REVISÃO DE LITERATURA | Investigação, Investigação, 15(7):66-71, 15(7):66-71, 2016 2016 CLÍNICA MÉDICA DE PEQUENOS ANIMAIS COMPROMETIMENTO ORONASAL DECORRENTE DA CINOMOSE CANINA Commitment oronasal arising out of Canine Distemper Ana Julia M. de Carvalho*1, Cristiane S. Honsho1, Adriana T. Jorge1, Jéssica C. de Barros1, Daniel K. Honsho1, Lucas F. Pereira1, Luis Gustavo G. G. Dias2, Fernanda G. G. Dias1 Universidade de Franca - UNIFRAN, Franca, São Paulo, Brasil. 1 2 Universidade Estadual Paulista – UNESP, Jaboticabal, São Paulo, Brasil *Av. Dr Armando Sales Oliveira, 201, CEP: 14.404-600, Pq. Universitário, Franca – SP. *e-mail: [email protected] RESUMO ABSTRACT A cinomose canina é uma doença infectocontagiosa multissistêmica e progressiva, de distribuição mundial com maior predileção por filhotes e jovens. A transmissão ocorre por contato direto com fômites e materiais biológicos contaminados e por via transplacentária. O agente etiológico viral pode causar injúrias respiratórias, oftálmicas, gastrointestinais, cutâneas e neurológicas. E diante de toda a sintomatologia a mioclonia facial, caracterizada por movimentos espasmódicos repetitivos rítmicos e involuntários, é patognomônica quando há acometimento do sistema nervoso. Os animais que sobrevivem da cinomose e ficam com essa sequela neurológica podem apresentar comprometimento no periodonto e outras afecções orais, em decorrência da cronicidade e excesso de trauma oclusal entre mandíbula e maxila; deste modo os sinais clínicos mais comumente observados são desgastes dentários predispondo à ocorrência de trincas e fraturas, exposição e necrose pulpar, deslocamentos, sensibilidade e mobilidade dentária, lesões na mucosa oral, além de hipertrofia dos músculos da mastigação e em casos graves, reabsorção maxilar intensa com comunicação oronasal, o que torna o prognóstico desfavorável. O diagnóstico deve ser baseado no histórico do animal, anamnese, exame específico da cavidade oral e radiografias intra-orais. O tratamento envolve diversos procedimentos, incluindo manobras cirúrgicas, na tentativa de minimizar os danos causados pelo trauma oclusal constante e melhorar a qualidade de vida dos acometidos. Canine distemper is a very contagious infectious disease that is multisystemic, and progressive, with a global distribution and having a predilection for mainfesting in puppies and young dogs. Transmission occurs by direct contact with fomites, contaminated biological materials, and via the placenta. This viral etiologic agent can cause respiratory, ophthalmic, gastrointestinal, and skin injuries. Neurologically its first signs are symptoms of a facial myoclonus characterized by rhythmical, involuntary repetitive jerky movements, making it a pathognomonic marker showing involvement of the nervous system. Animals that survive distemper and retain this neurological sequelae may also develop, or have, an impairment with periodontal, and other oral diseases, due to chronic and excessive occlusal trauma of the mandible and maxilla; of which the most commonly observed clinical signs are dental wear with predisposing occurrences of cracks and fractures, exposure and pulp necrosis, displacement, sensitivity and tooth mobility, lesions in the oral mucosa, hypertrophy of the masticatory muscles, and in severe cases intense jaw resorption with an oronasal passage resulting in an unfavorable treatment prognosis. In diagnosing an animal possibly suffering from this affliction the diagnosis should be based on the animal’s history, anamnesis, a specific examination of the oral cavity and intraoral radiographic technique results. Treatment options for this affliction include several procedures, including surgical manipulation in an attempt to minimize the damage caused by the constant occlusal trauma the animal suffers in order to improve quality of life. Keywords: dog, periodontal, myoclonus, oral bone resorption, nervous system. Palavras-chave: cão, periodonto, mioclonia, reabsorção óssea oral, sistema nervoso. ISSN 21774080 66 Investigação, 15(7):66-71, 2016 INTRODUÇÃO Cinomose Canina A cinomose é uma doença altamente infecciosa e emergente, de etiologia viral (HASS et al., 2008), causada pelo Morbillivirus (RNA-vírus), pertencente à família Paramyxoviridae, subfamília Paramyxovirinae