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Avaliação Clínica dos Fármacos
e Aprovação Reguladora
John L. Vahle e Armen H. Tashjian, Jr.
Introdução
Caso
História da U.S. Food and Drug Law (Lei de Alimentos e Fármacos)
Ética na Investigação Clínica de Fármacos
Avaliação e Desenvolvimento Clínico dos Fármacos
Autorização para Iniciar Ensaios Clínicos
Ensaios Clínicos
Estudos da Fase I
Estudos da Fase II
Estudos da Fase III
Processo de Aprovação do Fármaco
Revisão da FDA
Aprovação da FDA
Aprovação em Outros Países
Situações Especiais
Rotulagem do Fármaco
Nome do Fármaco
Outras Indicações
Aspectos Reguladores da Produção e do Controle de Qualidade de
Fármacos
Medicamentos Genéricos
Medicamentos e Suplementos de Venda Livre
Patentes de Fármacos
Conclusão e Perspectivas Futuras
Leituras Sugeridas
INTRODUÇÃO
descreve o processo de avaliação de novas moléculas candidatas a fármacos e de aprovação para comercialização e venda
nos Estados Unidos.
Os ensaios clínicos controlados constituem a base científica
e legal para que autoridades reguladoras em todo o mundo
avaliem e aprovem a venda de novos fármacos. Nos Estados Unidos, a reavaliação para regulamentação de fármacos
é responsabilidade da U.S. Food and Drug Administration
(FDA). Nos últimos 50 anos, o aperfeiçoamento de métodos que permitem estudos clínicos em larga escala levou a
um maior uso da medicina baseada em evidências e ajudou a
acelerar o ritmo do desenvolvimento de fármacos. Em 2004,
a FDA aprovou 119 New Drug Applications (NDA, Pedidos
de Registro de Novo Fármaco) e 6 Biologic License Applications (BLA, Pedidos de Registro de Licença Biológica).
Dessas aprovações, 31 fármacos e 5 agentes biológicos eram
medicamentos novos e inovadores que ainda não haviam sido
aprovados. Como mostrado na Fig. 49.1, o número anual de
novos fármacos aprovados variou de 17 a 53 nos últimos 10
anos, com grande variação ano a ano.
A descoberta e o desenvolvimento de fármacos ainda é um
processo demorado, complexo e de alto risco. De acordo com
o Pharmaceutical Research and Manufacturers of America, de
cada 5.000 a 10.000 moléculas sintetizadas quimicamente e
submetidas a ensaios como possíveis fármacos, apenas uma é
aprovada. O capítulo anterior (Cap. 48) apresenta a fase préclínica inicial do desenvolvimento de um fármaco, desde a
identificação do alvo até a seleção do candidato. Este capítulo
n
Caso
Durante toda a década de 1980, a Pfizer investiu na pesquisa e no
desenvolvimento de um fármaco para o tratamento da hipertensão
e da angina. Durante ensaios clínicos, a eficácia demonstrada foi
mínima; no entanto, pesquisadores (e participantes) observaram
que homens impotentes tratados conseguiram obter ereção. Em
seguida, a Pfizer patenteou a molécula para o tratamento da disfunção erétil (DE) e prosseguiu com seu desenvolvimento. Entre
julho de 1993 e janeiro de 1997, foram realizados 21 estudos, com
a participação de 3.000 indivíduos de 19 a 87 anos. Em março
de 1998, a Pfizer recebeu a aprovação da FDA para comercializar
o citrato de sildenafil como tratamento oral da DE. O fármaco foi
aprovado sob o nome comercial de Viagra.
O sildenafil teve sucesso comprovado no tratamento da DE.
O fármaco também ofereceu maior conveniência aos pacientes
em relação aos tratamentos existentes, que incluíam a inserção
de grânulos de alprostadil na uretra; a injeção direta de alprostadil
na base do pênis e o uso de um anel de constricção destinado a
tornar mais lenta a saída de sangue venoso do pênis. No entanto,
apesar da ampla adoção, o sildenafil foi associado a um pequeno
número de mortes. Nos 6 meses subseqüentes à aprovação, um
período em que houve mais de 6 milhões de prescrições, 130
810
|
Capítulo Quarenta e Nove
QUESTÕES
60
n 1. Que padrões éticos determinam a relação entre médicos e
pacientes na pesquisa clínica?
n 2. A que testes deve ser submetido um fármaco para ter sua
comercialização aprovada?
n 3. Quais as diferenças entre os ensaios clínicos das fases I, II
e III de um candidato a fármaco?
Aprovações
50
40
30
20
10
HISTÓRIA DA U.S. FOOD AND DRUG LAW
(LEI DE ALIMENTOS E FÁRMACOS)
mortes foram relatadas à FDA. Dessas mortes, 77 foram causadas
por eventos cardiovasculares como infarto do miocárdio, parada
cardíaca e doença coronariana. Os testes subseqüentes revelaram
distúrbios, situações ou interações medicamentosas (como o uso
concomitante de nitratos) que representavam contra-indicações ao
uso do sildenafil. Conseqüentemente, a FDA determinou que a
Pfizer modificasse a bula para incluir advertências sobre possíveis
efeitos adversos cardiovasculares e interações medicamentosas. Em
julho de 2005, a FDA divulgou um alerta sobre a ocorrência de
cegueira unilateral após o uso de sildenafil em um pequeno número
de homens. Esse tipo de cegueira é chamado de neuropatia óptica isquêmica anterior não-arterítica (NOIAN). O alerta foi seguido
por outra atualização da bula do sildenafil (e das bulas de outros
fármacos da mesma classe, vardenafil e tadalafil); as novas bulas
descreveram com mais rigor o tipo de paciente em que o sildenafil e outros inibidores da fosfodiesterase tipo V são considerados
seguros e apropriados.
Caracterização
biológica
Toxicologia
Estudos
toxicológicos
Clínico
IND
apresentado
Ensaios
da fase II
Desenvolver fabricação
Desenvolver programa GQ/CQ, BPF
Fabricação
Legal
Ensaios
da fase I
Solicitação de
registro de patente
Patente
concedida
Ensaios
da fase III
NDA apresentado
Identificação e
otimização do composto
Regulamentação
pós-aprovação
Início da
fabricação
Química e biologia
Desenvolvimento do
fármaco (5-9 anos)
Reunião de final de fase II
Descoberta do
fármaco (2-5 anos)
• Os fármacos devem atender aos padrões publicados de pureza e qualidade.
• Todos os medicamentos devem conter bulas corretas e exatas.
• É proibido o comércio interestadual e internacional de alimentos e fármacos falsificados e com falsas alegações.
• Também são proibidas a adulteração de alimentos pela retirada de constituintes importantes, a substituição de ingre-
Aprovação
pela FDA
Fase IV
Fase IV
Genéricos
disponíveis
Fig. 49.1 Revisão e aprovação do fármaco. A FDA aprovou uma média de
31 novos fármacos e princípios biológicos por ano nos últimos 10 anos.
