A SINTAXE DA ORDEM E O ENSINO DE GRAMÁTICA: SOBRE A INVERSÃO DO SUJEITO E A COLOCAÇÃO DOS PRONOMES CLÍTICOS EM PORTUGUÊS Marco Antonio Martins (UFRN) [email protected] Rafael Aguiar Moura (Bolsista de IC-PROPESQ/UFRN) [email protected] Geison Luca de Sena Pereira (Bolsista de IC-PROPESQ/UFRN) [email protected] INTRODUÇÃO Temos por objetivo, neste texto, apresentar resultados preliminares da pesquisa que estamos desenvolvendo sobre os padrões de inversão do sujeito e de colocação dos pronomes clíticos em cartas de leitores, cartas de redatores e anúncios de jornais norterio-grandenses publicados nos séculos XIX e XX. Mais especificamente, buscaremos subsídios na pesquisa realizada para argumentar a favor de um ensino de gramática nos níveis fundamental e médio que considere o uso efetivo de uma sintaxe particular associada à gramática do Português Brasileiro (PB). Os textos analisados, que refletem padrões da sintaxe do PB, integram o córpus mínimo comum organizado pelo Projeto para a História do Português Brasileiro, considerando textos coletados pelas equipes do Rio Grande do Norte e do Ceará. Os pressupostos teórico-metodológicos são aqueles propostos pela sociolinguística variacionista (WEINREICH; LABOV; HERZOG, 1968; LABOV, 1972, 1982; TARALLO, 2007) e pelos estudos de Ribeiro (2001) e de Coelho e Martins (Mimeo), sobre a perda da inversão do sujeito no PB, assim como os estudos de Mateus et al. (2003), referente aos padrões de ordenação de clíticos no Português Europeu (PE), e de Martins (2010), em relação aos padrões do PB. No que se refere aos diferentes padrões de ordenação XV (e as possibilidades de inversão do sujeito) na escrita brasileira, a descrição e análise dessas construções é bastante relevante para o ensino de língua portuguesa, haja vista que a ordem SujeitoVerbo-Objeto (SVO) já está consagrada na gramática do PB, levando à ideia de que tudo aquilo que se encontra antes do verbo é o sujeito, e que tudo aquilo que se encontra posposto ao verbo é um objeto. É por isso que, ao se encontrar a ordem VX, em que X seja um sujeito, os falantes deixam de estabelecer a concordância, pois interpretam esse constituinte, posposto a V, não como sujeito em virtude de sua posição não ser a mais frequente. Por isso, e nesse sentido, o estudo dos diferentes padrões de ordenação dos constituintes oracionais traz significativas implicações para o ensino de língua. Em relação aos padrões de colocação dos pronomes clíticos, igualmente relevante para o ensino de língua portuguesa é o (re)conhecimento de que o português que é ensinado em nossas escolas, a norma padrão, segue, ainda, o padrão europeu de ordenação de clíticos, ou seja, um padrão bastante distante daquele que utilizamos, e que encontramos já refletido na escrita brasileira. Nesse sentido, buscaremos mostrar que, tendo em vista os padrões de ordenação dos clíticos atestados na escrita brasileira no curso dos diferentes séculos, a gramática do PB deve ser reconhecida e ensinada nas aulas de língua portuguesa dos ensinos fundamental e médio. O artigo está assim organizado: na primeira seção, retomaremos trabalhos anteriores voltados ao estudo da sintaxe de ordenação do sujeito e dos pronomes clíticos, especificando os padrões que correspondem às gramáticas do PE e do PB; ou seja, buscaremos identificar quais padrões de ordenação evidenciam a existência de uma gramática de PB. Na segunda, e última, seção, buscaremos expor os padrões de ordenação do sujeito e dos clíticos que são contemplados nas gramáticas normativas da atualidade, e consequentemente, que padrões são considerados no ensino de gramática nos bancos escolares. Com o objetivo de saber qual(is) gramática(s) é(são) verdadeiramente ensinada(s) em nossas instituições de ensino e as possíveis implicações que o ensino de uma gramática descontextualizada tem na aprendizagem dos alunos, cotejaremos os padrões atestados nas gramáticas aos padrões que encontramos nas cartas de leitores, cartas de redatores e anúncios dos jornais norte-rio-grandenses. 