Notas soltas de viagem México/2010 06 de Fevereiro de 2010 / Sábado Lisboa – Madrid – Cidade do México Vivam as novas tecnologias! Hip, hip, urra! Escrevo-vos do Airbus A340 da Ibéria, algures sobre o Atlântico Norte, rumo ao Mexico Lindo! Bom, não vos estou a escrever em directo. Ainda não chegámos a tanto. Estou a usar o meu novíssimo e minúsculo Eee PC Shell. Lindo! Com 250 Gb de disco e uma autonomia (umas 10h00) que eu nunca tive, nem quando tinha 20 anos… Pois bem, começando pelo princípio, este dia que se antevia longo, aborrecido e sonolento, acabou por ser (à hora que vos escrevo: 15h26 de Lisboa, 9h26 da Cidade do México) bem mais animado e stressantemente acelerado. Mas nada de grave. Eu explico. À chegada ao aeroporto de Lisboa, de madrugada, tudo parecia bem com o tempo (atmosférico). Eis senão quando, literalmente caído do céu, se montou um nevoeiro de não se ver nada, nadinha!, nem um palmo em frente do nariz. E logo a um sábado! Seria de prever que o “Departamento de Nevoeiros” estivesse encerrado, mas não, estava a trabalhar e afincadamente. Resultado, uma hora e picos, já dentro do avião, esperando autorização para descolar. Depressa se percebeu que a coisa iria ter consequências. Ou seja, que o tempo iria dar-nos cabo do tempo. Tínhamos menos de duas horas para o transbordo no aeroporto de Barajas. Quando finalmente descolámos, já só interessava saber quanto dessas duas horas nos sobraria, efectivamente. Aterrámos em Espanha atrasados, tal como previsto, a cerca de 25 minutos da hora de embarque no avião Madrid – Ciudad de Mexico, exactamente o tempo que anunciavam nos monitores do aeroporto como o necessário para ir do terminal aonde chegámos ao de onde pretendíamos partir. Vai de correr por aqueles corredores! (Sim é uma aliteração... noutro local seria mau português… neste caso, mais que uma imagem de linguagem... foi uma verdadeira prova de atletismo!) Em Lisboa, embarcámos eu e o meu colega Mário Cachão, do GeoFCUL. Deveríamos encontrar-nos com a Ana Santos e o Eduardo Mayoral da Universidade de Huelva, nossos companheiros de viagem e de trabalho de campo (não se olvidem, isto é TRABALHO!), em Barajas. Pensámos que, por aquela altura, já estariam convencidos de que iriam solitos para Mexico City… ©2010 1 Notas soltas de viagem México/2010 Que nos tínhamos extraviado… Que éramos um caso perdido… Mais grave ainda, estariam a pensar que já não poriam as vistas em cima das duas garrafas de tinto que trazíamos connosco para uma confraternização com colegas americanos e mexicanos… Cruel destino o de ter sede e não a poder mitigar! Nisto, na bicha para o controle de passaportes, o Mário olha em frente, lá mais para o início da fila, e exclama: “Olha ali adiante, não são eles?” Eram. Estavam umas seis pessoas à nossa frente e tão atrasados quanto nós! Ficámos a saber que o sistema informático do aeroporto tinha estado inoperacional durante boa parte da manhã e que eles, que já estavam em Madrid de véspera e que tinham chegado a Barajas para o check-in às 9h00, só se despacharam dele já passava das 11h00. Troca de saudações, seguida de troca de desabafos. Passaportes controlados e nova correria, pelos tais corredores "aliterantes" de há pouco, mas desta vez a quatro. Passámos de uma biga a uma quadriga! Só faltava mesmo o Ben Hur para dar à correria um ar menos patético e mais heróico... Mas tudo está bem quando acaba bem. Chegámos mesmo a horas. Já não deu tempo foi de comer o que quer que fosse antes de embarcarmos. Por aquela altura já estava desvairado de fome. Ainda de madrugada, em casa, eu tinha pequeno-almoçado só um iogurte, o último que lá havia! No voo Lisboa–Madrid, sovinas!, as meninas da Ibéria não nos deram nada de comer. E do embarque para Mexico City até ao almoço – sempre pensando que, se não nos dessem de comer, aquele iria ser o voo mais longo das nossas vidas – passaram-se uns atrozes 40 minutos! Mais um pouco e começaria a roer os estofos do meu assento. A dada altura, já dentro do avião, na galhofa, tendo como tema a fominha que se agigantava, estiquei o pé para o corredor, fingindo que passava uma rasteira à hospedeira