e ordem Mononegavirales (AMUDE et al., 2007; LÚCIO et al., 2014). Este vírus pleomórfico é constituído por envelope lipoproteico, capsídeo de simetria helicoidal, genoma de RNA com fita simples não segmentado e de polaridade negativa, sendo resistente no ambiente (AMUDE et al., 2006; DIAS et al., 2012; SILVA et al., 2015). No aspecto morfológico e antigênico o agente etiológico está diretamente relacionado com o vírus do sarampo humano e da peste bovina (LÚCIO et al., 2014). A doença é considerada de distribuição mundial, podendo acometer diversas espécies de animais carnívoros, sendo os cães domésticos os reservatórios do vírus (NELSON e COUTO 2010; DIAS et al., 2012) e apesar de não estar relacionado com a sazonalidade, observa-se maior acometimento no inverno (AMUDE et al., 2007; DIAS et al., 2012; LÚCIO et al., 2014). e COUTO, 2010). O período de incubação para o surgimento dos sinais clínicos varia de 14 a 18 dias (AMUDE et al., 2007). A cinomose é uma doença multissistêmica e progressiva, cujo agente viral se replica no tecido linfoide, e se apresenta de forma aguda com febre transitória.Os demais sinais clínicos apresentados pelos pacientes são variados, incluindo comprometimento do sistema gastrointestinal, respiratório, tegumentar, oftalmológico, nervoso central, entre outros. A imunossupressão predispõe a infecções bacterianas secundárias, responsáveis pela alta taxa de mortalidade (AMUDE et al., 2006; MARTINS et al., 2009; SILVA et al., 2015). Neste contexto, quando há envolvimento do sistema digestório ocorre inflamação da mucosa do estômago e intestino, gerando gastrite e enterite, respectivamente, com consequente presença de vômito, diarreia com sangue e perda de peso. A hipoplasia do esmalte dentário é comumente encontrada nos cães neonatos, infectados antes da erupção dos dentes permanentes (MARTINS et al., 2009; DIAS et al., 2012; SILVA et al., 2015). O vírus pode acometer animais de qualquer idade, raça e sexo (SILVA et al., 2007), no entanto possui predileção por filhotes e cães jovens, tendo maior incidência em animais com dois a seis meses de idade, depois do cessamento da imunidade passiva materna, especialmente quando estes não estão com os protocolos vacinais atualizados (HASS et al., 2008), apresentam vacinação inadequada ou exposição ao vírus (MARTINS et al., 2009; CURTI et al., 2012; DIAS et al., 2012). O envolvimento do sistema respiratório associado à baixa imunidade do paciente pode predispor à ocorrência de pneumonia, comumente causada pela bactéria Bordetella bronchisseptica (NELSON e COUTO, 2010) com consequente crepitação pulmonar, tosse produtiva, taquipneia e dispneia. O vírus dissemina para outros órgãos linfóides como baço, timo, fígado, medula óssea e linfonodos retrofaríngeos, causando elevação na temperatura corpórea e sintomatologia diversificada (AMUDE et al., 2006; SILVA et al., 2007; CARVALHO et al., 2012; DIAS et al., 2012). A contaminação dos animais ocorre por contato direto com fômites e materiais biológicos como secreções nasais, conjuntivais e orais, urina, fezes, aerossóis provenientes de contactantes infectados, sendo que a transmissão é maior em locais com acentuada densidade ou circulação de cães (DIAS et al., 2012). A eliminação do vírus também pode ocorrer por via transplacentária, após 60 a 90 dias da infecção da fêmea (MARTINS et al., 2009; NELSON Os sinais clínicos cutâneos incluem formação de vesículas e pústulas, principalmente no abdome e hiperqueratose nasal e de coxins plantares (AMUDE et al., 2006; CARVALHO et al., 2012; SILVA et al., 2015). Em relação ao sistema oftalmológico pode ser observado a predisposição para o surgimento de uveíte, cegueira repentina, além de deslocamento e degeneração da retina e nistagmo; ademais, o comprometimento da glândula lacrimal ISSN 21774080 67 pelo vírus pode causar ceratoconjuntivite seca, que culmina em desconforto e na diminuição na produção aquosa sobressaindo-se o muco e a gordura (NELSON e COUTO, 2010). No sistema nervoso central o vírus atinge a substância cinzenta causando destruição neuronal com consequente encefalomalácia, e na substância branca ocasiona lesões com desmielinização focal e progressiva, decorrente da perda das bainhas de mielina (AMUDE et al., 2006; DIAS et al., 2012). Os sinais comumente observados, que