1. A sintaxe da ordem: sobre a inversão do sujeito e a ordenação dos pronomes clíticos em português 1.1 As ordens SVX/(X)VS em português A fim de obter dados para a reflexão sobre a constituição sintática do Português Brasileiro (PB), Ribeiro (2001) apresenta, sob o ponto de vista sincrônico e diacrônico, a questão da inversão verbo-sujeito. A abordagem sincrônica observa a ausência da ordem (X)VS (Constituinte X + Verbo + Sujeito), em alguns contextos, no PB, em comparação ao Português Europeu (PE), na língua escrita ou falada. Já a abordagem diacrônica vê a perda da inversão do sujeito, em relação ao PE, como uma mudança sintática associada à gramática do PB. Ribeiro (2001) assume que as raízes do PB estão no século XVI e, ao analisar a questão da inversão verbo-sujeito nesse século, em sentenças declarativas, a autora percebe, ainda, que em baixa frequência, a ocorrência da ordem (X)VS nos seguintes tipos de estrutura: inversão românica e inversão de construções inacusativas. Dessa forma, percebe-se que a perda da ordem (X)VS no PB está relacionada com a inversão germânica, mas não em termos de gramática, pois esse tipo de inversão não se mostra presente nas raízes do PB. De acordo com a classificação assumida na literatura gerativista, há três tipos de inversão: (i) inversão românica em que há a posposição do sujeito em relação ao verbo, isto é, o sujeito é quem se movimenta, sendo representado geralmente por um “SN (sintagma nominal) foneticamente pesado” que funciona como foco da sentença; (ii) inversão com verbos ergativos ou construções inacusativas (correspondem aos verbos monoargumentais que selecionam o argumento interno, tendo como exemplos os seguintes verbos: nascer, morrer, chegar, partir, vir,…); e (iii) inversão germânica em que há o fronteamento do verbo, bem como o do constituinte X (Objeto/Advérbio/SPrep), isto é, neste tipo de inversão, não é o sujeito quem se movimenta, havendo uma relação estrita entre os termos fronteados no sentido de que ambos devem ocupar o mesmo domínio sintático. Esta inversão parece estar condicionada a certos traços da posição dos complementadores e das formas verbais, além de funcionar como um divisor sintático entre línguas românicas modernas (que não permitem a ordem germânica) e as línguas germânicas (que permitem essa ordem). Porém há exceções em relação a essa divisão. Observem-se alguns dos três tipos de inversão, trazidos de Ribeiro: Inversão com verbos ergativos ou consruções inacusativas (1) Chegam estes pobres soldados (1585) Inversão românica (2) como o guardará aquelle que não sómente se vê roto (1585) Inversão germânica (3) Com tanta paceença sofria ela esta enfermidade (DSG.4.13.13) Quando Ribeiro (2001) apura um pouco da história da ordem (X)VS germânica (do português arcaico ao português moderno), nota-se, na gramática do PE arcaico (do século XIII até final do século XV), um equilíbrio com a ocorrência das três ordens supracitadas, estando a inversão germânica bastante presente nesse período. No PE clássico (século XVI e XVII), percebe-se uma quase ausência da inversão germânica, havendo uma predominância da inversão românica e das estruturas inacusativas nas construções (X)VS. A autora aponta poucos casos de fronteamento de verbo (inversão germânica), que se mostram presentes nos dados retirados dos estudos de Torres Morais (1993) e de João de Barros (1540). Esses casos podem resultar da imitação da ordenação de constituintes do português arcaico, logo, eles não fazem parte da gramática do PE clássico. Essa diferença ou variação entre a gramática do PE arcaico (com inversão germânica) e a do PE clássico (sem inversão germânica) pode ser considerada, conforme proposto por Kroch (1994, apud Ribeiro, 2001), como uma mudança sintática via competição entre gramáticas, em que uma gramática substitui a outra no uso. Essa substituição se dá com os padrões de ordenação conservadores cedendo lugar aos inovadores. Já na gramática do PE moderno, nos séculos XVIII e XIX, as inversões germânicas aumentam consideravelmente a sua frequência, distinguindo-se dos séculos XVI e XVII. Conforme afirma Ribeiro (2001), Torres Morais (1993) mostra que, enquanto no PE moderno há uma aquisição da ordem (X)VS germânica, no PB inicia-se uma perda dessa ordem, que começa a se extinguir a partir do século XVIII, chegando a 0% nos textos do século XX. Diante disso, cria-se um paradoxo ao assumir a ordem (X)VS do PB do século XVIII como um produto da língua-I, sendo mais coerente não se falar “em perda da inversão germânica no PB em termos de gramática interna, mas sim em termos de opções estilísticas” (RIBEIRO, 2001, p. 122). Coelho e Martins (no prelo) apresentam uma análise dos padrões de inversão em textos de brasileiros nascidos no sul do Brasil entre os séculos XIX e XX. Do total de 575 dados investigados do século XIX, os autores encontraram 522 na ordem sujeitoverbo (91%) e 53 na ordem verbo-sujeito (9%). Os resultados comprovam que a ordem SV é a que mais predomina na escrita brasileira desse período. A frequência dessa ordem aumenta ainda mais no século XX. Torres Morais (1993) já havia mostrado que, a partir do século 18, a ordem (X)SVX com o sujeito em posição pré-verbal tinha se tornado uma tendência progressiva. O século XIX se apresenta, nesse sentido, como um período de transição em que as construções (X)XVS (com inversão de sujeito) e (X)SV (sem inversão de sujeito) convivem lado a lado, ainda que em proporções bastante distintas. A análise dos dados revela, ainda, construções XVS com grande incidência de inversão inacusativa. No entanto, também se mostram presentes construções XVS não inacusativas (com inversão germânica), que não estão associadas à gramática do PB, em termos de Língua-I. Os autores interpretam tais construções com inversão germânica como fósseis linguísticos, pois se tratam de expressões cristalizadas. Os resultados da análise mostram que, na construção (X)XV, o X que antecede imediatamente o verbo é preferencialmente realizado como sujeito em 71% dos casos. Por outro lado, na construção XV, a existência de um X como advérbio ou complemento preposicionado condicionará a ocorrência de sujeitos pós-verbais. Além disso, nota-se uma frequência significativa de sujeito pronominal em XVS não inacusativa – inversão germânica prototípica. Os exemplos dos três tipos de construções encontradas, respectivamente, são: (4) Decididamente estes criados anthepatisão commigo [Brinquedos de cupido (1898) de Antero Reis Dutra (1855-1911)] (5) Atrás dela ando eu [Um cacho de mortes (1881) de Horácio Nunes (1855-1919)] (6) Pois morro eu de uma apoplexia fulminante [Um cacho de mortes (1881) de Horácio Nunes (1855-1919)] Portanto, Coelho e Martins (no prelo) acreditam que a escrita dos brasileiros nascidos no século XIX mostra padrões associados a diferentes gramáticas do português: seja ao PB (com a ordem SV, isto é, o sujeito ocupando a posição pré-verbal (XSV ou SXV) e a VS inacusativa), ao PE (com construções XVS inacusativa e germânica e construções XSV ou SXV) e/ou ao PA (com a ordem VS inacusativa e não inacusativa – germânica). Logo, em conformidade com a proposta de Kroch (1989, 2011), os autores entendem que a variação atestada nos textos históricos pode ser o reflexo de diferentes gramáticas do português: uma tensão entre uma forma conservadora e uma forma inovadora. Isso evidencia um processo de mudança sintática que seria o reflexo de uma competição entre gramáticas. 1.2 A ordenação dos pronomes clíticos em português A posição dos pronomes clíticos em português tem sido descrita como uma variável linguística. A variação na colocação destas formas átonas não se caracteriza como um fenômeno de origem recente, e sim, trata-se de um processo de variação e mudança que tem atravessado diferentes estágios (ou gramáticas) do português no curso dos séculos, chegando, então, aos tempos de hoje e aos padrões das gramáticas do PB e do PE. Martins (2010) apresenta uma análise da colocação dos clíticos em textos teatrais escritos por catarinenses nascidos no século XIX e XX, tomando como foco três contextos sintáticos específicos: (i) orações afirmativas finitas não-dependentes com o verbo em primeira posição absoluta; (ii) orações afirmativas finitas