O processo de desenvolvimento, teste e aprovação dos fármacos
é demorado, e seus principais marcos são apresentados na Fig.
49.2. Para alcançar cada um desses marcos é necessária a cooperação de pesquisadores, clínicos, pacientes, indústrias farmacêuticas ou de biotecnologia e reguladores governamentais.
A regulamentação de fármacos nos Estados Unidos evoluiu
muito no último século. Até o início do século XX, as falsas
afirmações e os erros nos rótulos de alimentos e medicamentos
eram comuns. Em 1906, o clamor da população em relação às
condições anti-higiênicas e inseguras dos produtores de carne — descrito por Upton Sinclair em The Jungle — levou o
Congresso a aprovar a Pure Food and Drugs Act (Lei dos
Alimentos e Fármacos Puros). A lei encarregou o Bureau of
Chemistry no U.S. Department of Agriculture de fiscalizar as
novas exigências:
ANDA apresentado
Ano
Patente expira
04
03
20
01
00
99
02
20
20
20
20
98
97
19
19
96
19
19
19
95
0
Fig. 49.2 Ciclo de vida da aprovação do fármaco. O ciclo de vida da aprovação de um novo fármaco é complexo, exigindo uma média de 11 anos para
a conclusão. A descoberta do fármaco, apresentada no Cap. 48, produz uma nova molécula. As primeiras patentes geralmente são solicitadas nessa fase e
concedidas alguns anos depois. O processo de desenvolvimento do fármaco requer a realização de estudos de caracterização biológica e toxicologia em animais
antes que se possa apresentar um Pedido de Registro de Investigational New Drug (IND). Por sua vez, o IND é exigido para o início de ensaios clínicos. Ao
fim de ensaios clínicos bem-sucedidos, a indústria farmacêutica apresenta um New Drug Application (NDA), que é revisto pela FDA. Após a aprovação, o
fármaco deve ter sua segurança acompanhada por toda a vida (denominada fase IV). A primeira patente do fármaco expira 20 anos após o pedido do registro.
Abbreviated New Drug Applications (ANDA) podem ser apresentados antes que expire a patente original. Após expirar o prazo de uma patente, podem ser
comercializadas versões genéricas do fármaco.
Avaliação Clínica dos Fármacos e Aprovação Reguladora
dientes que reduza a qualidade, o acréscimo de ingredientes
prejudiciais e o uso de produtos animais e vegetais deteriorados.
Por fim, foi reconhecida a necessidade de criar uma agência
reguladora separada, e, em 1927, foi criada a Food, Drug, and
Insecticide Agency. Mais tarde, essa agência foi reorganizada
e teve o nome modificado para U.S. Food and Drug Administration em 1930.
Em 1937, mais de 100 americanos — muitos deles crianças
— morreram após o consumo de “Strep-Elixir”, um produto não testado que continha uma sulfonamida e um análogo
químico do dietilenoglicol, um anticongelante. Em resposta, o
Congresso aprovou, em 1938, o Food, Drug, and Cosmetic Act
(Lei de Alimentos, Fármacos e Cosméticos), que exigia que os
fabricantes obtivessem aprovação da FDA antes da comercialização de novos fármacos e que essa aprovação dependeria da
comprovação de segurança e pureza do produto. A DurhamHumphrey Amendment (Emenda Durham-Humphrey) de 1951
determinou os tipos de fármacos cujo uso deveria ser supervisionado por médico e restringiu a venda desses fármacos aos
pacientes com a exigência de prescrição por um profissional
de saúde registrado.
Outro evento importante na história da regulamentação dos
fármacos foi a descoberta de que a talidomida, usada no tratamento do enjôo matinal, causou anomalias congênitas em
muitos bebês nascidos na Europa. Essa questão propiciou o
amplo apoio a um maior rigor na regulamentação dos fármacos
e levou à aprovação das Kefauver-Harris Amendments (Emendas Kefauver-Harris) em 1962. Diversos aspectos importantes
dessas emendas modificaram muito o desenvolvimento e o processo de aprovação de fármacos nos Estados Unidos. Foram
incluídas as novas exigências abaixo (entre outras):
• Comprovação da eficácia e da segurança antes da aprovação
• Adesão às Boas Práticas de Fabricação (BPF)
• Obrigatoriedade de comunicação de eventos adversos
• Exigência de consentimento livre e esclarecido dos voluntários em ensaios clínicos
|
811
• Informações completas sobre o fármaco à população (que
levaram ao desenvolvimento das bulas modernas)
O Quadro 49.1 mostra a cronologia das principais leis que
influenciaram a abrangência e o rumo da supervisão da avaliação e aprovação de fármacos pela FDA.
ÉTICA NA INVESTIGAÇÃO CLÍNICA DE FÁRMACOS
As agências reguladoras do mundo todo estipularam padrões
de comportamento ético para todos os envolvidos na pesquisa
clínica, inclusive clínicos, indústrias farmacêuticas e instituições médicas. A relação ética é orientada pela noção de que
a pesquisa em ensaios clínicos representa uma parceria entre
pesquisador (médico) e voluntário (paciente). Quatro princípios
éticos básicos, estabelecidos pela Conferência Internacional
de Harmonização e pela Declaração de Helsinque, sustentam
essa parceria. Esses princípios são:
• O ensaio deve minimizar os riscos para os participantes.
• O paciente deve receber cuidados globais.
• O pesquisador é responsável pela interrupção do ensaio
quando os riscos tornam-se incompatíveis com os objetivos
do ensaio.
• Os eventos adversos devem ser comunicados imediatamente
a uma comissão de ética ou segurança.
Todavia, os pesquisadores devem garantir a seleção justa
e eqüitativa de voluntários, limitando a inscrição no estudo a
pacientes com distúrbios que podem ser beneficiados pelo fármaco em questão. Essa exigência equilibra os possíveis riscos,
muitos desconhecidos, com os possíveis benefícios, cujo tipo e
extensão também são ignorados.