tendem a ser progressivos, incluem convulsão, vocalização, contração muscular constante, andar em círculos, incoordenação motora, inclinação da cabeça, compressão da cabeça em objetos ou parede, nistagmo, paralisia facial, micção e defecação involuntária, paraparesia e tetraparesia; tais sinais clinicos tendem a ser progressivos (AMUDE et al., 2006; BEINEKE et al., 2009; CARVALHO et al., 2012). O sinal clínico neurológico patognomônico da cinomose é a mioclonia, caracterizada por movimentos espasmódicos repetitivos, rítmicos e involuntários nos grupos musculares dos membros, face e mastigação, provavelmente secundária à lesão do nervo trigêmeo, ocorrendo com mais frequência na fase crônica da doença (AMUDE et al., 2006; SILVA et al., 2007). Estudos ainda sugerem que a origem da mioclonia advém da presença de lesões focais na substância cinzenta da medula espinhal que podem atuar nas áreas como cabeça, pescoço, tronco e membros (SILVA et al., 2009). Os sinais sistêmicos podem ser manifestados concomitantemente aos neurológicos (SILVA et al., 2009) e quando o animal demonstra a fase nervosa, o prognóstico é desfavorável, com cerca de 90% de chances de óbito (BEINEKE et al., 2009; MARTINS et al., 2009). O diagnóstico deve-se basear na resenha, histórico do paciente e sinais clínicos. Exames complementares como hemograma, teste de ELISA (Enzyme Linked Immunosorbent Assay) com núcleoproteína recombinante, imunofluorescência direta, imunoensaio cromatográfico, soroneutralização e PCR (reação em Investigação, 15(7):66-71, 2016 cadeia de polimerase) são utilizados para a detecção da doença. As amostras utilizadas para realização destes exames complementares incluem sangue, fezes, saliva, secreções respiratórias, líquido cerebroespinhal ou urina, sendo esta última a mais indicada devido à alta quantidade viral, além do método de coleta não ser de forma invasiva para o paciente (AMUDE et al., 2007; HASS et al., 2008; MARTINS et al., 2009; CURTI et al., 2012). Os resultados dos exames podem variar de acordo com a fase da infecção e com os níveis de anticorpos do paciente; assim, devido ao curso variável e imprevisível desta doença viral, o diagnóstico pode permanecer inconclusivo, aumentando o risco de transmissão para outros cães, principalmente se o paciente estiver internado (CURTI et al., 2012). Na fase aguda da doença, o hemograma pode evidenciar linfopenia, pois o vírus tem predileção por células linfóides e neutropenia pela diminuição da produção pela medula óssea, destruição tecidual e diminuição da demanda tecidual. Outros achados hematológicos incluem anemia, leucocitose com desvio à esquerda, monocitopenia, hipoalbuminemia e trombocitopenia. A presença de corpúsculos de inclusão viral intracitoplasmático (corpúsculos de Lentz) em células do sangue periférico e demais amostras biológicas é considerada definitiva no diagnóstico, pois são resquícios encontrados somente após replicação viral; no entanto, sua ausência não exclui a doença (AMUDE et al., 2006; MARTINS et al., 2009). O teste de ELISA é capaz de identificar o vírus por meio de anticorpos nas fases iniciais da doença, sem produzir reação cruzada; além de oferecer alta reprodutibilidade e não requerer cultivo viral. Exames de imunofluorescência e PCR detectam partículas do vírus nos tecidos epiteliais obtidos da conjuntiva ou de outras mucosas, de esfregaço sanguíneo e de células oriundas da papa de leucócitos. A soroneutralização constata anticorpos direcionados contra epítopos específicos do vírus, provenientes da infecção ocular (AMUDE et al., 2006). Na análise do líquido cerebroespinhal pode-se observar pleocitose com predomínio de linfócitos e aumento na concentração de proteínas; além disso, as imunoglobulinas G são úteis na mensuração de anticorpos na fase crônica da doença (AMUDE et al., 2006; DIAS et al., 2012). Radiografias torácicas são úteis para diagnosticar pneumonia intersticial secundária que culminam com presença de padrão alveolar e consolidação dos lóbulos (NELSON e COUTO, 2010). Os achados histopatológicos post-mortem do sistema nervoso geralmente sugerem doença multifocal com ampla disseminação viral (AMUDE et al., 2006; SILVA et al., 2007). Silva et al. (2009) discorreram que um dos achados no encéfalo e na medula espinhal de cães acometidos