não-dependentes com verbo precedido de sujeito, advérbio não-modal e sintagma preposicional não focalizados e (iii) estrutura verbais complexas. Foram excluídos da análise do autor os contextos em que a colocação pronominal é categórica, observando, desta forma, apenas os contextos favoráveis à variação. Considerando tais contextos, a amostra se constituiu de 1.213 orações. Nas orações afirmativas finitas não-dependentes com o verbo em primeira posição absoluta, o contexto V1, foi observado que a ênclise é categórica nos textos de autores brasileiros nascidos até 1927, visto que as ocorrências de próclises neste período não ultrapassam o percentual 11%. Por outro lado, nos textos de autores nascidos a partir de 1927, exceto os textos de Ody Fraga, mostra-se um significativo aumento no uso de próclise em primeira posição absoluta, chegando a alcançar 78% nos textos do escritor Ademir Rosa. Considerando isto e a história do português, o autor assume, em conjunto com demais autores, que a próclise a V1 é uma marca característica da gramática do PB, visto que a próclise nesse contexto não é atestada no PE ou no Português clássico (PC). O segundo contexto é composto por orações afirmativas finitas não-dependentes com verbo precedido de sujeito, advérbio não-modal e sintagma preposicional não focalizado. Dada a natureza distinta dos constituintes que antecedem o verbo, o autor dividiu esse contexto em dois: o contexto XV, formado pelos advérbios não-modais ou os sintagmas preposicionais; e o contexto SV, formado por um sujeito pronominal ou um sujeito DP. Dessa forma, foi observado que no contexto SV há um aumento de 23% de ocorrência de próclise no texto do primeiro autor nascido no século XIX, para 100% no último autor nascido no século XX. O mesmo não pode ser observado no contexto XV, visto que as oscilações nos percentuais mostram que a colocação pronominal está ainda em variação, de forma que não é possível apontar a predominância de uma colocação sobre a outra. Uma análise dos contextos XV e SV mostra uma evolução no uso da próclise nesse contexto na escrita de brasileiros nascidos no século XIX e XX que pode ou não ser atribuído ao padrão proclítico do PB. O último contexto analisado foram as orações com estruturas verbais complexas. Estas estruturas são formadas por um V1 finito + um V2 não-finito. Neste contexto foram encontradas três variantes: V1(X)V2cl, ênclise ao verbo não-finito; V1(X)clV2, próclise ao verbo não-finito e V1clV2 em que não é possível identificar se é uma próclise ao verbo não-finito ou uma ênclise ao verbo finito. Observando a ocorrências destas duas variantes nos textos dos escritores brasileiros nascidos no século XIX, Martins mostra que a variante V1(X)V2 tem percentuais de ocorrências elevados, de 93% nos textos de Carvalho, nascido em 1829, a 100% nos textos de Nahas, nascidos em 1889. Neste mesmo período, as variantes V1(X)clV2 e V1clV2 não alcançaram 20% de ocorrência. Por outro lado, nos textos de brasileiros nascidos no século XX, pode-se observar um aumento na ocorrência de próclise ao verbo não-finito e ao contexto ambíguo V1clV2. Seguindo o sentido inverso, a ocorrência da ênclise ao verbo nãofinito caiu de 93% para 10% em Bravaresco, nascida em 1969. 2. A sintaxe da ordem no córpus mínimo do PHPB e o ensino de gramática 2.1 O estudo da ordem (X)VS em cartas de leitores do RN e suas implicações para o ensino de Língua Portuguesa Levando-se em consideração toda a fundamentação teórica acerca do fenômeno da inversão da ordem do sujeito realizada até aqui, procurou-se descrever e analisar, de forma não quantitativa, a possível natureza do constituinte pré-verbal em orações principais finitas não dependentes, isto é, a natureza de X (sujeito, sintagma preposicionado, advérbio, etc.) na ordem XV em cartas de leitores do Rio Grande do Norte nos séculos XIX e XX. Nas cartas de leitores em análise na pesquisa que ora apresentamos, constatou-se uma predominância da ordem em que o sujeito se encontra em posição pré-verbal (SV / SXV / XSV), a notar pelos seguintes exemplos: (7) A mencionada