Além disso, os pesquisadores devem obter consentimento livre e esclarecido dos voluntários. O consentimento livre
e esclarecido não é apenas um documento assinado, mas um
processo no qual os pacientes (1) são informados sobre os possíveis riscos e benefícios do ensaio e (2) devem tomar uma
decisão esclarecida de participar voluntariamente de um estudo
QUADRO 49.1 Principais Leis que Influenciam a Regulamentação pela FDA
LEGISLAÇÃO
RESULTADO
Pure Food and Drugs Act de 1906
Determina que a bula de todos os fármacos contenha informações verdadeiras
Emenda ao Pure Food and Drugs Act, 1912
Proíbe propagandas fraudulentas
Food, Drug and Cosmetic Act de 1938
Exige a comprovação da segurança e pureza de um fármaco
Durham-Humphrey Amendment de 1951
Concede à FDA autoridade para determinar que fármacos podem ser vendidos
sem prescrição
Kefauver-Harris Amendments ao Food, Drug
and Cosmetic Act, 1962
Exige comprovação da eficácia e da segurança de novos fármacos e dos
fármacos aprovados desde 1938; também estipula diretrizes para comunicação de
eventos adversos, testes clínicos e propaganda
Orphan Drug Amendments de 1983
Oferece incentivo aos fabricantes de fármacos que tratam doenças órfãs
Drug Price Competition e Patent Restoration
Act (Hatch-Waxman Act) de 1984
Abrevia e modifica os New Drug Applications (NDA) para medicamentos
genéricos; prorroga a patente em caso de atraso causado pela revisão da FDA;
as prorrogações são limitadas a um acréscimo de 5 anos ou a 14 anos após a
aprovação pelo NDA
Expedited Drug Approval Act de 1992
Permite a aprovação acelerada pela FDA de fármacos cuja necessidade médica é
grande, mas requer rigorosa supervisão pós-comercialização
812
|
Capítulo Quarenta e Nove
clínico. No caso de pacientes com prognósticos sombrios, o
consentimento livre e esclarecido inclui a compreensão de que
a pesquisa provavelmente não trará benefícios para eles, mas
que pode beneficiar futuros pacientes.
No nível institucional, a FDA conta com Institutional
Review Boards (IRB, Juntas Revisoras Institucionais) ou
Independent Ethics Committees (IEC, Comitês de Ética
Independentes), órgãos independentes, para assegurar os direitos e o bem-estar dos participantes de ensaios clínicos. As
regulamentações da FDA determinam a revisão das questões
legais e éticas dos protocolos de estudo clínico por um IRB/
IEC. Essas regulamentações dão aos IRB/IEC autoridade para
aprovar, exigir a modificação ou reprovar a pesquisa em seres
humanos. Especificamente, o IRB/IEC deve determinar se a
pesquisa proposta:
• Minimiza os riscos para seres humanos
• Representa risco razoável em relação ao benefício previsto
e ao possível ganho científico da pesquisa
• Inclui a seleção imparcial de voluntários
• Assegura um processo de consentimento livre e esclarecido
efetivo
• Inclui a proteção de populações vulneráveis, como crianças
e pessoas com incapacidade mental
A supervisão e a aprovação pelo IRB/IEC começam antes
do início dos ensaios em seres humanos e continuam durante
toda a sua duração. O quadro de membros de um IRB/IEC é
formado por cinco ou mais especialistas e leigos de várias áreas.
As regulamentações federais estipulam que o quadro do IRB
deve incluir pelo menos um membro que tenha experiência
principal em uma área científica, um membro com experiência
primária em uma área não-científica e outro que não tenha
vínculo com a instituição que supervisiona o protocolo de pesquisa clínica. Além disso, as qualificações dos outros membros
devem permitir que o IRB avalie propostas de pesquisa em
termos de exigências institucionais, leis aplicáveis, padrões de
prática profissional e atitudes da comunidade. Assim, muitos
IRB incluem sacerdotes, assistentes sociais e advogados, além
de médicos, cientistas e outros profissionais de saúde.
AVALIAÇÃO E DESENVOLVIMENTO CLÍNICO
DOS FÁRMACOS
A investigação de um novo candidato a fármaco tem várias
fases, começando com a avaliação pré-clínica e prosseguindo
até a fase III dos estudos clínicos. Ao fim desse processo, a FDA
pode avaliar a aprovação da molécula como novo fármaco.
AUTORIZAÇÃO PARA INICIAR ENSAIOS CLÍNICOS
A pesquisa pré-clínica estabelece a possível eficácia e segurança de um composto para uso em ensaios humanos. Durante
essa fase de teste, descrita no Cap. 48, estuda-se um composto
para determinar suas ações biológicas, propriedades químicas
e metabolismo, e desenvolve-se um processo para sua síntese
e purificação.
A Conferência Internacional de Harmonização (CIH) estabeleceu exigências para os estudos em animais empregados
para respaldar diferentes tipos de ensaios clínicos. Os estudos
primários usados para apoiar o desenvolvimento clínico de fármacos são estudos de toxicidade em animais e investigações
sobre a absorção, a distribuição, o metabolismo e a excreção
do composto. Como foi descrito no Cap. 48, a duração dos
estudos em animais é determinada pela extensão dos ensaios
clínicos. Os testes de curta duração (2 a 4 semanas) costumam
ser usados para apoiar os ensaios clínicos iniciais, ao passo que
podem ser necessários estudos durante até 9 a 12 meses para
respaldar os grandes ensaios da fase III nos quais os pacientes
podem receber o fármaco investigado durante vários meses.
Muitos possíveis candidatos a fármacos não chegam à fase de
ensaio em seres humanos ou têm o teste clínico interrompido
por causa de possíveis achados adversos relativos à segurança
nos estudos em animais.
O mecanismo de solicitação da aprovação para iniciar
ensaios clínicos nos Estados Unidos é a apresentação à FDA
de um pedido de registro de Investigational New Drug (IND,
Novo Fármaco em Investigação). O IND contém dados dos
estudos pré-clínicos, dados de investigações clínicas prévias
(se disponíveis), o protocolo proposto para ensaios em seres
humanos e outras informações secundárias. O IND também
contém um documento denominado Clinical Investigatorʼs
Brochure (CIB, Livreto do Investigador Clínico). O CIB é
fornecido aos reguladores, pesquisadores clínicos e IRB/IEC;
contém um resumo de todas as informações disponíveis sobre
o fármaco investigado e pode ter centenas de páginas. O IND
também deve conter informações sobre a composição e a estabilidade do fármaco e indicações de que pode ser fabricado em
lotes homogêneos para ensaios clínicos. O IND não concede
permissão ao fabricante para comercializar um fármaco. Em
vez disso, concede dispensa de uma lei federal que proíbe o
comércio interestadual de fármacos não aprovados; essa dispensa é necessária para a investigação clínica multicêntrica.
Os IND comerciais são apresentados pelos responsáveis com
o objetivo de obter aprovação para comercialização e venda de
um novo fármaco. Solicitações sem fins comerciais, como IND
de Pesquisador, de Uso de Emergência e de Tratamento, são
usadas para diferentes propósitos, descritos adiante.
A FDA deve rever o IND em 30 dias e decidir se podem ser
iniciados ensaios em seres humanos. A Fig. 49.3 é um fluxograma que mostra o processo usado pela FDA para rever um
IND. As áreas incluem revisão química, revisão farmacológica/toxicológica e revisão médica. A revisão química avalia
a estabilidade do fármaco e a reprodutibilidade da síntese e
purificação. Em particular, os avaliadores revêem diferenças
químicas ou de fabricação entre o material proposto para uso
clínico e o material usado nos ensaios toxicológicos em animais. A revisão farmacológica/toxicológica avalia dados farmacológicos e toxicológicos em animais; essa revisão contém
um resumo integrado das possíveis preocupações de segurança.