é a malácia; no entanto, esses mesmos autores ainda afirmaram que a baixa incidência de relatos literários referentes às lesões macroscópicas no sistema nervoso pode estar atribuída à não solicitação deste exame pelos Médicos Veterinários, pelos pequenos número de fragmentos examinados e pela falta de especificações dos fragmentos enviados para análise. No diagnóstico diferencial da cinomose devem-se incluir todas as doenças infecciosas e inflamatórias que podem cursar com sinais neurológicos progressivos (CURTI et al., 2012) como hepatite infecciosa, raiva, traqueobronquite infecciosa, encefalite pós-vacinal, leptospirose, entre outras (AMUDE et al., 2006; DIAS et al., 2012). Por ser uma doença viral e não existir tratamento específico, a instituição de medidas de suporte e sintomática são preconizadas na tentativa de melhorar a imunidade do paciente e evitar infecções secundárias. Assim, recomenda-se a administração de antibióticos de amplo espectro, expectorantes, antitérmicos, fluidoterapia, imunoestimulantes, antieméticos, protetores gástricos, suplementos vitamínicos, alimentação de boa qualidade, substitutos da lágrima, corticoides, anticonvulsivantes e técnicas alternativas como acupuntura, fisioterapia, homeopatia, entre outras. Infelizmente, se a imunidade não estiver ativa e atuante, a maioria dos acometidos são eutanasiados ou morrem; os que ISSN 21774080 68 sobrevivem podem ficar com graves sequelas neurológicas (SILVA et al., 2007; CURTI et al., 2012; SILVA et al., 2015). Os animais infectados devem permanecer em quarentena e a desinfecção do ambiente é de suma importância na eliminação do vírus. A melhor forma de prevenção da doença é a correta realização de vacinação, iniciando-se a partir da 6ª - 8ª semana de vida, com intervalo de 21 dias, totalizando quatro doses; neste contexto, as vacinas com vírus atenuado têm se demonstrado eficazes (MONTI et al., 2007; SILVA et al., 2015). Trauma Oclusal O periodonto é constituído por estruturas de proteção (gengiva) e de sustentação (osso alveolar, cemento e ligamento periodontal) dos elementos dentários (SANTOS et al., 2012). A gengiva envolve e circunda todas as faces dentárias por meio de um epitélio denominado de epitélio juncional, e possui como suporte os ossos incisivos, maxilares e mandibulares; o osso alveolar é responsável pela formação do alvéolo dentário; o cemento é uma fina camada que recobre a raiz dentária e o ligamento periodontal é a estrutura que se localiza entre o cemento e osso alveolar, formado por fibras de tecido conjuntivo denso (colágeno) (GIOSO, 2003; SANTOS et al., 2012; REQUICHA et al., 2015). A distribuição correta das forças oclusais deve ser de preocupação constante dos odontologistas humanos e veterinários, visando à manutenção do equilíbrio entre os elementos do sistema estomatognático. Nesta temática, a oclusão fisiológica refere-se às relações de contato direto dos dentes opostos que resultam de controle neuromuscular com o sistema mastigatório (musculatura, articulação temporomandibular, mandíbula e periodonto) (BORGES et al., 2013). Em contrapartida, o traumatismo oclusal é caracterizado por injúria leve, moderada ou severa no periodonto, por ato de oclusão errônea ou excessiva entre mandíbula e maxila (GAMA et al., 2013); assim, durante a trajetória funcional de fechamento mandibular do paciente, interferências mecânicas patogênicas Investigação, 15(7):66-71, 2016 provocam deflexão no movimento da mandíbula, levando um ou mais dentes a contatos anormais com os maxilares, ocasionando lesões microscópicas e macroscópicas significativas às estruturas periodontais e ósseas (BORGES et al., 2013). A etiologia envolve várias condições desfavoráveis combinadas, como oclusais e periodontais, associadas ao tônus muscular aumentado (BORGES et al., 2013). As forças oclusais constantes são frequentemente observadas em indivíduos com presença de bruxismo (ato inconsciente, involuntário e estereotipado de comprimir e ranger os dentes quando acordado ou dormindo) (BADER e LAVIGNE, 2000; CHAGAS et al., 2006; GAMA et al., 2013), prognatismo, bragnatismo, mordida topo a topo e giroversão dentária (CURTI et al., 2012; HAGIWARA e ARAI, 2013), além de animais com mioclonia, decorrente da sequela neurológica de cinomose. Nesses pacientes