importancia, | foi totalmente empregada no | referido serviço, conforme com- | provantes devidamente auten- | ticados e escriturados ás fls. | 24 do livro caixa numero 2, da- | quéla municipalidade[…] (Tribuna do Norte – 08/05/1957) (8) O nosso profes- | sor Cabralsinho, que tanto tem o | corpo pequenino como a cabeça gran- | de, é o meu espantalho[…] (Brado Conservador – 24/02/1881) (9) Depois do procedimento que Sua.Senhoria. teve com o | partido republicano, comnosco principalmente, | eu lamentei-o, sem ódio[…] (A República – 27/08/1892) (10) Contemplando o município | com uma escola rural em | 1946, sua localização e cons | trução obedeceram tão somen | te á orientação do Prefeito | e do diretor do Departamen- | to de Educação. (A Ordem – 03/02/1950) (11) […] esse cavalheiro, reconhecendo a razão | que me assiste, declarou-me ultima- | mente que aceitaria o pagamento par- | cial,[…]” (Brado Conservador – 12/10/1877) (12) V. exa. no seu primeiro artigo, ao | que parece preoccupa-se mais ou | de todo, com um dos agentes pó- | derosos do desenvolvimento do | corpo humano- a hygiene, valioso e | imprescindivel factor para a forma- | cão de um corpo sadio e forte[…] (A República – 07/05/1910) Os exemplos (7) e (8), com o sujeito como único constituinte pré-verbal (SV), são as formas de anteposição do sujeito mais frequentes nos textos. No entanto, as outras formas também se mostram presentes conforme mostra os exemplos em (9) e (10), com a ordem XSV, na qual o constituinte X se encontra focalizado no início da sentença; e em (11) e (12), com a ordem SXV, na qual o constituinte X intercala o sujeito e o verbo. Ainda que bem menos frequente, houve a presença de alguns poucos casos em que o constituinte pré-verbal não era desempenhado pelo sujeito, como se pode observar nos exemplos (13) e (14), a seguir. (13) Se por ventura realizar-se o que | propala o Corsino, de outra vez, lhe | darei aciencia. (Brado Conservador – 22/12/1880) (14) como sertanejo e burro jumento são | os dois animaes mais resistentes da | creação, estou certo de que atravessa- | remos a crise muito muito bem[…] (A Ordem – 13/03/1938) (15) No dia 2 do andante a hora desig- | nada pela lei compareceu na matriz | o 1º juiz de paz capm. João Fran- | cisco Uchôa e Costa, e os eleitores e | supplentes[…] (Brado Conservador – 22/12/1880) (16) “Desde o dia 18 do passa- | do começou o inverno | em nossos sertões e conti- | núa regularmente.” (A República – 08/04/1901) Nos exemplos em (13) e (14), o sujeito não precede e nem sucede o verbo, pois ele está implícito, ou seja, ele é oculto. Dessa forma, os constituintes que precedem o verbo em (13) e (14) são, respectivamente, oração subordinada adverbial condicional e oração subordinada adverbial conformativa. Já nos exemplos em (15) e (16), o sujeito não está implícito, mas está posposto ao verbo. Nos dois exemplos, o constituinte préverbal desempenha a função de adjunto adverbial de tempo. A sentença (15) apresenta um sujeito composto que não estabelece concordância com o verbo em virtude de sua posposição a este. O período em (16) apresenta um verbo inacusativo (que seleciona o argumento interno), constituindo dessa forma um caso de inversão inacusativa, que, conforme mostraram os estudos sobre a ordem do sujeito citados anteriormente, é um tipo de inversão que faz parte da gramática do PB. Diante desses dados, é possível evidenciar que, nas cartas de leitores norte riograndenses dos séculos XIX e XX, a ordem SV é a que mais predomina, constituindo juntamente com a VS inacusativa a gramática do PB, em termos de Língua – I (interna). Os poucos casos de inversões germânicas que venham a surgir nesses dados coletados devem ser considerados como opções estilísticas, tendo em vista que, consoante Coelho e Martins (Mimeo), essas diferentes ordens do sujeito são reflexos das tensões entre as diferentes gramáticas (conservadoras vs inovadoras). A partir dessa análise, deve-se esclarecer a importância deste estudo para o ensino de língua de portuguesa que, atualmente, está voltado para o uso das gramáticas normativas ou