A revisão médica avalia todos os dados relevantes para o protocolo de ensaio clínico proposto a fim de assegurar que os
participantes não sejam expostos a risco indevido. Os revisores
médicos também podem determinar a probabilidade de os estudos clínicos propostos oferecerem resultados suficientemente
concretos para respaldar os ensaios clínicos subseqüentes.
Se a revisão do IND não identificar problemas com a segurança, o IND é considerado aberto ou ativo após o período de
espera de 30 dias. Se a revisão mostrar a possibilidade de risco
excessivo para os participantes, a FDA entra em contato com
o responsável e expede uma suspensão clínica (clinical hold),
impedindo o início de estudos em seres humanos. O responsável deve resolver qualquer problema antes que a suspensão
clínica seja revogada. A suspensão clínica pode ser expedida
a qualquer momento durante o desenvolvimento clínico de
um fármaco; essa suspensão pode ser ocasionada por novos
Avaliação Clínica dos Fármacos e Aprovação Reguladora
IND
Farmacológico/
toxicológico
Químico
Segurança
aceitável para a
continuação
do estudo?
Estatístico
• As variáveis de resultado definidas de antemão que podem
ser medidas e têm validade científica
• Se é possível haver um grupo de controle e que tratamentos,
caso haja algum, devem ser usados no grupo de controle
• A facilidade de mascaramento para voluntários e pesquisadores (duplo-cego)
• A definição e o âmbito da doença
• O número de locais e de voluntários participantes do ensaio
Decisão de
suspensão
clínica
NÃO
NÃO
SIM
SIM
Revisões completas
Revisões
completas e
aceitáveis?
Comunicar ao
solicitante
NÃO
Comunicação das
deficiências ao
solicitante
SIM
Sem deficiências
ENSAIOS CLÍNICOS
Após a expedição do IND e a aprovação do protocolo de estudo
pelo IRB, os estudos clínicos prosseguem em três fases (ver
Quadro 49.2). Os protocolos do ensaio devem ser organizados para oferecer respostas fidedignas a questões específicas e
devem considerar o seguinte:
Solicitante apresenta
novos dados
Revisão de segurança
813
ser realizadas para obter informação sobre vários tópicos, como
a aceitabilidade de um processo de fabricação, a idealização
de estudos pré-clínicos ou ensaios clínicos, ou a escolha de
critérios de avaliação apropriados para respaldar a aprovação
final do fármaco.
Solicitante (responsável pelo fármaco)
Médico
|
Estudo em andamento
Fig. 49.3 Processo de revisão de novo fármaco em investigação. Quando é
apresentado um IND, a FDA tem 30 dias para rever o pedido. Este fluxograma
mostra o processo de revisão interna realizado pela FDA. O responsável pelo
fármaco apresenta dados médicos, químicos, farmacológicos/toxicológicos e
estatísticos sobre o composto; esses dados são revistos por comitês separados
na FDA. Caso a segurança do composto seja considerada aceitável, o IND é
aprovado após a conclusão da solicitação. Se a segurança do composto for
considerada inaceitável para ensaios clínicos ou se forem necessários mais
dados, o responsável tem a oportunidade de apresentar novos resultados
para outro teste. Em alguns casos, é concedida permissão para que o estudo
prossiga enquanto o responsável resolve as deficiências (não mostrado).
Os quadros azuis correspondem às ações do responsável pelo fármaco; os
quadros brancos correspondem às ações da FDA.
achados obtidos em estudos com animais, dados clínicos que
indiquem um perfil de risco inaceitável ou a constatação de que
o solicitante não revelou com exatidão o risco do estudo para
pesquisadores ou voluntários.
Durante todo o processo de desenvolvimento do fármaco, os
responsáveis pelo programa têm a oportunidade de consultar as
agências reguladoras em reuniões formais. As reuniões podem
Os pesquisadores do estudo devem avaliar risco, vieses e
fatores de confundimento que afetam o ensaio e incluir medidas
para resolver essas questões. O viés de participante freqüentemente pode ser resolvido administrando-se um placebo, uma
substância inerte com a mesma aparência do fármaco investigado. O viés de observador pode ser solucionado por mascaramento, em geral codificando o fármaco e o placebo para
ocultar suas identidades, impedindo que os pesquisadores saibam que tratamento cada participante está recebendo. Quando a
identidade da intervenção é desconhecida tanto pelo voluntário
quanto pelo observador, o estudo é duplo-cego.
A variação natural e a remissão espontânea de muitas doenças também confundem os ensaios clínicos. Um modelo cruzado (crossover), no qual cada grupo de estudo recebe o fármaco
testado alternadamente com o placebo, pode evitar a interpretação errada dos resultados decorrente da variação natural no
processo da doença. A presença de doenças concomitantes e
seu tratamento ou de fatores de risco, conhecidos ou desconhecidos, representa um terceiro fator de confusão importante
nos ensaios clínicos. Anamneses cuidadosas e a randomização
dos participantes podem evitar alguns efeitos desses fatores de
risco. Além das estratégias já mencionadas — uso de placebos,
estudos cegos, modelo cruzado e randomização — uma amostra grande ajuda a diminuir o efeito desses fatores. Os ensaios
da fase III, os estudos essenciais que são o principal amparo
para a aprovação regulamentadora, costumam ser chamados de
ensaios principais e são estudos duplo-cegos, controlados por
placebo e randomizados.
O Quadro 49.2 resume o número representativo de participantes, a duração necessária e o propósito de cada fase dos
ensaios clínicos.
QUADRO 49.2 Teste Clínico de Fármacos em Seres Humanos
NÚMERO DE PARTICIPANTES
DURAÇÃO DA FASE
PROPÓSITO
Fase I
20-100
Alguns meses
Principalmente segurança
Fase II
Até algumas centenas
Alguns meses a 2 anos
Eficácia e segurança a curto prazo
Fase III
Algumas centenas a alguns milhares
1-4 anos
Segurança, posologia, eficácia
814
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Capítulo Quarenta e Nove
Estudos da Fase I
Os estudos da fase I geralmente incluem de 20 a 100 participantes normais e saudáveis e destinam-se a determinar a
segurança e a tolerabilidade de um fármaco. Quando se esperam
altos níveis de toxicidade, como em muitos fármacos usados
no tratamento do câncer, podem ser usados pacientes com a
doença-alvo em lugar de voluntários saudáveis. O foco da fase
I é o efeito geral e a cinética do fármaco no corpo, inclusive a
dose máxima tolerada, absorção, distribuição, metabolismo e
excreção. Para determinar o efeito de doses variadas, inicialmente são administradas doses cujo efeito deve ser pequeno,
que depois são aumentadas aos poucos.
