Mais uma década perdida

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04/04/2016 ­ 05:00
Mais uma década perdida
Por José Cláudio Securato
Os doze anos de vigência do tripé macroeconômico trouxeram ganhos inéditos ao Brasil. O governo Dilma, no
entanto, nunca acreditou no tripé macroeconômico e, quando teve condições, ocupou­se de descontinuá­lo e
implementar, com fracasso, a nova matriz econômica.
Pior que os resultados dessa mudança é ver os autores da destruição da economia ainda com a responsabilidade
de reerguê­la. Vejamos. A destruição do tripé macroeconômico começa pelo não cumprimento das metas de
superavit primário. Depois de doze anos de superávit primário (2002 a 2013), o Brasil amargou déficits primários
de 0,59% do PIB em 2014 e 2,1% em 2015. Embora com projeções ainda precárias, o país certamente terá déficits
primários de 2016 a 2018.
A principal consequência disso foi a contribuição que o déficit primário fez à evolução do gasto do governo com
juros, que explodiu o déficit nominal. Em números: déficit primário próximo a R$ 120 bilhões somados aos R$
493 bilhões de gastos com juros que perfez o déficit nominal preciso de R$ 613 bilhões em 2015. Parte do déficit
vem da escolha do governo Dilma de ser um Estado forte e principal motor da economia. Isso custou ao Brasil,
por baixo, R$ 1 trilhão. Metade em desonerações tributárias e outra metade com emissões do Tesouro, alocados no
Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para empréstimos subsidiados.
Não há mais política econômica e os criadores da nova matriz não serão capazes de encontrar a
solução para a crise
Esse subsídio em 2015 custou R$ 35 bilhões, que comparados aos cerca de R$ 25 bilhões destinados à manutenção
do programa Bolsa Família, no mesmo período, para beneficiar perto de 50 milhões de brasileiros, parece­me um
completo absurdo. O pilar cambial também foi flexibilizado pelo governo Dilma, ao desvalorizar o real para
beneficiar as exportações brasileiras, sabendo dos impactos inflacionários que o câmbio traria aos preços
internacionais (commodities) e preços administrados e monitorados.
Finalmente, o Banco Central perdeu a batalha contra a inflação quando não perseguiu o centro da meta de
inflação durante o primeiro mandato da presidente Dilma; errou ao ancorar as expectativas de convergência da
inflação no centro da meta para final de 2017; não pediu meta ajustada para 2015 e 2016; e abriu margem para
incertezas e especulações sobre a capacidade do Banco Central de ancorar as expectativas de estabilidade dos
preços no país.
A destruição do tripé macroeconômico não deteriorou apenas esses três pilares, mas acabou com ganhos inéditos
que o Brasil conquistara. O primeiro ganho ao Brasil foi o início da dissociação das decisões econômicas da
política, já que o tripé foi o modelo econômico escolhido pelo ex­presidente Fernando Henrique Cardoso para
enfrentar os desafios do início de seu segundo mandato, e também aceito e mantido pelo ex­presidente Luiz Inácio
Lula da Silva em seus dois mandatos.
Notória foi a intenção do ex­presidente Lula de mudar a estratégia econômica em seu segundo mandato, mas a
independência (tácita) conquistada pelo então presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, garantiu a
permanência do câmbio livre e cumprimento do sistema de metas de inflação. O forte crescimento econômico
ocorrido no período, com média superior a 4,5% ao ano, garantiu forte arrecadação e contribuiu para o superávit
primário, chegando a 2,62% no último ano do governo Lula.
Hoje a economia não se dissocia da política. Ao contrário, nunca esteve tão ligada. Estamos assistindo a um nó
político, que não permite qualquer saída econômica. O segundo ganho que o país conquistou foi a confiança. Larry
Summers, ex­secretário do Tesouro americano, disse algo como: "Confiança é o estímulo econômico mais barato
para uma economia".
O Brasil passou a ter uma visão clara sobre sua estratégia econômica, incluindo política de juros (Copom), de
controle inflacionário (metas de inflação) e de câmbio flutuante. A confiança trouxe investimentos estrangeiros
recordes e sucessivos, proporcionou a melhor combinação entre crescimento econômico e estabilidade econômica
de um Brasil democrático, simbolizada pela conquista do grau de investimento dada pela Moody's, S&P e Fitch, a
partir de 2007.
Atualmente, porém, não há confiança dos agentes econômicos no
governo brasileiro. Pessoas, empresas e governos, nacionais e
internacionais, não acreditam mais no país. O Brasil perdeu o grau de
investimento das três agências. O terceiro ganho que o tripé
proporcionou foi a ampliação da visão de longo prazo. O mercado
financeiro brasileiro, por meio de seus produtos e operações, alcançou
prazos jamais experimentados. Mercados de crédito, monetário e de
capitais desenvolveram e melhoraram os instrumentos financeiros da
economia real.
Agora está difícil projetar o Brasil. Essa incerteza diminui os prazos de financiamento da economia. Os pilares dos
mercados financeiros se deterioram, o montante de recursos disponíveis para poupança e financiamento
diminuem, as taxas ficam mais altas, os prazos estão cada vez mais curtos.
O quarto ganho foi a evolução social. O governo Lula gerou mais de 10 milhões de empregos líquidos. O programa
Bolsa Família se aproximou de 50 milhões de beneficiados anualmente. Ressurge a classe média brasileira, como
classe predominante e com ganhos estruturais como acesso a produtos e serviços jamais alcançados.
No atual momento as perdas sociais são brutais. Famílias perdem empregos e poder de compra, em virtude da
alta inflação, além de conquistas importantes como acesso à saúde e educação privada. Os brasileiros caem de
classe social. O Estado fraco não consegue sustentar os programas sociais e aqueles que mais precisam estão
sendo marginalizados.
Sem o tripé macroeconômico e com o fracasso da nova matriz econômica estamos no limbo. Não há política
econômica. A economia está em queda livre. Pior. Aqueles que destruíram o tripé e criaram a nova matriz são os
responsáveis pela eventual solução para economia brasileira. Não é forte dizer que a solução não vai acontecer.
Assim, restará aos brasileiros mais uma década perdida.
José Cláudio Securato é presidente do Instituto Brasileiro de Executivos de Finanças de São Paulo
(IBEF SP) e doutor pela FEA/USP.
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