que lá vinha ao fundo. Para meu espanto, a moça não só viu, como percebeu a minha intenção. Veio ter comigo… momento embaraçoso… e disse sorrindo: “Pronto, não desespere, já lhe trago que comer!” Alívio! Duplo! Agora (escrevo estas linhas já depois de almoço), mais confortado, depois de uns tortelinis de queijo (que o Mário, que odeia queijo, claro que detestou, mas que deglutiu resignado, já que a larica apertava…) e de uma garrafita de um tintito tempranillo de La Mancha (calma, eram só 20 cl) já sinto o doce chamamento do João Pestana (irra, já era altura de haver uma Joana Pestana!!), já que na noite anterior só tinha dormido umas três horas… Até logo. (Pormenores técnicos: voo Madrid – Mexico City 11h45! Chiça! Só de pensar nisso fico com os glúteos doridos… Avião: Airbus A340. Diferença horária México – Portugal: 6 horas mais cedo no México.) ©2010 2 Notas soltas de viagem México/2010 07 de Fevereiro de 2010 / Domingo Cidade do México Bom dia Portugal! (Lembrem-se que aqui na Cidade do México ainda são 6h00!) Ontem à noite, apesar de um pouco macerados da viagem, não resistimos e fizemos a nossa primeira incursão exploratória por território da antiga Tenochtitlán asteca, ou como diríamos hoje, pela Cidade do México. Vinha cansado e moído das quase 15 horas de viagem desde Lisboa, mas, mesmo assim, ninguém me aguentaria no hotel às 20h00 e picos (hora local) e me conseguiria arrastar para a cama sem antes ir dar um giro aqui pelo bairro. Bom, reflectindo bem, estou pensar numa ou duas pessoas que talvez o conseguissem, mas (nestas circunstâncias) a muito custo. O nosso hotel ficava na Calle Donceles, mesmo nas traseiras da Catedral. Não é à toa que se chamava “Hotel Catedral”. Saímos para o Zócalo, no centro da cidade. Do hotel lá é um pulinho. A catedral é enorme, ainda que nas fotografias o Zócalo, a praça em frente, parecesse mais ampla. É sempre assim, nas fotos tudo parece mais maior e mais bonito. Publicidade enganosa, está-se mesmo a ver... Assim que saímos para a praça começou a ouvir-se o batuque de tambores. Quando nos acercámos vimos vários grupos de pessoas, vestidas de branco, dançando em rodas, com pulseiras de conchas e guizos nos artelhos, cantando algo ininteligível em náhuatle (presumo eu), a antiga língua asteca. Alguns deles tinham toucados de penas. Toda aquela encenação se encontrava envolta numa neblina espessa de incenso ou de, mais assim cheirava, rosmaninho queimado. Eram os supostos dançarinos “astecas” da Praça da Catedral. Enfim, não sei se há, realmente, algo de ancestral naquilo ou se era apenas uma coisa “new age” alimentada pela mística do local. Mas o certo é que dá um ambiente peculiar ao bairro. Mais que de uma dança ancestral, fica-se com a sensação de estar a presenciar uma espécie de sessão de cardiofitness pré-hispânica… A Catedral está construída no local onde em tempos se erguia o centro da Tenochtitlán asteca, construída no séc. XIV e demolida no século XVI pelos espanhóis para construção da sua nova cidade. Este é o local – no Templo Mayor, ao lado – onde os primeiros astecas que aqui chegaram viram a águia, ©2010 3 Notas soltas de viagem México/2010 alcandorada num cacto, com uma cobra no bico: imagem que é o símbolo actual do México. Para os astecas, este local era, mesmo, o umbigo do universo! Bom, mas tínhamos saído à rua com uma missão especial muito concreta. Não seriam uns quaisquer dançarinos exóticos envoltos em inebriantes nuvens aromáticas e entoando cânticos misteriosos capazes de nos lançar num transe místico num abrir e fechar de olhos que nos demoveriam do mais nobre dos desideratos: encontrar comida mexicana! Por volta das 21h00, em redor do Zócalo, sob as arcadas da praça, tudo parecia já adormecido, como se os taipais corridos de chapa ondulada das lojas fossem enormes pálpebras cerradas. Havia muita gente andando para cá e para lá, mas poucos estabelecimentos mostravam sinais de vida e nada de restaurantes ou cantinas. Perguntei a um casalinho de adolescentes que se cruzaram connosco onde se poderia comer por ali. Responderam-me: “Comer não sabemos… mas beber há muito por onde!” Muy