tradicionais, nas quais a ordem Sujeito-Verbo-Objeto (SVO) está consagrada, sendo comum que os alunos apresentem a tendência de considerar que todos os constituintes que antecedem o verbo sejam tidos como sujeitos e que todos os constituintes que se encontram pospostos ao verbo sejam considerados como objetos. Sendo assim, quando o sujeito aparece após o verbo, os falantes da língua tendem a não estabelecer a concordância do verbo com o sujeito por acreditarem que este é um objeto. A fim de atentar para a ocorrência das inversões do sujeito em gramáticas normativas/tradicionais, foi realizada a busca desse fenômeno na Nova gramática do português contemporâneo de Cunha e Cintra (2008). Esta gramática, como já era de se esperar, não trata em nenhum momento das diferentes possibilidades de posicionamento do sujeito (anteposição ou posposição ao verbo), no entanto, apresenta alguns exemplos em que o sujeito se encontra posposto ao verbo, tais como: a) “Era forçoso / que fosse assim.” (A. Sérgio, E, IV, 245.); b) “Valeria a pena / discutir com o Benício?” (J. Montello, SC, 16.); c) “Falam por mim os abandonados de justiça, os simples de coração.” (C. Drummond de Andrade, R, 148.); d) “Era melhor esquecer o nó e pensar numa cama igual à de seu Tomás da bolandeira.” (G. Ramos, VS, 83.); e e) “Dir-se-ia que o pano do palco se havia levantado e que iam surgir, pelas entradas laterais, as demais figuras da peça.” (J. Montello, LE, 108.). Nos exemplos “a” e “b”, o sujeito é simples e é representado por uma oração subordinada substantiva subjetiva. Já no exemplo “c”, o sujeito é composto e constituído por expressões substantivadas, havendo a concordância entre o verbo e o sujeito apesar da posposição deste àquele. Em contrapartida, nos exemplos “d” e “e”, o sujeito é composto e constituído por orações subordinativas substantivas subjetivas, mas, diferentemente do exemplo “c”, não há concordância entre o verbo e o sujeito. Como se pode perceber nos exemplos supracitados, ainda que haja a predominância da ordem SVO, existe a possibilidade de o sujeito se posicionar após o verbo e, neste caso, uma grande tendência a não realização da concordância entre eles. Daí a relevância desta pesquisa, que tem o intuito de mostrar a ocorrência do fenômeno da inversão do sujeito, isto é, da sua posposição em relação ao verbo e descrever as possibilidades de ordenação do sujeito incluindo diferentes possibilidades – SVO/(X)VS – contribuindo, dessa forma, de maneira positiva para o ensino de língua portuguesa. 2.2 Os padrões de colocação de clíticos e o ensino de Língua Portuguesa De acordo com o que foi explanado nas seçãos anteriores, mais exatamente em 1.2, os pronomes clíticos são formas pronominais átonas que se cliticizam a uma forma verbal, considerada como hospedeiro, para que possa ser realizado na sentença. A clíticização destas formas átonas pode se estabelecer de três maneiras: (i) anteposta ao verbo, fenômeno conhecido como próclise; (ii) pospota à forma verbal, a ênclise ou (iii) interposta ao hospedeiro verbal, a mesóclise. A mobilidade sintática expressa nessas três possibilidades de ordenação de pronomes clíticos dão a essas formas pronominais uma atenção especial, visto que sua colocação na sentença seguem regras gramaticais específicas que foram instituidas para estabelecer um padrão a ser seguidos por todos as falantes de língua portuguesa. Podemos considerar como norma “tudo o que não é funcional, mas que é tradicional, comum e constante, ou, em outras palavras, tudo o que se diz ‘assim, e não de outra maneira’.” (BECHARA, 2009, p.42). Ou seja, a norma padrão, baseada na tradição literária, é uma forma de realização da língua que é considerada como regra e muitas vezes apontada como a única forma de se falar/escrever ou a única forma “correta” de se falar/escrever em português. Como sabemos, a norma padrão da língua portuguesa é amplamente difundida no contexto escolar e goza de um grande prestígio social, caracterizando-se, segundo Tarallo (2007), como uma variedade padrão, conservadora e de prestígio. Esta forma de falar/escrever a