O principal objetivo na fase I é determinar a segurança, a
toxicidade, a cinética e os principais efeitos adversos. Os estudos podem incluir ensaios não-cegos, nos quais tanto o participante quanto o pesquisador estão cientes do que está sendo
administrado. Os estudos da fase I devem oferecer informações
suficientes sobre a farmacocinética para determinar o modelo
dos estudos da fase II válidos cientificamente. Por exemplo,
o conhecimento do volume de distribuição e da depuração do
fármaco permite que os idealizadores do estudo determinem
uma dose de manutenção apropriada e a freqüência de administração nos ensaios das fases II e III.
Embora os ensaios da fase I sejam concentrados na segurança e na tolerabilidade, cada vez mais são usados biomarcadores do efeito farmacológico desejado para obter dados sobre
a possível eficácia da molécula no início do desenvolvimento.
Um exemplo de um marcador simples seria a determinação do
fenótipo dos linfócitos no sangue periférico, no caso de agentes
destinados a inibir as células B; em um sentido mais amplo,
ensaios celulares ou bioquímicos são usados para detectar se o
fármaco proporcionou controle efetivo da enzima ou do tecido
desejado.
Um conceito relativamente novo no desenvolvimento clínico é o uso de estudos “pré-fase I”, que são realizados sob um
IND de investigação. Essa conduta permite que o pesquisador
clínico faça investigações clínicas muito limitadas com base em
uma pequena quantidade de dados sobre as características químicas e toxicológicas em animais. Essas investigações clínicas
iniciais são limitadas a baixas doses e a durações muito curtas
de tratamento (no máximo alguns dias). Espera-se que facilitem
o desenvolvimento eficiente do fármaco, permitindo que os
pesquisadores testem hipóteses específicas em seres humanos
com mais eficiência.
Estudos da Fase II
Os estudos da fase II podem incluir até várias centenas de
participantes com o distúrbio de interesse. Os ensaios clínicos
da fase II têm vários objetivos, inclusive a aquisição de dados
preliminares sobre a efetividade do fármaco para tratamento de
um distúrbio específico. Como os ensaios da fase I, os ensaios
da fase II continuam a monitorar a segurança. Como o número
de pacientes participantes dos estudos da fase II é maior, eles
são capazes de detectar eventos adversos menos comuns. Os
estudos da fase II também avaliam a relação dose-resposta e
a posologia, que são fundamentais para determinar a dose (ou
doses) e a freqüência de administração ideais.
Um modelo típico da fase II pode adotar ensaios unicegos
ou duplo-cegos nos quais o fármaco de interesse é avaliado em
relação ao placebo e/ou um tratamento existente. Em geral, o
ensaio compara várias posologias para determinar a faixa de
dose ideal e obter informações sobre toxicidade. Os resultados da fase II são fundamentais para elaborar um protocolo
específico para os estudos da fase III. Os resultados da fase
II também podem ser usados para indicar outros dados que
devem ser reunidos na fase III, como a monitoração das provas
de função hepática se os dados da fase II sugerirem possível
hepatotoxicidade.
Estudos da Fase III
Os estudos da fase III incluem a participação de centenas
a milhares de pacientes e são realizados em vários locais e
em circunstâncias semelhantes às quais o fármaco será usado
se aprovado. Baseiam-se em critérios de avaliação clínicos
(também conhecidos como critérios de avaliação primários)
ou em critérios de avaliação substitutos (também conhecidos
como critérios de avaliação secundários). Os exemplos de
critérios de avaliação primários incluem sobrevida, melhora
da capacidade funcional do paciente ou melhora do bem-estar.
Os exemplos de critérios de avaliação substitutos incluem
indicadores de regressão da doença, como redução dos níveis
plasmáticos de marcadores bioquímicos (p. ex., glicose e colesterol LDL), aumento do débito cardíaco ou redução do tamanho
de um tumor. Embora costume ser mais fácil avaliar os critérios substitutos, a aprovação do fármaco geralmente depende
da demonstração de efetividade na melhora dos critérios de
avaliação primários.
Para diferenciar entre efeitos verdadeiros, efeitos placebo e
variações naturais no curso da doença, os estudos da fase III
costumam empregar ensaios duplo-cegos, controlados e randomizados com múltiplos participantes. Em vista do grande
número de pacientes estudados, esses ensaios costumam oferecer uma base adequada para extrapolação dos resultados para
a população em geral.
Antes do início dos ensaios da fase III, o solicitante e a FDA
realizam uma reunião de “Final de Fase II”. O propósito dessa
reunião é determinar a segurança do avanço para estudos da
fase III e consolidar os objetivos e os modelos do estudo. Antes
da reunião de “Final de Fase II”, a FDA incentiva os solicitantes a apresentarem dados pré-clínicos que amparem a indicação clínica do fármaco, dados químicos, dados em animais,
resultados dos estudos nas fases I e II, métodos estatísticos e
protocolos para os estudos da fase III, além da classificação
proposta para o fármaco.
A FDA exige o cumprimento satisfatório dos critérios de
avaliação especificados, que costumam ser determinados pela
própria FDA ou em conjunto com o responsável pelo fármaco.
Se os resultados dos ensaios das fases I e II não satisfizerem
essas exigências, a FDA pode exigir outros estudos ou emitir
uma suspensão clínica antes de permitir o início das investigações da fase III.
PROCESSO DE APROVAÇÃO DO FÁRMACO
REVISÃO DA FDA
A aprovação de novos fármacos nos Estados Unidos baseia-se
no NDA. O NDA deve conter todos os dados relevantes reunidos pelo solicitante durante a pesquisa e o desenvolvimento
do novo fármaco proposto. Dessa forma, os dados reunidos
para o IND são integrados ao NDA. A FDA exige que todo
NDA contenha os seguintes itens: índice, sumário, química,
controle de fabricação e qualidade, amostras, validação de
métodos, embalagem e rotulagem, farmacologia e toxicologia
não-clínica, farmacocinética humana, metabolismo e biodis-
|
Avaliação Clínica dos Fármacos e Aprovação Reguladora
ponibilidade, microbiologia, dados clínicos, relatório de atualização de segurança (em geral apresentado 120 dias após a
apresentação do NDA), informações estatísticas, tabelas dos
casos, fichas clínicas, informações de patente, certificação de
patente e outras informações. O NDA típico tem mais de 1.000
páginas. Para facilitar a apresentação desses dados às agências
reguladoras de diversos países, é usado um formato chamado
de Common Technical Document (CTD, Documento Técnico
Comum).
O NDA, recebido pela FDA, é encaminhado para uma divisão de revisão específica de acordo com a indicação proposta do
fármaco. Primeiro, a equipe determina se a revisão do NDA será
prioritária ou convencional. A revisão prioritária é feita quando
há necessidades médicas não atendidas e não existem outras
terapias comercializadas que tenham qualidades terapêuticas
similares. A FDA procura concluir todas as revisões prioritárias
em 6 meses e todas as revisões convencionais em 10 meses. O
NDA também é submetido a revisão preliminar para avaliar se
as informações apresentadas são completas.