bien, grácias! e continuámos a nossa demanda por algo genuinamente mexicano para comer. Por fim, andando pelas ruas ali em torno, bem fornecidas de gente indo e vindo com o ar feliz e animado que toda a gente tem – em quase todo o lado – num sábado à noite, mas com quase tudo fechado, lá encontrámos aberto o Bertico Café, na Calle Francisco I. Madero. O restaurante tinha um ar animado, colorido, cheio de gente bebendo, mais que comendo, e tinha uma ementa bem recheada que varria quase tudo desde as especialidades italianas (o restaurante é, supostamente, italiano) ao sushi… passando pelas sugestões do chefe… comida mexicana! Decidimos ficar. Para baptismo (ou já será batismo?) de fogo, comi umas enchiladas rojas de pollo. Estava bestial! Não achei picante. Nem achei picantes os pimentos marinados que trouxeram antes, com torradas e manteiga, mas lá que eram picantes eram. A Ana e as suas “papoilas” gustativas que o digam. A Ana e o Mário comeram burritas (sic) con pollo e o Eduardo foi para as fajitas. Tudo com muito bom aspecto, tudo regado com umas cervejas Corona. O guacamole (depois explico o que o termo náhuatle significa…) que nos serviram era diferente daquele a que estava habituado daí. Era mais fluído e grumoso e picante, bem mais picante! O Mário que declaradamente não aprecia comida picante, muito gentilmente, passou-me todo o seu guacamole, já que as minhas enchiladas não o tinham como acompanhamento. ©2010 4 Notas soltas de viagem México/2010 No Bertico assistimos ao primeiro momento solo en Mexico da nossa viagem. Estávamos nós degustando as nossas especialidades locais quando entra pelo café dentro um fulano mal-humorado, mal-encarado e com um olho meio esmurrado que, literalmente, já vira melhores dias, seguido de perto por uns quatro polícias com ar decidido. O tipo acerca-se de um moço que por ali estava e, apontando para o jovem, exclama algo do tipo: “Foi ele!” Os polícias avançaram, cercaram-no, agarraram-no e preparam-se para o levar dali para fora. A confusão era grande, mas, se descrevermos a coisa em termos televisivos, a cena parecia-se mais com uma de uma sitcom tipo Seinfeld e menos com a de uma série policial do género Hill Street Blues. Nisto, emergindo das entranhas do restaurante, surge a gerente do café, qual fera acossada saindo da sua toca. Mulher de armas, fazia dois dos polícias em físico e quatro em determinação. Agarra o moço por um braço, arrebatando-o aos agentes, e atira-lhes um veemente: “Ele trabalha aqui e esteve sempre aqui!” Depois de resgatar o rapaz, encarou novamente os polícias e exclamou: Ándale! Ándale! Afuera! Afurea!” E os representantes da autoridade, com o ar resignado de quem sabe que nada pode contra uma força viva da Natureza, lá foram com ela esclarecer a ocorrência para a rua, para o passeio em frente ao café. Tudo isto se passou praticamente ao nosso “colo”. Quase filaram o moço, surpreendido, claro!, bem no meio do prato das minhas enchiladas rojas. As “enchiladas rojas de pollo” do Bertico Café Bom, depois disto, depois de tantas emociones em tão pouco tempo, já só restava mesmo voltar para o hotel, ainda com o estômago cheio de enchiladas e as narinas repletas do incenso dos dançarinos astecas, desligar e, finalmente, adormecer numa cama feita de fresco. ©2010 5 Notas soltas de viagem México/2010 Ainda não tinha acomodado a cabeça sobre a almofada e… já tinha adormecido. Claro, hoje às 5h00 da matina locais (equivalente a 11h00 em Lisboa), quer eu quer o Mário, já estávamos alerta. Combinámos com a Ana e o Eduardo às 7h30 para o pequeno-almoço. Ainda deu tempo para ir escrevendo estas notas soltas de viagem antes do desayuno. O dia de hoje será dedicado à cidade: Templo Mayor, Catedral, Zócalo e arredores, cantina mexicana (a Ana insiste e já viu umas no guia Lonely Planet) e, de tarde, tentaremos ir até ao Museu de Antropologia ver “ao vivo e a cores” aqueles artefactos astecas e maias que, até agora, só conhecíamos dos livros e dos documentários da National Geographic... CMS / [email protected] Afixado em 26 de Novembro de 2010 Continua…. Brevemente, mais ©2010 Notas soltas de viagem. 6