língua portuguesa é utilizada nos contextos formais como em entrevistas de emprego, em telejornais, na mídia impressa, em discursos políticos, nas relações acadêmicas, entre outros contextos. A norma padrão também é considerada “a forma correta” de se falar/escrever a língua portuguesa, tornando todas as outras variedades como “formas erradas” que não deve ser reproduzidas e que não devem ser ensinadas. Foi baseado nesse pensamento que a língua portuguesa foi, e continua sendo, ensinada no Brasil por muito tempo até o advento da sociolinguística que tem como principal pressuposto o fato de que a língua varia conforme alguns aspectos, sejam eles regionais, sociais, econômicos, de faixa etária ou de sexo. A principal contribuição que esta corrente dos estudos linguísticos legou ao ensino de língua portuguesa foi a de acabar com o mito de uma língua homogênea e correta, ou seja, esta vertente da pesquisa linguística mostrou que não há uma forma correta de utilizar a língua e que ela é “heterogênea e diversificada” (TARALLO, 2007, p.6). Apesar dos esforços dos novos modelos teóricos-metodológicos de pesquisa em linguística e de uma mudança de pensamento, que ainda está em processo, em relação ao ensino de língua portuguesa, os professores de Ensino Fundamental e Médio têm muita dificuldade de contemplar, no ensino, as diversas variedades da língua portuguesas, ou melhor, de uma variedade que não seja a norma padrão. Uma prova do que estamos afirmado é o fato de que na sintaxe de colocação dos pronomes clíticos, ensinadas em nossas escolas, ensina-se um padrão de ordenação (muito) diferente daquele utilizado. Nas gramáticas escolares, utilizadas pelos alunos do Ensino Fundamental e Médio, é encontrado um padrão de ordenação, no que refere aos pronomes clíticos, que se distancia muito da forma utilizada pelos alunos. Isso dificulta muito o aprendizados dos dicentes, dando-os a falsa impressão de que não sabem a própria língua. Os padrões de colocação dos pronomes clíticos encontrados em muitas gramáticas de língua portuguesa da atualidade, mostram que estes manuais obedencem a uma regra de colocação não característica do Português brasileiro (PB). Analisando algumas gramáticas, podemos observar a ocorrência de regras que favorencem o uso de formas, de ordenação dos pronomes clíticos, caracteristicas da gramática do Protuguês Clássico (PC), como a interlopação, da gramática do PE, como o padrão enclítico em casos sem a ocorrência de atratores de próclise, não privilegiando, dessa forma, os padrão de colocação que caracterizam a gramática do PB. Como podemos ver em Cunha e Cintra (2008), as principais regras de ordenação de clíticos privilegiam o padrão enclítico do PE, exceto em casos em que a próclise é categórica, tais como: (i) nas orações que contém uma palavra negativa, como os advérbios de negação não, nunca, jamais; (ii) nas oraçoes iniciadas por pronomes e advérbios interrogativos; (iii) nas orações iniciadas por palavras exclamativas; (iv) nas orações subordinadas desenvolvidas; (v) com o gerúndio regido por preposição em. Podemos observar melhor esta colocação dos pronomes clíticos nos exemplos de (17) a (21), retirados da gramática de Cunha e Cintra (2008). (17) – Não lhes dizia eu? (M. de Sá-Carneiro, CF, 348) (18) Quem me busca nesta hora tardia? (M.bandeira, PP,I,406.) (19) Que o vento te leve os meus recados de saudade. (F. Namora, RT, 89) (20) – Que é que desejas te mande do Rio? (A.Peixoto, RC, 174) (21) – Em lhe cheirando a homem chulo é com ele. (Machado de Assis, OC,I,755) Em (17), a próclise é preferencial, de acordo com a norma padrão da língua portuguesa, pois o verbo esta sendo precedido pelo advérbio de negação não; em (17), (18), (19), (20) e (21) a próclise é preferencial, obedencendo, assim, as regras impostas pela tradição gramátical difundida em nossa sociedade. No entanto, a visão proposta pela Gramática Normativa descrita acima não apresenta padrões da gramática do PB, visto que dá preferência a ênclise (exerto em contextos com atratores de próclise) em contextos que no Portugues Brasileiro é comum