GBETH Newsletter Volume 05 Número 05 18 de Março de 2007 Câncer Gástrico Familiar GBETH Newsletter é uma publicação semanal distribuída aos sócios do Grupo Brasileiro de Estudos de Tumores Hereditários Sede R José Getúlio, 579 cjs 42/43 Aclimação São Paulo - SP CEP 01503-001 E-mail [email protected] Renata de Almeida Coudry Departamento de Anatomia Patológica – Hospital A.C. Camargo O primeiro caso de câncer familiar descrito foi o da família de Napoleão Bonaparte há cerca de 200 anos. Recentemente, Lugli et al (2007) descreveram o estadiamento, patogênese e etiologia da família Bonaparte. Napoleão Bonaparte morreu em 1821, e no relatório da necropsia inicial o câncer gástrico foi identificado como causa do óbito. Em 1938 Sokoloff sugeriu que o pai de Napoleão (Charles Bonaparte) morreu de câncer gástrico, e que portanto, Napoleão possuía uma predisposição familiar para o câncer gástrico. Em 1961, uma concentração elevada de Editores Erika Maria M Santos Ligia P Oliveira Diretoria Presidente Benedito Mauro Rossi Vice-Presidente Gilles Landman Diretor Científico André Vettore Secretário Geral Fábio de Oliveira Ferreira Primeira Secretária Erika Maria M Santos Tesoureiro Wilson T Nakagawa Conselho Científico Beatriz de Camargo José Claúdio C Rocha Maria Aparecida Nagai Maria Isabel W Achatz Samuel Aguiar Jr Conselho Fiscal Titulares André Lopes Carvalho Gustavo Cardoso Guimarães Stênio de Cássio Zequi Suplentes Fábio José Hadad Mariana Morais C Tiossi Milena J S F L Santos arsênico levantou suspeita sobre uma possível morte por envenenamento, hipótese que foi abandonada posteriormente. Lugli et al (2007) através de informações históricas e análise da história médica da família Bonaparte buscaram identificar a etiologia da doença da família. A partir dos registros da necropsia de Napoleão e baseados em outros estudos, Lugli et al (2007) concluíram que Napoleão apresentava um lesão Bormann tipo III (ulcerado) estádio IIIA (T3N1M0). Os maiores fatores de risco para câncer gástrico são sexo masculino, gastrite crônica por infecção por Helicobacter pylori e susceptibilidade genética. A susceptibilidade genética pode ser fatores associados com o desenvolvimento do câncer em Napoleão. Esta hipótese é baseada no relatório da necropsia de Charles Bonaparte, pai de Napoleão, que morreu com 39 anos. Nos demais familiares de Napoleão não foram realizadas necropsias, o que torna as informações sobre a causa de óbito destes familiares baseadas em relatos verbais. Lugli et al (2007) sugerem que não há evidência para confirmar a presença de uma síndrome hereditária na família de Napoleão. Estudos sugerem que há um componente familiar em cerca de 5% a 10% dos casos de câncer gástrico. A agregação familiar é mais comum no tipo difuso do que no tipo intestinal: familiares de indivíduos com câncer gástrico do tipo difuso têm um risco aumentado em 7 vezes para desenvolver câncer gástrico, enquanto que familiares de indivíduos com câncer gástrico do tipo intestinal têm risco de 1,4 vezes de desenvolver câncer gástrico comparado ao da população geral. (Barber et al 2006) Cãncer Gástrico Familiar Câncer gástrico difuso hereditário conjunto, as moléculas de caderina e catenina formam um complexo com a função de unir os citoesqueletos para formar tecidos coesos. Em 1999 foi proposto o termo câncer gástrico difuso hereditário (HDGC) para agrupar pacientes com um padrão de herança autossômica dominante de uma síndrome de câncer gástrico. O International Gastric Cancer Linkage Consortium (IGCLC) estabeleceu os seguintes critérios para definir HDGC: • Qualquer família com dois casos documentados de câncer gástrico difuso em familiares de primeiro ou segundo graus, com um dos casos diagnosticados antes dos 50 anos; e • Três ou mais casos documentados de câncer gástrico difuso em familiares de primeiro grau diagnosticados em qualquer idade. Além da função de adesão a E-caderina também atua na manutenção da polaridade celular, motilidade, organização do citoesqueleto e organelas, transdução de sinal, inibição da proliferação, prevenção da apoptose e diferenciação celular. Com tantas funções, a regulação do complexo caderina-catenina