A FDA organiza essa revisão em diversas categorias, que
podem incluir revisões médica, biofarmacêutica, estatística,
farmacológica, química e microbiológica. Em cada um desses
grupos, os especialistas da FDA revêem os dados apresentados
à agência e avaliam a segurança e a eficácia do novo fármaco
proposto. O fluxograma da Fig. 49.4 apresenta o processo usado
pela FDA para avaliação de um NDA.
Além das revisões internas, a FDA também pode solicitar
a avaliação de comitês consultivos externos. Esses comitês
oferecem informações de fora da FDA e permitem a consulta
a especialistas externos de uma área específica. Embora a FDA
geralmente inclua as recomendações dos comitês consultivos
em suas decisões, essas opiniões externas não são obrigatórias.
Durante o processo de revisão, a FDA mantém comunicação constante com o solicitante a respeito de questões científicas ou de outras questões que surjam durante a revisão. O
solicitante e a agência reúnem-se, sobretudo se houver necessidade de mais dados. A FDA costuma fazer ao responsável
perguntas por escrito, e este pode enviar outros dados ou uma
nova análise de dados já disponíveis para ajudar a resolver
essas questões. O acréscimo de muitas informações novas é
considerado uma emenda ao NDA e pode aumentar o tempo
para aprovação.
APROVAÇÃO DA FDA
A FDA pode tomar três medidas possíveis em relação a um
NDA – um NDA pode ser aprovado, reprovado ou designado como “aprovável”. Se a Agência reprovar um NDA ou
considerá-lo aprovável, deve arrolar as deficiências no pedido
de registro e sugerir alterações. Muitas vezes, a FDA reúnese com o solicitante para discutir os passos a serem tomados
para garantir a aprovação. Pedidos de registro “reprovados”
podem exigir a realização de novos estudos significativos, e
muitas vezes são abandonados. Em geral, os pedidos de registro “aprováveis” necessitam de modificações relativamente
pequenas do NDA, mas também podem exigir novas análises
ou outros dados de apoio.
De modo geral, de cada 100 IND apresentados, 70 concluem os ensaios na fase I e prosseguem para a fase II; cerca
de 33 concluem a fase II e prosseguem para a fase III; 25 a
30 concluem a fase III e 20 são, finalmente, aprovados para
comercialização.
815
Solicitante (responsável pelo fármaco)
NDA
Solicitação
pode ser
apresentada?
NÃO
Emissão da carta
de recusa da
submissão
SIM
Médicas
Biofarmacêuticas
Farmacológicas
Estatísticas
Químicas
Microbiológicas
Reunião do comitê
consultivo
Reuniões com o
responsável
Revisões
completas e
aceitáveis?
Revisão do
responsável
SIM
NÃO
Solicitação ou
apresentação de
informações ou
revisões adicionais
(emenda)
SIM
NÃO
A revisão
da bula é
aceitável?
A inspeção
dos locais é
aceitável?
NÃO
SIM
Aguardando
resultados
satisfatórios
Ação do NDA
Fig. 49.4 Processo de revisão de pedido de registro de novo fármaco.
Quando do pedido de registro de um novo fármaco (NDA), o responsável
apresenta dados sobre as características médicas, farmacológicas, químicas,
biofarmacêuticas, estatísticas e microbiológicas; esses dados são revistos por
comitês separados na FDA. A FDA ou um FDA Advisory Committee (opcional)
pode reunir-se com o responsável. Se a revisão for completa e aceitável, o
pedido de registro do fármaco é reavaliado para verificar se a bula (instruções
oficiais de uso) é aceitável. Os locais de fabricação e dos ensaios clínicos
importantes também são reavaliados. Os quadros azuis correspondem às
ações do responsável pelo fármaco; os quadros brancos correspondem às
ações da FDA.
APROVAÇÃO EM OUTROS PAÍSES
Antes que os fármacos possam ser vendidos em outros países,
devem ser avaliados e aprovados pelas autoridades reguladoras competentes do país. Em alguns países, isso pode incluir
uma ampla revisão de todos os dados, semelhante à revisão
do NDA. Em outros países, a revisão pode ser mais limitada
se o fármaco já tiver sido aprovado em um dos principais
mercados estrangeiros (Estados Unidos, Europa e Japão).
Durante essas revisões, a autoridade reguladora pode exigir
outros tipos de estudos que não foram exigidos nos Estados
Unidos. Além disso, as agências reguladoras mundiais podem
ter métodos diferentes em relação ao tipo e à quantidade de
816
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Capítulo Quarenta e Nove
dados necessários na rotulagem do produto. Na Europa, muitos fármacos são avaliados primeiro pela European Medicines Evaluation Agency e, depois, aprovados pela União
Européia. No Canadá, a Health Canada administra as regulamentações incluídas no Canadian Food and Drugs Act.
No Japão, a aprovação de novos fármacos é concedida pelo
Ministry of Health and Welfare.
SITUAÇÕES ESPECIAIS
A condição de desenvolvimento e aprovação acelerada ou
“tramitação rápida” pode ser atribuída a produtos considerados promissores para satisfazer a necessidade médica de uma
doença grave ou que coloca a vida em risco. No caso de um
fármaco assim classificado, a aprovação pode ser concedida
com base na avaliação de critérios substitutos. Um período de
revisão acelerada para esse tipo de NDA pode ser de apenas
6 meses, em comparação com o tempo de revisão convencional de 10 a 12 meses. Como uma condição para a revisão e
aprovação acelerada, a FDA pode exigir que o patrocinador
faça estudos pós-aprovação (fase IV) para definir melhor o
benefício clínico e a segurança do fármaco. Caso esses estudos
não confirmem o benefício clínico ou a segurança, a FDA pode
anular a aprovação sem o processo que ocorreria nos fármacos
aprovados da forma convencional.
A FDA tem regulamentações específicas para o desenvolvimento e a aprovação de fármacos para doenças órfãs, definidas
como doenças que afetam menos de 200.000 pessoas nos Estados Unidos. Sem outros incentivos, as indústrias farmacêuticas
não teriam interesse em desenvolver produtos para mercados
tão pequenos. Na tentativa de estimular o desenvolvimento de
fármacos para doenças raras, o Congresso aprovou o Orphan
Drug Act em 1983. A lei oferece incentivos financeiros às
indústrias que desenvolverem fármacos órfãos. Além disso,
esse fármaco recebe aprovação exclusiva para a indicação órfã
durante 7 anos. Desde 1983, a FDA aprovou mais de 180 produtos desse tipo. Os exemplos são:
• Infliximab — para doença de Crohn
• Talidomida — para sintomas inflamatórios na hanseníase
• Denileucina diftitox — para uso no linfoma de células T
cutâneo após o fracasso de outros tratamentos
• Atovaquona — para pneumonia por Pneumocystis carinii
A FDA criou protocolos de uso compassivo, também
conhecidos como pedidos de registro de novos fármacos em
investigação para tratamento (IND para tratamento), para
ampliar o acesso aos fármacos em investigação. Esses protocolos permitem o uso de terapias em investigação promissoras, antes da aprovação geral, em pacientes muito doentes, não
elegíveis para o ensaio clínico em andamento. Três condições
devem ser atendidas para que um fármaco em investigação seja
elegível para o protocolo de uso compassivo: (1) o fármaco
deve mostrar sinais preliminares de eficácia; (2) deve haver
risco de morte dos pacientes ou de rápido avanço da doença
em alguns meses ou ainda de morte prematura sem tratamento,
e (3) não deve haver tratamento aprovado comparável para a
doença naquele estádio.