observam-se alterações nas direções das forças oclusais, isto é, a não coincidência entre os eixos fisiológico e geométrico, dos dentes, ocasionando vetores resultantes fora do longo eixo dos mesmos; deste modo quanto mais frequente a aplicação de forças intermitentes sobre as estruturas periodontais, maiores as possibilidades de danos sobre estas (BORGES et al., 2013). oclusais constantes movimentam-se devido ao fator de resiliência permitido pelas fibras dos ligamentos periodontais (EMIDIO et al., 2014). Assim, tanto nos ligamentos periodontais quanto nos ossos alveolares ocorrem desorganização das fibras, aumento da permeabilidade vascular, ativação osteoclástica (osteólise) com consequente reabsorção óssea e retração gengival, além de reabsorção radicular e necrose tecidual, favorecendo a perda dos elementos dentários (GIOSO, 2003). O diagnóstico do trauma oclusal deve ser baseado no histórico do animal, exame físico específico da cavidade oral e imagens radiográficas intra-orais e torácicas. Os pacientes com má oclusão aguda podem não demonstrar sintomatologia aparente, podendo ser sintomáticos com a cronicidade do caso. Na inspeção da cavidade oral, feita com ou sem sedação do paciente, pode ser detectado deslocamentos, fraturas, desgastes e mobilidades dentárias, além de comunicação oronasal (GIOSO, 2003). Em casos crônicos e graves de reabsorção óssea oral podem ocorrer fraturas mandibulares e maxilares espontâneas (GIOSO, 2003); ademais, tem-se o aparecimento de comunicação oronasal (Figura 1), decorrente da pequena quantidade de tecido ósseo presente entre a cavidade oral e nasal (BOLSON e PACHALY, 2004), predispondo os sinais clínicos de tosse, espirro, rinite, sinusite, epistaxe, secreção nasal purulenta e pneumonia por aspiração (REQUICHA et al., 2015). Dificilmente ocorre resolução espontânea da comunicação oronasal, pois em geral as mucosas oral e nasal não tem suporte ósseo para se ancorarem, tornando a mesma uma comunicação permanente (BOLSON e PACHALY, 2004). Imagens radiográficas intra-orais podem evidenciar descontinuidade da lâmina dura, radioluscência do osso alveolar, reabsorção radicular, deslocamento dentário, reabsorção óssea mandibular e/ou maxilar. Os raios-x de tórax são importantes na detecção de pneumonia por aspiração em casos de comunicação oronasal (GIOSO, 2003). O trauma oclusal pode ser agravado por condições que incluem imunossupressão, desnutrição, afecções imunes e endócrinas. E os defeitos oclusais que causam lesões aos elementos dentários e tecidos moles são passíveis de correção, embora de caráter limitado para muitas situações, pois se deve considerar que mesmo que as forças oclusais traumáticas sejam corrigidas, não ocorrerá regeneração óssea para reparação dos danos já causados. Em animais, as forças oclusais podem ser minimizadas se os dentes estabelecerem posições não traumáticas, neste caso se os mesmos não estiverem esfoliados em decorrência da reabsorção óssea, indica-se exodontias na tentativa de evitar comunicação oronasal (GIOSO, 2003). As forças traumáticas podem atuar sobre um único elemento dentário ou grupos de dentes que estejam em contato prematuro constante. Nos casos de mioclonia facial crônica por cinomose, com a pressão oclusal exercida diretamente sobre os dentes, observamse desgastes das faces incisais e oclusais predispondo à ocorrência de trincas e fraturas, exposição e necrose pulpar, deslocamentos, sensibilidade e mobilidade dentária, além de sons de contato direto entre os dentes, hipertrofia dos músculos mastigatórios e lesões nas mucosas orais (CHAGAS et al., 2006; HAGIWARA e ARAI, 2013). O deslocamento vestibular ou lingual e mobilidade dentária estão diretamente relacionados com perda óssea mandibular e/ ou maxilar, podendo interferir na normoclusão, o que ainda pode predispor e agravar a doença periodontal (CHAGAS et al., 2006; SANTOS et al., 2012). Os dentes quando submetidos a forças Na maioria das vezes, os sinais orais secundários à mioclonia facial em cães, não é observada precocemente pelos tutores e pelos próprios Médicos Veterinários responsáveis pelo caso, fazendo com que os comprometimentos dentários e ósseos se perpetuem, agravando a perda óssea (GIOSO, 2003). Figura 1: Imagem fotográfica de cavidade oral de cão macho, sete anos de idade, sem