) e Organização Pan importância (ocorrência em abscessos): Morganella Americana da Saúde (OPAS) o Ministério da Saúde do morganii, Escherichia coli, Staphylococcus aureus, Brasil (MS), através da FUNASA, não recomenda o Providencia sp., Enterobacter sp., Pseudomonas aeru- uso de antibióticos profiláticos e sugere o procedimen- ginosa, Proteus sp. e Klebsiella sp. to da hemocultura. As recomendações terapêuticas de antibioticoterapia incluem antimicrobianos com atividade sobre CONCLUSÕES bacilos gram-negativos, gram-positivos e anaeróbios, tais como cloranfenicol e amoxicilina associada ao ácido clavulânico. Pacientes que evoluem com erisipela devem ser tratados com penicilina, definindo-se dose e via de acordo com a gravidade do caso. Entretanto, não é recomendado o uso de antibiótico profilático1,4. Dados de diversidade bacteriana derivada de abscessos e a eficácia do uso de Gentamicina ou Penicilina G para um possível controle foram apresentados33, bem como, em outro estudo, a sensibilidade das bactérias ao Cloranfenicol, Ampicilina e Penicilina G, associado a Tetraciclina (anaeróbios)21. Inicialmente recomendado como de uso protocolar19,20,21,44, um estudo mais direcionado demonstrou que a eficácia desse antibiótico é variável45, corroborando outros trabalhos que demonstram uma , Goiânia, v. 43, n. 1, p. 17-26, jan./mar., 2016 sensibilidade muito variável dos microrganismos a diversos antibióticos33. Não se questiona a conduta médica do controle das infecções secundárias com o uso de antibióticos de amplo espectro, mas deveria ser observada a realização A. Apesar da diversidade bacteriana da cavidade oral das serpentes ser muito maior do que a encontrada em exsudatos de abscessos, as espécies da cavidade oral estão contidas no universo encontrado nos abscessos. B. Por ordem de importância (ocorrência em abscessos) evidenciam-se: Morganella morganii, Escherichia coli, Staphylococcus aureus, Providencia sp., Enterobacter sp., Pseudomonas aeruginosa, Proteus sp. e Klebsiella sp. C. A diversidade bacteriana da cavidade oral (37 espécies) oferece um enorme potencial de complicantes nas infecções secundárias e abscessos nos acidentes ofídicos. D. O uso de antibióticos de amplo espectro (Cloranfenicol) é adotado por cautela médica. Entretanto, seria importante a realização de hemocultura de rotina no intuito de se esclarecer melhor possíveis espécies envolvidas com agravantes no processo infeccioso e/ou espécies com cepas multirresistentes. REFERÊNCIAS 1. FUNASA. 2001. Manual de Diagnóstico e Tratamento de Acidentes por Animais Peçonhentos. Ministério da Saúde. Brasília, DF. 112 p. 2. ARAÚJO, F. A. A., SANTA LÚCIA, M. & CABRAL, R. F. 2006. Epidemiologia dos acidentes por animais peçonhentos. In: Cardoso, J. L. C., França, F. O. S., Wen, F. H., Málaque, C. M. S. & Haddad Jr., V. (Eds.). Animais Peçonhentos no Brasil – Biologia, Clínica e Terapêutica dos Acidentes. Pp. 150-159. Editora Sarvier. 23 São Paulo, SP. 540 p. Silva, P. R. G. 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