ROTULAGEM DO FÁRMACO
Os órgãos reguladores de cada país estipulam o formato e a
organização padrões para a rotulagem de um fármaco aprovado.
A bula deve incluir os nomes comercial e químico do fármaco,
fórmula e ingredientes, farmacologia clínica, indicações e uso,
contra-indicações, advertências, precauções, reações adversas, potencial de abuso/dependência do fármaco, superdosagem, posologia, freqüência e via de administração, além da
apresentação. Nos Estados Unidos, essa informação também
é conhecida como encarte. Quando um novo fármaco aproxima-se da aprovação, a FDA revê e negocia a bula final com
o responsável para garantir que as informações sejam justificadas pelos dados apresentados no NDA. Para fornecer informações mais acessíveis sobre o fármaco, a FDA determinou a
organização da bula, que oferece informações essenciais em
formato padronizado aos profissionais. A Fig. 49.5 mostra um
exemplo de bula.
As agências reguladoras podem usar outros métodos para
garantir a clara informação das características importantes do
fármaco. Por exemplo, nos Estados Unidos, as bulas dos fármacos que têm alguns riscos de segurança incluem um “quadro preto” de advertência, no qual são exibidas informações
essenciais de segurança bem visíveis. Além disso, a FDA pode
exigir que os patrocinadores criem Guias de Medicação, que
devem ser distribuídos aos pacientes; esses guias contêm informações essenciais de segurança em linguagem simples.
NOME DO FÁRMACO
Outra face da aprovação de um fármaco inclui a sua denominação. Um fármaco é conhecido por dois nomes principais, o
nome genérico e o nome de marca (ou nome comercial). O
nome genérico baseia-se no nome químico e não é protegido
por uma marca comercial. No entanto, deve ser aprovado e
registrado no U.S. Patent and Trademark Office (PTO). Por
exemplo, citrato de sildenafil é o nome genérico do Viagra.
Por outro lado, o nome de marca refere-se ao nome exclusivo
de uma substância ou fármaco que pertence a uma indústria
de acordo com a lei de marca registrada, sem levar em conta
o registro no PTO. Viagra é o nome comercial do citrato de
sildenafil.
OUTRAS INDICAÇÕES
Uma vez aprovado um fármaco, os médicos e alguns outros
profissionais de saúde podem prescrevê-lo em várias doses
ou posologias. Os profissionais também podem prescrever
o fármaco para indicações clínicas não aprovadas (off-label
use). Os médicos também têm permissão para realizar estudos
investigativos com o fármaco, desde que sigam as regras do
consentimento livre e esclarecido e tenham a aprovação do
IRB. Embora os profissionais de saúde possam usar o fármaco
para indicações não aprovadas, esse uso pode sujeitá-los a um
processo por erro médico, assim como qualquer outra decisão
sobre o tratamento. No entanto, as indústrias farmacêuticas só
podem comercializar o fármaco para as indicações aprovadas
pela FDA. As regulamentações atuais proíbem as indústrias
farmacêuticas de fornecerem materiais de comercialização,
inclusive artigos científicos, sobre o uso para indicações clínicas não aprovadas de um fármaco, exceto se solicitados pelo
médico. Para comercializar um fármaco para uma nova indicação, a indústria farmacêutica deve realizar outro programa de
desenvolvimento a fim de comprovar a segurança e a eficácia do
fármaco para aquela nova indicação. Em seguida, esses dados
são apresentados às autoridades regulamentadoras e submetidos a outra revisão antes da aprovação da nova indicação.
Avaliação Clínica dos Fármacos e Aprovação Reguladora
Destaques das informações
de prescrição
|
817
Posologia e
concentração
Advertência (quadro preto)
Nome comercial, nome químico
Indicações e uso
Contra-indicações
Advertências e
precauções
Reações
adversas
Posologia e
administração
Conteúdo das informações
de prescrição completas
Interações
medicamentosas
Estudos
clínicos
Apresentação/
armazenamento e manuseio
Informações de
aconselhamento do paciente
Superdosagem
Descrição
Uso em populações
específicas
Farmacologia
clínica
Toxicologia
não-clínica
Fig. 49.5 Exemplo de bula. A bula contém várias seções obrigatórias, que são destacadas. Essas seções incluem os nomes comercial e químico do fármaco,
informações sobre prescrição destacadas, “quadro preto” de advertência, indicações e uso, posologia e administração, formas farmacêuticas e concentrações,
contra-indicações, advertências e precauções, reações adversas, interações medicamentosas, uso em populações específicas, superdosagem, abuso/dependência
de fármacos (não mostrados para esse fármaco), descrição (que freqüentemente contém a estrutura molecular), farmacologia clínica, toxicologia não-clínica,
estudos clínicos, apresentação (p. ex., comprimido, líquido) e manuseio, além de informações de aconselhamento do paciente.
ASPECTOS REGULADORES DA PRODUÇÃO E DO
CONTROLE DE QUALIDADE DE FÁRMACOS
Além da comprovação da segurança e da eficácia do fármaco,
a obediência às regulamentações da FDA para fabricação também é um requisito para aprovação. As diretrizes de “Boas
Práticas de Fabricação” (BPF) regem a gestão e o controle de
qualidade em todos os aspectos da fabricação de fármacos, e a
FDA faz inspeções sem aviso prévio das fábricas para verificar
o seu cumprimento. As regulamentações da FDA especificam
os níveis de tolerância a impurezas, procedimentos de controle
de qualidade e teste de lotes por amostragem.
A indústria deve obter aprovação prévia da FDA para implementar mudanças no processo de fabricação que, segundo a
FDA, possam afetar a segurança ou a efetividade de um fármaco em razão de alterações na sua identidade, concentração,
qualidade, pureza ou potência. Outras modificações podem ser
implementadas com ou sem a apresentação de um NDA suplementar. As alterações que não exigem suplementação podem
ser registradas no relatório apresentado anualmente à FDA ou
em outra data determinada pela agência.
MEDICAMENTOS GENÉRICOS
A FDA também supervisiona a aprovação de medicamentos
genéricos, que a agência define como medicamentos comparáveis aos fármacos inovadores em posologia, segurança,
concentração, via de administração, qualidade, características
de desempenho e uso pretendido. De acordo com o Drug Price
Competition and Patent Term Restoration Act (Lei de Competição de Preço de Medicamentos e Restauração da Vigência
de Patentes) de 1984, também conhecido como Hatch-Waxman Act, uma indústria pode apresentar um Abbreviated New
Drug Application (ANDA, Pedido Abreviado de Registro de
Novo Medicamento) antes de expirar a patente do nome comercial. No entanto, a indústria deve aguardar que expire a patente
original antes de comercializar uma versão genérica. A primeira
indústria a apresentar um ANDA tem o direito exclusivo de
comercializar o medicamento genérico por 180 dias.