pode ocorrer por uma variedade de mecanismos. A perda da expressão de E-caderina é descrita em muitos tumores – mama, estômago, colorretal e pâncreas – o que sugere um papel como supressor de tumor. Mutações germinativas do CDH1 estão espalhadas ao longo do gene sem hot spot. Na maioria dos casos as Em 2004 Brooks-Wilson expandiram o critério: mutações identificadas são nonsense ou frameshift, mas • Qualquer família com dois casos documentados de mutações missense e splice site foram identificadas. Da câncer gástrico difuso em familiares de primeiro e segundo mesma forma que outras síndromes de predisposição ao graus, com um dos casos diagnosticados antes dos 50 anos; câncer, um alelo tem mutação germinativa e o outro é • Três ou mais casos de câncer gástrico em uma família, inativado no tecido gástrico. Assim, o CDH1 comporta-se diagnosticado em qualquer idade, com pelo menos um caso como um supressor de tumor. Os mecanismos de inativação documentado de câncer gástrico difuso; incluem hipermetilação do promotor, mutação somática • Qualquer indivíduo diagnosticado com câncer gástrico difuso antes dos 45 anos; • Qualquer indivíduo com câncer gástrico difuso e câncer de mama lobular; • Um familiar com câncer gástrico difuso e outro com ou perda de heterezigosidade. Também é possível que a redução geral na expressão da E-caderina seja causada por outros fatores, além do segundo “hit”. Cerca de 30% dos HDGC são causados por mutações na E-caderina. Pouco se sabe sobre os genes envolvidos nos demais casos. Em judeus Ashkenazi com uma câncer de mama lobular; mutação específica no BRCA2 (6174delT) está associada • com câncer de mama em 6% dos casos. Também foram Um familiar com câncer gástrico difuso e outro com câncer de cólon em anel de sinete. identificadas mutações nos genes MET e p53 em famílias com HDGC (um caso cada). Assim, estudos são necessários A base molecular do HDGC foi apresentada em 1998 quando foram descritas mutações no gene E-caderina para identificar a base molecular dos casos de HDGC sem mutação no CDH1. (CDH1) em três famílias Maori. Estima-se que 30% dos HDGC apresentam mutações no CDH1, e a penetrância destas mutações é entre 75% e 85%. Mutações no CDH1 também são associadas com diagnóstico pobre: 10% em cinco anos. Câncer gástrico intestinal familiar O IGCLC define o câncer gástrico intestinal familiar A E-caderina está associada com β ou γ-catenina que (FIGC) a depender do país de origem e da taxa de une a E-caderina ao citoesqueleto via γ-catenina. Em incidência do câncer gástrico no país. Em países com alta GBETH Newsletter 2007 Volume 05 Número 05 Cãncer Gástrico Familiar incidência de câncer gástrico, tais como Japão e Portugal, o Os tumores foram analisados quanto à perda de FIGC é classificado usando um critério análogo ao critério expressão das proteínas MLH1, MSH2, MSH6, β-catetina de Amsterdam para Síndrome de Lynch: e p53 através da imunoistoquímica. A MSI foi determinada Três casos documentados de câncer gástrico intestinal usando o painel de Bethesda (BAT25, BAT26, D5S346, em uma família, com um membro da família sendo familiar D2S123, D17S250).Também foi analisada a LOH (perda de de primeiro grau dos outros dois; heterezigosidade). Foi investigada a metilação de 24 genes • • Duas gerações sucessivas acometidas; • Um indivíduo diagnosticado antes dos 50 anos. Em países com incidência baixa, tais como Estados Unidos e Reino Unido o critério é mais aberto: supressores de tumor. Dos 15 tumores das famílias com SL, 13 tumores apresentavam mutações nos genes MMR (11 no MLH1 e dois no MSH2). A média de idade de diagnóstico foi 58 anos, menor que a média de idade dos demais grupos (tipo Pelo menos dois familiares de primeiro ou segundo intestinal com MSI – 76 anos; tipo intestinal com MSS graus com diagnóstico de câncer gástrico intestinal, com um – 73 anos; tipo difuso com MSS – 69 anos). Quanto as caso diagnosticado antes dos 50 anos; características patológicas, os tumores da SL apresentaram • • Três ou mais casos de câncer gástrico intestinal diagnosticados em qualquer idade. Uma pequena fração dos tumores gástricos ocorrem como parte de síndromes de predisposição, que