raça definida, atendido no Hospital Veterinário da Universidade de Franca, demonstrando comunicação oronasal esquerda (seta). Fonte: Hospital Veterinário da Universidade de Franca, 2015. ISSN 21774080 69 O tratamento instituído deve ser multidisciplinar e irá depender dos sinais clínicos demonstrados pelos pacientes; assim nos casos de mobilidade dentária indica-se a exodontia (GAMA et al., 2013) e em deslocamentos dentários que estejam danificando Investigação, 15(7):66-71, 2016 demais os elementos dentários ou mucosa, aconselha-se também a exodontia ou ressecção da coroa e endodontia das raízes remanescentes (GIOSO, 2003). As restaurações das superfícies dentárias com resinas são indicadas em desgastes dentários, porém com a permanência constante da mioclonia, essa escolha se torna inviável (GIOSO, 2003). A colocação de um aparelho oclusal é indicado com o intuito de diminuir e modular a hiperatividade muscular, para a proteção dos elementos dentários e periodonto e para estabelecer o conforto muscular de forças excessivas (EMIDIO et al., 2014).Porém nos casos de trauma oclusal crônico gerado por sequela de cinomose, tal terapêutica reabilitadora se torna ineficaz, pois, o padrão de oclusão e relacionamento maxilomandibular do animal não é passível de resolução visto que esta afecção neurológica é incurável (GIOSO, 2003). Tentativas de correção cirúrgica da comunicação oronasal (retalho de avanço e sutura simples, retalho labial, entre outras), apresentam altos índices de insucesso, por ser uma região altamente contaminada, pela ausência de sustentação óssea, comprometimento do suporte sanguíneo, erros de técnica e também acrescido da tensão da sutura no local, pois os tecidos orais demonstram pouca elasticidade pela aderência da gengiva no osso alveolar, favorecendo deiscências (BOLSON e PACHALY, 2004). A utilização de implantes ósseos e enxertos (resina acrílica, látex, cartilagem auricular, entre outros) são descritos na literatura, porém deve-se considerar a biocompatibilidade diante da alta contaminação da região em questão e condições do leito hospedeiro (BOLSON e PACHALY, 2004). Em casos onde se observa a presença de pneumonia por aspiração e rinite decorrentes da comunicação oronasal aconselhase a administração de antibióticoterapia de amplo espectro (GIOSO, 2003; BOLSON e PACHALY, 2004). O prognóstico do trauma oclusal secundário à mioclonia por cinomose é desfavorável por ser uma sequela neurológica irreversível; porém medidas terapêuticas podem minimizar a sintomatologia demonstrada pelo paciente e melhorar a qualidade de vida dos acometidos (GIOSO, 2003; BOLSON e PACHALY, 2004). Carvalho OV, Botelho CV, Ferreira CGT, et al. 2012. Immunopathogenic and neurological mechanisms of canine distemper virus. Advances in Virology., 1(1):1-10. CONSIDERAÇÕES FINAIS Chagas EA, Stuginski-Barbosa J, Leite R.A, et al. 2016. Falhas em implantes dentários e bruxismo: revisão de literatura. Innovations Implant Journal. 1(1):28-33. A cinomose é uma doença multissistêmica, e os cães que sobrevivem após a infecção podem permanecer com graves sequelas, como a mioclonia facial, comumente observada em adultos causando sobrecarga oclusal, que é umas das principais causas de perdas dentárias e óssea, se agravando com a instalação da periodontite. Em casos de danos crônicos no sistema estomatognático, decorrente de trauma oclusal crônico, o prognóstico é desfavorável, no entanto, técnicas cirúrgicas como exodontias múltiplas e oclusão da comunicação oronasal podem favorecer significativamente a qualidade de vida dos acometidos e aumentar a sobrevida. Curti, MC, Arias MVB, Zanutto MS. 2012. Avaliação de um kit de imunoensaio cromatográfico para detecção do antígeno do vírus da cinomose em cães com sinais sistêmicos ou neurológicos da doença. Semina: Ciências Agrárias. 33(6):2383-2390. Dias MBMC, Lima ER, Fukahori FLP, et al. 2012. Cinomose canina: revisão de literatura. Medicina Veterinária. 6(4):32-40. Emidio BB, Sabino TA, Silva IR, et al. 2014. Influência de diferentes aplicações de cargas e interposição de aparelho oclusal plano em implantes dentais: análise fotoelástica. Odonto. 22(43-44):1-12. REFERÊNCIAS Gama E, Andrade AO, Campos RM. 2013. Bruxismo: uma revisão da literatura. 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