Os ANDA para medicamentos genéricos não precisam apresentar dados sobre segurança e eficácia, porque isso já foi feito
no NDA do fármaco inovador. Para estabelecer a bioequivalência, exigida no ANDA, os solicitantes podem apresentar uma
comparação de formulação, teste comparativo de dissolução
(quando há correlação conhecida entre efeitos in vitro e in vivo),
teste de bioequivalência in vivo (comparando a velocidade e
o grau de absorção do genérico e do produto de referência)
e, no caso de produtos que não são absorvidos classicamente,
avaliação comparativa pareada da efetividade com base nos
critérios de avaliação clínicos.
Além disso, o solicitante do ANDA deve comprovar que
seus processos e unidades de fabricação, bem como unidades
de testagem externa ou de embalagem, estão de acordo com as
regulamentações federais das BPF.
MEDICAMENTOS E SUPLEMENTOS DE VENDA LIVRE
Em 1951, a Durham-Humphrey Amendment (Emenda Durham-Humphrey) ao Food, Drug and Cosmetic Act definiu os
818
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Capítulo Quarenta e Nove
fármacos que exigem prescrição como aqueles cujo uso só é
seguro sob supervisão profissional. Para determinar os fármacos
que não necessitam de prescrição, a FDA examina a toxicidade
do fármaco e a facilidade do autodiagnóstico de um distúrbio.
Como os medicamentos de venda livre (VL) são comercializados em doses menores do que seus correspondentes que exigem
prescrição e são usados principalmente para tratar os sintomas
da doença, a FDA exige que as bulas contenham:
por mais de um ano, mesmo por aqueles que solicitam o registro
da patente. A solicitação de registro de uma patente requer que o
solicitante exponha todo o trabalho já realizado naquele campo
por qualquer pessoa, bem como o uso previsto da tecnologia
no momento. Nos Estados Unidos, as patentes são válidas por
17 anos a partir da data de concessão, se registradas antes de
junho de 1995, e por um período de 20 anos a partir da data
de registro, se registradas após junho de 1995.
•
•
•
•
n Conclusão e Perspectivas Futuras
Usos indicados do produto, além dos seus efeitos
Orientações adequadas de uso
Advertências contra o uso inseguro
Efeitos adversos
Embora haja um risco de mau uso dos medicamentos VL
ou de erro de diagnóstico na ausência de supervisão médica,
a maior disponibilidade desses produtos permitiu que muitos
cidadãos norte-americanos tivessem acesso a tratamentos efetivos e de custo relativamente baixo.
O Dietary Supplement Health and Education Act (Lei de
Educação e Saúde dos Suplementos Alimentares) de 1994 define um suplemento alimentar como qualquer produto destinado
à ingestão como suplemento da alimentação, inclusive vitaminas, minerais, ervas, vegetais, outras substâncias derivadas de
plantas, aminoácidos, concentrados, metabólitos e constituintes
e extratos dessas substâncias. A FDA supervisiona a segurança,
a fabricação e as afirmações relativas à saúde dos suplementos
alimentares. No entanto, não avalia a eficácia dos suplementos
como faz em relação aos fármacos. A agência pode restringir
ou suspender a venda de suplementos inseguros, mas precisa
demonstrar a insegurança antes de agir. Isso ocorreu recentemente, em dezembro de 2003, quando a FDA anunciou uma
regra que bania suplementos alimentares contendo alcalóides
da efedrina (efedra), após revisão do grande número de eventos
adversos (inclusive mortes) associados a esses produtos.
PATENTES DE FÁRMACOS
Uma patente pode conferir proteção legal à composição de um
fármaco, seu uso ou processo de fabricação. As patentes de
composição farmacêutica concedem direitos exclusivos sobre
uma substância química específica ou diversas substâncias e
podem aludir à síntese ou possíveis usos. As patentes de uso
concedem direitos exclusivos para um tipo de composto em
uma área terapêutica específica. As patentes de processo concedem direitos exclusivos ao processo completo de síntese de
um composto.
A lei estadunidense concede patente a uma tecnologia que
seja nova, útil e não seja óbvia a uma pessoa com experiência
apropriada. Essa tecnologia pode não ser publicamente revelada
Leis e regulamentações específicas foram implantadas para
permitir o desenvolvimento de novos fármacos, ao mesmo
tempo assegurando privacidade e segurança para os indivíduos
participantes dos ensaios clínicos. A aprovação regulamentadora de novos fármacos sucede um processo longo de estudos
pré-clínicos e clínicos. Cada fase do desenvolvimento fornece
informações críticas que definem o protocolo do estudo para
investigações subseqüentes. No entanto, nenhum conjunto de
dados em animais e clínicos pode garantir a segurança completa
de todos os futuros pacientes. Assim, a FDA e os fabricantes de
medicamentos continuam a monitorar os efeitos adversos, os
processos de fabricação e a segurança geral de um fármaco ao
longo de toda sua vida (ver Cap. 50). No futuro, haverá maior
ênfase na avaliação da segurança de novos medicamentos, tanto
durante os ensaios clínicos quanto depois da aprovação do fármaco e a introdução em populações maiores e mais diversas
de pacientes.
n Leituras Sugeridas
Center for Drug Evaluation and Research, Food and Drug Administration, United States Department of Health and Human Services.
The CDER Handbook. Revised 03/16/98. Available at http://www.
fda.gov/cder/handbook/. (Descrição dos processos pelos quais a
FDA avalia e regula os fármacos, inclusive a avaliação de novas
substâncias e o monitoramento pós-comercialização da segurança
e da efetividade delas.)
Goldstein I, Lue TF, Padma-Nathan H, et al. Oral sildenafil in the treatment of erectile dysfunction. N Engl J Med 1998;338:1397–1404.
(Estudo randomizado, controlado, duplo-cego e de fase III da eficácia e da segurança do sildenafil no tratamento da disfunção
erétil.)
Nightingale SL. Viagra approval information on the Internet [from
the Food and Drug Administration]. JAMA 1998;279:1684. (Resumo dos fundamentos da aprovação do sildenafil pela FDA, com
links da Internet que apresentam revisões da substância, carta de
aprovação, rotulagem profissional e informações para os consumidores.)
Salonia A, Rigatti P, Montorsi F. Sildenafil in erectile dysfunction: a
critical review. Curr Med Res Opin 2003;19:241–262. (Revisão da
literatura clínica sobre o sildenafil, dando ênfase aos resultados
dos estudos pós-comercialização da efetividade e da segurança
do sildenafil.)
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