inclui Síndrome de Lynch (SL), Síndrome Li-Fraumeni (LFS), polipose adenomatosa familiar (FAP) e síndrome de PeutzJeghers (PJS). O risco de câncer gástrico varia com um risco estimado entre 10% e 15% na SL, 30% na PJS e 12% na FAP. O câncer gástrico é a segunda manifestação extra- diferenciação pobre com maior freqüência (4/9), do que os tumores intestinais com MSI (5/10) e os tumores intestinais com MSS (1/20). Todos os 13 tumores de indivíduos portadores de mutação apresentavam perda de expressão da proteína correspondente (um dos casos com mutação em MSH2 também apresentava perda da expressão da MSH6, como esperado). Todos apresentavam MSI. Dos 15 tumores de famílias com SL, dois não apresentavam mutações nos genes MMR, eram MSS e sem alteração na expressão da proteína MMR, com a freqüência de fenocópia de 13%. Estes casos colônica mais comum na Síndrome de Lynch, no entanto, foram excluídos da análise. não está incluído no critério de Amsterdam II. Isto ocorre, pois o câncer gástrico é relativamente comum e não foi possível demonstrar uma associação com a SL. Guilling et al (2007) estudaram tumores gástricos em famílias com SL para verificar se o câncer gástrico faz parte da SL. Dos casos esporádicos com MSI, todos apresentavam ausência de expressão de MLH1 analisada pela imunoistoquímica. O mecanismo de inativação do MLH1 foi diferente entre os tumores da SL e os esporádicos. Dos 10 tumores esporádicos, sete (70%) apresentavam Guilling et al (2007) avaliou 61 amostras de tumores hipermetilação do promotor do MLH1. Nenhum dos gástricos. Destas, 15 pertenciam a pacientes de famílias tumores da SL apresentava metilação do promotor do que preenchiam os critérios de Amsterdam ou Bethesda e MLH1; quatro tumores apresentavam LOH no alelo que apresentavam mutações nos genes de reparo (MMR). selvagem do MLH1. Para compor o grupo de 46 amostras de câncer gástrico esporádico foi avaliada uma coorte de carcinoma gástrico diagnosticado em idade avançada. Este grupo constituiu de 10 tumores gástricos do tipo intestinal com instabilidade de microssatélite (MSI), 20 tumores do tipo intestinal com estabilidade de microssatélite (MSS) e 16 tumores do tipo difuso com MSS. No grupo com SL, a LOH no APC foi observada em cinco dos 12 tumores avaliados. Em geral a LOH do APC foi mais freqüente nos tumores intestinais, esporádicos ou hereditários (20/39), do que nos tumores difusos (2/17). A localização nuclear da β-catenina foi semelhante entre os grupos. Mutações somáticas no KRAS foram identificadas apenas nos tumores MSI (4/23), ao contrário de nenhuma GBETH Newsletter 2007 Volume 05 Número 05 Cãncer Gástrico Familiar mutação identificada no grupo de tumores MSS. Nenhuma Bibliografia mutação somática no BRAF foi identificada.A distribuição de positividade da p53 na IHQ foi 20% nos tumores com Barber M, Fitzgerald RC, Caldas C. Familial gastric SL, 30% nos tumores intestinais com MSI e MSS e 25% cancer – aetiology and pathogenesis. Best Practice and nos tumores difusos. Research Clinical Gastroenterology 2006;20:721-34. Os tumores também foram avaliados quanto a mutações Gylling A, Abdel-Rahman WM, Juhola M, Nuorva K, em genes regulatórios implicados no desenvolvimento Hautala E, Jarvinen HJ et al. Is gastric cancer part of the de tumores de estômago e colorretais. Como esperado, tumor sprectrum of hereditary nonpolyposis colorectal mutações frameshift foram observadas nos tumores MSI cancer? A molecular genetic study. Gut published online (hereditários ou esporádicos) e estavam ausentes nos 31 Jan 2007. tumores MSS. Lugli A, Zlobec I, Singer G, Lugli AK, Terracciano O número médio de genes com metilação dos genes LM, Genta RM. Napoleon Bonaparte’s gastric câncer: a foi associado com a instabilidade de microssatélite: 4,1 nos clinicopathologic approach to staging, pathogenesis, and tumores com SL; 5,9 nos tumores intestinais com MSI; etiology. Nat Clin Pract Gastroentrol Hepatol 2007;4:52-7. 2,3 nos tumores intestinais com MSS e 1,6 nos tumores difusos. O conjunto destes dados justifica a consideração do tumor gástrico como parte dos tumores da Síndrome de Lynch. GBETH Newsletter 2007 Volume 05 Número 05