ocorrer próclise, como em V1, verbo em primeira posição absoluta, e em complexos verbais, em que o pronome clítico se antepõe ao verbo principal. Contrapondo-se às regras difundidas pela gramática normativa e os padrões característicos da gramática do PE, a gramática do PB privilegia a próclise em contextos que, segundo a norma padrão, são de ênclise categórica. É comum na gramática dessa língua construções com a próclise ao verbo principal em complexos verbais e a próclise ao verbo em primeira posição absoluta. Para exemplificar observa-se o exemplo (23) retirado da amostra do corpus do PHPB. Como já referido, esse corpus é formado por dados extraídos de textos jornalísticos publicados no Estado do Ceará durante os séculos XIX e XX. (23) ANNUNCIO || Precisa SE comprar cavallos para o corpo | de policia; quem os tiver, e quiser ven- | der, entenda-se com o commandante do | referido corpo. ( O Cearense – 13/01/1848) O exemplo (23) mostra a realização do padrão de colocação dos pronomes clíticos na gramática de PB, ou seja, e a próclise ao verbo principal em complexos verbais. Vale ressaltar que ao utilizarmos exemplos retirados de textos publicados em séculos passados – neste caso, os séculos XIX e XX – chamamos a atenção para a importância de o professor de língua portuguesa conhecer os estudos referentes à sintaxe diacronia do português. Dispondo de tais conhecimentos, o professor poderá avaliar criticamente o seu trabalho docente, pois saberá a trajetória percorrida pela língua durante os séculos e verá que o que é ensinado nas instituições de ensino como norma padrão, através da gramática normativa, é um tipo de gramática descontextualizada em relação à realidade do aluno e da sociedade brasileira. Tal perspectiva apresenta regras gramaticais comuns à outras realidades diferentes da brasileira. CONCLUSÃO Diante do que foi exposto neste artigo, podemos concluir que os estudos sobre a sintaxe da ordem podem suscitar importantes reflexões referentes ao ensino de língua portuguesa, além de se constituir um campo fértil de pesquisa. No tocante ao ensino de língua portuguesa, constatamos, em nossa análise, que os padrões de colocação do sujeito e dos pronomes clíticos na sentença, difundidos nas gramáticas escolares e ensinado pelos professores de língua portuguesa do Ensino Fundamental e Médio, instanciam padrões de ordenação pertencentes a gramática do Português Europeu. No que se refere à ordenação do sujeito, observamos que, apesar da predominancia da ocorrência da ordem SVO, existe a possibilidade de o sujeito se posicionar após o verbo e, neste caso, uma grande tendência a não realização da concordância entre eles. Um padrão característico da gramática do PB pode ser observado em contextos V1, verbo em primeira posição absoluta, e em complexos V1V2, com próclise ao verbo principal. No caso dos pronomes clíticos, o padrão difundido pelas gramáticas escolares e ensinado pelos professores de língua materna é o padrão enclítico, excerto em contextos com atratores de próclise. Vale ressaltar que não advogamos, neste artigo, o fim do ensino da norma padrão, visto que, essa variedade da língua portuguesa goza de um grande prestígio social, pois é utilizado nos contextos oficiais de comunicação. No entanto, buscamos chamar a atenção para o fato de que a língua é heterogenia, ou seja, a língua varia e estas variedades merecem um espaço no ensino de língua portuguesa. Desta forma, padrões de ordenação do sujeito e de colocação dos pronomes clíticos que caracterizam a gramática de PB devem ser reconhecisos como formas possíveis. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BECHARA, Evanildo. Moderna gramática do português. Rio de Janeiro: Nova Franteira, 2009. 37ª Ed. COELHO, I.; MARTINS, M. A. Padrões de inversão do sujeito na escrita brasileira do século 19: evidências empíricas para a hipótese de competição de gramáticas. ALFA (no prelo). CUNHA, Celso; CINTRA, Lindley. Nova gramática do português contemporâneo.Rio de Janeiro: Lexikon,2008. 5ªed. E SILVA, R. V. (org.) 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